DESVIO DE FUNÇÃO

Sumário

1. Introdução;
2. Requisitos;
3. Equiparação Salarial X Desvio De Função;
4. Penalidades;
4.1. Rescisão Indireta;
4.2. Indenização Por Danos Morais;
5. Exemplos Práticos;
5.1. Desvio De Função;
5.2. Atividade Vinculada À Função;
5.3. Atividade Não Mencionada No Contrato - Prevista Na Descrição.

1. INTRODUÇÃO

A legislação trabalhista não tem previsão de conceito de desvio de função.

No entanto, o desvio de função se configura sempre que o empregado for contratado para uma determinada atividade, mas acaba desempenhando outra, alheia àquela para a qual houve a contratação.

No momento da admissão, a empresa deve sempre adequar a função do empregado à CBO (Classificação Brasileira de Ocupações).

Os códigos da CBO constam na página do Ministério do Trabalho (www.mtecbo.gov.br).

Caso a empresa não encontre um código que se adeque à função que será exercida pelo empregado, deverá consultar o Sindicato da categoria e o Ministério do Trabalho da região, a fim de verificar qual poderá ser utilizado.

O enquadramento correto da função a ser desempenhada pelo empregado é primordial para que não haja a ocorrência do desvio de função.

2. REQUISITOS

O desvio de função ocorre quando a prestação de serviço diverge daquela para a qual o empregado foi contratado, ou seja, o empregado é contratado para desempenhar uma função, mas na realidade, desempenha outra.

O desvio de função pode ser parcial ou total.

O desvio de função parcial se dá quando, além da função para a qual foi contratado, o empregado exerce outra ou outras atividades, diferentes daquela da contratação, sem que haja previsão para esse acúmulo.

Já o desvio de função total ocorre quando o empregado é contratado para uma determinada função, mas só exerce outra, totalmente divergente daquela da contratação.

Não há vedação para que o empregado desempenhe mais de uma função, o chamado “acúmulo de funções”, desde que haja previsão no contrato para tanto.

Quando não há, fica configurado o desvio de função.

3. EQUIPARAÇÃO SALARIAL X DESVIO DE FUNÇÃO

O desvio de função não deve ser confundido com a equiparação salarial, já que se tratam de institutos diferentes.

A equiparação salarial, prevista no artigo 461 da CLT e na Súmula n° 06 do TST, diz respeito ao pagamento do salário igual para empregados com a mesma função.

De acordo com o artigo 461 da CLT, os empregados que exercem a mesma atividade, têm a mesma produtividade e, a mesma perfeição técnica, no mesmo ambiente empresarial, para o mesmo empregador, devem ter a mesma remuneração.

Há alguns requisitos, porém, além dos acima elencados, que também devem ser observados: o tempo de prestação de serviços para o mesmo empregador não pode ser superior a 4 anos e a diferença de tempo na função que exercem não pode ser superior a 2 anos (§ 1° do artigo 461 da CLT).

Existindo houver plano de cargos e salário ou plano de carreira na empresa, por sua vez, não há que se falar em equiparação salarial, conforme § 2° do artigo 461 da CLT.

Desta forma, a equiparação está relacionada ao desenvolvimento da mesma função, com remunerações diferentes, dentro dos requisitos previstos no artigo 461 da CLT, enquanto o desvio de função se configura pelo desempenho de atividade diferente daquela para a qual o empregado foi contratado, independente da remuneração recebida.

4. PENALIDADES

A legislação não tem previsão de penalidade específica a ser aplicada ao empregador em caso da ocorrência de desvio de função de seus empregados.

No entanto, sempre que o empregado se sentir lesado, poderá ingressar com uma Reclamatória Trabalhista, requerendo, inclusive, eventuais diferenças salariais pertinentes ao desvio de função.

Por exemplo, o empregado pode ser contratado para desempenhar a função X, com salário de R$ 3.000,00 e desempenhar de fato a função Y, com salário de R$ 4.000,00 e receber o salário de R$ 3.000,00. Neste caso, o empregado teria direito a receber as diferenças salariais (R$ 1.000,00) em razão da função efetivamente desenvolvida.

Além de receber as diferenças salariais devidas, ainda teria direito ao recolhimento do FGTS sobre estas, nos termos do artigo 15 da Lei nº 8.036/1990, bem como, seria devido o recolhimento da contribuição previdenciária (artigo 214 do Decreto n° 3.048/1999).

As diferenças salariais também impactam no pagamento de outras verbas, como férias e 13º salário.

4.1. Rescisão Indireta

Quando o empregador descumpre as obrigações do contrato de trabalho, o empregado pode requerer a rescisão indireta, conforme artigo 483 da CLT.

O desvio de função pode ser considerado uma causa de rescisão indireta do contrato, nos termos das alíneas ‘a’ e ‘d’ do artigo 483 da CLT.

De acordo com a referida alínea ‘a’, o empregado pode requerer a rescisão indireta de seu contrato de trabalho quando forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato.

De qualquer forma, a rescisão indireta deve ser realizada através de ação judicial, cabendo ao juiz analisar o caso concreto.

Diante da decisão judicial, o empregador deverá proceder à rescisão conforme determinado no processo, tanto no que se refere à data, quanto ao pagamento de eventuais verbas.

4.2. Indenização por Danos Morais

Sempre que o empregado se sentir lesado pelo empregador, poderá ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho, requerendo, dentre outros pedidos, a indenização por danos morais.

O artigo 468 da CLT determina que as alterações contratuais só podem ser feitas com o consentimento do empregado e desde que não gerem nenhum tipo de prejuízo ao mesmo.

Os prejuízos não dizem respeito somente ao aspecto financeiro, mas sim, a quaisquer tipos de danos eventualmente sofridos pelo empregado.

Sendo assim, em caso de desvio de função, os empregados podem exigir indenização por danos morais e materiais, em uma Reclamatória Trabalhista.

Quanto ao valor do dano moral, caberá ao juiz da causa analisar o caso concreto e verificar a existência e extensão do dano causado ao empregado.

Sendo assim, o juiz irá analisar as alegações do empregado, bem como eventuais provas produzidas no processo, para determinar se é devida a indenização por danos morais e definir o valor desta, se for o caso.

Em relação à competência para julgamento de pedidos de danos morais e materiais, de acordo com a Súmula n° 392 do TST e o artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, a Justiça do Trabalho é responsável para julgar atos do empregador que ensejem danos morais e materiais, causados pela relação de trabalho.

5. EXEMPLOS PRÁTICOS

Para facilitar a compreensão quanto à configuração ou não do desvio de função, seguem exemplos práticos.

5.1. Desvio de Função

Exemplo 1:

Antonio é contratado como motorista por uma empresa de transporte, mas em razão da falta de empregados no quadro de pessoal, passou a exercer também a função de auxiliar de expedição.

Caracterização:

Antonio está exercendo duas atividades, motorista e auxiliar de expedição, o que caracteriza desvio de função parcial, pois ela está exercendo duas funções cumulativamente.

Exemplo 2:

Maria é contratada para trabalhar como caixa em uma loja de cosméticos, mas exerce diariamente a função de estoquista; não exerceu nenhum dia a função de caixa para a qual foi efetivamente contratada.

Caracterização:

Maria está exercendo uma função completamente diferente daquela para a qual foi contratada, o que configura desvio total de função.

5.2. Atividade Vinculada à Função

Existem questionamentos em relação à configuração de desvio de função quando o empregado desempenha outras atividades, mas que também está vinculada à função para a qual foi contratado.

Nestes casos, quando se tratam de tarefas que fazem parte da mesma função, não há que se falar em desvio de função, já que as atividades estão vinculadas entre si, conforme previsto na CBO.

Exemplo:

Ana é contratada para exercer atividade de assistente administrativa, sendo responsável por preencher documentos e preparar relatórios e planilhas e também faz atendimento a clientes para esclarecimento de dúvidas, conforme previsto em seu contrato de trabalho; as três atividades estão vinculadas à mesma função, em conformidade com o código da CBO 4110-10 da atividade.

Caracterização:

Neste caso, não há acúmulo ou desvio de função, já que todas as atividades são inerentes à função para a qual foi contratada.

5.3. Atividade não Mencionada no Contrato - Prevista na Descrição

Existem casos em que as atividades a serem desenvolvidas pelo empregado não estão todas previstas no contrato de trabalho, mas que fazem parte da função, de acordo com o que determina o código da CBO.

Nessa situação, ainda que o contrato não preveja o desempenho da atividade específica, estando prevista nas atividades da CBO, não será configurado o desvio de função.

Exemplo:

José foi contratado como auxiliar de logística, sendo responsável por receber produtos e prepara-los para distribuição, além de controlar o estoque, sendo que esta última não está prevista expressamente no seu contrato de trabalho.

Caracterização:

Nesse caso não há desvio de função, tendo em vista que todas as atividades fazem parte da função de auxiliar de logística (CBO 4141-40), ainda que não estejam todas discriminadas no contrato de trabalho.

Fundamentos Legais: Os citados no texto, conforme legislação vigente à época da publicação.

Julho/2022