OMISSÃO DE SAÍDAS
RECURSO Nº 699/92 - ACÓRDÃO Nº 657/93
RECORRENTES: (...) e FAZENDA ESTADUAL
RECORRIDAS: AS MESMAS (Proc. nº 17377-14.00/1985)
PROCEDÊNCIA: CACHOEIRA DO SUL - RS
EMENTA: IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICM).
1. Exame físico-quantitativo de mercadorias movimentadas no estabelecimento.
Exigência fiscal fundada em exame físico-quantitativo, tendo como base os livros e documentos fiscais e controles paralelos da contribuinte, somente será desconstituída se apresentadas provas materiais da inocorrência dos elementos basilares do exame, o que não é o caso dos autos.
2. Receitas omitidas a registro.
A falta de escrituração de pagamentos efetuados, procedimento apurado através de livro "caixa auxiliar" apreendido no estabelecimento da contribuinte, legitima a presunção de que não foram oferecidas à tributação operações de saída de mercadorias, mormente quando o exame físico-quantitativo acusa aquisições desacompanhadas de documento fiscal.
Rejeitada a preliminar argüida e desprovidos ambos os recursos.
Decisão unânime.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso voluntário e "ex-officio" em que figuram como recorrentes e recorridas (...), de Cachoeira do Sul (RS), e a FAZENDA ESTADUAL.
Em 30 de agosto de 1985 a contribuinte ora recorrente, tomou ciência do Auto de Lançamento nº 8088500069, através do qual foi formalizada a exigência de imposto e multa, tendo por base a omissão a registro de entrada de arroz, conforme levantamento físico-quantitativo realizado nas operações individualizadas com produtores rurais, e confronto entre as Notas Fiscais de compra emitidas e o livro de entradas de arroz em casca (controle paralelo mantido pela contribuinte). Tal procedimento foi levado a efeito nos exercícios de 1980 a 1984, sendo que nos quatro primeiros anos a base tributável foi calculada tendo presente o preço médio de compra de arroz em casca, subtraída, deste valor, a quebra de impureza e de secagem, cujo índice foi obtido nos próprios documentos fiscais da empresa em confronto com a tabela fornecida pelo IRGA. No exercício de 1984 o levantamento físico apenas serviu como elemento indicativo de irregularidade, já que a base tributável foi extraída dos controles auxiliares da conta caixa, os quais foram apreendidos no estabelecimento da autuada.
A conclusão de que a contribuinte adquiria arroz em casca sem documentação fiscal, segundo a peça fiscal, também restou corroborada pela descoberta de outras irregularidades, tais como: o não registro nos seus livros fiscais de Notas Fiscais emitidas; emissão de Notas Fiscais que não corresponderam a uma efetiva operação de circulação de mercadorias; entrega de numerário à empresa, por sócio-gerente, sem o cumprimento de formalidade que comprove tratar-se de empréstimo e quais as condições do mesmo, cuja disponibilidade era utilizada pela empresa para equilibrar o saldo da conta caixa; e, além de outras descritas no Anexo do Auto de Lançamento, houve emissão de Notas Fiscais de depósito cuja quantidade recebida era incompatível com a capacidade de qualquer veículo transportador.
No prazo e na forma da Lei, a autuada impugnou integralmente o lançamento alegando, em preliminar, que houve cerceamento do seu direito de defesa já que o prazo de 30 (trinta) dias foi exíguo para apresentar sua impugnação, além de o Auto de Lançamento não explicitar os critérios utilizados para lançar as quantidades de arroz tributadas, bem como lhe terem sido liberadas fotocópias dos documentos apreendidos. Por outro lado, requereu a realização de prova pericial técnica e contábil. No mérito, ataca uma a uma as irregularidade apuradas pelo Fisco e, no que respeita ao levantamento físico-quantitativo, de plano, contesta os índices de quebra utilizados taxando-os de irreais. Ainda, no concernente ao levantamento físico-quantitativo, entende não terem sido consideradas as compras e devoluções ocorridas fora do exercício, em relação a que faz juntada de demonstrativo. Quanto ao livro de entradas de arroz em casca, controle paralelo mantido pela contribuinte, diz que o mesmo tem finalidade estatística e de previsão e que as diferenças encontradas sem documento fiscal inexistem. Para tanto, faz uma análise das movimentações realizadas por cada produtor rural, relacionando quantidades adquiridas com documentos fiscais emitidos. Por último, referente ao exercício de 1984, repudia a tese de que houve desembolsos não contabilizados, com base nos controles auxiliares da conta caixa, e que não houve condições de defender-se porque não entendeu como o Fisco chegou àqueles valores consignados na peça fiscal. São juntados os documentos de fls. 38 a 286.
O Julgador de Processos Administrativo-Tributários, às fls. 290 e 291, considerando a informação fiscal de fls. 288 e 289, não acolheu a alegação de cerceamento de defesa e indeferiu o pedido de produção de prova pericial contábil e técnica.
Em seguida, a autoridade autuante, em réplica fiscal de fls. 292 a 304, confirma parte do lançamento, reconhece a ocorrência de alguns erros e elucida uma série de questões trazidas na impugnação fazendo, ao final, a juntada dos documentos de fls. 305 a 557. Ratifica as diferenças encontradas na aquisição de arroz e esclarece que tanto a escrita fiscal como a contábil não registram qualquer lançamento de mercadorias de terceiros arroladas no levantamento de encerramento dos exercícios. Desta forma, entende não haver como vincular operação de remessa para depósito em um exercício, não escriturada e sem respaldo na contabilidade, com operação de compra realizada e escriturada em outro exercício, muito mais quando o produto não é passível de identificação individualizada. Por outro lado, mantém o percentual de quebra utilizado, lembrando que a própria contribuinte em seus demonstrativos se vale de percentuais equivalentes e os registra nas Notas Fiscais de depósito de arroz, sendo válidos para seus fornecedores. Na análise das movimentações de arroz por produtor rural, contesta quase a totalidade dos argumentos da impugnante, referindo que a mesma faz confusão nas quantidades, vincula mercadorias com exercícios distintos sem respaldo documental e relaciona mercadorias tributadas na peça fiscal com Notas Fiscais que documentaram outras operações. Contudo, diante de equívocos provenientes da falta de consideração de alguns documentos fiscais e por eventuais erros de soma, reconheceu a autoridade autuante que improcede parte do lançamento. Por último, quanto aos desembolsos não contabilizados, registra que a impugnante nada trouxe para refutá-las.
Na primeira instância de julgamento foi exarado parecer técnico que, fundamentalmente, ratificou o posicionamento da autoridade replicante, o que foi integralmente acolhido, também, pelo Julgador o qual julgou parcialmente procedente o Auto de Lançamento e recorreu a este Tribunal em relação à parte decretada como insubsistente.
Dada a ciência daquela decisão, a recorrente interpôs recurso a este Tribunal onde busca a sua reforma. Em preliminar, novamente alega ter havido cerceamento do seu direito de defesa, visto que: negadas as perícias técnica e contábil; o curto espaço de tempo para apresentar a impugnação; o não atendimento da solicitação da carga e guarda do processo; e o conhecimento somente agora da introdução de 252 documentos novos. No mérito, analisando os dados por exercícios, insurge-se contra o índice de quebra técnica adotado pelo Fisco, dizendo que o correto seria considerar a quebra real apresentada no seu demonstrativo, acrescentando que nos exercícios de 1982 e 1983 teria havido manipulação do índice. No concernente à análise da movimentação da mercadoria por produtor rural, basicamente repisa os argumentos expendidos na inicial, fazendo menção a Notas Fiscais e datas que pretende justifiquem as diferenças encontradas pelo Fisco, concluindo pelo convencimento de que não teria ocorrido a sonegação acusada na peça fiscal. Quanto ao caixa auxiliar, afirma que os recursos que nele aportaram são provenientes de cheques emitidos pela própria recorrente e que a quase totalidade dos lançamentos estão reproduzidos no caixa geral. Diz que a origem das receitas omitidas a registro na contabilidade refere-se a juros cobrados de adiantamentos efetuados a produtores por conta da safra e que boa parte dos registros efetuados no caixa auxiliar diz respeito a pagamentos feitos a empregados e adminitradores, os quais eram contabilizados quando dos pagamentos definitivos. Nesse sentido, invoca o Acórdão nº 105.5.809, proferido pelo Conselho de Contribuintes do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, onde a matéria foi também apreciada, já que o Fisco estadual denunciou o fato àquele órgão. Transcreve trechos do aresto o qual, ao final, decide que incabível o lançamento. Por último, a recorrente diz que prescindível a necessidade de registro do produto de terceiros no livro Registro de Inventário, eis que há consignação própria pelas entradas de arroz no estabelecimento e porque tal não altera o resultado do exercício financeiro, constituindo-se em mera infração formal.
A Defensoria da Fazenda, por sua vez, diz que é improcedente a preliminar de cerceamento do direito de defesa e, no mérito, manifesta-se pelo desprovimento de ambos os recursos. Ao final, informa que o único fato novo que a recorrente traz é a Decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes, citando alguns trechos com o intuito de desvirtuar a verdade dos fatos, de acordo com a cópia de inteiro teor que junta aos autos.
É o relatório.
VOTO.
Primeiramente, analiso a preliminar de cerceamento de defesa. Neste sentido, bem decidiu a primeira instância quando indeferiu o pedido de perícia, tanto contábil como técnica, porquanto todos os elementos necessários para o deslinde da controvérsia encontram-se nos autos e os índices de quebra utilizados são consignados nos seus próprios documentos fiscais, os quais estão em correspondência com a tabela fornecida pelo IRGA. Vejo, assim, como prescindível a realização de qualquer perícia. Afora esta questão, não prospera sua insatisfação quanto aos prazos previstos para apresentar sua defesa, já que são os estatuídos em lei, e nem procede a alegação de que sofrera prejuízos ao não receber os autos em carga ou de que não tomara conhecimento a tempo da juntada de novos documentos. De salientar que os autos sempre estiveram à disposição da recorrente e os documentos juntados são da própria empresa, seja em originais ou em cópias.
Assim sendo, em hipótese alguma vislumbro ter havido cerceamento do direito de defesa da recorrente, em razão do que rejeito a preliminar argüida.
No mérito, no concernente ao levantamento físico-quantitativo das entradas de arroz, em um primeiro plano, cabe esclarecer que os índices de quebra técnica utilizados pelo Fisco, como já foi sublinhado na análise da preliminar, foram extraídos dos documentos da própria empresa, os quais serviram para seus fornecedores e estão consonantes com os adotados pelo órgão oficial. Portanto, não há correção a ser feita neste sentido e muito menos houve manipulação dos mesmos, nos exercícios de 1982 e 1983, como quer fazer crer a recorrente. Ocorre que nestes exercícios houve alteração na base tributável, mas em razão de erros de soma e de documentos fiscais que o Fisco passou a considerar, o que motivou o reconhecimento de improcedência parcial do lançamento.
Na análise das movimentações realizadas com cada produtor rural, nada resta a acrescentar ao que já foi decidido na primeira instância. Com efeito, a autoridade autuante adequadamente, com provas documentais, demonstrou que os argumentos da empresa não prosperam, vez que a mesma procura justificar as diferenças físicas encontradas relacionando movimentações em exercícios distintos sem respaldo na sua escrita contábil e fiscal. Como exemplo, cito o caso do produtor rural (...) do qual, em 09.09.80 foi adquirido arroz sem documento fiscal e a recorrente tenta comprovar a aquisição através de Nota Fiscal emitida em 12.05.81 que, além de consignar quantidade diferente, não tem respaldo nas escritas da empresa, já que inexistem registros nos inventários de mercadorias de terceiros depositadas. Outra forma utilizada pela recorrente é vincular aquisições sem documento fiscal com Notas Fiscais que documentaram outras operações. É o caso do produtor (...) e outros do qual, em 30.04.81, foram adquiridos 13.000 kg de arroz sem documento fiscal sendo que na defesa foram arroladas Notas Fiscais pertinentes a outras aquisições e em outras datas. Da mesma forma ocorre em 1982, onde no livro de entradas de arroz em casca (controle paralelo) consta a aquisição do produtor (...), em 07.05.82, de 175.785 kg de arroz, e a recorrente procura relacionar esta operação com a Nota Fiscal de Entrada nº 928, emitida em 30.06.82, cujos valores não coincidem com a primeira aquisição. Além destes tipos de equívocos, a recorrente elenca Notas Fiscais cujos quantitativos não são aqueles por ela indicados na defesa. Veja-se o caso do produtor (...), do qual foi adquirido arroz sem documento fiscal, em 1983, e a recorrente, no seu demonstrativo, acusa a aquisição de 284.030 kg de arroz através das Notas Fiscais de Entrada nºs 1299 e 1101 quando, na verdade referidos documentos consignam a aquisição de somente 178.530 kg do produto.
Vistos esses casos, apenas a título ilustrativo, já que esta é a característica da defesa da recorrente, vê-se que seus argumentos não merecem crédito. E, diante dos elementos trazidos na réplica fiscal, forma-se já o convencimento da confirmação da decisão de primeira instância, que manteve boa parte da exigência tributária.
Quanto à inconsistência dos demonstrativos da recorrente, assim declarados na decisão recorrida, mormente proque procuram vincular depósitos e entradas de mercadorias de um exercício para outro sem que haja suporte escritural, novamente tem razão o julgador singular. É importante observar que todo o trabalho fiscal pautou-se nos livros e documentos da empresa, comparados com os seus controles paralelos. Assim, atacar o lançamento com dados que não se coadunam nem com seus próprios registros, como a recorrente procura fazer, efetivamente, não pode prosperar. Nesses termos, não há como acatar seus argumentos quando diz que seria prescindível o registro do produto de terceiros no livro Registro de Inventário e de que tal não passaria de infração formal.
No pertinente ao exercício de 1984, antes de adentrar na matéria de fundo - caixa auxiliar -, destaco o fato de que, também neste exercício, efetuado o confronto entre as Notas Fiscais de depósito com as de compra, foram encontradas aquisições sem registro e o controle paralelo acusou aquisições sem a emissão de documento fiscal idôneo. O fato é que em relação a este exercício foi apreendido, ainda, um controle auxiliar de caixa, que apresenta desembolsos não contabilizados, conforme discriminação na peça fiscal, os quais serviram de base para tributação. Note-se, então, que as irregularidades são as mesmas dos outros exercícios, diferenciando apenas o método que envolveu a base de cálculo. Neste ponto a recorrente admite que não registrou a totalidade dos lançamentos na escrita oficial. Refere, contudo, que tais diferenças não constituem suporte fático para imposição tributária relacionada com o ICM, já que advém de juros auferidos dos produtores rurais. Ora, como justificar, então, as aquisições de mercadorias sem documento fiscal, devidamente comprovadas nos autos. Definitivamente, o movimento real da empresa era superior ao registrado em sua escrita contábil e fiscal, sendo a diferença suscetível de tributação pelo ICM.
Por último, no que diz respeito à decisão da Receita Federal, cumpre esclarecer que os fatos ali analisados são dos exercícios de 1984 a 1986, enquanto o que aqui se discute envolve o período de 1980 a 1984. Depois, conforme cópia integral juntada pela Defensoria da Fazenda, verifica-se que naquele Acórdão resta confirmado o procedimento adotado no Auto de Lançamento ora em discussão, no que pertine à tributação da falta da escrituração de pagamentos constatados através da escrita paralela. Por outro lado, quanto às "omissões de compras", ainda que aquele aresto tenha sido no sentido de insubsistir a exigência tributária, não há como olvidar que os motivos que levaram aquele julgador a essa conclusão dizem respeito à natureza daquele imposto (Imposto de Renda). Isto é, entendeu o Relator de que sempre existirá a dúvida se a omissão de compras ocasionará uma omissão de receitas ou omissão de custos, o que não importa no caso do ICM, cujo fato gerador é distinto. Portanto, nesta parte, aquele Acórdão é inaplicável à espécie.
Destarte, nego provimento ao recurso voluntário.
Em derradeiro, também nego provimento ao recurso de ofício, vez que restou comprovado no processo de que a insubsistência parcial decretada na primeira instância decorre de erros de soma na peça fiscal, bem como da valoração de alguns documentos fiscais de início não considerados.
Diante de todo o exposto, ACORDAM os membros da Primeira Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por unanimidade de votos, em rejeitar a preliminar argüida e, no mérito, negar provimento a ambos os recursos, mantendo-se inalterada a decisão recorrida.
Porto Alegre, 23 de novembro de 1993.
Renato José Calsing
Relator
Sulamita Santos Cabral
Presidente
Participaram do julgamento, ainda, os juízes Antônio Carlos Panitz, Edgar Norberto Engel Neto, Antônio José de Mello Widholzer. Presente a Defensora da Fazenda, Alice Grechi.