PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA
Noções Gerais e Aplicação ao ICMS

Sumário

1. INTRODUÇÃO

Os princípios constitucionais que regem a ordem tributária nacional encontram-se espalhados no texto da Constituição Federal de 1988, mais especificamente entre as normas dos artigos 147 a 162.

Tais princípios podem ter como fundamento 2 (dois) valores: a certeza ou a justiça, garantias concedidas pelo texto constitucional ao cidadão brasileiro quando se trata da tributação a ser exercida sobre seu capital. Em outras palavras, os tributos a serem exigidos serão revestidos de garantias de certeza e justiça.

O princípio a ser abordado neste trabalho denomina-se “Princípio da Anterioridade da Lei Tributária”, e será estudado em suas minúcias devido a sua importância para o contribuinte brasileiro.

O Princípio da Anterioridade, objeto de estudo desta matéria, acaba por estabelecer uma “vacatio legis” específica, aplicada às normas de cunho tributário, diferente da regra geral imposta pela Lei de Introdução ao Código Civil, na qual, salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.

2. ANUALIDADE X ANTERIORIDADE

Preliminarmente, cabe um rápido esclarecimento sobre a diferença entre o princípio-tema de estudo desta matéria e o antigo Princípio da Anualidade.

Paulo de Barros Carvalho expõe a controvérsia existente da seguinte forma:

“Ainda remanesce o hábito de mencionar-se o princípio da anualidade, no lugar da anterioridade, o que, a bem do rigor, substancia erro vitando. Aquele primeiro (anualidade) não mais existe no direito positivo brasileiro, de tal sorte que uma lei instituidora ou majoradora de tributos pode ser aplicada no ano seguinte, a despeito de não haver específica autorização orçamentária. Para tanto, é suficiente que o diploma legislativo seja publicado no tempo que antecede ao início do exercício financeiro em que se pretenda efetuar a cobrança da exação criada ou aumentada”. (CARVALHO, Paulo de Barros, “Curso de Direito Tributário”, 13ª Edição, Saraiva, 2000, pg. 156)

Segundo o Princípio da Anualidade que vigorava na CF/1946, o tributo para ser cobrado deveria estar incluído na receita do respectivo orçamento público. Mas como se pode verificar ante a exposição do citado autor, este princípio não mais vigora no Direito Positivo Brasileiro.

Atualmente, caso a Lei Tributária seja editada em um exercício com sua vigência apenas no exercício seguinte, ela é legítima, pois pode haver a precaução do contribuinte, ou seja, teoricamente, ele se encontra preparado para a nova cobrança. Sobre o tema, pode-se citar 2 (duas) Súmulas do STF:

STF Súmula nº 66 - 13.12.1963 - “É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro”.

STF Súmula nº 67 - 13.12.1963 - “É inconstitucional a cobrança do tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício financeiro”.”

3. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA CF/1988

A Constituição Federal de 1988 prescreve o Princípio da Anterioridade da Lei Tributária em 3 (três) situações e formas diversas, sendo que estas serão expostas nos subitens abaixo.

3.1 - Anterioridade do Artigo 150, III, “b”

O artigo 150, III, “b”, da CF/1988 prevê o Princípio da Anterioridade clássico, no qual há a vedação da cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou:

“Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

III - cobrar tributos:

(...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;”

Resumidamente, a lei que cria ou aumenta um tributo só passa a valer a partir do dia 1º de janeiro do ano seguinte. Este dispositivo constitucional tem por escopo prevenir, financeiramente, o contribuinte que deverá desembolsar mais dinheiro para satisfação dos tributos.

3.2 - Anterioridade do Artigo 150, III, “c”

Porém, na prática, o Princípio da Anterioridade, exposto no subitem supra, havia perdido sua finalidade principal, por um ardil dos legisladores brasileiros, que costumavam publicar as referidas leis nos últimos dias do mês de dezembro. Algumas vezes a “vacatio legis” chegava a ser de dias ou, até mesmo, horas.

Por este motivo os contribuintes, em grande parte, continuavam surpreendidos por um aumento repentino de tributação, o que ocasionava uma série de transtornos, financeiros e procedimentais.

Com o intuito de acabar com esta situação, a Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, incluiu a redação da alínea ‘c’ no inciso III do artigo 150 da CF/1998, instaurando a observância obrigatória a uma nova anterioridade cumulada com a anterior, uma anterioridade nonagesimal, que confere ao contribuinte o direito de um tributo começar a vigorar, pelo menos, após 90 (noventa) dias da sua publicação:

“c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;”

Sobre o tema, expõe Aroldo Gomes de Mattos:

“Assim, em face da referida alínea “c”, não é mais possível a lei tributária “surpresa”, ou seja, aquela que era publicada nos últimos dias do exercício com vigência a partir do primeiro dia de janeiro seguinte”. (MATTOS, Aroldo Gomes de, “ICMS - Comentários à Legislação Nacional”, Dialética, São Paulo, 2006, pg. 62)

Exemplo: Tem-se um determinado imposto cuja alíquota tenha sido majorada por lei publicada em novembro de 2007. Pela aplicação do princípio contido no artigo 150, III, “b”, puramente, a nova alíquota entraria em vigor em 01.01.2008. Mas devido à aplicação conjunta daquele princípio com a anterioridade nonagesimal, tem-se que a nova alíquota começará a vigorar apenas em fevereiro de 2008.

3.3 - Anterioridade do Artigo 195, § 6º

O artigo 195, § 6º, da CF/1988, elenca mais uma possibilidade de anterioridade, que é aplicada apenas às contribuições sociais, e vem sendo denominada, pelos doutrinadores, de “Anterioridade Mitigada”, justamente pelo seu caráter de suavizar, abrandar o tradicional Princípio da Anterioridade que, em regra, se não houvessem aquelas deformações já apontadas, obrigaria que se aguardasse o exercício seguinte para cobrar novo tributo ou majorar o já existente.

“Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)

§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b””.

3.4 - Quadro Sinóptico da Aplicação do Princípio da Anterioridade

O Princípio da Anterioridade, em suas 3 (três) manifestações expostas, possui exceções quanto a sua aplicação, sendo que, para resumir e facilitar a compreensão, ao invés de citar as exceções de cada caso nos subitens próprios, opta-se por expor o tema em quadro sinóptico da seguinte forma:

Não observam o Princípio da Anterioridade

Observam apenas o art. 195, § 6º (subitem 3.3)

Observam apenas o art. 150, III, ‘c’ (subitem 3.2)

Observam apenas o art. 150, III,’b’ (subitem 3.1)

Observam o art. 150, III, ‘b’ +’c’
(subintens 3.1+3.2)

Imposto Extraordinário de Guerra

Contribuições previdenciárias do artigo 195 CF

IPI

IR (*)

Demais tributos
Obs.: Inclusive alteração de alíquota de IPTU e IPVA

Empréstimo compulsório (calamidade pública, guerra externa ou iminência)

ICMS sobre Combustíveis e Lubrificantes

Lei que modifique a base de cálculo de IPTU e IPVA

Imposto de Importação

CIDE combustíveis

Imposto de Exportação

IOF

(*) Súmula 584 STF: “Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”.

Nota-se que são verdadeiras exceções ao Princípio da Anterioridade apenas os tributos a serem criados em situações extremas (Imposto Extraordinário de Guerra, Empréstimo compulsório em caso de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência), e os Impostos que possuem função extrafiscal, ou seja, são utilizados como instrumentos da política financeira (II, IE e IOF). O IPI também é um imposto extrafiscal, e antes da edição da Emenda Constitucional nº 42/2003, situava-se nesta coluna de exceções ao Princípio da Anterioridade.

4. MEDIDA PROVISÓRIA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

É certo que Medida Provisória pode instituir e majorar tributos, uma vez que no rol de matérias que não podem ser objeto de Medida Provisória (Art. 62, § 1º, da CF/1988) não consta proibição acerca da matéria de conteúdo tributário.

O § 2º do artigo 62 da CF/1988 dispõe:

“§ 2º - Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”.

Assim, por força deste dispositivo constitucional, a Medida Provisória que venha a instituir ou majorar impostos (observa-se que o texto legal menciona apenas os impostos!), com exceção daqueles que possuem função extrafiscal (II, IE, IPI, IOF) e do Imposto Extraordinário de Guerra, só produzirá efeitos no exercício seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia do exercício em que foi editada.

5. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE E O ICMS

O ICMS, como pode ser observado no quadro sinóptico do subitem 3.4 desta matéria, deverá observar o Princípio da Anterioridade do artigo 150, III, “b” e “c”, ou seja, a majoração do imposto só poderá começar a vigorar no exercício seguinte ao da publicação da lei, respeitando a vacatio legis mínima de 90 (noventa) dias, entre publicação e entrada em vigor.

É uma combinação que proporciona ao contribuinte do ICMS a segurança necessária para suas atividades, podendo precaver-se contra um aumento de tributação da melhor forma possível.

O contribuinte do ICMS, no período anterior à Emenda Constitucional nº 42/2003, foi inúmeras vezes surpreendido pelo legislador estadual, pois era praxe a publicação de alterações na legislação que visavam majorar o imposto, sendo que tais publicações eram realizadas nos últimos dias do mês de dezembro, e começavam a vigorar nos primeiros dias do mês de janeiro, não havendo possibilidade de preparação por parte daquele que acabava por emitir documentos de forma incorreta, e, em conseqüência, pagar o ICMS em valor inferior ao devido.

Desta forma, a inclusão do Princípio da Anterioridade nonagesimal veio a eliminar uma injustiça que ocorria com os contribuintes do ICMS ano após ano, adequando a exigência do imposto aos primados de justiça e certeza que embasam o sistema tributário na Constituição Federal de 1988.

Recorda-se, porém, que em relação ao ICMS que incide sobre combustíveis e lubrificantes, em virtude de disposição constitucional expressa, não se observa o Princípio da Anterioridade na forma exposta no subitem 3.1 desta matéria, que exige início da vigência no exercício seguinte, porém, não obstante, deve haver a observância à vacatio legis de 90 (noventa) dias:

“Art. 155 - (...)

§ 4º - Na hipótese do inciso XII, h, observar-se-á o seguinte:

(...)

IV - as alíquotas do imposto serão definidas mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal, nos termos do § 2º, XII, g, observando-se o seguinte:

(...)

c) poderão ser reduzidas e restabelecidas, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.”

Por este motivo, o ICMS que incide sobre combustíveis e lubrificantes consta, no quadro sinóptico, apresentado no subitem 3.4 supra, como um imposto que só deve observar o disposto na alínea “c” do inciso III do artigo 150 da CF/1988.

Fundamentos Legais: Os citados no texto.