RECURSO Nº 920/94 - ACÓRDÃO Nº 430/95
RECORRENTES: (...) e FAZENDA ESTADUAL
RECORRIDAS: AS MESMAS (Proc. nº 13174-14.00/94.0)
PROCEDÊNCIA: PORTO ALEGRE - RS
EMENTA: ICM
Glosa de créditos fiscais
É indevida a adjudição de créditos fiscais destacados em Notas Fiscais de Entrada, as quais documentam retorno de mercadorias anteriormente remetidas para demonstração, se não houver a comprovação de que efetivamente as mesmas retornaram ao estabelecimento.
Preliminar rejeitada.
Recurso voluntário parcialmente provido.
Recurso de ofício desprovido.
Decisão unânime.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recursos "ex officio" e voluntário, em que são recorrentes (...), de Porto Alegre (RS) e a FAZENDA ESTADUAL, e recorridas AS MESMAS.
Em 13 de julho de 1987, contra (...), foi lavrado Auto de Lançamento exigindo o recolhimento de ICM e multa tendo em vista a utilização indevida de créditos fiscais relativos à devolução de mercadorias, cuja entrada em seu estabelecimento não restou comprovada.
A empresa, inconformada, impugna o lançamento alegando que está estabelecida como indústria de confecções e possui representantes em vários Estados, onde seus modelos novos são exibidos e que periodicamente há retorno de mostruários antigos, os quais são substituídos por novos. Assim, afirma que as remessas de mercadorias não têm finalidade mercantil e, sim, demonstração em locais onde os representantes não têm condições de emitir Nota Fiscal de retorno. Diante desta realidade, por orientação fiscal, emite uma Nota Fiscal de Entrada documentando o retorno da mercadoria e se credita do imposto que incidira na saída para demonstração. Acrescenta que o Fisco glosou todos os créditos fiscais destacados nas Notas Fiscais de Entrada que não possuiam conhecimento de frete. Contudo, informa que muitas mercadorias retornam por malote, outras são trazidas pelos próprios representantes ou, ainda, retornam pelos dirigentes da empresa. Neste sentido, apresenta demonstrativo no qual, documento por documento, indica a prova de retorno da mercadoria através de: Conhecimentos de Transporte, malotes e passagens aéreas. Quanto ao direito, diz que no seu caso aplica-se o artigo 19, II, e § 2º, da Lei nº 6.485/72 e que, para valer-se dos créditos fiscais, é necessária a emissão de Nota Fiscal de Entrada, a qual foi emitida, e a comprovação do retorno da mercadoria, o que foi feito através do demonstrativo juntado aos autos. Afirma que a lei, em momento algum, exigiu que a comprovação do retorno da mercadoria se fizesse unicamente pelo Conhecimento de Transporte. E mais, segundo a Instrução Normativa, se o retorno da mercadoria se der em mãos, entende que basta a entrega das vias originais das Notas Fiscais de saída. Acusa, ainda, a incorreta capitulação legal dos fatos no Auto de Lançamento, já que se trata de entradas e não saídas de mercadorias, como consta na peça fiscal. Por último, discorda da forma como foi aplicada a correção monetária. Junta aos autos documentos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), passagens aéreas e Conhecimentos de Transporte.
A autoridade autuante, em réplica fiscal, afirma que as Notas Fiscais de Entrada que destacam os créditos glosados, nos termos do artigo 59, § 1º, do Regulamento do ICM, são inidôneas, por desobediência aos artigos 119 e 120 do citado Regulamento, já que não houve a entrada da mercadoria e porque contêm declarações inexatas, tais como: a falta de indicação do transportador, a identificação do veículo transportador e a forma de acondicionamento dos produtos. Acrescenta que se o destinatário não emite Nota Fiscal, o retorno das mercadorias deveria fazer-se acompanhar da 1º via da Nota Fiscal de saída, com alguma declaração, carimbo de Posto Fiscal, Conhecimento de Transporte, acusando o retorno. Como tais evidências não se verificaram, reafirma seu entendimento de que não são válidos os créditos destacados nas Notas Fiscais de Entrada arroladas na peça fiscal, com exceção das seguintes, em relação às quais a impugnante juntou os Conhecimentos de Transporte: nºs 10.144, 11.698, 11.699, 11.700, 11.707, 12.280, 12.282, 12.285 e 12.286.
Na primeira instância de julgamento a decisão foi no sentido de confirmar o procedimento fiscal.
Dada a ciência daquele julgamento a empresa interpôs recurso voluntário procurando sua total reforma. Em preliminar, alega que houve cerceamento do direito de defesa já que houve juntada de novos documentos e alterou-se a acusação de falta de Conhecimento de Transporte para falta da 1ª via da Nota Fiscal de origem. Em preliminar, ainda, argúi pela nulidade da decisão recorrida porque não analisados os argumentos de incorreta capitulação legal na matéria tributável e incorreto cálculo de correção monetária. No mérito, fundamentalmente, repisa os argumentos já expendidos na inicial, postulando pela decretação de insubsistência do lançamento.
A Defensoria da Fazenda manifesta-se pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do apelo.
Em sessão do dia 20.10.93, na Primeira Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, a decisão foi no sentido de rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa, eis que os documentos juntados aos autos por ocasião da réplica fiscal são impertinentes à solução da lide. Por outro lado, foi acolhida a preliminar de nulidade da decisão recorrida, porquanto não foram apreciadas todas as questões suscitadas na impugnação. Nestes termos, por violação ao artigo 38 da Lei nº 6.537/73, os autos retornaram à primeira instância para novo julgamento.
Naquela instância, o julgador monocrático, com base em parecer técnico, analisadas todas as questões levantadas na inicial, julgou parcialmente procedente o crédito tributário constituído. A insubsistência decretada refere-se ao novo cálculo envolvendo a correção monetária, atendendo parte da pretensão da impugnante.
Novamente, dada a ciência da decisão, apresentou, a recorrente, recurso voluntário onde traz a lume a preliminar de nulidade da peça fiscal por incorreta capitulação legal da matéria tributável. No mérito, contesta o parecer técnico dizendo que suas operações foram documentadas conforme determina a Instrução Normativa; que algumas Notas Fiscais tidas como não integrantes do lançamento, na verdade, referem-se à substituição de anteriores já que, pela demora do retorno efetivo das mercadorias, houve emissão de Nota Fiscal com retorno simbólico e nova emissão de documentos fiscais pela saída da mercadoria; que os Conhecimentos de Transporte relativos às Notas Fiscais nºs 10.144, 11.698, 11.699, 11.700, 11.707, 12.280, 12.282, 12.285 e 12.286, são prova efetiva do retorno das mercadorias, não se justificando a exigência, agora, de que é necessária, também, a primeira via da Nota Fiscal de saída; e que não está escrito que somente o Conhecimento de Transporte serve como prova do retorno da mercadoria, servindo para tanto, também, despesas de passagens e serviços de malote. Ao final, requer a decretação da insubsistência da exigência fiscal.
Por força de lei, interposto, ainda, recurso de ofício referente à insubsistência decretada no juízo "a quo".
A Defensoria da Fazenda, como já fizera anteriormente, entende que deva ser rejeitada a preliminar argüida e, no mérito, opina pelo desprovimento do apelo voluntário. No que respeita ao recurso de ofício, requer seu provimento para o efeito de restabelecer a exigência tributária tal como consta no ato original. Cita jurisprudência deste Tribunal.
É o relatório.
VOTO.
Quanto à preliminar suscitada - vício de forma da peça fiscal - vejo que não pode prosperar. Com efeito, o lançamento decorreu da constatação de adjudição indevida de créditos fiscais cuja conseqüência imediata é o pagamento de imposto em valores inferiores ao devido. Isto é, ainda que a irregularidade tenha sido o creditamento indevido, o imposto que está sendo exigido no Auto de Lançamento é o pago a menor pelas saídas de mercadorias tributáveis do estabelecimento da recorrente, exatamente na proporção da contraposição daqueles créditos com estes débitos. Em razão disto a capitulação legal transcrita na peça fiscal diz respeito ao fato gerador do imposto pela saída da mercadoria do estabelecimento (art. 1º , I, da Lei nº 6.485/72). Portanto, infundado o argumento da recorrente quando diz que os dispositivos assinalados na peça vestibular são dissonantes com a acusação fiscal.
Assim sendo, ausente qualquer vício formal no Auto de Lançamento, rejeito a preliminar argüida. Acompanharam o Relator os demais Juízes pelos mesmos fundamentos.
No mérito, centra-se a discussão na admissibilidade, ou não, de créditos fiscais originários de devolução de mercadorias, as quais anteriormente saíram para demonstração junto a representantes deste e de outros Estados, não inscritos como contribuintes no cadastro estadual.
A legislação tributária vigente à época dos fatos assegurava o crédito fiscal, para esses casos, desde que houvesse a emissão de Nota Fiscal de Entrada e a comprovação do efetivo retorno da mercadoria (artigo 19, II, e § 2º, da Lei nº 6.485/72 e artigo 31,II, e § 1º do Decreto nº 29.809/80). Ao que se extrai dos autos, a contribuinte sempre emitiu a Nota Fiscal de Entrada, mas segundo o Fisco, não comprovou o efetivo retorno daquelas mercadorias. Daí a controvérsia.
Analisando a legislação que cuida da espécie não se vislumbra a eleição de um requisito específico para comprovar o retorno da mercadoria. O Fisco optou pela apresentação de Conhecimentos de Transporte ou a 1ª da via da Nota Fiscal de saída. A empresa, ao seu turno, entende suficiente, na ausência desses elementos, a apresentação de comprovantes de malote da EBCT, passagens aéreas, placas de veículo da própria empresa e comprovantes de representantes.
Para decidir a questão valho-me, inicialmente, da jurisprudência deste Tribunal onde, através de diversos Acórdãos (570/93, 571/93, 569/93, 568/93 e 567/93) a empresa, ora recorrente, foi condenada a pagar imposições tributárias decorrentes da prática de inúmeras irregularidades em seus estabelecimentos. Não que tal sirva de fundamento para formar, por si só, o convencimento acerca dos fatos ora sobre a mesa de julgamento. Mas, serve para demonstrar que a recorrente, ao menos à época, não primava pelo bom cumprimento de suas obrigações tributárias.
Nesse passo, apesar de a remessa de mercadorias para representantes, a título de demonstração, ser uma atividade rotineira da empresa, depara-se, o Fisco, com uma estrutura inadequada no sentido de controlar aquelas operações. As Notas Fiscais de entrada são preenchidas de forma incompleta, faltando a indicação exatamente dos dados que poderiam contribuir para verificar-se o retorno das mercadorias: indicação do meio de transporte utilizado, nome da empresa transportadora, placas do veículo transportador e forma de acondicionamento dos produtos.
Outra irregularidade que não ficou esclarecida no processo é a falta da documentação do retorno das mercadorias dos representantes para a empresa da recorrente. Legalmente não há como se admitir que determinada quantidade de mercadorias saia documentada deste Estado para São Paulo, por exemplo, e o seu retorno, após a demonstração, seja feito desacompanhado de qualquer documento fiscal. E o argumento de que os destinatários não são inscritos no cadastro estadual não elide a responsabilidade da emissão de documento fiscal, o que poderia ser levado a efeito através de Nota Fiscal Avulsa.
Contudo, não foi tão longe a exigência do Fisco para validar os créditos fiscais. Buscou outros meios de prova para gerar seu convencimento de que as mercadorias efetivamente teriam retornado à empresa da recorrente. Valeu-se de Conhecimentos de Transporte ou 1ªs vias das Notas Fiscais de origem, nas quais constasse alguma declaração ou carimbo da Fiscalização local, acusando o retorno da mercadoria. Mas, quanto às Notas Fiscais de Entrada relacionadas na peça fiscal, nada disto foi apresentado. Aliás, no que tange às 1ªs vias das Notas Fiscais de remessa, não procede a afirmativa da recorrente de que o Fisco as teria analisado. Pelo contrário, acusa sua falta. É o caso do retorno de mercadorias de Cachoeira do Sul, as quais foram remetidas pelas Notas Fiscais cujas 5ªs vias constam às fls. 40 a 42, em relação às quais o Fisco reclama a ausência das 1ªs vias.
Diante desse quadro, notadamente não foi preenchido um dos requisitos para validar os créditos fiscais: a comprovação do retorno das mercadorias. E mais, afora o aspecto formal não atendido, exsurge dos autos o forte convencimento de que, de fato, referidas mercadorias não retornaram ao estabelecimento da recorrente como consta nas Notas Fiscais de Entrada. Ao menos não foi apresentada prova alguma no sentido de descaracterizar esta presunção. O demonstrativo juntado na impugnação onde são relacionados, como prova de retorno das mercadorias, passagens aéreas, faturas de serviços prestados pela EBCT, recibos, cheques, além de outros documentos, não pode ser aceito. Ocorre que referida documentação não relaciona qualquer das Notas Fiscais de origem e, nos casos de substituição de Notas Fiscais, não há como se estabelecer vínculo entre as mesmas.
Da mesma forma, não procede a tentativa da recorrente em justificar seu procedimento caracterizando indevidamente as remessas como sendo mostruário e, com isto, aplicar o disposto na Instrução Normativa nº 01/81 (Título I, Capítulo XV, item 15). Na verdade, trata-se de saídas de mercadorias, a título de demonstração, junto a representantes estabelecidos, na sua maioria, fora do Estado, como, aliás, suas próprias Notas Fiscais de saída declaram. Portanto, inaplicável à espécie o tratamento dispensado àquele tipo de operação.
Assiste razão, no entanto, à recorrente, quanto às Notas Fiscais nºs 10.144, 11.698, 11.699, 11.700, 11.707, 12.280, 12.282, 12.285 e 12.286, em relação às quais foram juntados aos autos Conhecimentos de Transporte onde há menção expressa referir-se o retorno às mercadorias discriminadas naquelas Notas Fiscais, conforme se verifica à fl. 32 - doc. 14, fl. 44 - doc.32, fl. 46 - doc. 35 e fl. 52 - doc. 47. Nestes termos, insubsiste a glosa dos créditos fiscais efetuada por conta destas operações, cabendo a decretação da improcedência das seguintes parcelas do Auto de Lançamento em discussão, expressas na moeda vigente à época do lançamento e corrigidas até aquela data:
ICM CZ$ 3.762,56
CORREÇÃO MONETÁRIA CZ$ 52.966,81
MULTA CZ$ 17.156,80
Assim sendo, dou provimento parcial ao recuso voluntário apenas para o efeito de excluir do crédito tributário constituído os valores acima discriminados.
No concernente ao recurso de ofício, a matéria trazida ao reexame refere-se à aplicação dos índices de correção monetária. Tendo em vista que no parecer do Departamento de Processos Fiscais, o qual foi acolhido pelo Julgador daquele órgão, foi reconstituída a conta corrente fiscal do estabelecimento e aplicado o índice de correção monetária de acordo com o real vencimento do tributo devido, procede a insubsistência parcial lá decretada, em razão do que nego provimento ao apelo necessário.
Ante ao exposto, ACORDAM os membros da Primeira Câmara do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais, por UNANIMIDADE DE VOTOS, em rejeitar a preliminar, e no mérito, também a unanimidade, em dar provimento parcial ao recurso voluntário e negar provimento ao recurso de ofício.
Porto Alegre, 19 de abril de 1995.
Renato José Calsing
Relator
Rômulo Maya
Presidente
Participaram, também, do julgamento os Juízes Pery de Quadros Marzullo, Levi Luiz Nodari e Cilon da Silva Santos. Presente o Defensor da Fazenda Galdino Bollis.