NOTAS FISCAIS NÃO REGISTRADAS

RECURSO Nº 1.341/94 - ACÓRDÃO Nº 604/95

RECORRENTES: (...) E FAZENDA ESTADUAL
RECORRIDOS: OS MESMOS (Proc. nº 05669-14.00/93.3)
PROCEDÊNCIA: URUGUAIANA - RS
EMENTA: ICMS

Impugnação integral a Auto de Lançamento.

Ao juízo "a quo" incumbe determinar, quando necessário, a produção de perícia (art. 28, da Lei nº 6.537/73), ou indeferí-la se prescindível. Ademais, fazer perícia em contabilidade que não mais merece fé, é absoluta perda de tempo. A desclassificação da escrita contábil, não precisa ser formal, basta comprovada sua infidelidade por presença de vícios, autorizando o Fisco a adotar as medidas previstas no artigo 357, do RICMS.

Os estoques, registrados no livro próprio, e os levantados no dia do início da ação fiscal, permitem ao agente, mediante trabalho de auditoria, determinar as quantidades físicas a descoberto por documento fiscal de saída. Constituindo-se a classificação das mercadorias em grupos, com preços muito próximos, uma forma de apurar o preço médio unitário, subsumindo inclusive as vendas por atacado, é um método de ponderação haja vista a similitude dos componentes de cada grupo, é a média técnica autorizada para arbitramentos.

A afirmação do Fisco, de que determinadas notas fiscais, não foram registradas no livro próprio, nem foi pago o imposto incidente deveria ser contestada com provas, em existindo deveriam estar com o recorrente, aplicável o disposto no art. 333, II, do CPC.

A exclusão de importâncias exigidas com base em Conhecimentos de Transporte Rodoviário de Cargas, sem a certeza de entrega ao destinatário indicado, devem permanecer fora do crédito tributário constituído, nos moldes do julgamento de 1º Grau.

Desprovidos os recursos voluntário e de ofício, por unanimidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recursos facultativo e necessário, em que são recorrentes (...), de Uruguaiana (RS), e a FAZENDA ESTADUAL, e recorridos OS MESMOS.

Contra o primeiro foi lavrado o Auto de Lançamento nº 9269300027, constituindo um crédito tributário, em vista do pagamento a menor de imposto (ICMS), quando da omissão de registro das saídas,que foram apuradas mediante levantamento físico-quantitativo.

A desconformidade do sujeito passivo, bem como a réplica, e o indeferimento do pedido de perícia têm seus passos relatados às fls. 91 (do parecer técnico), que aqui se adota.

À vista das peças produzidas na inicial, e sua contestação, o acessor técnico procedeu com acuidade um exame das razões de ambas as partes, tendo verificado que a perícia solicitada foi indeferida. Foram observadas, na feitura da peça impositiva, as regras do artigo 23, da Lei nº 6.537/73, ausentes os vícios que ensejam qualquer nulidade. Examinou inicialmente os itens de 1 a 9 (do Anexo do AL), onde foram apontadas as infrações, e a conseqüente saída de mercadorias tributáveis omitidas a registro e à tributação, apuradas através de levantamento físico-quantitativo, incluindo compras não registradas. Detalhou todos os passos seguidos no trabalho de auditoria, com fechamento mês a mês, com descrição dos Conhecimentos de Transporte Rodoviário de Cargas (CRTCs), cujas Notas Fiscais não foram registradas pelo requerente. A alegação apresentada na defesa, de que os estoques considerados pelo Fisco não são verdadeiros, estaria afastada com a juntada, quando da réplica, do Termo de Verificação de Estoques (fls. 72 a 77), com o relato da efetiva contagem deste no dia da visita fiscal, em 08.12.92, cujo documento foi assinado por todos os presentes, dentre eles o próprio contribuinte, arredado qualquer arbitramento de estoque final. Aduz que a escrita fiscal foi desclassificada, até formalmente, com menção do artigo 357, II, do RICMS, em face às diferenças existentes em todos os grupos de mercadorias. Ficou demonstrado também, pela sistemática adotada, que o preço médio utilizado no arbitramento advém da média ponderada, ao contrário do alegado na defesa inicial. Assim, estaria já ponderado o efeito dos preços praticados no atacado.

A alegação de que o sujeito passivo foi vítima de furto, caso não considerado no trabalho dos agentes, não influi no resultado, pois, pela falta de estorno dos créditos pela entrada destas mercadorias, caso furto houvesse ocorrido, entende terem sido recuperadas e por conseqüência nenhum registro de estorno se fez necessário.

A alegação de que as mercadorias computadas no trabalho, compiladas dos CTRCs, não oferece segurança na afirmação de que as tenha efetivamente recebido, foi prontamente contestada pelo Fiscal, dizendo que os mesmos se encontram assinados pelo contribuinte. Da declaração conseguida pela defesa, em relação a uma omissão, como substituição de Nota Fiscal, não pode ser aceita, por descumprir o prescrito no artigo 84 do RICMS.

Porém, em relação aos CRTCs de nºs AA 004481 e CP 293715, da (...), que carecem de assinatura do sujeito passivo como recebido, merecem ser excluídos da exigência, e fornece um demonstrativo quantificando o total favorável ao reclamante.

Em relação ao item 10 (do Anexo do AL), que se refere às vendas de mercadorias tributáveis, com emissão de Nota Fiscal, omitidas a registro nos livros fiscais e sem o recolhimento do respectivo imposto, não houve contestação eficaz, apenas alegações sem elemento de prova, embora de fácil demonstração, caso o equívoco tivesse ocorrido por parte do Fisco.

O julgador Singular, acolhendo as razões do parecer técnico, as adota como fundamento de sua decisão, para declarar parcialmente procedente o crédito tributário, excluindo a parcela sugerida no parecer e mantendo o restante. Da parte dispensada recorre de ofício a este Tribunal, como determina a legislação pertinente.

Cientificado da decisão, dela recorre concentrando seus argumentos no indeferimento da produção pericial o que lhe subtraiu as condições de provar sua inocência. Revigora os argumentos expendidos na inicial, requer preliminarmente seja acolhido seu pedido de perícia contábil, e no mérito, aceitas as razões da defesa para declarar insubsistente o Auto de Lançamento.

O Defensor da Fazenda Estadual, que atua junto ao Tribunal, informa que o lançamento decorreu da omissão à tributação de saídas de mercadorias, apuradas mediante confronto das compras, vendas documentadas e das existências de mercadorias. A prova pericial contábil seria improdutiva, pois, se com base nos assentamentos fiscais foram apuradas as irregularidades, tal escrita é infiel e portanto inaproveitável, como provado nos autos.

Concorda com a exclusão da exigência calcada em compras onde não ficou provado documentalmente o recebimento destas, e que já foram excluídas pelo juízo "a quo".

É o relatório.

Passo a decidir:

Do exame dos autos se observa que o sujeito passivo jogou toda sua esperança na perícia contábil, e que até em grau recursal procura conseguí-la, alegando ser a forma eficaz de provar a lisura dos seus atos, discordando do indeferimento da sua petição.

O lançamento derivou de um trabalho exaustivo efetuado pelos agentes da Fazenda Estadual, com um levantamento físico efetuado nas operações documentadas pelo contribuinte, com contagem do estoque existente por ocasião da visita fiscal. Pois, os estoques adquirem relevância fundamental, tanto o inicial como o final, para efeitos de apurar eventuais omissões de saídas. Sob este aspecto os fiscais tomaram as devidas precauções, conforme se depreende dos autos, e também o sujeito passivo sabe da sua importância, tentando de todas as formas desqualificá-los, sob alegação de ocorrência de furtos e até argüindo inexistir o levantamento no local, embora contra as evidências dos autos, cujo Termo foi trazido, contendo a ciência da parte.

O direito à livre produção de provas pelas partes não foi afetado quando do indeferimento da perícia contábil solicitada, tendo em vista que todos os elementos utilizados pelo agente fiscal foram extraídos dos documentos do contribuinte, sendo possível, por conseguinte, o próprio querelante colher os subsídios na sua documentação, sem necessidade de proceder qualquer perícia contábil, nem foi tolhido seu direito de defesa. Ademais, o levantamento fiscal demonstrou que a escrita contábil está eivada de vícios, não retratando com fidelidade os atos da empresa, não podendo servir de parâmetro para qualquer análise.

Efetuada a auditoria, com contagem de estoque, conforme termo acostado, embora o defendente alegue o contrário, classificadas as mercadorias, por serem muito variadas, em cinco grupos, de acordo com prática usual dos próprios comerciantes, e dentro desta sistemática, os preços médios foram estabelecidos, com reflexo inclusive sobre as vendas no atacado, e por serem usualmente menores trouxe o preço médio de cada grupo para baixo. Não é verdadeiro dizer que o Fisco adotou a média aritmética simples para apurar o preço dos produtos vendidos, com extensão às omissões. A ponderação ocorreu, quando da divisão das mercadorias por grupos, com alinhamento das mesmas que mantêm preços muito próximos dentro de cada grupo. É, de acordo com a norma que rege o arbitramento (art. 357, do RICMS), uma maneira de utilizar elementos ponderáveis para determinar o montante das omissões, não bastando para se defender da imposição uma simplória alegação de procedimento inadequado pelo Fisco, deveria, isto sim, com base no artigo 333, inciso II, do CPC demonstrar os fatos modificativos do direito do autor.

Assim, o uso da média técnica como elemento de ponderação é corroborado por doutrinadores, como Samuel Monteiro, com transcrição na própria impuganação (fl.18, dos autos), que cabe reproduzir "in verbis":

"4º) O valor por base de cálculo, pode ser, o preço médio de custo CIF/estabelecimento, determinado durante o ano, no caso de omissão de compras; ou o preço médio de venda durante o ano, no caso das omissões de venda."

Igual critério deve ser aplicado na contestação do rateio feito no trabalho fiscal incluindo proporcionalmente em cada grupo as entradas omitidas e apuradas mediante busca de provas junto aos transportadores. A medida adotada é a mais coerente e justa, visto que o contribuinte escondeu os elementos que pudessem conduzir a uma distribuição sem margem de erro, mas, da torpeza dos atos do sujeito passivo não podem provir benefícios, nem pode invocá-los em seu socorro, senão trazê-los a lume e apontar o critério por ele entendido como justo. É evidente que desta distribuição por grupos não se busca um acerto de 100%, visto que esta é a dinâmica do arbitramento, contudo, tem-se como a maneira de chegar mais próximo da realidade arrimado no princípio estatístico da probabilidade.

A afirmativa constante à fl 13 (impugnação) de que o agente fiscal procedeu o levantamento físico relativo ao período de 01.03.92 a 31.01.93, quando do seu comparecimento ao estabelecimento é diametralmente contrária ao que consta da peça impositiva, de fl. 58, dos autos, dando conta da visita fiscal com contagem do estoque de mercadorias existentes no estabelecimento naquele instante, para um levantamento físico-quantitativo das operações praticadas pelo estabelecimento. A prova carreada aos autos, de fls. 72 a 77, teve a aprovação do titular do estabelecimento, declarando a exatidão do levantamento das mercadorias em estoque naquela oportunidade. As movimentações de mercadorias através de compras, devoluções, vendas e reservas em estoque constituem elementos indispensáveis para aferir alterações físicas dos mesmos, e servem para apurar omissões de saídas. Os elementos disponíveis foram os estoques informados através do livro próprio, complementado pelo levantamento "in loco" (nenhuma ficção), não tem sentido discutir as teorias e a legislação que obriga às indústrias a manterem um livro especial para o controle da produção e estoque, visto que, aqui se trata de contribuinte que opera exclusivamente no ramo comercial, e não mantém ele estes registros.

A comprovação de eventuais diferenças encontradas no exame físico-quantitativo, incluso nos autos, deve ser apresentada pelo sujeito passivo no oferecimento do contraditório, qual seja, junto com a impugnação. Carece de amparo legal a indução da defesa de que deveria ter sido, o sujeito passivo, intimado das irregularidades antes do Fisco constituir o crédito tributário.

Por fim, a doutrina esposada na impugnação dá guarida ao arbitramento efetuado, onde uma vez constatada a infidelidade contábil, por vícios de registro das efetivas entradas de mercadorias, teve através de um trabalho sério, estribado em elementos ponderáveis, arbitrado o montante das saídas omitidas a registo e do pagamento de imposto sobre elas incidente.

A jurisprudência trazida, e emanante da justiça gaúcha, não tem paralelo com os fatos aqui discutidos, pois, nela trata de arbitramento de margem de lucro bruto, enquanto que, estes autos, versam sobre levantamento unitário e físico, apenas arbitrado o preço pela sua média aritmética ponderada, sem prejuízo às operações efetuadas no atacado.

A manifestação efetuada à fl. 24, relativa a NF nº 869053, propositadamente, cingiu o documento ao uso de crédito pela entrada, ao passo que, o Fisco informou da sua consideração apenas para os efeitos de avaliar os estoques com serventia à apurar a movimentação física, visto que, quando da apuração dos estoques no próprio estabelecimento a mercadoria já dera ingresso, embora ainda não registrada nos livros. Este atraso de registro não teve repercussão em momento algum, motivo pelo qual a manifestação de fl. 24, se torna injustificada.

Foi aventada, na inicial, a possibilidade de perdas por parte do contribuinte no decorrer do ano, e se serve de uma Certidão Policial, dando conta de um ato unilateral, em que a parte apresenta queixa e registra um fato contado por ele, sem nenhuma prova de sua veracidade. É importante frisar, que nos casos de furtos comprovados, é obrigação do contribuinte efetuar o estorno dos créditos de ICMS que se adjudicou quando do registro de entradas destas mercadorias. A falta deste estorno, que decorre da lei (art. 28, II, "c", da Lei nº 8.820/89), e a inexistência de perícia técnica levada a efeito pela polícia, autoriza a presunção de que os bens denunciados foram recuperados, ou mesmo nem tenha, ocorrido o fato, aliás, medida comumente usada por comerciante de fronteira para baixar os estoques de mercadorias vendidas sem o registro na escrita fiscal, ou contábil.

No tocante às omissões no registro de entradas de mercadorias, buscadas pelo agente fazendário junto às transportadoras, compulsados os Conhecimentos de Transportes Rodoviário de Cargas, estes indicam o querelante como destinatário, tendo o Fisco o cuidado de examinar a assinatura do recebedor, tendo confirmado ser do próprio, exceto em duas oportunidades lançadas, onde pairou dúvida, sendo, por isso, ditas omissões retiradas da exigência pelo julgador de 1º Grau. Procedimento correto, em face ao dispositivo do CTN, art. 112, que na dúvida beneficia o réu. Com exame das assinaturas ficou alijada a alegação da defesa, que queria imputar a terceiros (firmas fantasmas) o uso da condição legal de sua empresa para auferir lucros, sem pagar o imposto decorrente do comércio.

O artigo 357, do RICMS, autoriza à fiscalização de tributos, uma vez constatados vícios na escrita, quer fiscal, quer contábil, e na impossibilidade de determinar o imposto sonegado, a efetuar o arbitramento das operações, baseado em elementos ponderáveis. A desclassificação formal da contabilidade é dispensável, uma vez apontados os vícios que qualificam os lançamentos como infiéis aos fatos está automaticamente invalidada, improcede o entendimento do comparte, de que o Fisco não dá crédito aos registros contábeis, sem ter desclassificado a mesma, aliás, a justificativa fiscal na réplica trilhou este caminho, tendo formado já jurisprudência neste Tribunal, dado ao grande número de decisões neste sentido.

Finalmente, ao contestar a exigência, cujos fatos estão descritos no item 10, do lançamento, não é suficiente a alegação simplista de que todas as notas emitidas tiveram seu imposto recolhido, mesmo que pela soma dos valores destes documentos. Às afirmações do Fisco caberia contrapor as provas do efetivo pagamento, sem as quais as alegações não têm nenhuma serventia. Quem mais uma vez trouxe detalhamento sobre o assunto foi o replicante, quando diz que a soma dos valores constantes no Livro Registro de Saídas, e que se repassa às GIAs para o pagamento do imposto, confere tão-somente com a soma das notas ali lançadas, e a razão do lançamento foi exatamente porque não se achavam lançadas no livro próprio. Assim, ficou configurado que estas importâncias foram bem lançadas para compor o crédito tributário ora contestado.

Complementa o episódio a informação fiscal, à vista das GIAs, de que o sujeito passivo até a data da produção da réplica (07.06.93) sempre manteve saldo credor na sua conta gráfica, sem nunca ter pago imposto.

Diante dos fatos apontados, rejeito o pedido de perícia contábil proposta na instância inadequada (art. 28, parágrafo 2º, letra "e", da Lei nº 6.537/73), que já fora indeferido no juízo "a quo", que é a instância competente. Esta perícia seria inócua, sem resultados práticos, tendo em consideração que a escrita fora invalidada em face aos vícios apontados, não retratando a realidade das atividades do autuado.

E no que concerne ao mérito, julgo procedente o auto de lançamento, invalidada a escrita contábil e fiscal, por apresentarem irregularidades capazes de lhe tirar a confiabilidade, reconhecendo o arbitramento dos valores através do cálculo da média aritmética ponderada, onde o Fisco agiu dentro dos limites previstos na legislação, usando de conhecimentos científicos desenvolvidos na estatística.

Não restou provado que as mercadorias, transportadas e entregues pelos CTRCs, com destaque na fl. 98, o foram no estabelecimento do autuado, se convertendo em razão justa a sua exclusão do total da exigência, efetuada pelo julgador singular, com o que concordo na sua plenitude.

Assim, nego provimento a ambos os recursos, para confirmar a decisão recorrida, forte nas razões acima expendidas e, ainda, pelas razões e fundamentos contidos no julgado em recurso.

ACORDAM os membros da Segunda Câmara deste Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, negar provimento a ambos os recursos, voluntário e de ofício, por UNANIMIDADE DE VOTOS, confirmando a decisão recorrida.

Porto Alegre, 19 de maio de 1995.

Plínio Orlando Schneider
Juiz Relator

Ruy Rodrigo Brasileiro de Azambuja
Presidente

Participaram, também, do julgamento os juízes: Oscar Antunes de Oliveira, Onofre Machado Filho e Pedro Paulo Pheula. Atuou no feito, ainda, o Defensor da Fazenda Pública Estadual, Gentil André Olsson.  

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