ADJUDICAÇÃO INDEVIDA
Documento Inidôneo

RECURSO Nº 669/95 - ACÓRDÃO Nº 1.143/95

RECORRENTE: (...)
RECORRIDA:
FAZENDA ESTADUAL (Proc. nº 12707-14.00/91.3)
PROCEDÊNCIA:
SANTANA DO LIVRAMENTO - RS
EMENTA:
ICM/ICMS

Impugnação ao Auto de Lançamento nº 7969100407.

Recurso Voluntário.

Alegações e argumentos vagos, sem base probatória, não têm o condão de desacreditar procedimento tributário em que se aponta de forma específica e detalhada transgressão de natureza fiscal.

Recurso não provido.

UNÂNIME.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso voluntário, em que é recorrente (...), de Santana do Livramento (RS), e recorrida a FAZENDA ESTADUAL.

Em 06.06.91 (ciência em 07.06.91) contra a recorrente foi lavrado o Auto de Lançamento nº 7969100407 (fls. 09 a 18), exigindo o recolhimento de imposto e multa material básica. O lançamento decorreu de: item 1 - adjudicação de créditos fiscais destacados em documentos inidôneos da empresa (...), posto que não tiveram eles a sua impressão autorizada pelo Fisco. Além do que, a citada empresa foi excluída de ofício do Cadastro de Contribuintes de Tributos Estaduais (CGC/TE), conforme edital publicado no DOE de abril de 1989; item 2 - adjudicação de créditos fiscais através da emissão de Notas Fiscais de Entrada em operações como "desconto de duplicatas, estorno de despesa e desconto financeiro", para os quais não existe amparo na legislação tributária.

A empresa autuada, no prazo e na forma da lei, apresenta impugnação de fls. 03 a 08.

Argumenta que não lhe cabe perquirir se a documentação fiscal teve sua emissão autorizada pelo Fisco e se a inscrição estadual está ou não em vigor. Tal função, enfatiza, é de competência da própria Fiscalização Estadual. Diz que examinou única e exclusivamente os aspectos formais das Notas Fiscais, as quais preenchiam todos os requisitos exigidos pelo RICMS, não tendo ela porquê questionar a sua validade. Assim, pondera, se falha houve, foi da própria Fiscalização.

Entende que, mesmo após a baixa de ofício da inscrição estadual da empresa fornecedora, não pode ser penalizada por ter efetuado novas compras daquela empresa, pois o Diário Oficial do Estado tem circulação restrita, chegando ao conhecimento de poucas empresas e pessoas.

Relativamente ao item 2 do Auto de Lançamento, esclarece que as Notas Fiscais de Entrada foram emitidas para recuperar créditos fiscais de operações mercantis que foram alteradas em seu curso, já que os descontos concedidos e/ou estorno de despesas financeiras que constaram destacadamente das notas fiscais originais como acréscimo financeiro compensatório de prazo certo inicialmente solicitado pelos compradores, foram modificados pela antecipação do pagamento por parte destes. Reitera a legitimidade à recuperação do imposto indevidamente destacado nas notas fiscais de venda sobre o acréscimo financeiro incobrado. Enfatiza que nenhum prejuízo causou ao Erário, sobretudo porque os destinatários são consumidores finais.

A autoridade autuante, em réplica produzida às fls. 22 a 24, faz juntada de documentos (fls. 25 a 32) e pede a mantença da peça básica.

O Julgador de primeira instância pronunciou-se às fls. 33 a 35.

Analisando o significado de inidoneidade para a legislação do ICM/ICMS, ponderou que o contribuinte não apresentou provas documentais dos negócios realizados com a empresa supostamente emitente dos documentos fiscais. Não acolheu o argumento expendido acerca do desconhecimento do contido no Diário Oficial do Estado sobre a empresa com a qual alega ter realizado transações. Destacou, também, o fato que lhe pareceu deveras peculiar, qual seja, que a impugnante adjudicou-se de créditos fiscais através das notas fiscais de nºs 695, 696, 697, 698 e 699, nos meses de janeiro a março, agosto e novembro de 1990, respectivamente, levando a conclusão de que durante praticamente um ano a empresa fornecedora comercializou somente com a recorrente (representando apenas uma carga de madeira por mês), dado que inviabilizaria a sua sobrevivência. Conclui que tais elementos dão-lhe a convicção que o documento enviado à Receita Federal reflete a realidade dos acontecimentos e, portanto, que o contribuinte tinha ciência da inidoneidade dos aludidos documentos.

Quanto a adjudicação de créditos fiscais através de Notas Fiscais de Entrada, relativos a estorno de despesas e descontos de duplicatas, esclarece que a legislação de regência do tributo contempla as formas de creditamento, descabendo ao contribuinte decidir a forma de como fazê-lo.

Entendeu como procedente o Auto de Lançamento.

Inconformado, o sujeito passivo, atendendo aos preceitos legais, interpôs recurso voluntário a este Tribunal (fls. 37 a 44).

Justifica que não apresentou provas documentais porque as compras eram feitas à vista, mediante a entrega de diversos cheques pré-datados, sempre emitidos em nome do próprio transportador da mercadoria, que invariavelmente era o único intermediário em todas as negociações realizadas.

No mais, reitera os argumentos articulados na peça impugnatória.

Também teceu longas considerações acerca da ilegalidade da aplicação da Taxa Referencial Diária - TRD.

A Defesa da Fazenda, em seu arrazoado (fl. 46), posiciona-se pelo desprovimento do recurso interposto, anexando jurisprudência desta Casa.

É o relatório.

VOTO.

Quanto ao primeiro item do Auto de Lançamento - adjudicação de créditos fiscais inidôneos -, temos dois dados objetivos a considerar.

O Fisco não autorizou a emissão de Notas Fiscais, modelo 1, série B-1, nºs 126 em diante, para a empresa (...).

Dita o artigo 68 do Regulamento do ICM (Decreto nº 29.809/80 e alterações) que os documentos fiscais só podem ser impressos mediante prévia autorização. Por conseguinte, quaisquer numerações dessa subsérie emitidos por quem quer que seja (mesmo que a própria (...)), não tem valor para os efeitos da legislação tributária estadual, sendo considerados como inexistentes, sequer inidôneos, consoante se depreende do § 1º do artigo 59 do Regulamento do ICM (RICM) e artigo 79, § 1º, do Regulamento do ICMS (RICMS).

Por segundo, a empresa (...) foi excluída do Cadastro Geral de Contribuintes de Tributos Estaduais (CGC/TE) a partir do mês de abril de 1989 (ato publicado no Diário Oficial do Estado).

Com essa medida, oficialmente a empresa deixou de existir para todos os efeitos da legislação tributária estadual. A publicidade dada ao fato por meio da imprensa oficial traz, de persi, a presunção de conhecimento pela generalidade das pessoas.

O conteúdo da correspondência enviada pela empresa (...) à Secretaria da Receita Federal se ajusta com os fatos objetivamente antes analisados. Ou seja, declara aquela empresa ao Órgão Federal que somente imprimiu 5 (cinco) talões de notas fiscais, de numeração 001 a 125, e que paralisou as atividades desde meados de 1988.

Portanto, as informações obtidas pela Inspetoria da Receita Federal, em procedimento anterior e totalmente dissociado ao do Fisco Estadual, convergem com os fatos por esse apontados.

Resulta não merecer amparo a assertiva da peticionária de que aquela correspondência expedida por (...), seria desprovida de credibilidade.

Não se está a confrontar um contribuinte em relação ao outro, mas analisar objetivamente os elementos carreados aos autos.

Também não se trata de verificar se houve efetivamente aquisições de madeira por parte da requerente. O que o Fisco não acolheu foram os documentos fiscais que serviram para documentar tais possíveis aquisições. É esse o âmbito da controvérsia.

Deflui da peça recursal que a própria recorrente não tem condições de assegurar que negociava com dita empresa, pois assevera de forma textual que tratava exclusivamente com um intermediário (freteiro) conhecido por (...). Era com ele que todas as tratativas se verificavam, desde o recebimento da carga até o respectivo pagamento, que se realizava através de emissão de cheques pré-datados, tendo-o como beneficiário.

Veja-se bem, então, a única pessoa visível em toda a operação era o senhor (...). A recorrente nunca transacionou com a empresa (...). Apenas supostamente. Até mesmo os próprios recibos de quitação dos pagamentos eram fornecidos (assinados) pelo senhor (...) (fls. 30/31), e em seu próprio nome.

O nome da empresa (...) só aparecia na transação pelas notas fiscais entregues à recorrente pelo senhor (...).

Diante desse quadro, a requerente não tem condições de assegurar que negociava com aquela empresa e que, por conseguinte, tinha ela existência fática.

Sequer a recorrente pode alegar que o senhor (...) era preposto da empresa tida como remetente das mercadorias, pois documentação alguma nesse sentido foi juntada aos autos.

Ergue-se, do conjunto probatório carreado aos autos, a convicção da inocorrência de transação comercial entre a peticionária e a empresa tida como emitente dos aludidos documentos fiscais.

Equivoca-se a autuada quando diz que não pode prevalecer o entendimento do Fisco no sentido de atribuir aos contribuintes determinada responsabilidade na averiguação da regularidade fiscal daqueles com quem transacionem.

Esse comando não deflui do entendimento da Fiscalização, mas deriva de imposição legal, exsurgente do artigo 198, incisos VI, VII, e § 2º, do RICM. O documento ali mencionado é aquele previsto no artigo 20 e parágrafos desse mesmo diploma legal (o Regulamento do ICMS contempla idênticos dispositivos). Tais deveres são recíprocos.

Acaso a recorrente houvesse tomado as providências preconizadas na legislação do tributo em todas as aquisições que efetuou do senhor (...), detectaria se estava ou não efetivamente transacionando com a empresa (...). A exigência da apresentação do "Documento de Identificação Fiscal de Contribuinte", antes de uma exigência legal, é uma garantia oferecida aos contribuintes de modo geral.

Elucidativo o realce feito pelo Julgador de Primeira Instância (fls. 34/35) quanto às Notas Fiscais de nºs 695 a 699, emitidas no interregno de praticamente um ano (março a novembro de 1990). Qualquer pessoa vinculada ao meio negocial indagaria se seria plausível um ente econômico se manter viável com tão íntimo volume operacional.

Portanto, os documentos fiscais sob análise são qualificados como inexistentes, ou, na melhor das hipóteses, inidôneos (artigo 59, § 1º, "f", do RICM, e artigo 79, § 1º, "f", do RICMS), não gerando crédito fiscal, conforme expresso comando do artigo 33, inciso III, do RICM, e 34, I, "I", do RICMS.

Agiu com correção a Fiscalização quanto ao item examinado.

O item 2 do Anexo do Auto de Lançamento trata da adjudicação de créditos fiscais através de emissão de Notas Fiscais de Entrada para operações como desconto em duplicatas, estorno de despesas e desconto financeiro.

Não se perquire da efetividade ou não das operações de circulação de mercadorias correspondentes, mas da legalidade do procedimento levado a efeito pelo contribuinte.

A regra geral é que a base de cálculo do imposto seja o valor da operação de que decorrer a saída ou o fornecimento da mercadoria (artigo 24, I, do RICM e 17, I, do RICMS). É usual nas relações comerciais, notadamente em períodos de aceleração inflacionária, que nas vendas a prazo seja embutido no preço dos produtos um custo adicional a título de ressarcimento do ônus inflacionário e remuneração do capital. Assim, o cliente pode optar por uma aquisição à vista ou de forma parcelada, porém, tendo um desembolso maior em relação à primeira modalidade.

A fim de arredar possíveis dificuldades de interpretação nessas hipóteses, a legislação do tributo tratou de delimitar o conceito de "valor da operação" para efeitos tributários.

Reza o parágrafo 2º do artigo 24 do RICM:

"Art. 24 - omissis ...

(...)

§ 2º - Na compra e venda, ressalvadas as disposições deste Regulamento em contrário, o valor da operação compreende a importância total paga pelo comprador, inclusive o montante de todos os encargos ou despesas realizadas para a entrega ou remessa da mercadoria ao adquirente, bem como bonificações e demais vantagens auferidas pelo vendedor."

O parágrafo 3º do mesmo artigo traz regra específica para os descontos concedidos:

"3º - Não integrarão o valor tributável, os abatimentos de preço concedidos no ato da emissão do documento fiscal, desde que constem deste."

Os mesmos preceitos foram recepcionados pelo Regulamento do ICMS (aprovado pelo Decreto nº 33.178/89), conforme explicitado na peça fiscal.

Deflui dos dispositivos legais transcritos que ficou restrita a hipótese em que é admitido o abatimento de preço.

No caso focalizado nos autos, os abatimentos ou descontos teriam sido oferecidos à clientela (inexiste nos autos demonstração da sua real ocorrência) no momento da quitação da dívida, total ou parcial, aspecto este também não aclarado pela recorrente.

Como conseqüência da análise ora formulada, resulta que esse procedimento não tem nenhum respaldo na legislação tributária de regência do tributo.

Afora os dispositivos legais trazidos à colação, os quais incidem diretamente sobre a matéria posta sob controvérsia, em nenhuma passagem dos artigos 30 a 32 do RICM e 30 a 33 do Regulamento do ICMS, que abordam a figura do crédito fiscal, pode ser localizado permissivo que admita a apropriação de crédito fiscal da natureza daquele adjudicado pela recorrente.

Importa referir, ainda, que o artigo 32, XXXII, parágrafos 24 a 27, do Decreto nº 29.809/80 e suas alterações (RICM), e artigo 33, XIX, parágrafos 9º a 12, do Regulamento do ICMS, referidos na Decisão Singular, não são aplicáveis à espécie dos autos, pois dizem respeito somente aos estabelecimentos comerciais exclusivamente varejistas.

O requisito do pré-questionamento, derivado do princípio do duplo grau de apreciação, obsta o exame dos argumentos expendidos contra o emprego da TRD.

UNÂNIME.

Ante o exposto, ACORDAM os membros da Câmara Suplementar do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF), por UNANIMIDADE DE VOTOS, em negar provimento ao recurso voluntário interposto.

Porto Alegre, 05 de setembro de 1995.

Ivori Jorge da Rosa Machado
Relator

Rômulo Maya
Presidente

Participaram, também, do julgamento os Juízes Nielon José Meirelles Escouto, Abel Henrique Ferreira e Vergílio Frederico Périus. Presente o Defensor da Fazenda Luiz Carlos Flores Muniz.

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