ICMS
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

RESUMO: O presente Parecer dispõe sobre a possibilidade de descumprimento de dispositivos legais inconstitucionais e propositura de ação direta de inconstitucionalidade em face de alterações introduzidas na Lei nº 688/96, que versa sobre matéria tributária.

PARECER PGE/RO Nº 3, DE 19.07.02
(DOE de 14.08.02)

REFERÊNCIA:
OFÍCIO Nº 382/2002/GAB/SEFIN
ASSUNTO:

POSSIBILIDADE DE DESCUMPRIMENTO DE DISPOSITIVOS LEGAIS INCONSTITUCIONAIS E PROPOSITURA DE AÇÃO DIRETA, DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DE ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS NA LEI Nº 688/96

PROCEDÊNCIA:

COORDENADORIA DA RECEITA ESTADUAL - CRE/SECRETARIA DE ESTADO DE FINANÇAS - SEFIN

A COORDENADORIA DA RECEITA ESTADUAL - CRE e a SECRETARIA DE ESTADO DE FINANÇAS - SEFIN formulam consulta a respeito da possibilidade de recusar cumprimento a dispositivos legais vetados, mas promulgados pela Assembléia Legislativa do Estado, supostamente marcados por eiva de inconstitucionalidade, bem como solicitam análise para fins de propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face de alterações introduzidas na Lei Estadual nº 688/96, que trata de matéria tributária.

Relativamente ao primeiro tópico da consulta, tenho por imprescindível um exame teórico a respeito da pretensão sinalizada pelas ilustres autoridades representantes dos órgãos estaduais consulentes.

De fato, e obviamente, a recusa de cumprimento aos dispositivos legais enumerados na consulta está condicionada à eventual prerrogativa de que se revestisse a autoridade administrativa para assim proceder.

Eis que inexistentes subsídios na fonte primária do direito, doutrina e jurisprudência podem conter as luzes necessárias a uma caminhada segura.

O eterno guia dos administrativistas - Hely Lopes Meirelles, com sua perene autoridade, enfrentando o tema e aprofundando-se na questão pertinente à presunção de legitimidade atribuída aos atos emanados do Poder Legislativo, assim se expressa:

"Quem descumpre lei inconstitucional não comete ilegalidade, porque está cumprido a Constituição. Ocorre porém, que como os atos públicos trazem em si a presunção de legitimidade, não cabe ao particular negar-lhes validade por entendimento próprio, sem que antes obtenha do Judiciário a declaração de invalidade. Com a Administração, todavia, a situação é diversa, porque a presunção de legitimidade milita a favor dos atos de todos os agentes do Poder Público. Nivelados no plano governamental, o Executivo e o Legislativo praticam atos de igual categoria, e com idêntica presunção de legitimidade. Se assim é, não se há de negar ao Chefe do Executivo a faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo inconstitucional, desde que por ato administrativo formal e expresso (decreto, portaria, despacho, etc.) declare a sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste" (Direito Municipal Brasileiro, 3ª Ed. - Editora Revista dos Tribunais, págs. 849/849).

Caio Tácito, em comentário publicado na Revista de Direito Administrativo, vol. 59, pág. 339 e segs., adverte:

"A compreensão de que o exame da constitucionalidade das leis não é monopólio do Poder Judiciário (embora sujeito a seu controle final) tem, pelo menos, dois precedentes respeitáveis na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

I) Em acórdão relatado pelo ilustre Ministro Nelson Hungria, a unanimidade do Tribunal Pleno manteve o decreto do então Prefeito Jânio Quadros que declarou nulos e sem efeito, tendo em vista a inconstitucionalidade das leis estaduais em que se fundavam, atos administrativos que beneficiavam certos funcionários (Recurso de mandado de segurança nº 2.497, in Revista de Direito Administrativo, volume 42 - página 230);

II) Em acórdão, também unânime, relatado pelo ilustre Ministro Cândido Mota, o Tribunal Pleno manteve a recusa do Governador do Estado da Paraíba em executar a Lei Estadual nº 1.551 por entendê-la inconstitucional (Recurso de mandado de segurança nº 4.211, in Revista Trimestral de Jurisprudência - volume 2 - página 386).

Nessa mesma toada, a potente voz de Frederico Marques:

"Não é só o Judiciário que possui o poder de controlar a constitucionalidade de ato emanado de órgão do Poder Público. Se a última palavra sobre a questão está com os juízes e os tribunais, nada impede, porém, que os outros Poderes também as resolvam, na esfera de suas atribuições. A diferença entre o controle judiciário e a verificação de inconstitucionalidade de outros Poderes reside em que o primeiro é definitivo bie et nunc, enquanto a segunda está sujeita a exame posterior pelas Cortes de Justiça".

A par daqueles precedentes invocados por Caio Tácito, registre-se que, em 1965, no julgamento do Mandado de Segurança nº 14.557-SP, o Supremo Tribunal Federal, sob a batuta do Ministro Pedro Chaves, timbrava:

"(...) no controle da constitucionalidade das leis, não podemos excluir os Poderes Executivo e Legislativo. Todos os Poderes são obrigados a observar a constitucionalidade das leis, embora a Constituição reserve ao Poder Judiciário e ao seu órgão de cúpula, que é este egrégio Supremo Tribunal Federal, a função específica de declarar a inconstitucionalidade. E depois comete ao senado a função, o dever, de tornar sem efeito essa lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Não posso adotar a tese de que ao Poder Executivo Municipal fosse negado o direito de deixar de aplicar uma lei evidentemente inconstitucional."

Mais adiante, no ano de 1966, após o advento da Emenda Constitucional 16 introduzida à Carta então vigente, a qual conferiu ao Supremo Tribunal Federal o controle abstrato da constitucionalidade das leis, aquela Corte, sem excluir definitivamente a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo recusar cumprimento de norma flagrantemente inconstitucional, demonstrou certa hesitação a esse respeito, como se extrai do julgamento do M. S. nº 16.003-DF:

"(...) Desde que se situa Constituição acima de todos os outros textos, ao aplicador ou ao intérprete se depara uma opção; se as normas colidem, opta-se entre a Constituição e a lei. Assim , quando o intérprete aplica a Constituição, não está infringindo a lei. A questão a resolver converte-se noutra: se existe incompatibilidade entre a lei e a Constituição. O Presidente da República, ao dar primazia, para ato seu, a um dispositivo constitucional sobre o dispositivo legal, permanece fiel ao seu juramento de obediência à Constituição. Tais os conceitos correntes em doutrina. Mas todos os constitucionalistas realçam (depois do famoso ensinamento de Marshall, na América do Norte, e a da lição de Rui Barbosa, no Brasil) a nulidade de qualquer norma que entre em colisão com a norma constitucional.

Li, com a atenção que merece, o parecer de um dos maiores juristas que o Brasil tem tido, o Professor Francisco Campos, mas li também outros conceitos seus, ainda agora repetidos em obra do Professor Temístocles Brandão Cavalcanti ("Do controle da constitucionalidade").

‘Um ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente; uma lei inconstitucional é lei apenas aparentemente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz pois que inexiste de direito ou é para o direito como se nunca houvesse existido’.

Quando, portanto, o poder público ou a autoridade pública é chamada a escolher entre a Constituição e a Lei, não lhe é dado sobrepor a lei à Constituição. Porém semelhante prerrogativa pode ter conseqüências altamente prejudiciais; basta figurar que algum agente do Executivo se arrogasse a faculdade de ser intérprete da lei em face da Constituição. Mas a reação dos Chefes do Estado, esta sim, é de tradição norte-americana.

Aos precedentes citados pelo eminente Ministro Relator, pode-se acrescentar a opinião de W. Willoughny (Principles of the Constitutional law of the United States, § II):

‘O direito de um funcionário, a quem cabe a execução de uma lei, de recusar o seu cumprimento sob o fundamento de inconstitucionalidade não é tão claro quanto o do particular obrigado a cumprir a lei. Como orientação geral, parece que um funcionário público, mesmo quando assumir o risco de um processo, ou punição, civil ou criminal, não deveria deixar de cumprir uma lei, mesmo inconstitucional, exceto quando as conseqüências forem graves e irremediáveis, ou muito especialmente, quando o único meio que pode levar o caso a apreciação judicial para verificação de sua realidade é a recusa de sua aplicação.’

Temos aí encarecida a reação à prática de ato que fira o mandamento básico. Nem era outro o direito existente à época do procedimento governamental.

De modo que, votando sobre a questão concreta, minha opinião, nesta parte, coincide com a opinião até então manifestada pelo egrégio Tribunal e pelo eminente Relator.

Outra história (como diria Kipling) será o exame daquela solução depois da Emenda Constitucional nº 16. Não vejo necessidade de enfrentar o assunto neste ensejo, com delonga do julgamento. Se nisso houve interesse, fá-lo-ei em próxima ocasião."

Como se vê, com a admissão, no direito constitucional brasileiro, da ação direta de declaração de inconstitucionalidade, ocorrida com a Emenda Constitucional nº 16/65, esboçou-se a formação de uma corrente intermediária, integrada por aqueles que entendiam que, antes dela, era possível ao Chefe do Executivo não cumprir lei inconstitucional, porque de outra forma não poderia trazer a questão a exame do Poder Judiciário, razão que, com a ação direta, deixava de existir.

Coube ao Ministro Moreira Alves enfrentar o tema sob essa nova ótica, em cuja conclusão mereceu a aderência da todos os seus pares, apesar da divergência verificada a respeito da possibilidade de se negar cumprimento à constituição antecipadamente. Assim se pronunciou o festejado Ministro:

"Não tenho dúvida em filiar-me à corrente que sustenta que pode o Chefe do Poder Executivo deixar de cumprir - assumindo os riscos daí decorrentes - lei que se lhe afigure inconstitucional. A opção entre cumprir a Constituição ou desrespeitá-la para dar cumprimento a lei inconstitucional é concedida ao particular para a defesa do seu interesse privado. Não o será ao Chefe de um dos Poderes do Estado para a defesa, não do seu interesse particular, mas da supremacia da Constituição que estrutura o próprio Estado? Acolho, pois, a fundamentação - que, em largos traços, expus - dos que tem entendimento igual.

No caso, o ato normativo do Chefe do Poder Executivo Estadual - o qual se reveste da forma de Decreto - estabelece que a abstenção de cumprimento da lei se dê em casos em que esta haja sido vetada por falta de iniciativa exclusiva do Poder Executivo. Trata-se, pois, de hipótese inequívoca de inconstitucionalidade, como tem decidido esta Corte inumeráveis vezes; e de hipótese em que não há como pretender-se se baseie em inconformismo de um Poder em face de outro, mas, ao contrário, na auto-defesa de prerrogativa que a Constituição confere ao Executivo para melhor atender ao interesse público. E, restrita a hipótese a caso de lei vetada, não se pode alegar sequer incoerência do próprio Poder Executivo.

De qualquer sorte, é certo que ao Poder Judiciário continua reservado dizer a última palavra sobre a existência, ou não, da inconstitucionalidade, assumindo a Administração Pública o risco de eventual falta de adequação do caso concreto à inconstitucionalidade decorrente da ausência de iniciativa exclusiva do Executivo.

A possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade através de representação do Procurador-Geral da República, e, mesmo, a possibilidade de medida cautelar contra a execução da medida inquinada de inconstitucional, nada disto impede o exercício autônomo e provisório da faculdade, que tem o Chefe do Poder Executivo de negar aplicação à lei estadual que considere inconstitucional. (REP. Nº 980-SP).

Prosseguindo naquele julgamento, o Ministro Soarez Muñoz assim se pronunciou:

"Sr. Presidente, a lei inconstitucional não gera obrigação, nem cria direito. Essa lição de Rui Barbosa, muito conhecida, foi muito bem deduzida no voto do eminente Relator (...)"

Em sua oportunidade, o Ministro Leitão de Abreu acrescentou:

"Tal como o eminente Relator, não tenho dúvida, também, em filiar-me à corrente que sustenta caber ao Chefe do Poder Executivo deixar de cumprir - assumindo os riscos daí decorrentes - lei que se lhe afigure inconstitucional. Penso igualmente que, podendo essa prerrogativa ser usada em relação a um determinado ato legislativo, nada impede que seja decisão dessa natureza tomada, por decreto, em relação a pluralidade de leis, que, a juízo do Chefe do Governo, padeçam de inconstitucionalidade. Essa opinião, como demonstrou, no seu douto voto, o Ministro Moreira Alves, é dominante em nosso direito."

Como se vê, doutrina e jurisprudência, nas vozes de seus representantes mais ilustres e respeitados, reconhecem a prerrogativa inerente ao Chefe do Executivo de deixar de cumprir lei que se lhe afigure inconstitucional.

O mais recente julgado trazido à colação diz respeito a situação na qual o vício de inconstitucionalidade deriva da subversão da iniciativa legislativa reservada ao Executivo, que vem a coincidir com o caso concreto ora submetido à análise desta Procuradoria.

De fato, as autoridades consulentes demonstram que a Assembléia Legislativa, por meio de emendas dos Deputados Estaduais aos projetos de lei do Poder Executivo, vem introduzindo alterações à Lei nº 688/96, as quais, apesar de vetadas pelo Poder Executivo, foram promulgadas pelo Legislativo. Acrescentam, ainda, que referida lei regula o ICMS do Estado de Rondônia, imposto que é tido como "carro-chefe" da entrada de numerário nos cofres públicos, e que tais emendas, "além de serem inconstitucionais, são inoperantes e ineficazes", inviabilizando os trabalhos da fiscalização.

Relativamente à alegada inoperância das emendas introduzidas, tal sintoma é irrelevante para fins de observância da norma, pois mesmo uma lei idiota, caso se adeque à Lei Maior, reclama obediência.

Agora, no que se refere ao alegado vício de iniciativa, a questão muda de figura. Daí, a necessidade de se examinar historicamente as normas inquinadas de inconstitucionais, para concluir se, de fato, em seu processo criativo, houve vicio de iniciativa.

Para essa análise, necessário estabelecer algumas premissas básicas, solapando conceitos comumente aceitos, mas francamente equivocados.

Com efeito, é certo afirmar que, uma vez encaminhado projeto de lei de iniciativa privativa do Executivo, o mesmo pode sofrer emendas parlamentares. Todavia, é errôneo concluir que aquelas emendas só se mostrariam inconstitucionais se gerassem aumento de despesas. Não é bem assim...

As emendas legislativas inseridas em projeto de lei de iniciativa reservada ao Executivo são admissíveis quando tendentes a lhe aperfeiçoar; todavia, ainda que não gerem aumento de despesas, essas emendas ferem o princípio da tripartição dos Poderes, quando extrapolam os limites objetivos do projeto original, cuidando de aspectos materiais nele não compreendidos.

Ninguém melhor que o Ministro Ilmar Galvão enfrentou o tema, produzindo lapidar escólio:

"Assinale-se que os dispositivos em apreço (referentes à iniciativa legislativa reservada ao Executivo) retiraram do legislador tão somente o poder de deflagrar o processo legislativo, mas não o poder de deliberar acerca do projeto de lei recebido do Chefe do Poder Executivo, dando-lhe ou negando-lhe aprovação, total ou parcial, e também aperfeiçoando-o mediante modificações introduzidas por via de emendas. O que resta saber é se, a propósito de introduzir-lhe emendas, pode o Poder Legislativo extrapolar dos limites objetivos do projeto, para cuidar de aspectos materiais neles não compreendidos, ampliando, por esse modo, o campo de incidência da futura lei. Em outras palavras, se pode acrescentar ao projeto emendas que não guardem pertinência lógica com o assunto que lhe serve de objeto.

Parece óbvio que tal competência não pode ser reconhecida ao legislador sem burla à norma restritiva do poder de iniciativa das leis contida no referido art. 61, § 1º, da CF, não sendo lícito distinguir, a esse respeito, entre projeto de lei veiculado por meio de proposta original e projeto de lei enxertado em proposta de outrem, se, em ambos os casos, o que se tem em mira é introduzir inovação normativa em campo de iniciativa legislativa vedada ao autor do projeto." (ADI 645-2 DF).

Os dispositivos hostilizados versam sobre matéria tributária e, como tal, submetem-se às prescrições contidas no art. 61, § 1º, inciso II, alínea b, da Constituição Federal, segundo o qual "são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios."

Para confirmar que aquela regra é de observância compulsória pelos Estados, invoca-se, mais uma vez, a sapiência do Ministro Ilmar Galvão:

"Registre-se, inicialmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica em considerar as normas básicas de processo legislativo constantes da Constituição Federal como de observância compulsória pelos Estados, estando ai incluídas as regras relativas à iniciativa reservada previstas no § 1º, do art. 61, do texto constitucional." (ADI Nº 2.518-0 RO).

Fincadas essas premissas, passa-se ao cotejo das normas objurgadas (decorrentes de emendas parlamentares) com os respectivos projetos originários do Executivo.

O material disponibilizado nestes autos permite a conclusão imediata de que duas daquelas normas ferem, gritantemente, a Constituição Federal, na medida em que trazem conteúdos (inseridos através de emendas) totalmente dissociados daqueles presentes nos projetos originários do Executivo.

O primeiro deles refere-se ao art. 1º, da Lei nº 1.057/2002, quando deu a seguinte redação ao art. 54, § 1º, § 2º, § 3º e § 4º, incisos I, II, e III, da Lei nº 688/96:

"Art. 54 - Os regimes especiais serão concedidos mediante decisão favorável da Câmara de Gestão de Incentivo Tributário.

§ 1º - Ato do Poder Executivo constituirá a Câmara da Gestão de Incentivo Tributário.

§ 2º - A Câmara de Gestão de Incentivo Tributário será permanente e seus membros renovados anualmente, salvo a presidência que será exercida pelo Coordenador da Receita Estadual em exercício na função.

§ 3º - A Câmara de Gestão de Incentivo Tributário será composta da um presidente e quatro membros que terão suas remunerações e prerrogativas no que dispuser o ato constitutivo.

§ 4º - A Câmara de Gestão de Incentivo Tributário que trata o "caput" deste artigo será composta de:

I - um (01) Técnico da Comissão Permanente da Assembléia Legislativa - Indústria e Comércio, Minas e Energia;

II - um (01) representante da FIERO;

III - um (01) representante da FECOMÉRCIO; e"

Ora, o projeto enviado pelo Executivo, que deu origem à Lei nº 1.057/2002, não continha, em seu bojo, o assunto disciplinado no dispositivo acima transcrito. Sem dúvida, a Assembléia Legislativa extrapolou dos limites objetivos do projeto, quando emendou e promulgou referida norma.

Assim agindo, feriu o art. 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal, contaminando aquele dispositivo por vicio formal.

O mesmo se diga com relação ao próprio o artigo 1º da Lei nº 1.057/2002, quando deu nova redação ao art. 59, "caput, da Lei nº 952/2000:

Eis a íntegra da norma:

"Art. 1º - Passam a vigorar com a seguinte redação os dispositivos adiante enumerados, da Lei nº 688, da 27 da dezembro da 1996, alterada palas Leis nºs 765, da 29 de dezembro de 1997, 787, de 08 de julho da 1998 e 828, de 07 de julho da 1999:

"Art. 59 - Até o 10º dia útil do mês subseqüente, a Coordenadoria da Receita Estadual deverá remeter relação dos atos praticados quanto às homologações de crédito concedidas, Autos de infração lavrados no mês anterior e relação de inscrição em Divida Ativa, ao Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, à Controladoria Geral do Estado, à Assembléia Legislativa do Estado a ao Ministério Público, contendo data, local, nome do contribuinte, número do documento e valor."

A redação original do mencionado artigo 59, "caput", era a seguinte:

"Art. 59 - As pessoas físicas ou jurídicas, contribuintes ou não e responsáveis, na forma da legislação, estão obrigados ao cumprimento das obrigações tributárias acessórias, estabelecidas pela Secretaria de Estado da Fazenda a pela Coordenadoria da Receita Estadual, através de Resolução Conjunta."

Como se vê, houve total alteração do texto daquele dispositivo, sem que o titular privativo da deflagração do respectivo processo legislativo houvesse, em seu projeto, sequer cogitado a respeito do tema tratado na norma promulgada.

Mais uma vez, a Assembléia acrescentou ao projeto emendas que não guardam pertinência lógica com o assunto que lhe serve de objeto. Daí, a inconstitucionalidade desse dispositivo, também por vício formal.

Pois bem! O fato de estar sendo, nesse momento, firmada a inconstitucionalidade daqueles dois dispositivos não permite admitir que, a contrário sensu, os demais apontados pelos consulentes estariam em conformidade com a Lei Maior.

Como já se afirmara, o material examinado permitiu que se constatasse apenas as máculas apontadas, pois disponibilizada apenas a Mensagem e Projeto que deram origem à Lei nº 1.057/2002. Quando for possível examinar os projetos que originaram os demais Diplomas hostilizados, é possível que se reconheça mais vícios de iniciativa legislativa.

Além de vícios de iniciativa, outros, de ordem formal, ligados ao art. 24, I, da Constituição Federal, bem como de ordem material, vinculados às normas inseridas no capítulo pertinente ao Sistema Tributário Nacional da Carta Republicana, poderão ser detectados em uma outra análise. Por ora, repita-se, o exame ficou limitado ao vicio de iniciativa, concernente à Lei nº 1.057/2002.

Escorado nos escólios suso transcritos, é que se proclama que o chefe do Poder Executivo está, não apenas autorizado, mas compelido a negar cumprimento aos arts. 54 e 59 da Lei nº 688/96, com a redação que lhes trouxe a Lei nº 1.057/2002.

É que, na forma do art. 57 da Carta Política estadual, aquela autoridade prestou o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição. Quem assumiu esse compromisso, quando na presença de conflito entre a lei e a Carta Magna, não tem opção: não, pode recusar a cumprir a Constituição.

Portanto, submeto essa manifestação jurídica ao Sr. Governador do Estado para, se assim entender, dela valer-se para negar cumprimento aos dispositivos legais mencionados, por violarem, flagrantemente, a Lei Maior.

Concomitantemente, determino que se encaminhe cópia dos autos à Assessoria deste Gabinete para, em caráter de urgência, minutar ação direta de inconstitucionalidade em face dos dispositivos apontados nesta peça, bem como de outros hostilizados pelos consulentes, seja em razão de vícios de ordem formal ou de material.

Determino, por fim, que, junto à Coordenadoria de Apoio à Governadoria, colham-se cópias das mensagens de encaminhamento e dos projetos de leis que redundaram nos Diplomas impugnados pela Secretaria de Finanças e Coordenadoria da Receita.

Porto Velho, 19 de julho de 2002.

Reginaldo Vaz de Almeida

Procurador-Geral do Estado

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