PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE
Considerações Quanto ao IPI e ICMS

Sumário

1. INTRODUÇÃO

Os tributos, em geral, são os instrumentos utilizados pelo Poder Público para fins arrecadatórios, proporcionando uma forma de obtenção dos recursos necessários para o bom funcionamento da máquina administrativa.

Porém, alguns tributos como o IPI vão além da fiscalidade, possuem uma função de controle político-econômico, exercido, por exemplo, através da alteração das alíquotas. Por este motivo diz-se que o IPI possui função extrafiscal.

Uma das vias para o exercício desta função é a seletividade, que é de observância obrigatória para o IPI e facultativa para o ICMS, segundo o texto da Constituição Federal de 1988.

O que vem a ser esta característica de seletividade e quais seus desdobramentos quanto ao IPI e ao ICMS serão os temas abordados nesta matéria.

2. CONCEITO

O princípio da seletividade prega que o ônus do imposto deve ser diverso em razão da essencialidade do produto. Assim, os produtos mais essenciais terão uma carga tributária menor, enquanto que os menos essenciais terão carga tributária maior, podendo até atingir o limite fixado em lei para cada produto.

Importante ressaltar que a seletividade leva em conta a natureza da mercadoria ou serviço, não o destino ou origem da mesma, ou as condições econômicas de quem a adquire ou frui, sob pena de ofensa direta ao artigo 152 CF/1988:

“Art. 152 - É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”.

Os meios para a concretização da seletividade podem ser vários. Dentre eles, pode-se citar: alíquotas diferentes, benefícios de reduções de base de cálculo e demais incentivos fiscais. Tais técnicas visam nada mais que a conformação a outro princípio constitucional, que é a capacidade contributiva, sendo que alguns autores entendem ser a seletividade um desdobramento deste.

O princípio em pauta, segundo o entendimento doutrinário majoritário, tem aplicação diversa para o IPI e para o ICMS, sendo de observância obrigatória para o primeiro e de observância facultativa para o segundo.

Parte-se, então, para o estudo individual de cada situação.

3. SELETIVIDADE E O IPI

O princípio da seletividade encontra seu fundamento legal para o IPI no artigo 153, § 3º, I, da CF/1988:

“Art. 153 - Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

IV - produtos industrializados;

(...)

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto”.

 O termo “será seletivo” é compreendido pela doutrina como uma obrigatoriedade. Desta forma, o IPI sempre será seletivo em razão da essencialidade do produto.

Assim, mesmo que haja a atuação discricionária do legislador na atribuição das alíquotas, nunca deverá ser afastado o postulado neste princípio constitucional.

Sobre o tema discorre Leandro Paulsen em sua obra “Impostos Federais, Estaduais e Municipais”:

“Se por um lado, o Poder Executivo, autorizado pelo artigo 4º do Decreto-lei nº 1.199/1971 e com esteio no art. 153, § 1º, da CRFB, pode alterar a alíquota do IPI, certo é que na margem de ação que lhe é concedida não pode, jamais, ouvidar a vinculação das alíquotas à essencialidade do produto, lógica esta que não será invertida. A verificação do respeito ou não a tal técnica de tributação tem de se dar através do manuseio da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados, na qual é possível comparar as alíquotas atribuídas a cada produto. Ser seletivo implica ter alíquotas diferenciadas dependendo do produto (individualmente considerado) ou do tipo do produto (se alimentício, de higiene, têxtil, etc.), sendo que o critério para tal seletividade é dado pelo próprio constituinte: o grau de essencialidade do produto”. (PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de; “Impostos Federais, Estaduais e Municipais”, 3ª Edição, Livraria do Advogado Editora, 2007, pg. 81)

4. SELETIVIDADE E O ICMS

A base legal do princípio da seletividade para o ICMS encontra-se no artigo 155, § 2º, III, CF/1988:

“Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.

Sobre a aplicação do princípio em pauta ao ICMS discorre Roque Antônio Carrazza

 “Com isso, pode e deve ser utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações ou prestações havidas por úteis ou convenientes para o País e, em contranota, onerando outras que não atendam tão de perto ao interesse nacional. É por isso, aliás, que, em algumas operações com produtos supérfluos, a alíquota aplicada é de 25% (o valor da operação) e, em outras, com produtos essenciais, as alíquotas baixam para 18%, 17% e, até, 12% e 9%. (...) Evidentemente o princípio da seletividade tem por escopo favorecer os consumidores finais, que no final das contas são os que suportam a carga econômica do ICMS. Não é por outra razão que quem, adquirindo bem ou serviço luxuoso, revela possuir grande capacidade econômica deve ser proporcionalmente mais tributado por meio de deste imposto do que quem compra um bem imprescindível à sua vida ou frui de um serviço essencial. É que, neste último caso, não há, em rigor, liberdade de consumo, mas, apenas, necessidade, já que ninguém pode prescindir de pão, de transporte coletivo, de energia elétrica (apenas para citarmos alguns exemplos). Daí ser imperioso que sobre estes bens ou serviços se faça sentir um tratamento fiscal mais brando. (CARRAZZA, Roque Antônio; ICMS, 11ª Edição, Malheiros, 2006, pgs. 375 e 376)

A questão mais debatida no âmbito do ICMS quanto ao princípio da seletividade é sua aplicação facultativa por parte do legislador, em virtude do teor do texto constitucional, quando emprega a expressão “poderá ser seletivo”.

Em peso, os doutrinadores adotam esta tese, combatida por Roque Antônio Carrazza na obra citada nesta matéria, porém tem-se que o legislador deve sim observar um conteúdo mínimo de seletividade ao dispor sobre as alíquotas de ICMS, para que possa cumprir a função norteada pelos demais princípios constitucionais que regem a ordem tributária nacional. Na mesma linha de raciocínio, cita-se José Eduardo Soares de Melo, que discorre com perfeição sobre o tema:

“Embora a facultatividade constitua o elemento impulsionador da edição do ICMS seletivo, não poderá haver mero critério de conveniência e oportunidade, porque impõe-se obediência a inúmeros postulados constitucionais. Não podem ser cometidas arbitrariedades, como é o caso de serem estabelecidas alíquotas mais elevadas como propósito precípuo de incrementar a arrecadação do ICMS, concernente a mercadorias que sejam de primeira necessidade”. (MELO, José Eduardo Soares de; “ICMS - Teoria e Prática”; 9ª Edição, Dialética, pg. 253.)

Desta forma, pode-se concluir que a aplicação do princípio da seletividade ao ICMS, embora facultativa conforme a opinião da maioria dos doutrinadores, deve ser observada, ao menos, dentro de um conteúdo mínimo que possa garantir a justiça e certeza necessárias exigidas pela Constituição Federal em matéria tributária.

5. CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO

Grandes são as discussões acerca da busca do provimento judicial para assegurar a aplicação correta do princípio da seletividade.

Certo é que no Estado Brasileiro não se pode afastar nenhuma matéria da apreciação do judiciário, uma vez que tal prerrogativa constitui uma garantia constitucional elencada no artigo 5º, XXXV, da CF/1988 (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito). O que poderá haver é uma limitação do conteúdo a ser analisado pelo Poder Judiciário.

Resumidamente, pois não caberia discutir nesta matéria questões atinentes ao alcance dos atos administrativos (pois este é tema que gera diversas discussões no campo do Direito Administrativo), as manifestações dos tribunais sobre este assunto são no seguinte sentido: o judiciário pode ser acionado para controle, mas não cabe ao mesmo analisar o alcance da expressão “essencialidade das mercadorias e serviços”.

Neste sentido citam-se as seguintes jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIA-LIZADOS. DECRETO-LEI Nº 1.199/71. ART. 4º. SELETIVIDADE DO TRIBUTO. DIFERENCIAÇÃO DE ALÍQUOTA. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

I - Originariamente, cuida-se de Mandado de Segurança preventivo impetrado visando impedir o recolhimento de IPI sobre as safras de açúcar referentes à safra de 2000/2001.

II - No presente Recurso Especial, sustentou-se que o Decreto nº 2.917/98 violou o art. 4º do Decreto-lei nº 1.199/71, porquanto teria o Poder Executivo desconsiderado as regras previstas neste último preceito, ante a ausência de expressa motivação quanto à seletividade do IPI. Afirma-se, ainda, que o Administrador Público desconsiderou a essencialidade do produto, ainda nos termos do referido art. 4º do Decreto-lei nº 1.199/71.

III - Esta Egrégia Primeira Turma, no julgamento do Recurso Especial nº 704.917/RS, em tudo aplicável à espécie, relatado pelo Eminente Ministro JOSÉ DELGADO, aderiu à seguinte conclusão, verbis: “O Decreto nº 2.501/98 regulamentou a matéria na forma desejada pelo Governo Federal, que mantém a intervenção no setor, ainda que de forma mitigada. Cabe a ele, de forma discricionária, escolher os rumos da política sucroalcooleira, utilizando-se, caso necessário, do IPI, tributo com função extrafiscal, de maneira que, sem a demonstração cabal de vícios de legalidade na norma regulamentadora, não é possível ao Poder Judiciário imiscuir-se nesta seara. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles, “Os agentes políticos (...) são as autoridades públicas supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais de jurisdição.” (Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros. 29ª ed. p. 77).” (DJ de 27.06.2005)

IV - No mesmo sentido, é a orientação firmada no âmbito da Colenda Segunda Turma desta Corte: REsp nº 439.059/PR, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de 22.03.2004.

V - Recurso Especial improvido”.

“REsp 704917/RS

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DECRETO-LEI Nº 399/38. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 282/STF. AÇÚCAR DE CANA. IPI. DIFERENCIAÇÃO DE ALÍQUOTAS DE ACORDO COM A REGIÃO PRODUTORA. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO EXTRAFISCAL. DISCRICIONARIEDADE DO PODER PÚBLICO.

(...)

5. Cabe ao Governo, de forma discricionária, escolher os rumos da política sucroalcooleira, utilizando-se, caso necessário, do IPI, tributo com função extrafiscal, não sendo possível ao Poder Judiciário imiscuir-se nesta seara sem a demonstração cabal de vícios de legalidade”.

O Supremo Tribunal Federal também compartilha o mesmo entendimento, ao julgar um caso onde se pleiteia a extensão de benefícios fiscais concedidos aos produtores de açúcar das regiões Norte e Nordeste, com base na ofensa direta aos princípios constitucionais da federação, igualdade, isonomia, livre iniciativa, uniformidade de tributos federais e seletividade:

RE 344331/PR - PARANÁ
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 11.02.2003 Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação DJ 14.03.2003 PP-00040
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS. LEI Nº 8.393/91. DECRETO Nº 2.501/98. ADMISSIBILIDADE.

1. Incentivos fiscais concedidos de forma genérica, impessoal e com fundamento em lei específica. Atendimento dos requisitos formais para sua implementação.

2. A Constituição na parte final do art. 151, I, admite a “concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país”.

3. A concessão de isenção é ato discricionário, por meio do qual o Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e oportunidade, implementa suas políticas fiscais e econômicas e, portanto, a análise de seu mérito escapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes: RE 149.659 e AI 138.344-AgR.

4. Não é possível ao Poder Judiciário estender isenção a contribuintes não contemplados pela lei, a título de isonomia (RE 159.026).

5. Recurso extraordinário não conhecido.

6. SELETIVIDADE X PROGRESSIVIDADE

Por fim, cabe uma pequena observação quanto à possível confusão entre progressividade e seletividade.

Não se pode confundir uma manifestação do princípio da seletividade que é aplicação de alíquotas diferenciadas, com a progressividade de alíquotas observarda, por exemplo, no Imposto de Renda. Sobre o tema Leandro Paulsen, na obra “Impostos Federais, Estaduais e Municipais”, cita Hugo de Brito Machado:

“É progressivo o imposto cuja alíquota é maior na medida em que se aumenta a base tributável. Como a base imponível é sempre uma expressão da riqueza de cada um, a progressividade faz com que o imposto onere mais quem tem riqueza maior. Personaliza o imposto. (...) É seletivo o imposto cujas alíquotas são diferentes para objetos diferentes, como acontece com o IPI, que tem alíquotas elevadas para certos produtos, e muito baixa, mesmo zero, para outros produtos. Na seletividade não importa o sujeito. Importa exclusivamente o objeto da tributação”. (PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de; “Impostos Federais, Estaduais e Municipais”, 3ª Edição, Livraria do Advogado Editora, 2007, pg. 80)
 
Fundamentos Legais: Os citados no texto.