TÉCNICO ESTRANGEIRO
VINCULAÇÃO COM O REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

RESUMO: O Parecer a seguir transcrito dispõe sobre a vinculação do técnico estrangeiro que vem prestar serviços em sucursais brasileiras ao RGPS.

PARECER CJ Nº 2.991, de 21.03.2003
(DOU de 26.03.2003)

ANEXO

ASSUNTO: Técnico estrangeiro sem vinculação com o Regime Geral de Previdência Social.

EMENTA: Direito Previdenciário. Princípio da legalidade. O direito previdenciário é norteado pelo princípio da reserva legal. A vinculação ao Regime Geral de Previdência Social ocorre quando a atividade do trabalhador ou beneficiário se subsume na hipótese legal de incidência. Trabalhador segurado e remunerado no exterior. Impossibilidade de vinculação por ausência de previsão legislativa.

A SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL - SPS submete-nos consulta indagando se um técnico de nacionalidade alemã, empregado e remunerado na Alemanha, mas prestando serviços em sucursal de empresa germânica, estaria vinculado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS.

2. A necessidade da consulta é fundada em que o fato social de diversos técnicos estrangeiros virem trabalhar no Brasil, mormente como consultores de empresas de outros países, está se tornando cada vez mais corriqueiro.

3. Acresce-se a isto, o fato de que o Brasil não mantém acordo internacional de reciprocidade, no âmbito da Previdência Social, com muitos destes Estados soberanos, o que faria presumir a não aceitação do período laboral prestado aqui, quando o segurado retornasse a sua pátria.

Esta é a suma da consulta. Passemos à sua análise.

4. O direito previdenciário é norteado por diversos princípios, dentre os quais se encontra o princípio da legalidade.

5. Ao revés do que se possa pensar, para que a Previdência Social faça cumprir o princípio da legalidade não é suficiente que ela não pratique atos eivados de ilegalidade.

6. É óbvio que não pode o Administrador praticar atos contra a lei. Mas o que sobressai do princípio da legalidade é que a Administração pode agir tão-somente na conformidade do que esta expressamente lhe prescreve.

7. No direito civil, tudo o que não é proibido pela lei, é licito aos particulares. Podem estes contratar, distratar, alienar ou dispor. Agem fora da margem mínima de vedação legal.

8. No direito previdenciário a situação é justamente a inversa. A Autarquia Previdenciária somente pode proceder dentro do que lhe determina a legislação específica.

9. Compulsando a Lei nº 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, verá o hermeneuta que inexiste qualquer proibição legal a que o empregado estrangeiro de empresa reinícola (lá contratado e por ela lá remunerado) vá até uma Agência da Previdência Social e se inscreva como segurado do Regime Geral.

10. Entretanto, não se encontra o fato jurídico sob o domínio privatístico do direito civil, comercial ou das obrigações. A relação jurídica previdenciária é de índole publicista, porquanto a pessoa ficta do Estado assume obrigações perante o particular, gerando outrossim o paralelo direito subjetivo do Estado receber contribuição do segurado.

11. O agente administrativo que procede à concessão ou inscrição, antes de fazê-lo, verifica se há prévia disposição legal em que possa enquadrar o requerente.

12. Inexistindo na legislação um preceito autorizador da inclusão do estrangeiro, nas condições citadas, no RGPS, a única opção do administrador previdenciário é indeferir a inscrição. Pode ser que alguns técnicos até queiram filiar-se ao RGPS. Sem a permissão legal, entanto, veda-se-lhe o pretendido acesso.

13. Com a privatização de diversos setores da economia nacional e dada a rápida globalização da economia mundial, tem-se verificado que cresce o número de estrangeiros exercendo atividade no Brasil, mas com vínculo laboral com empresa internacional, sendo remunerado por ela fora do nosso torrão e tendo direitos previdenciários junto à previdência de seu país.

14. A Lei nº 8.213, de 1991, dispõe em seu art. 11 acerca dos segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social:

"Art. 11 - São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

I - como empregado:

(...)

c) o brasileiro ou o estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior;

d) aquele que presta serviço no Brasil a missão diplomática ou a repartição consular de carreira estrangeira e a órgãos a elas subordinados, ou a membros dessas missões e repartições, excluídos o não-brasileiro sem residência permanente no Brasil e o brasileiro amparado pela legislação previdenciária do país da respectiva missão diplomática ou repartição consular;

e) o brasileiro civil que trabalha para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da legislação vigente do país do domicílio;

f) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante pertença a empresa brasileira de capital nacional;

(...)

i) o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento no Brasil, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social";

15. No fragmento da lei não se encontra a figura do estrangeiro ora sob análise.

16. Também não se trata de dizer-se que a hipótese analisada é o inverso do contido na alínea f supra. A verdade é que o técnico estrangeiro vinculado a regime alienígena de previdência e sem preencher quaisquer hipóteses do art. 11 retrocitado, não pode ser amparado pelo Regime Geral de Previdência Social, por ausência de previsão legal.

17. O que veda a inclusão como segurado obrigatório não é uma inversão ou uma violação frontal a um dispositivo da lei. Ao contrário, é apenas a não disposição do legislador em perfilhá-lo entre os filiados à previdência geral brasileira. Aqui está a manifestação do princípio da reserva legal.

18. Há uma lógica na determinação do legislador. Da análise do problema, pode-se inferir duas categorias distintas de trabalhadores sujeitos ao trânsito internacional: 1) os que trabalham no Brasil e apesar disto estão excluídos do RGPS; 2) os que trabalham no exterior.

19. Se é óbvio que a grande maioria dos trabalhadores brasileiros no exterior nada tem a ver com o nosso RGPS, não é tão óbvio que nem todos os trabalhadores no Brasil são filiados obrigatórios do sistema de previdência brasileiro.

20. O primeiro caso que a legislação apresenta é o do não-brasileiro que preste serviço ou mantenha relação de emprego com missão diplomática ou repartição consular estrangeira ou a membros dessas missões, desde que não mantenha residência com ânimo definitivo ou que tenha cobertura de previdência no exterior.

21. O segundo caso é o do brasileiro que mantenha relação de emprego com estas representações desde que esteja amparado pela previdência do país da respectiva representação.

22. A terceira hipótese legal é a do empregado de organismo oficial internacional em funcionamento no Brasil quando garantido por qualquer regime próprio de previdência.

23. Estas são as hipóteses legais, às quais podemos acrescentar uma hipótese extra-legal de exclusão do RGPS: todo e qualquer estrangeiro que mantenha relação de trabalho com empregador estrangeiro, vinculado ao respectivo regime de previdência e remunerado em seu país de origem, em que pese preste serviços no Brasil.

24. Não importa se vem trabalhar aqui por 2 ou 10 anos. Não interessa também se o Brasil tem ou não Acordo de Previdência Social com o país de origem.

25. A aplicação dos princípios gerais não passa por aí. O que existe é o preceito do Direito Previdenciário brasileiro segundo o qual somente o estrangeiro que aqui trabalhe e que aqui resida com ânimo definitivo, e ainda se estiver desamparado de regime próprio de previdência social, tão-só este estrangeiro deve filiar-se ao RGPS.

26. A outra categoria de casos sui generis é a dos empregados que, trabalhando no exterior, são ainda assim segurados obrigatórios perante o Regime Geral brasileiro.

27. São dois os casos. Um se dá quando o estrangeiro ou brasileiro aqui é contratado para trabalhar no exterior em empresa nacional ou cujo capital votante seja em sua maioria da empresa brasileira. O outro é o do brasileiro civil que trabalhe para a União, no exterior, em organismos oficiais brasileiros ou internacionais do qual o Brasil seja integrante.

28. Nesses casos, o interesse nacional está em jogo. O segurado que presta serviços aos interesses da nação brasileira, seja diretamente ao Estado, seja laborando em empresas nacionais, cujo desempenho positivo é salutar para a economia do país, não pode ver-se desassistido quando retornar ao Brasil. Em virtude do princípio geral cristalizado na letra da lei, ele passa a vincular-se ao RGPS.

29. Acrescente-se a tudo isto que é indispensável que o regime previdenciário vise à proteção de seus segurados. E não havendo necessidade do estrangeiro em socorrer-se da previdência brasileira, porque coberto pelo regime de seu país, despecienda qualquer medida tuitiva para o trabalhador.

30. A questão da existência de Acordo de Previdência entre países, como dito antes, nada tem com o nosso caso.

31. O Acordo Internacional existe para regular situações totalmente diferentes, como a do estrangeiro que trabalhe 10 (dez) anos no Brasil, contribuindo para o RGPS, e depois volte para o seu país e trabalhe mais 25 (vinte e cinco) anos. Para aposentar-se com 35 anos, precisará do reconhecimento dos 10 anos trabalhados no Brasil. Em casos quejandos é que o direito internacional deve intervir.

32. O princípio da legalidade, aliado a ausência de necessidade protetiva do estrangeiro, a exclusão do RGPS do trabalhador estrangeiro quando filiado a previdência social no exterior.

Ante o exposto, entende esta Consultoria Jurídica que a vinculação do segurado obrigatório ao Regime Geral de Previdência Social pressupõe o seu estrito enquadramento nos dispositivos da legislação previdenciária, não se encontrando submetido ao RGPS o técnico estrangeiro remunerado no exterior e com vinculação à previdência social do seu país.

À consideração do Senhor Consultor Jurídico.

Fábio Lucas de Albuquerque Lima
Coordenador da 2ª Coordenação de Consultoria Jurídica

Aprovo. À consideração do Senhor Ministro, para fins do disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

Jefferson Carús Guedes
Consultor Jurídico

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