CARGO DE CONFIANÇA
Considerações
Sumário
1. CONCEITO
A Legislação Trabalhista não contempla especificamente uma definição de Cargo de Confiança, sendo assim enquadrados pela doutrina e jurisprudência os gerentes, diretores, administradores, chefes de departamento, com amplos poderes e que ocupam função diretiva na empresa ou estabelecimento, também denominados “Altos Empregados”.
O exercente de Cargo de Confiança, apesar de ser também um empregado, a rigor não se confunde com um subordinado comum, face à posição hierarquicamente superior, de colaboração e até exercício do poder diretivo na empresa, além da fidúcia que nele é depositada pelo empregador, que não se confunde com uma confiança normal e inerente a toda a relação de emprego, mas um elemento objetivo da relação, expressão do cargo ocupado.
Cabe salientar que não basta o rótulo de gerente ou diretor, sendo o contrato de trabalho um contrato realidade, vai prevalecer o real tratamento conferido a este empregado e a análise de alguns requisitos como, por exemplo, se ele possui autonomia, poder de ingerência administrativa, se não está sujeito a controle de horário, ocupa posição hierarquicamente superior aos demais em seu departamento ou estabelecimento, bem como possui padrão salarial superior a seus subordinados, entre outros, que devem ser analisados caso-a-caso.
A CLT apresenta alguns preceitos isolados aplicáveis aos Altos Empregados ou empregados ocupantes de Cargo de Confiança, sobre os quais passaremos a discorrer.
2. JORNADA DE TRABALHO
Quanto ao horário de trabalho, o artigo 62, II, da CLT assim dispõe:
“Art. 62 - Não estão abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
II - os gerentes, assim considerados os exercentes de cargo de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial;
Parágrafo único - O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%.”
Vislumbra-se, portanto, que o legislador previu 2 (dois) requisitos caracterizadores do Cargo de Confiança:
a) possuir encargos de gestão, ou seja, possibilidade de dar ordens, admitir, demitir, punir, etc.;
b) percepção de gratificação de função no montante de no mínimo 40% (quarenta por cento) sobre o salário do cargo efetivo.
A Lei nº 8.966/1994 alterou a redação do artigo 62 da CLT, dispensando a exigência do “mandato legal” para caracterização do Cargo de Confiança, bastando para tanto a investidura em encargos de gestão, seja de forma tácita ou expressa, em que pese para alguns atos da rotina da empresa que seja necessária, às vezes, a autorização expressa.
O caput do artigo 62 exclui os exercentes de Cargo de Confiança do capítulo concernente à Duração do Trabalho, o que significa, a princípio, que não estão sujeitos ao pagamento de labor extraordinário eventualmente prestado, já que não sujeitos a controle da jornada de trabalho pelo empregador.
O controle de jornada compromete o Cargo de Confiança já que cerceia a autonomia que é inerente à função, descaracterizando o Cargo de Confiança para comum, com todas as suas conseqüências, como o pagamento do labor extraordinário eventualmente prestado e seus reflexos.
A ausência do pagamento da gratificação de função no montante de no mínimo 40% (quarenta por cento) de acréscimo sobre o salário do cargo efetivo também tem o condão de descaracterizar o Cargo de Confiança com todos os seus consectários legais, já que os 2 (dois) requisitos acima apontados devem ser observados cumulativamente.
Temos o Precedente Administrativo nº 49
“JORNADA. CONTROLE. GERENTES. O empregador não está desobrigado de controlar a jornada de empregado que detenha simples título de gerente, mas que não possua poderes de gestão nem perceba gratificação de função superior a 40% do salário efetivo.
Referência Normativa: Art. 62, II e parágrafo único e art. 72, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.”
3. ALTERAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Em face do princípio consagrado no artigo 468 da CLT, as condições contratuais não podem ser alteradas, desde que acarretem, direta ou indiretamente, prejuízo ao empregado, independente de sua anuência. Entretanto, para esta regra há uma exceção insculpida no art. 450 da CLT, a qual trata da reversão do empregado comissionado ou com gratificação de função ao cargo anteriormente ocupado, ante o fato do empregado não ter direito à permanência no Cargo de Confiança contra a vontade do empregador.
“Art. 450/CLT - Ao empregado chamado a ocupar, em comissão, interinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diverso do que exercer na empresa, serão garantidas as vantagens do tempo naquele serviço, bem como volta ao cargo anterior.”
Como se depreende da redação do artigo acima transcrito, a reversão lícita deve observar:
a) que a ocupação do cargo seja em comissão ou com gratificação de função;
b) que a substituição do outro empregado seja eventual ou temporária;
c) a ciência pelo empregado da interinidade da função.
Cabe salientar que a reversão ou retorno não se confunde com o rebaixamento, o qual é vedado pela legislação trabalhista, pois, em princípio, as vantagens se presumem definitivas, salvo se determinadas circunstâncias, devidamente comprovadas, justificarem a transitoriedade.
4. TRANSFERÊNCIA
O artigo 469 da CLT veda a transferência de empregado para localidade diversa da que resultar do contrato. O § 1º do mencionado artigo, entretanto, exclui da mencionada proibição os empregados exercentes de Cargo de Confiança, razão pela qual podem ser transferidos licitamente por ato unilateral do empregador, face à natureza sui generis do cargo exercido.
Prevalece, ainda, o entendimento, lastreado na redação do § 1º do art. 469 da CLT, de que a transferência do empregado ocupante de Cargo de Confiança independe da comprovação da real necessidade de serviço por parte do empregador.
“Art. 469 - Ao empregador é vedado transferir o empregado, sem sua anuência para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio.
§ 1º - Não estão compreendidos na proibição deste artigo os empregados que exerçam cargos de confiança e aqueles cujos contratos tenham como condição, implícita ou explícita, a transferência, quando esta decorra de real necessidade de serviço.
§ 2º - É lícita a transferência quando ocorrer extinção do estabelecimento em que trabalhar o empregado.
§ 3º - Em caso de necessidade de serviço, o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa do que resultar do contrato, não obstante as restrições do artigo anterior, mas, nesse caso, ficará obrigado a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% dos salários que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação.”
O Tribunal Superior do Trabalho já se posicionou, no Precedente Jurisprudencial nº 113 da SDI, no sentido de ser devido o adicional de transferência ao empregado ocupante de Cargo de Confiança, desde que seja provisória a transferência.
“PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL Nº 113/ SDI/TST - ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA, CARGO DE CONFIANÇA OU PREVISÃO CONTRATUAL DE TRANSFERÊNCIA. Devido, desde que a transferência seja provisória - O fato do empregado exercer cargo de confiança ou a existência de previsão de transferência no contrato de trabalho não exclui o direito ao adicional. O pressuposto legal apto a legitimar a percepção do mencionado adicional é a transferência provisória.”
5. CARGO DE CONFIANÇA BANCÁRIO
O bancário ocupante de Cargo de Confiança possui dispositivo regulamentar específico, não estando regido pelas disposições do artigo 62 da CLT e sim pelo 224, já que a regulamentação especial prevalece sobre a geral.
“Art. 224 - A duração normal dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 horas de trabalho por semana.
§ 1º - A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará compreendida entre sete e vinte e duas horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de quinze minutos para alimentação.
§ 2º - As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.”
O artigo supramencionado é complementado com o Súmula nº 287/TST, o qual dispõe: “A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Quanto ao gerente-geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando-se-lhe o art. 62 da CLT.”
Interpretando-se sistematicamente os dois dispositivos supracitados, conclui-se que quando o artigo 224, § 2º, dispõe que suas disposições não se aplicam àqueles que desempenham funções gratificadas com mais de 1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo, está informando que a jornada de trabalho desses empregados não é de 6 (seis) horas, mas de caráter geral, isto é, de 8 (oito) horas, de conformidade com a Súmula TST nº 102. Ultrapassado este limite terão direito à remuneração pelo labor extraordinário, salvo o gerente-geral elencado na Súmula TST nº 287, diferentemente do empregado ocupante de Cargo de Confiança não bancário, o qual não está sujeito a nenhum pagamento de labor extraordinário eventualmente prestado.
Outra diferença do Cargo de Confiança do não bancário para o do bancário se encontra na gratificação de função, prevista para aquele, no artigo 62, § único, no montante de 40% (quarenta por cento) e para o bancário, no artigo 224, § 2º, no montante de 1/3 (um terço) da remuneração do cargo efetivo, ou seja, 33,33% (trinta e três vírgula trinta e três por cento).
As demais disposições gerais supra-expostas, concernentes à estabilidade, transferência e alteração contratual, aplicam-se também ao exercente de Cargo de Confiança bancário, por ausência de regulamentação específica da matéria.
“Súmula TST nº 102 - Bancário. Caixa. Cargo de Confiança.
I - A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos. (ex-Súmula nº 204 - RA 121/2003, DJ 21.11.2003)
II - O bancário que exerce a função a que se refere o § 2º do art. 224 da CLT e recebe gratificação não inferior a um terço de seu salário já tem remuneradas as duas horas extraordinárias excedentes de seis. (ex-Súmula nº 166 - RA 102/1982, DJ 11.10.1982 e DJ 15.10.1982)
III - Ao bancário exercente de cargo de confiança previsto no artigo 224, § 2º, da CLT são devidas as 7ª e 8ª horas, como extras, no período em que se verificar o pagamento a menor da gratificação de 1/3. (ex-OJ nº 288 - DJ 11.08.2003)
IV - O bancário sujeito à regra do art. 224, § 2º, da CLT cumpre jornada de trabalho de 8 (oito) horas, sendo extraordinárias as trabalhadas além da oitava. (ex-Súmula nº 232- RA 14/1985, DJ 19.09.1985)
V - O advogado empregado de banco, pelo simples exercício da advocacia, não exerce cargo de confiança, não se enquadrando, portanto, na hipótese do § 2º do art. 224 da CLT. (ex-OJ nº 222 - Inserida em 20.06.2001)
VI - O caixa bancário, ainda que caixa executivo, não exerce cargo de confiança. Se perceber gratificação igual ou superior a um terço do salário do posto efetivo, essa remunera apenas a maior responsabilidade do cargo e não as duas horas extraordinárias além da sexta. (ex-Súmula nº 102 - RA 66/1980, DJ 18.06.1980 e republicada DJ 14.07.1980)
VII - O bancário exercente de função de confiança, que percebe a gratificação não inferior ao terço legal, ainda que norma coletiva contemple percentual superior, não tem direito às sétima e oitava horas como extras, mas tão-somente às diferenças de gratificação de função, se postuladas. (ex-OJ nº 15 - Inserida em 14.03.1994)
6. JURISPRUDÊNCIA
CARGO DE CONFIANÇA. ART. 62, INC. II DA CLT. HORAS EXTRAS INDEVIDAS. A existência de procuração através da qual o empregador confere amplos poderes de gestão ao empregado, os altos salários e o desempenho de atividades que inequivocamente interferem no destino da empresa, tais como contratar financiamentos, arrendamentos e negociar títulos, caracterizam o exercício de cargo de confiança preconizado no art. 62, inc. II da CLT, sendo indevidas as horas extraordinárias. (TRT 2ª R - 4ª T; AC RO 0684932/2004; Juiz Relator Paulo Augusto Câmara; Juiz Revisor Sérgio Winnik)
EMPREGADO GERENTE. SUBORDINAÇÃO À DIRETORIA DA EMPRESA. Ausência de descaracterização. Não descaracteriza o exercício do cargo de gerente, com amplitude de poderes, o fato de este prestar contas e se encontrar subordinado a diretor da empresa. Ora, o gerente tem gama ampla de atuação mas, por óbvio, deve sujeitar-se ao poder da diretoria, visto que não é o efetivo empregador. Entendimento em sentido contrário faria com que o empregado gerente se arrogasse, em verdade, à condição de proprietário da empresa, pois a ninguém deveria prestar contas. Exercendo o recorrente o cargo de gerente, não se encontrava sujeito ao controle de horário e, por expressa disposição legal, não faz jus ao recebimento de horas extras, adicional noturno e reflexos. (TRT 2ª Região - 3ª T; Acórdão nº 20020343072/2002; Relatora Mercia Tomazinho; Revisora Silvia Regina Pondé Galvão Devonald)
CARGO DE CONFIANÇA. Exercício de cargo considerado de “autoridade máxima”, posse da chave do estabelecimento, assunção de responsabilidade pelo numerário do caixa, seguidos de poderes para entrevistar candidato, dispensar subordinado e representar a empresa perante os consumidores são circunstâncias que caracterizam, de forma inequívoca, o exercício de cargo de confiança pelo trabalhador, nos termos do art. 62, inc. II da CLT. (TRT 2ª Região - 4ªT; Acórdão nº 0644196/2002; Relator Paulo Augusto Câmara; Revisora Vilma Capato)
CARGO DE CONFIANÇA NÃO CONFIGURADO. Extensas jornadas caracterizadas por horário fixo de entrada e saída, labor em finais de semana e feriados, aliadas à ausência de gratificação de função excluem a aplicação das regras do cargo de confiança preconizadas no art. 62, inc. II, consolidado, e redundam no pagamento de suplementares.(TRT 2ª Região - 4ªT; Acórdão nº 39147/2003; Relator Paulo Augusto Câmara, Revisor Carlos Orlando Gomes)
CARGO DE CONFIANÇA - HORA EXTRA. FUNÇÃO DE CONFIANÇA - Para excepcionar o empregado da jornada normal, exige-se o exercício de atribuições de responsabilidade tal que comprometam a empresa, como se seus representantes fosse. Se as atribuições do cargo não são descritas ou, se descritas, não são provadas não há como ter-se por caracterizada a exceção legal. (TRT 1ª R - 1ª T; AC RO 02280/2001; Juiz Relator Luiz Carlos Teixeira Bomfim)
REVERSÃO AO CARGO EFETIVO - POSSIBILIDADE. Perda de cargo de confiança e das vantagens percebidas em decorrência do exercício do mesmo. Empregado que exerceu cargo de confiança por mais de 4 anos. O art. 468 celetário permite a reversão ao cargo efetivo com perda das vantagens decorrentes do exercício do cargo de confiança. (TST-E-RR-5.342/90.4 (Ac SDI 119.94) - 4ª Reg - Rel. Min. Afonso Celso).
CARGO DE CONFIANÇA - Cargo efetivo não viola o disposto no art. 468 da CLT a reversão do empregado comissionado ao cargo efetivo, cuja gratificação não se incorpora ao salário do cargo para o qual retornou. (TRT 1ª - 5ªT; Acórdão nº 09076/97; Relator Juiz José Maria de Mello Porto)
Fundamentos Legais: Os citados no texto.