IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA DO
DIREITO DE COMPENSAR TRIBUTO INDEVIDO

* Hugo de Brito Machado

Sumário

1. INTRODUÇÃO

Em face de questões suscitadas em relação ao direito de haver tributos e outras exações de natureza tributária, pagos indevidamente durante muito tempo, como se deu com o Salário Educação, e com as contribuições para o PIS, grande interesse passou a ter o estudo de um meio capaz de propiciar ao contribuinte a recuperação do que pagou indevidamente e que, em face do decurso do tempo, já estaria, ao menos em parte, alcançado pela prescrição da ação de repetição do indébito.

Neste estudo procuramos demonstrar que o direito de compensar tributo pago indevidamente, sendo um direito potestativo, não é afetado pelo decurso do tempo, e que a incerteza, tanto em relação ao haver sido realmente indevido o pagamento que como tal se está considerando, como em relação também ao direito de compensar, sendo o caso, pode ser afastada mediante ação declaratória, também sempre imprescritível.

Não nos move a ilusão de que o nosso ponto de vista venha a ser de pronto acolhido pela jurisprudência. Primeiro porque a matéria não tem sido tratada pela doutrina, sendo até agora bem pouco conhecida, e por isto as proposições que ofertamos serão postas em dúvida. Segundo porque sabemos todos, grande parte dos juízes brasileiros, se tem dúvida, não vacila em solucioná-la em favor da Fazenda Pública.

Seja como for, temos forte convicção quanto ao nosso ponto de vista sobre o assunto, e por isto queremos submetê-lo ao crivo dos melhormente preparados para discutí-lo, na certeza de que estaremos prestando uma contribuição, ainda que modesta, para o tratamento doutrinário de um tema que hoje desponta como de grande interesse dos operadores do Direito, na vasta e intrincada seara da tributação.

2. O DIREITO DE COMPENSAR COMO DIREITO POTESTATIVO

Os direitos subjetivos dividem-se em duas grandes categorias, a saber, os direitos a uma prestação, e os direitos potestativos. Os primeiros têm por objeto um bem da vida, que é obtido mediante uma prestação a cargo de alguém. Para exercitá-los, seus titulares dependem da colaboração daquele que é devedor da respectiva prestação, e se não ocorre tal colaboração precisam de ação que os faça valer. Os últimos, configuram poderes que a lei confere a certas pessoas, em certas situações, e cujo exercício não depende da colaboração de ninguém, e pode ser exercitado independentemente e até contra a vontade daqueles em cuja esfera jurídica interfere. Entre estes últimos está o poder de alegar a compensação.

Efetivamente, se o contribuinte pagou tributo indevidamente, tem ele, nos termos do art. 66, da Lei nº 8.383/91, o direito de fazer a compensação com valores a serem recolhidos, procedimento que se encarta no âmbito do lançamento por homologação, e independe inteiramente da colaboração e pode ser feito até contra a vontade da Fazenda Pública, em cuja esfera jurídica interfere.

3. DIREITO POTESTATIVO E SUA SUBSISTÊNCIA NO TEMPO

O direito à compensação não se confunde com o direito à restituição. Este é direito a uma prestação. Aquele um direito potestativo. Por isto mesmo o prazo extintivo, restrição legalmente prevista para o direito de pleitear a restituição do tributo pago indevidamente, não se aplica ao direito de compensar.

Normas restritivas de direitos, sabemos todos, não podem ser objeto de interpretação ampliativa de seu alcance. Este é um princípio da hermenêutica jurídica universalmente consagrado. Dúvida, portanto, não pode haver. "Não se aplica o lapso decadencial previsto no art. 168 do CTN, que diz respeito tão-somente ao direito de pleitear a restituição de tributo indevidamente pago, mas não à compensação de tributos."

Nem poderia mesmo ser de outra forma. Só em situações excepcionais os direitos potestativos são alvo de extinção, pela decadência, que a lei estabelece apenas para aqueles direitos potestativos cuja falta de exercício concorre de forma mais acentuada para perturbar a paz social."

Inexistente lei que estabeleça o contrário, os direitos potestativos subsistem no tempo, indefinidamente.

4. O PRAZO PARA PLEITEAR A RESTITUIÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA

O Código Tributário Nacional fixa prazo de cinco anos, a contar da extinção do crédito tributário, para o pedido de restituição do que tenha sido pago indevidamente.

A jurisprudência vinha entendendo que esse prazo tem início na data do pagamento indevido. Não é assim, porém. O prazo extintivo do direito de pleitear a restituição de tributo pago indevidamente tem início, sim, com a extinção do crédito tributário respectivo, mas esta nem sempre ocorre com o pagamento do tributo.

Em se tratando de tributo objeto de lançamento de ofício, ou mediante declaração do sujeito passivo, dúvida não há. A extinção do crédito tributário ocorre na data do pagamento, porque assim o diz o art. 156, inciso I, do Código Tributário Nacional.

Esta é a hipótese mais comum. Talvez por isto a jurisprudência tem incorrido no equívoco de considerar que em qualquer caso o prazo extintivo começa sempre da data do pagamento. Isto, porém, não se dá em se tratando de tributo cujo lançamento é feito por homologação, nos termos do art. 150 do CTN, que estabelece:

Art. 150 - O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º - O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.

...

§ 4º - Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Inexistindo lei fixando prazo para a homologação do lançamento, considera-se este efetuado depois de cinco anos do recolhimento do tributo. E só então extinto o crédito tributário correspondente.

Confirma tal entendimento o art. 156, do Código Tributário Nacional, que estabelece:

Art. 156 - Extinguem o crédito tributário:

VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus § § 1º e 4º;

É evidente, pois, que em se tratando de tributo cujo recolhimento é efetuado antes do exame, pela autoridade administrativa, dos elementos fáticos que ensejaram o pagamento, o crédito tributário somente se considera extinto com a homologação do lançamento.

Não havendo homologação expressa tem-se de considerar que somente pelo decurso de cinco anos, contados do pagamento antecipado, ocorre a homologação tácita e, assim, dá-se a extinção do crédito correspondente. Só a partir de então, portanto, começa a correr o prazo de decadência, extintivo do direito à restituição do indébito.

Esta nossa tese já foi acolhida, em decisão unânime, pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Também o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem decidido que "não ocorrida a homologação expressa, a perda do direito de pleitear a restituição se dá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos, contados da data em que se deu a homologação tácita."

5. INÍCIO DO PRAZO EM SE TRATANDO DE TRIBUTOS INCONSTITUCIONAIS

O outro aspecto que está a merecer nossa consideração diz respeito à questão de ser o direito à restituição fundado na inconstitucionalidade da lei tributária.

Tenho sustentado, e constitui entendimento pacífico no âmbito da Administração Tributária Federal, que a autoridade administrativa não tem competência para dizer da inconstitucionalidade das leis. Inúmeras, reiteradas e uniformes manifestações dos Conselhos de Contribuintes do Ministério da Fazenda o atestam. Assim, sendo o pedido de restituição fundado na inconstitucionalidade da lei tributária, entendo que não há direito a ser pleiteado administrativamente. Não se pode, portanto, cogitar da incidência do art. 168, inciso I, do Código Tributário Nacional. Inexistente o direito, não se pode cogitar de sua extinção.

O direito de pleitear a restituição, perante a autoridade administrativa, de tributo pago em virtude de lei que se tenha por inconstitucional, somente nasce com a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta. Ou com a suspensão, pelo Senado Federal, da lei declarada inconstitucional, na via indireta. Esta é a lição de Ricardo Lobo Torres, que ensina:

"Na declaração de inconstitucionalidade da lei a decadência ocorre depois de cinco anos da data do trânsito em julgado da decisão do STF proferida em ação direta ou da publicação da Resolução do Senado que suspendeu a lei com base em decisão proferida incidenter tantum pelo STF."

Tem, é certo, o contribuinte, ação para pedir, perante o Judiciário, a restituição, tendo como fundamento a inconstitucionalidade da lei tributária, mas, no que concerne a esta, não existe prescrição. A interpretação conjunta dos artigos 168 e 169, do Código Tributário Nacional, demonstra que tais dispositivos não se referem a esse tipo de ação. O art. 168 diz respeito ao pedido de restituição formulado perante a autoridade administrativa. E o art. 169 diz respeito à ação para anular a decisão administrativa denegatória do pedido de restituição. Inexiste, portanto, dispositivo legal estabelecendo a prescrição para a ação do contribuinte, para haver tributo cobrado com base em lei que considere inconstitucional.

Poder-se-ia argumentar com o Decreto nº 29.910, de 6 de janeiro de 1932, que estabelece prazo geral de prescrição das ações contra a Fazenda Pública federal. Esse diploma legal, todavia, é inaplicável ao caso. Diz ele que prescrevem em cinco anos as dívidas passivas, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza. Não obstante a impropriedade terminológica, o que se explica por se tratar de norma produzida em 1932, quando a doutrina ainda não estabelecera a distinção entre prescrição e decadência, tem-se que a referência a dívidas passivas, e a direitos, diz respeito à decadência, pois esta, e não a prescrição, é que afeta relações jurídicas de direito material.

É certo que o dispositivo supratranscrito refere-se, também, a ação contra a Fazenda federal, estadual, ou municipal, seja qual for a sua natureza. As disposições dos artigos 4º, e de seu parágrafo único, do antigo Decreto, todavia, levam à conclusão de que este se refere a prescrição de ação para haver direitos que a Fazenda possa reconhecer. Não a direito decorrente da supremacia constitucional, direito que em face das leis ordinárias não pode ser reconhecido.

Como já afirmamos, a autoridade administrativa não tem competência para afirmar a inconstitucionalidade de uma lei. Assim, em face do ordenamento infraconstitucional, não se pode dizer existente um direito à repetição de um tributo, cujo fundamento jurídico seja a inconstitucionalidade da lei que o instituiu ou aumentou.

Em sistemas jurídicos como o nosso, nos quais existe o controle difuso da constitucionalidade das leis, parece não haver distinção entre os direitos decorrentes da lei, e aqueles decorrentes da supremacia da Constituição sobre a lei. Mas a distinção é relevante e não pode ser descartada, a menos que se pretenda solução simplista, sem rigor científico.

A rigor, quando alguém promove uma ação, e coloca como fundamento do pedido a inconstitucionalidade de uma lei, está pedindo, primeiramente, a desconstituição da lei, e como conseqüência o reconhecimento do direito que daí decorrerá.

Como o antigo Decreto em referência diz respeito a direitos e correspondentes ações, exercitáveis em face do ordenamento infraconstitucional, certamente não se pode aplicar à repetição do tributo que seja indevido em virtude da inconstitucionalidade da lei que o instituiu, ou aumentou.

6. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO REPETITÓRIA

O prazo para propor ação de repetição de indébito é de cinco anos, nos termos do art. 168, do CTN, tal como o prazo para pleitear a restituição na via administrativa. Se, entretanto, ocorre o pedido na via administrativa, e este é indeferido, o contribuinte tem ainda o prazo de dois anos, nos termos do art. 169, para promover ação anulatória da decisão administrativa que indeferir o pedido de restituição.

Tem prevalecido o entendimento de que o prazo de dois anos não diz respeito a ação de repetição do indébito, mas simplesmente a ação destinada a anular a decisão administrativa que indeferiu o pedido de restituição. Talvez por isto tenha caído em desuso o pedido de restituição na via administrativa.

7. UTILIDADE DA AÇÃO DECLARATÓRIA E SUA IMPRESCRITIBILIDADE

Como já afirmamos, a compensação do tributo pago indevidamente, feita no âmbito do lançamento por homologação, pode dar-se independentemente de qualquer providência judicial.

Havendo dúvida quanto ao haver sido realmente indevido o pagamento do tributo, cujo valor se pretende compensar, ou mesmo quanto ao direito de compensar, essas dúvidas podem ser afastadas mediante a propositura de ação declaratória, na qual o autor pedirá a declaração da inexistência da relação jurídica tributária que ensejou o pagamento indevido, e também que declare a existência da relação jurídica entre o autor e a Fazenda ré, da qual decorre o direito daquele de fazer, independentemente de manifestação prévia desta, a compensação pretendida.

A ação simplesmente declaratória é, sabemos todos, imprescritível. Assim, a questão da inexistência da relação jurídica tributária, vale dizer, a questão de haverem sido indevidos os pagamentos do tributo, pode abranger todo o período em que tais pagamentos ocorreram.

É importante que nenhum pedido seja formulado, além daquele característico da ação simplesmente declaratória. Para ser imprescritível, a ação há de ser declaratória pura. E sendo assim, não importa o decurso do tempo, como impediente da declaratória, porque todas as ações dessa categoria são imprescritíveis. É que as declaratórias prestam-se apenas para obter certeza a respeito de relações jurídicas, e "são imprescritíveis as ações, cuja origem se identifica com a do próprio direito que protegem, não tendo por fim remover uma situação capaz de modificá-lo, mas, apenas, o reconhecimento judicial desse direito."

8. COMPENSAÇÃO INDEPENDENTEMENTE DE AÇÃO

Insista-se em que a prática da compensação independe de qualquer ação judicial. Ocorre, porém, que muitos contribuintes restam inseguros, temerosos de que o Fisco, porque discorda da compensação, seja à consideração de que não ocorreram pagamentos indevidos, seja porque entende inadmissível a compensação sem a autorização fazendária, termine por iniciar ação fiscal em que lhes poderá impor penalidades, ou simplesmente passar a lhes aplicar sanções políticas.

Por isto muitos ingressam em Juízo pedindo que o Juiz lhes garanta o direito de compensar. Isto, porém, é apenas uma opção, e que não nos parece ser a melhor. Na verdade, desde que existam sólidos precedentes no sentido de que o tributo efetivamente foi pago indevidamente, é absolutamente induvidoso o direito de compensar, nos termos do art. 66, da Lei nº 8.383/91.

Se a Fazenda discordar desse procedimento, ela é que terá de fazer o lançamento tributário respectivo, e depois ir a Juízo com a correspondente Execução Fiscal.

9. IMPRESCRITIBILIDADE DA EXCEÇÃO COMO DE QUALQUER DEFESA

Proposta a Execução Fiscal, o contribuinte executado terá o direito de opor embargos, e estes são imprescritíveis, como imprescritíveis são as exceções, ou defesas, em geral.

Já faz muito tempo que assim se entende. "As exceções são em geral imprescritíveis; pois que, como o uso d'ellas depende do exercício d’acção, em quanto isto se não dá, não pode haver da parte do réu negligência, ou inacção judiciária, sobre a qual a prescrição se funde: Quae sunt temporaria ad agendum perpetua sunt ad excipiendum".

Neste mesmo sentido é a doutrina de Câmara Leal:

"A exceção propriamente dita, aquela que tem seu fundamento no mesmo título jurídico que serve de base à ação, e constitui um meio de defesa que tende a conservar o estado atual do objeto da demanda, é imprescritível, porque, simples meio de defesa, sem caráter de ataque, ela só é exercitável no momento em que a ação é ajuizada, nenhuma negligência podendo-se atribuir ao réu por não ter até então alegado, e ainda porque ela não tem por fim remover uma situação contrária, mas conservar a situação atual. Sem situação contrária e negligência em removê-la, não se pode cogitar de prescrição, que tem por objetivo estabilizar essa situação pela inércia do interessado em removê-la."

* Hugo de Brito Machado é Professor Titular de Direito Tributário da UFC, Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários e Juiz aposentado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

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