IMPOSSIBILIDADE DE CRÉDITO DE IPI DE INSUMOS UTILIZADOS PARA FABRICAÇÃO DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO
Entendimento do STJ

Sumário

1. INTRODUÇÃO

Esta matéria visa expor o entendimento adotado recentemente pelo STJ quanto à impossibilidade da manutenção de créditos de IPI de insumos adquiridos para a fabricação de produtos cuja situação consta como “NT” na Tabela de Incidência de IPI (TIPI).

Abaixo será exposto um resumo do processo, com destaque aos principais pontos, seguindo-se da conclusão conjuntamente com a reprodução do acórdão em questão.

2. PRODUTO NÃO TRIBUTADO X CRÉDITO DE IPI DOS INSUMOS

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em 21.06.2007, o Recurso Especial - REsp 917236/RN - impetrado pela Fazenda Nacional contra contribuinte do IPI, que aproveitava o crédito de insumos entrados em seu estabelecimento para a fabricação de produto não tributado.

A Fazenda Nacional alegou ofensa ao artigo 11 da Lei nº 9.779/1999, defendendo que esse preceito fixa apenas duas hipóteses para o aproveitamento do IPI: quando o produto final for isento ou tributado à alíquota zero. A redação do referido dispositivo legal é a seguinte:

“Art. 11 - O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda”.

No bojo do voto do relator do processo, Ministro José Delgado, encontra-se uma definição magistral e importante para o julgamento desta questão, estabelecendo a distinção doutrinária entre os conceitos de produtos isentos, tributados à alíquota zero e não-tributados, da seguinte forma:

“ISENÇÃO, conforme explanado por Cláudio Borba (Direito Tributário, 16ª ed., RJ, 2004, pp. 362/363) é causa de exclusão do crédito tributário. Encontra-se prevista entre os arts. 176 e 179 do CTN, e significa a dispensa do pagamento do tributo devido. É caso em que ocorre o fato gerador, dando-se a incidência tributária e instaurando-se a obrigação tributária sem, todavia, ser constituído o crédito tributário, pois o lançamento não se efetiva. A obrigação, portanto, permanece. O art. 176 regula especificamente a forma e o modo como a isenção pode ser concedida:

Art. 176 - A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

Parágrafo único - A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.

Anote-se que, apesar de o preceito acima determinar que a isenção só pode ser concedida por lei, atualmente há uma exceção prevista no art. 155, § 2º, XII, g, da CF/88, que determina que as relativas ao ICMS podem ser deferidas por convênios. Confira-se:

Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

§ 2º  - imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

XII - cabe à lei complementar:

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Na isenção, portanto, surge a obrigação tributária, mas a própria lei concede um favor fiscal, proibindo a autoridade de constituir o crédito por meio do lançamento.

NÃO-TRIBUTADO abarca situação em que não há hipótese de incidência do tributo anteriormente à sua entrada na cadeia produtiva, não constituindo o fato gerador. Os produtos não-tributados estão fora do campo de incidência tributária.

TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO revelam casos em que ocorre o fato gerador, mas sobre a base imponível é aplicada a alíquota zero, resultando em um “nada a pagar”. Porém, não há impedimento que na operação seguinte seja tributado o valor integral do produto industrializado, resultando num diferimento de tributação por opção de política tributária. Podemos invocar como exemplo um produto que é tributado desde o início da cadeia produtiva, apenas tendo a benesse de não pagar IPI em determinada operação por ser tributado à alíquota zero, não havendo restrição, entretanto, que a exação seja cobrada em momento seguinte considerado mais oportuno pelo legislador”.

3. CONCLUSÃO

Foi decidido no processo analisado nesta matéria que a interpretação extensiva não pode ser empregada, pois destina-se a permitir a aplicação de uma norma a circunstâncias, fatos e situações que não estão previstos, por entender que a lei teria dito menos do que gostaria.

Como o caso previsto nos autos não se encontra alcançado pela Lei nº 9.779/1999, que rege a questão, não há como serem incluídas hipóteses não contempladas pelo mesmo.

Por fim, cita-se novamente o Ministro Relator José Delgado, que, em seu voto, profere a seguinte conclusão:

“O direito tributário, dado o seu caráter excepcional, porque consiste em ingerência no patrimônio do contribuinte, não pode ter seu campo de aplicação ampliado, pois todo o processo de integração e interpretação da norma tem seus limites fixados pela legalidade”.

Segue abaixo, para conhecimento dos Assinantes INFORMARE, a íntegra do acórdão:

“Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL. IPI. APROVEITAMENTO DE VALOR PAGO NA AQUISIÇÃO DE MATÉRIAS-PRIMAS, INSUMOS E MATERIAIS DE EMBALAGEM EMPREGADOS NA INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUTO NÃO-TRIBUTADO (SAL DE COZINHA). IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE NÃO-CONTEMPLADA NA FIGURA DO ART. 11 DA LEI Nº 9.779/99. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. ARTS. 150, I, CF/88 E 97 DO CTN. INTERPRETAÇÃO LITERAL. ART. 111 DO CTN. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. (...) Vindica o direito de escriturar e manter o crédito integral do IPI decorrente da aquisição de matérias-primas, insumos e materiais de embalagem adquiridos de outros contribuintes, conforme determina o regulamento do IPI, utilizados na industrialização de produto (sal de cozinha) não-tributado por essa exação. Sentença denegou a segurança. O TRF/5ª Região deu parcial provimento à apelação da autora, reconhecendo o direito de compensar o saldo credor de IPI apenas com o IPI devido na saída dos produtos tributados na indústria, até a vigência da Lei nº 9.779/99, e, a partir daí, com quaisquer outros tributos arrecadados pela Secretaria da Receita Federal, nos termos dos arts. 73 e 74 da Lei nº 9.430/96. Definiu a prescrição qüinqüenal e não reconheceu a incidência de correção monetária. Recursos especiais das duas partes. O apelo da Fazenda Nacional, fundamentado na alínea “a”, indica contrariedade do art. 11 da Lei nº 9.779/99. Defende não ser possível a manutenção do crédito do IPI, referente às aquisições dos insumos empregados na industrialização do sal de cozinha, em situação não amparada pelo art. 11 da Lei nº 9.779/99, pois trata-se de produto não-tributado, havendo previsão para apenas duas hipóteses: produto isento ou tributado à alíquota zero. Recursos extraordinários foram interpostos pelas partes e admitidos.

2. O caso vertente trata de pretensão com vistas ao aproveitamento (pedido de compensação com tributos de espécies distintas administrados pela Secretaria da Receita Federal, com atualização monetária e juros) do valor pago, a título de IPI, na aquisição de matérias-primas, insumos e materiais de embalagem utilizados na industrialização de sal para fins de alimentação. Esse produto é não-tributado, conforme Tabela do Imposto sobre Produtos Industrializados, estando classificado sob o código 2501.00.20.

3. O argumento recursal da Fazenda prende-se na ofensa ao texto do art. 11 da Lei nº 9.779/99, defendendo que esse preceito taxativamente prevê duas hipóteses para o aproveitamento do IPI: quando o produto final for isento ou tributado à alíquota zero. Como o caso concreto trata de sal de cozinha, que é produto não-tributado, está fora do alcance da norma, sendo vedada a interpretação extensiva.

4. O aresto recorrido entendeu que a Lei nº 9.779/99 tem aplicação à espécie, mesmo se tratando de hipótese em que o produto final é não-tributado, pois esse diploma legal apenas explicita o comando constitucional do art. 153, § 3º, onde não se encontra a restrição veiculada pela lei.

5. O princípio da legalidade, insculpido no texto constitucional, exalta que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II). No campo tributário significa que nenhum tributo pode ser criado, extinto, aumentado ou reduzido sem que o seja por lei (art. 150, I, CF/88 e 97 do CTN). É o princípio da legalidade estrita. Igual pensamento pode ser atribuído a benefício concedido ao contribuinte, como no presente caso. Não estando inscrito na regra beneficiadora que na saída dos produtos não-tributados podem-se aproveitar os créditos de IPI recolhidos na etapa antecessora, não se reconhece o direito do contribuinte, sob pena de ser atribuída eficácia extensiva ao comando legal.

6. O direito tributário, dado o seu caráter excepcional, porque consiste em ingerência no patrimônio do contribuinte, não pode ter seu campo de aplicação ampliado, pois todo o processo de interpretação e integração da norma tem seus limites fixados pela legalidade.

7. A interpretação extensiva não pode ser empregada porquanto destina-se a permitir a aplicação de uma norma a circunstâncias, fatos e situações que não estão previstos, por entender que a lei teria dito menos do que gostaria. A hipótese dos autos está fora do alcance expresso da lei regedora, não se podendo concluir que o legislador a tenha querido contemplar.

8. Recurso especial da Fazenda Nacional provido”.

Fundamentos Legais:
Os citados no texto.