TRÂNSITO DE MERCADORIAS

RECURSO Nº 133/95 - ACÓRDÃO Nº 750/95

RECORRENTE: (...)
RECORRIDA:
FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 12566-14.00/1987)
PROCEDÊNCIA:
CANOAS - RS
EMENTA:
ICM

Impugnação a Auto de Lançamento.

Autuações no Trânsito de Mercadorias. Ônus da Prova.

As infrações fiscais cometidas pelo sujeito passivo no trânsito de mercadorias autorizam o Fisco a reter a carga e o veículo transportador para apurar a irregularidade da carga, formalizando o ato através da lavratura de Termo de Apreensão e de Auto de Lançamento, no sentido de obstar o trânsito anormal das mesmas mercadorias.

Assim, se ônus da prova do ilícito tributário praticado pelo sujeito passivo, em princípio, incumbe ao Fisco, nas autuações levadas a efeito nos Postos Fiscais, este ônus se inverte pois, caso contrário, comprometida estaria a eficácia deste importante segmento fiscalizatório estadual.

O transporte da mercadoria, na forma como está consubstanciada na peça fiscal, constitui irregularidade que induz presunção em favor do Fisco.

Não restou infirmada a ilicitude que ensejou o lançamento fiscal.

Mantida a decisão "a quo".

Recurso voluntário desprovido. Unânime.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso voluntário, em que é recorrente (...), de Canoas (RS), e recorrida a FAZENDA ESTADUAL.

Contra a autuada, em 27 de junho de 1987, foi lavrado o Auto de Lançamento nº 6448700674, exigindo-lhe o recolhimento de ICM e multa. Fundamenta-se a ação fiscal na falta de apresentação, em trânsito, de documento fiscal que acobertasse a totalidade da carga conduzida.

Esclarece a autoridade autuante que o veículo de placas DY 1481, de propriedade da contribuinte, na oportunidade, transportava mercadoria sujeita ao ICM (madeira comercial verde bruta); que a documentação fiscal apresentada (Nota Fiscal - Fatura SU 2691) referia-se a 9,85m3 de madeira e o veículo transportava 14,83 m3.

Por isso, foi lavrado o Termo de Apreensão e constituído o crédito tributário, com base no artigo 8º, I, "d", da Lei nº 6.537/73, por ter a autuada descumprido o disposto no artigo 28, da Lei nº 6.485/72 e artigo 58, § 2º, do Decreto nº 29.809/80 e respectivas alterações.

Irresignada com o procedimento da fiscalização a autuada, tempestivamente apresentou impugnação à peça fiscal. Sustenta que houve erro por parte dos agentes do Fisco ao determinar o volume da madeira transportada. Afirma que somente os 9,83m3 contidos na Nota Fiscal que estavam sendo transportados. Registra que os agentes fazendários fizeram cálculos simplórios do volume da madeira, sem descarregá-la. Para justificar suas alegações apresenta, com a peça impugnatória, declaração firmada pelo destinatário da mercadoria onde é confirmado ter recebido apenas a quantidade da madeira mencionada na Nota Fiscal. Por essas razões, requer a anulação total da exigência fiscal.

A autoridade autuante, em réplica, opina pela mantença integral do Auto de Lançamento, enfatizando que a diferença de 5m3 de carga foi realmente constatada e que a autuada não apresentou prova capaz de alterar as razões que deram origem ao lançamento.

Justificando a procedência da autuação informa a autoridade autuante:

"Afora a declaração juntada ao processo e os cálculos no verso da Nota Fiscal, o contribuinte não fez prova nenhuma do que afirma. O que possuímos de concreto, isto sim, é o Termo de Apreensão lavrado no momento da fiscalização onde consta o transporte de 5m3 de madeira sem qualquer documentação fiscal. Este termo aliás tem a presunção da verdade dos atos administrativos em geral e foi firmado pelo Sujeito Passivo sem ressalvas e sem protestos.

Quanto a declaração da (...), salientamos que dita empresa tem interesse em que o contribuinte tenha êxito no presente procedimento visto ser cliente da autuada e estar diretamente envolvida com a operação pois era o destinatário das mercadorias. Além disso, mesmo tendo a declaração expresso a verdade como podemos ter certeza de que o veículo, antes de completar a operação, que se referia a 9,83m3 de madeira, entregasse o restante em outro destinatário ou mesmo em sua matriz que também tem sua sede na cidade de Canoas. Esta presunção ainda é reforçada pelo fato do veículo transportador ser também da empresa remetente.

Sendo assim, como não foram apresentadas outras provas e, tendo a fiscalização agido de acordo com a lei aliás, como sempre deve ser, somos, s.m.j., pela mantença integral do crédito tributário constituído."

O Julgador de Processos Administrativo-Tributários, em rito sumário (artigo 30 da Lei nº 6.537/73, na redação dada pela Lei nº 9.826/93), julgou procedente o Auto de Lançamento, mantendo a exigência dos valores a seguir expressos na moeda vigente à época do lançamento e, simbolicamente, na moeda atual, eis que o valor resultante da conversão nominal é inferir à menor unidade monetária:

ICM ..................................Cz$ 3.536,00........R$ 0,01

Multa, conforme artigo 9º, inciso III, da Lei nº 6.537/73 e alterações - 120%..........Cz$ 4.243,20..........R$ 0,01

Destaca o Julgador que em razão do disposto no § 2º do artigo 10, da Lei nº 6.537/73 e alterações, o requerente deveria recolher a diferença entre o valor da multa acima e o já recolhido. A exigência, contudo, face ao disposto no artigo 15 da Lei nº 8.913/89, combinada com o artigo 1º, I, da Lei nº 9.018/90, ficou cancelada.

Ao justificar sua decisão, pondera o Julgador Singular o seguinte:

"Toda a mercadoria, em depósito ou em trânsito, deve estar, SEMPRE, acompanhada de documentação fiscal idônea. É responsabilidade do transportador, também, zelar pela idoneidade dos documentos fiscais que vão acobertar a mercadoria que transporta ou o serviço que presta.

Quanto à defesa interposta constato que é muito frágil. As ponderações apresentadas na peça recursal estão destituídas de qualquer elemento convincente. Nada do que alega está provado. Primeiro: não há qualquer registro, por ocasião da ação fiscal, de que tenha havido inconformidade com a quantidade a maior apurada pelo funcionário fazendário. Registre-se que a ação fiscal no trânsito de mercadorias deve ser de natureza flagrante e sumária. Indago, para fins ilustrativos: haveria possibilidade prática de ocorrer engano ao visualizar uma carga de 9,8m3 e deduzir que teria, na verdade, 15m3? Saliente-se que, no caso, a diferença apontada representava uma terça parte da carga total. Segundo: a declaração do destinatário perdeu a relevância porque, como bem lembrou a autoridade replicante, o excesso de madeira flagrado poderia, perfeitamente, ter sido descarregado em outro local antes da entrega daquela quantidade efetivamente consignada no documento fiscal.

Assim, não estando afastada, inequívoca e definitivamente, a hipótese de danos ao erário público estadual, não vejo como possa ser dada guarida à pretensão do recorrente."

Inconformada com a decisão do Julgador de Primeira Instância, a autuada ingressou com o presente recurso voluntário repisando, basicamente, os argumentos oferecidos na impugnação do Auto de Lançamento.

Perante este Tribunal, reportando-se aos argumentos que embasaram a decisão "a quo", registra a contribuinte em sua defesa o seguinte:

"Diz o Julgador que a defesa é muito frágil.

Que não há elementos convincentes. Que não há provas de nada. Que não há registro da inconformidade quanto a quantidade a maior apurada pelo ajudante fazendário. Que o procedimento é sumário.

Não é necessário aprofundar-se no exame dos fatos para se concluir que as manifestações do Julgador não passam de "chavões" conhecidos, desgastasdos e totalmente fora da atualidade. Nas relações entre Fisco e Contribuinte não há mais lugar para esse tipo de prepotência barata.

Como pode o Julgador afirmar que houve conformidade com o esdrúxulo cálculo de metragem cúbica apurada pelo ajudante fazendário? De que forma, na prática, objetivamente, poderia o funcionário da Recorrente formalizar a inconformidade com aquele absurdo cálculo?

O ajudante fazendário, com típica prepotência, não admitiu qualquer modificação e somente liberou o veículo e a mercadoria mediante pagamento da exigência. O Fiscal do ICM, Dr. (...), presente no local, julgou por bem não interferir, eis que a empresa poderia se defender. É inadmissível que o Julgador invoque ato que não poderia ser praticado para se valer da circunstância com o fim de sustentar a absurda medida. Julgar não deve ser confundido com referendar.

O Julgador sequer se manifestou sobre o cálculo do ajudante fazendário, simplesmente para não cair no ridículo de pretender sustentar o absurdo critério de dimensionar o volume da carga (metragem cúbica) com as dimensões da largura da carroceria (2.30m), como se fosse possível apurar-se o conteúdo com base unicamente no invólucro.

Também não se manifestou sobre a forma correta de se calcular a metragem cúbica de madeira, com base na espessura (0,25m por ser madeira destinada a lambril), na largura (0,8m), no comprimento (2,70m e 2,40m) e no número de peças, elementos estes claramente descritos na Nota Fiscal nº 2.691 que acompanhava a mercadoria e na forma em que se reproduz a seguir, para que nenhuma dúvida remanesça:

0,25 x 0,8 x 2,70 x 1.794 peças = 9,68m3

0,25 x 0,8 x 2,40 x 32 peças = 0,15m3

Está claro que a soma dos dois lotes (9,68 + 0,15 = 9,83m3) corresponde precisamente a metragem cúbica que consta na referida nota fiscal. Esta é a prova objetiva apresentada pela Recorrente, a qual não foi impugnada pelo Autuante e sobre a qual também não se pronunciou o Julgador, a não ser para empregar o chavão que caracteriza a prepotência: nada do que alega está provado.

Em contraposição a esta prova objetiva tem-se a prova do Fisco. O ajudante fazendário apurou que a carga de madeira tinha 14,83m3, sendo 9,83m3 que constava na nota fiscal e mais 5m3 correspondente a diferença objeto da autuação. O Julgador declarou que a carga era de 15m3. Todavia, nem um nem outro demonstrou como encontrou aquela metragem. Os cálculos do ajudante fazendário, absurdos e simplórios, indicam 15,052m3, de forma tal que de parte do Fisco, Julgador incluído, tem-se 3 (três) medidas distintas e nenhuma delas demonstrada objetivamente, razão pela qual fica impossível adivinhar-se qual o critério adotado, ficando a convicção de que qualquer critério, diverso daquele objetivamente demonstrado pela Recorrente, não merece fé.

O Fisco, assim como o Julgador, não contestaram as especificações da mercadoria transportada, na forma em que consta na Nota Fiscal nº 2.691 (espessura, largura, comprimento e nº de peças). Com base naqueles elementos a Recorrente demonstrou que a metragem cúbica da madeira era 9,83m3. Não há outra forma de se calcular e de se apurar a quantidade de metros cúbicos. Se assim é para se apurar quantidade diversa daquela (9,83m3), ou seja, para se alcançar os 14,83m3, ou 15,052m3, ou 15,00m3, declarados pelo Fisco e pelo Julgador, é evidentíssimo que as especificações da mercadoria teriam que ser diferentes daquelas que constam na referida Nota Fiscal. A espessura não poderia ser de 0,25m; a largura não poderia ser de 0,8m; o comprimento não poderia ser de 2,70m e 2,40m, assim como, o número de peças não poderia ser de 1.826 (1.794 peças de 2,70m e 32 peças de 2,40m).

Não restou demonstrado pelo Fisco que as especificações da mercadoria por ele examinada eram diversas das que na nota fiscal constam, ou seja, o Fisco não provou que a espessura NÃO era 0,25m. Não provou que a largura NÃO era de 0,8m. Não provou que o comprimento NÃO era de 2,70m e 2,40m. Não provou que o número de peças NÃO era de 1.826. Ora, não existindo tais demonstrações, com base em quais especificações louvou-se o Fisco para apurar quantidade diversa de 9,83m3?

A Recorrente provou, através de documento fornecido pelo destinatário da mercadoria, empresa regularmente estabelecida, constituindo-se em fonte externa de prova, que a quantidade correspondia exatamente o constante na Nota Fiscal nº 2.691, ou seja 9,83m3. Diante dessa prova irrefutável diz o Julgador que o excesso de madeira (excesso imaginado pelo ajudante fazendário), PODERIA ter sido descarregado antes e em outro local diverso daquele a que corresponde o destinatário. Ora, ainda que possível tal hipótese, a suposição não se converte em verdade pelo simples querer de quem faz a alegação e não se concebe que o nobre ato de julgar prescinda da necessária prova, especialmente porque, no caso, seria a ÚNICA prova que poderia ser invocada para sustentar a medida fiscal. Todavia, a prova não ultrapassa os limites da suposição. Ademais, a suposta prática desfalece com a prova documental do destinatário. A hipótese tem contra si o fato relevante de que a Recorrente não submeteria a retidão de mais de 60 anos para evadir-se daquela inexpressiva responsabilidade de valor."

Em razão do exposto a recorrente pede seja declarada a improcedência da medida fiscal, por serem insubsistentes os motivos que lhe deram origem.

O Defensor da Fazenda Estadual junto a esta Câmara, Dr. Gentil André Olsson, opina pelo desprovimento do apelo voluntário, ressaltando que além dos 9,83m3 de madeira documentadas pela nota fiscal apresentada no trânsito, o veículo transportava 5m3 sem cobertura documental e, portanto, a infração tributária de natureza material está perfeitamente caracterizada.

É o relatório.

VOTO.

Não obstante o esforço de argumentação dispendido pela recorrente, com a mesma não posso concordar.

Como bem destacou o Julgador Singular, a prova carreada aos autos pela recorrente é muito frágil.

Realmente, não havia possibilidade prática de ocorrer engano por parte dos agentes do Fisco ao constatarem uma diferença de 5m3 que representava uma terça parte do total da carga.

A contribuinte não provou que o veículo não poderia transportar os 14,83m3.

Inexiste qualquer prova concreta de que no momento da autuação tenha a autuada manifestado inconformidade com a quantidade a maior da mercadoria apurada pelo agente fazendário.

A declaração da destinatária da mercadoria, única prova em favor da tese defendida pela contribuinte, tornou-se irrelevante por tratar-se de cliente da mesma, diretamente envolvida com a operação e, portanto, interessada no litígio.

A infração fiscal cometida pelo sujeito passivo no trânsito de mercadorias autorizam o Fisco a reter a carga e o veículo transportador a fim de apurar possíveis irregularidades, formalizando o ato através da lavratura de Termo de Apreensão e de Auto de Lançamento, no sentido de obstar o trânsito anormal das mesmas mercadorias.

Assim, se o ônus da prova do ilícito tributário praticado pelo sujeito passivo, em princípio, incumbe ao Fisco, nas autuações levadas a efeito pelos Postos Fiscais, este ônus se inverte pois, caso contrário, comprometida estaria a eficácia deste importante segmento fiscalizatório estadual.

O transporte da mercadoria, da forma como se apresenta, constitui irregularidade que induz presunção relativa incumbindo, portanto, ao sujeito passivo, trazer aos autos prova inequívoca para elidí-la, o que não ocorreu.

Entendo que não restou infirmada a ilicitude que ensejou o lançamento fiscal, já que as alegações trazidas pela recorrente não têm força para elidir a natureza da infração praticada.

Não estando afastada definitivamente a hipótese de danos ao erário público estadual, mantenho a decisão do digno Julgador de Primeira Instância.

Face ao exposto, ACORDAM os membros da Segunda Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por UNANIMIDADE DE VOTOS, em negar provimento ao recurso voluntário, confirmando a decisão de primeiro grau.

Porto Alegre, 23 de junho de 1995.

Pedro Paulo Pheula
Relator

Ruy Rodrigo Brasileiro de Azambuja
Presidente

Participaram, também, do julgamento os Juízes Plínio Orlando Schneider, Oscar Antunes de Oliveira e Onofre Machado Filho. Presente o Defensor da Fazenda Gentil André Olsson.

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