CONSTRUÇÃO CIVIL
Diferencial de Alíquotas

Sumário

1. INTRODUÇÃO

Nos termos do art. 155, § 2º, incisos VII e VIII, da Constituição Federal/88, estão sujeitas à incidência do ICMS, cabendo ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (diferencial de alíquotas):

a) a entrada, no estabelecimento do contribuinte, de mercadoria oriunda de outra Unidade da Federação, destinada a consumo ou Ativo Fixo;

b) a utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação tenha início em outra Unidade da Federação e não esteja vinculada à operação ou prestação subseqüente alcançada pela incidência do imposto.

2.CONVÊNIO ICMS Nº 71/89

Com o objetivo de uniformizar o tratamento fiscal aplicável às empresas da área de construção civil, os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICMS nº 71/89, por meio do qual foi firmado entendimento no sentido de que nas operações interestaduais de bens e mercadorias destinados às citadas empresas, para fornecimento em obras contratadas que executem sob sua responsabilidade e em que atuem, ainda que excepcionalmente, como contribuintes do imposto, aplicam-se as hipóteses de incidência descritas nas letras "a" e "b", cuja obrigação consiste em pagar o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.

A despeito do entendimento firmado pelo referido Convênio, muito se tem discutido sobre o assunto, já que as empresas de construção civil, embora obrigadas à inscrição como contribuintes do ICMS, são, na verdade, contribuintes do ISS (de competência dos Municípios). Com base nesse argumento, aliado ao fato de que os materiais de construção não são consumidos, mas sim utilizados na produção de outros bens, várias empresas do setor têm se insurgido contra a cobrança do ICMS pelo diferencial de alíquotas.

3. DECISÕES (DO STJ E STF)

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a questão vinha sendo decidida de modo divergente, ou seja, enquanto o entendimento dos Ministros da Primeira Turma era no sentido de não ser devido o ICMS na hipótese sob análise, os da Segunda Turma concluíram pela legalidade da exigência do diferencial de alíquotas .

Contudo, de acordo com recente decisão dos Ministros da Primeira Seção do STJ (composta pelos Ministros da Primeira e Segunda Turmas), os Estados não podem exigir o diferencial de alíquotas das empresas de construção civil.

Trata-se de decisão proferida, por maioria de votos, nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 149946/MS, cuja ementa, divulgada no DJU de 20.03.2000, publicamos a seguir. Logo depois, reproduzimos a íntegra da decisão proferida pelos Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal (STF), no Agravo Reg. em Agravo de Instrumento nº 242.276-8 - Goiás, que também concluiu pela impossibilidade de cobrança do ICMS incidente a título de diferencial de alíquotas das empresas de construção civil (cuja ementa foi divulgada no DJU de 17.03.2000):

Embargos de Divergência no Recurso Especial
nº 149946/MS (1998/0018824-0)

Relator: O Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler
Relator p/ Acórdão: O Exmo. Sr. Ministro José Delgado
Embargante(s): Estado de Mato Grosso do Sul
Advogado(s): Dr. Manuel Ferreira da Costa Moreira e outros
Embargado(s):
Advogado(s): Dr. Heriberto Rolando Brandes e outros

Ementa Tributária. ICMS. Operações interestaduais. Diferencial de alíquotas. Empresa de construção civil. Não-incidência.

1 - As empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações que produzam bens e com eles pratiquem atos de mercância diferentes da sua real atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras.

2 - Há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que "as pessoas (naturais ou jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias sujeitas a tributo estadual" (José Eduardo Soares de Melo, in "Construção Civil - ISS ou ICMS?", in RDT 69, pág. 253, Malheiros).

3 - Embargos de divergência rejeitados.

Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Exmo. Sr. Ministro Ari Pargendler, rejeitar os embargos.

Os Exmos. Srs. Ministros Garcia Vieira, Humberto Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira votaram com o Exmo. Sr. Ministro José Delgado (voto-vista), que lavrará o acórdão.

Brasília, 06 de dezembro de 1999 (data do julgamento).

Ministro Francisco Peçanha Martins
Presidente

Ministro José Delgado Relator

p/ Acórdão Agravo Reg. em Agravo de Instrumento nº 242.276-8 - Goiás

Relator : Min. Marco Aurélio
Agravante: Estado de Goiás
Advogado: PGE-GO - Tomaz de Aquino Petraglia
Agravada:
Advogados: Olímpio Pereira de Paula e outro

Competência - Mandado de Segurança - Ato de Secretário de Estado. A regência da matéria não decorre da Carta da República, mas da legislação local, deixando o desfecho da controvérsia de desafiar o recurso extraordinário.

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - Alíquota diferenciada - Diferença - Cobrança - Construtora.

As construtoras são, de regra, contribuintes, considerado o tributo municipal - Imposto sobre Serviços. Adquirindo material em Estado que pratique alíquota mais favorável, não estão compelidas, uma vez empregadas as mercadorias em obra, a satisfazer a diferença em virtude de alíquota maior do Estado destinatário.

Interpretação do disposto no art. 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em segunda turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental.

Brasília, 16 de dezembro de 1999.

Néri da Silveira
Presidente

Marco Aurélio
Relator

Agravo Reg. em Agravo de Instrumento nº 242.276-8 - Goiás

Relator : Min. Marco Aurélio
Agravante: Estado de Goiás
Advogado: PGE-GO - Tomaz de Aquino Petraglia
Agravada:
Advogados:Olímpio Pereira de Paula e outro Relatório

O Senhor Ministro Marco Aurélio - Mediante a decisão de folha 127 a 130, neguei acolhida a pedido formulado em agravo, à luz dos seguintes fundamentos:

As normas sobre a competência dos órgãos da Justiça local não se revestem de estatura maior. Na espécie, o que se pretende é guindar a esta Corte enfoque emprestado à controvérsia a partir da Carta Estadual, no que não teria incluído o Secretário de Estado como detentor, ante o cargo ocupado, de prerrogativa de foro. Em momento algum, a Corte de origem adotou entendimento contrário ao art. 125, § 1º, da Constituição Federal, no que revela caber a definição da competência dos tribunais aos constituintes estaduais, devendo a lei de organização judiciária decorrer de iniciativa de tribunal de justiça. Da mesma forma, não se tem como transgredido o art. 70 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que manteve a competência dos tribunais estaduais até que viesse a ser definida na Constituição do Estado, nos termos do citado art. 125, § 1º. Resta a questão de fundo.

No art. 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal, nota-se dualidade, a saber: a alíquota interestadual incide quando o destinatário da mercadoria for contribuinte do tributo; a alíquota interna está ligada ao fato do destinatário não ser contribuinte. Pois bem, apenas no tocante à primeira cabe ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, conforme dispõe o inciso VII dos referidos parágrafo e artigo. Ora, a instância soberana no exame dos elementos fáticos deixou assentado que as mercadorias foram adquiridas pela Recorrida para emprego em obra contratada. As construtoras são, de início, contribuinte do ISS. No caso dos autos, tal aquisição objetivou, justamente, o cumprimento do contrato firmado, tendo em conta a obrigação de fazer, a obrigação de construir. Por isso, não se pode cogitar da incidência, na espécie, da regra autorizadora da cobrança, pelo Estado da localização da construtora, da diferença do tributo, considerada a alíquota anterior praticada. A construtora qualifica-se, no caso, como prestadora de serviços, ficando sujeita, por isso mesmo, à incidência do tributo municipal. Hipótese diversa ter-se-ia se as mercadorias adquiridas mediante alíquota diferenciada fossem destinadas à nova circulação, a novo negócio jurídico a envolver mercadoria. Aí sim, seria caso de enquadramento na regra constitucional viabilizadora da cobrança da diferença. Insista-se: há que se distinguir a situação, perquirindo-se o envolvimento, ou não, de contribuinte do tributo (folhas 129 e 130).

O Estado de Goiás, no agravo de folha 132 a 138, alega, inicialmente, estar desfundamentada a conclusão quanto à incompetência do Tribunal de Justiça para julgar mandado de segurança impetrado contra Secretário de Estado. Sustenta não haver sido refutada a tese veiculada no extraordinário e renovada no agravo, não contendo o ato impugnado as razões "capazes de sustentar a posição contrária à do recurso, pelo que não foi o recorrente persuadido da sua falta de razão". Alude ainda ao fato de ser "pouco convincente" a afirmação de que as normas sobre competência dos órgãos de Justiça local não se revestem de estatura maior, e procura demonstrar o contrário, evocando o teor dos arts. 125, § 1º, do corpo permanente da Carta e 70 das Disposições Transitórias.

Assevera também não estar em causa tema ligado à interpretação da Constituição Estadual, tendo-se apenas registrado que o preceito desta sobre competência "está dentro dos limites da Constituição Federal, que também previu as disposições estaduais". Refuta ainda a possibilidade aventada no acórdão proferido pela Corte de origem - de conter omissão o Diploma Estadual - e considera que, mesmo havendo o vício, não existiria margem à incidência de norma do próprio Regimento Interno ou à tomada da aplicação analógica para chegar-se à solução relativa à órbita federal, atinente ao Superior Tribunal de Justiça. Aduz que entendimento nesse sentido implica olvidar o preceituado nos arts. 2º, 22, inciso I, e 125 da Lei Básica Federal: a uma porque não é dado ao Judiciário a função de legislar; depois, por competir privativamente à União dispor sobre normas processuais; e ainda em razão de a Constituição não remeter ao Regimento Interno das Cortes locais, tampouco autorizando o afastamento de regras específicas sobre os Tribunais de Justiça para a utilização de "pretensos princípios e por uma imaginada simetria".

No tocante ao mérito, insiste na incidência da diferença de alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, na espécie. Argumenta que, além de o contribuinte poder dar destino diferente às mercadorias (vendendo-as), mesmo que as utilize nas obras, estará evidenciada a circulação, pois serão transferidas aos compradores dos imóveis construídos. Por outro lado, fazendo menção ao princípio da igualdade, afirma ser inadmissível que a Empresa adquira mercadorias de outros Estados, arcando com alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços entre 7% e 12%, enquanto aquelas que as comprem do próprio Estado paguem 17%.

Recebi os autos em 20 de setembro de 1999 e liberei-os para julgamento em 18 de outubro imediato.

É o relatório.

Voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) - Na interposição deste agravo foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça, subscrita por procurador estadual, restou protocolada no prazo em dobro a que tem jus o Agravante. Dele conheço.
Descabe confundir decisão desfundamentada com decisão contrária aos respectivos interesses e na qual conste a motivação que respalda o desfecho do recurso interposto. Dizer-se, a esta altura que a decisão de folha 127 a 130 está desfundamentada é exacerbar a paixão, o interesse isolado e momentâneo do próprio Recorrente.

No mais, reporto-me aos fundamentos da decisão proferida e que estão transcritos acima. O tema concernente à competência do Tribunal de Justiça para julgar mandado de segurança impetrado contra ato de Secretário Estadual não possui estatura maior, ou seja, não se encontra disciplinado, em si, pela Carta da República. Rege-o a legislação local, sendo que definição a respeito não desafia o recurso extraordinário. Quanto à questão de fundo da própria lide, ou seja, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e a diferença que o Estado insiste em cobrar, não logrou o Agravante infirmar as razões lançadas. Não se cuida, na espécie, de quebra do princípio isonômico, porquanto as construtoras, de uma forma geral, podem adquirir a mercadoria em Estados que pratiquem alíquota inferior.

Desprovejo este Agravo.

Segunda Turma

Extrato de Ata

Agravo Reg. em Agravo de Instrumento nº 242.276-8

Proced: Goiás
Relator: Min. Marco Aurélio
Agte.: Estado de Goiás
Advogado: PGE-GO - Tomaz de Aquino Petraglia
Agravada:
Advogados: Olímpio Pereira de Paula e outro

Decisão: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo regimental. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 16.12.99.

Presidência do Senhor Ministro Néri da Silveira.

Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Edinaldo de Holanda Borges.

 Carlos Alberto Cantanhede
Coordenador

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