SUSEP
POSSIBILIDADE JURÍDICA DA CONSTITUIÇÃO, POR COMPANHIA DE SEGUROS, DE EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO

RESUMO: É vedada somente a exploração direta de outra atividade. Via de conseqüência, as sociedades de seguros podem exercer indiretamente outra atividade que não a de seguros, bem como ter participação majoritária em outras sociedades que explorem outro ramo do comércio.

PARECER NORMATIVO MF/SUSEP/PG
Nº 3, de 25.11.99 (DOU de 17.02.00)

Processo nº 15414.005982/98-55.

DIREITO COMERCIAL

Constituição de sociedade prestadora de serviços por sociedade seguradora. Inteligência do art. 73 do DI nº 73/66. Norma proibitiva, exegese estrita. Vedação à exploração direta. Possibilidade quanto à exploração indireta.

A CONSULTA

1 - Consulta-nos determinada companhia de seguro sobre a possibilidade jurídica de uma sociedade seguradora poder constituir uma empresa subsidiária prestadora de serviços.

2 - Após atento exame da questão e tendo em vista as informações apresentadas pela Consulente, passo a exarar a seguir o parecer.

O PARECER

3 - Fácil é de ver pela consulta formulada que se pretende explorar indiretamente outro ramo do comércio, considerando que a Consulente será sócia majoritária da empresa prestadora de serviços a ser constituída.

4 - Tocantemente à exploração de atividade comercial diversa da securitária, por companhias de seguro, o art. 73 do Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, dispõe que "as sociedades seguradoras não poderão explorar qualquer outro ramo de comércio ou indústria".

5 - Diante dessa vedação legal, pode-se até argumentar que a pretensão encontra obstáculo intransponível. Do mesmo modo, pode-se argumentar que a vedação atinge a exploração direta ou indireta de outro ramo de comércio ou indústria, uma vez que o artigo é omisso neste particular.

6 - Ocorre que a exploração de determinada atividade comercial, como se sabe, dá-se diretamente por quem a exercer, seja pessoa física ou jurídica. Por outro lado, a chamada exploração indireta dá-se através de investimentos, pelas companhias de seguros, em outras sociedades, como é comum no mercado de seguros e em outros mercados.

7 - Para DE PLÁCIDO E SILVA, in Dicionário Jurídico, Vol. II, D-I, Forense, 12ª edição, 1996, pág. 252, o vocábulo exploração comercial significa "a especulação ou o estabelecimento de um negócio comercial ou de um fundo de comércio." Nesse sentido, o verbo explorar, que foi inserido no dispositivo legal acima citado, finalisticamente traduz a idéia do desenvolvimento de um negócio ou indústria, do exercício de uma atividade comercial ou industrial.

8 - Portanto, andou bem o legislador do Decreto-lei nº 73/66 ao vedar o exercício direto de outra atividade pelas companhias de seguros dissociada de sua atividade fim, tendo em vista o interesse social que essa atividade representa. Porém, embora seja esse o objetivo da norma, veda-se somente a exploração direta de outra atividade.

9 - Se assim não fosse, estar-se-ia obstando a livre iniciativa da atividade econômica, na qual estão inseridas as companhias de seguros, permitindo que estas participem de outra sociedade somente com percentual mínimo. Tal atitude, como cediço, certamente seria inconstitucional à luz do art. 170 da CRFB, que encerra o seguinte postulado: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando-se os seguintes princípios: ...IV - livre concorrência;..."

10 - Nessa linha de argumentação, não se deve olvidar que algumas companhias de seguros já detêm controle acionário de determinadas sociedades de capitalização ou de previdência privada aberta e, no entanto, não há qualquer ilegalidade nisso, a respeito dessas últimas exercerem outras atividades.

11 - Demais a mais, mesmo que se entendesse que a constituição de uma empresa prestadora de serviços, por companhias de seguros, ou a participação destas em outra sociedade, do mesmo ramo ou de ramo diverso, de forma majoritária ou não, configuram exploração de outro ramo de comércio, não há robustez jurídica para impedir esse tipo de exploração. A razão disso é clara: a omissão encerrada no dispositivo, que não faz qualquer referência às modalidades de exploração. Não se pode, portanto, vedar o exercício de outra atividade diferente da securitária. Na dúvida, deve-se decidir pela liberdade do exercício da atividade pretendida.

12 - Por outro lado, e considerando que o art. 73 do Decreto-lei nº 73/66 é norma proibitiva, a vedação somente deve atingir a exploração direta, deixando de fora a indireta, porque na interpretação desse tipo de norma só cabe a exegese estrita.

13 - Corroborando esse entendimento, CARLOS MAXIMILIANO, em sua obra clássica "Hermenêutica e Aplicação do Direito, Forense, 15ª edição, 1995, pág. 223", ao discorrer sobre as "leis de ordem pública: imperativas ou proibitivas", leciona que:

"266 - Interpretação. As prescrições de ordem pública, em ordenando ou vedando, colimam um objetivo: estabelecer e salvaguardar o equilíbrio social. Por isso, tomadas em conjunto, enfeixam a íntegra das condições desse equilíbrio, o que não poderia acontecer se todos os elementos do mesmo não estivessem reunidos. Atingido aquele escopo, nada se deve aditar sem suprimir. Todo acréscimo seria inútil; toda restrição, prejudicial. Logo é caso de exegese estrita. Não há margem para interpretação extensiva, e menos para analogia (1)."

"267 - Além dos fatores jurídicos-sociais que influíram na origem da regra exposta e norteiam a sua aplicação, duas outras razões contribuem para evitar a exegese ampla:

a) não tem esta cabimento quando as normas limitam a liberdade, ou o direito de propriedade;

b) os preceitos imperativos ou proibitivos e de ordem pública apresentam quase todos os característicos do Direto Excepcional em cujos domínios têm sido incluídos por escritores de valor nada mais lógico, portanto, do que interpretar uns pelo modo aconselhado para outro, flagrantemente semelhante."

14 - Com base nessas assertivas, a Consulente pode constituir uma empresa prestadora de serviços, como pretendido. Via de conseqüência, as demais sociedades de seguros podem, de igual modo, exercer indiretamente outra atividade que não a de seguros, bem como ter participação majoritária em outras sociedades que explorem outro ramo do comércio.

A CONCLUSÃO

Por todo o exposto, conclui-se pela possibilidade jurídica da constituição, por companhia de seguros, de empresa prestadora de serviço, visto que:

a) o legislador do Decreto-lei nº 73/66, no art. 73, silenciou sobre as modalidades de exploração, de forma que, na dúvida, deve-se decidir pela liberdade do seu exercício da atividade pretendida;

b) o art. 73 do Decreto-lei nº 73/66 é norma proibitiva e deve ser interpretado de forma estrita, conforme entendimento majoritário da doutrina;

c) a exploração de determinada atividade comercial dá-se diretamente por quem a exercer, enquanto que a indireta é representada pelos investimentos de uma sociedade em outra;

d) o entendimento de que a exploração indireta é vedada pelo art. 73 do Decreto-lei nº 73/66 fere o princípio da livre iniciativa previsto no art. 170 da CRFB.

É o parecer, sub censura.

Edibaldo H. S. Brígida
Coordenador

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