A CPMF E A ANTERIORIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA
Considerações
Sumário
1. INTRODUÇÃO
Tema bastante em voga no momento são as questões que abordam a legalidade da CPFM em vários campos.
Este trabalho tem por escopo a exposição de um destes temas, que vem a ser a aplicação ou não do princípio da anterioridade da Lei Tributária para os dispositivos que prorrogam a CPMF.
2. HISTÓRICO
Preliminarmente, para uma melhor compreensão do tema, será traçado um histórico sobre a CPMF, abordando os principais aspectos de sua existência.
A Lei Complementar nº 77, de 13 de julho de 1993, instituiu o Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - IPMF, que vigorou de 1º de janeiro de 1994 até 31 de dezembro de 1994. O IPMF possuía alíquota de 0,25% (vinte e cinco cetésimos por cento), incidindo sobre os débitos lançados sobre as contas mantidas pelas instituições financeiras.
Este imposto foi a base do nascimento da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que surge no ordenamento jurídico brasileiro com a Emenda Constitucional nº 12, de 15 de agosto de 1996, que acrescentou o Art. 74 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT:
“Art. 74 - A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
§ 1º - A alíquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.
§ 2º - À contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, § 5º, e 154, I, da Constituição.
§ 3º - O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde.
§ 4º - A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade subordinada ao disposto no art. 195, § 6º, da Constituição, e não poderá ser cobrada por prazo superior a dois anos”.
Em 25.10.1996 foi publicada a Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, instituindo a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - CPMF. Nesta redação, a cobrança da CPMF incidiria sobre os fatos geradores ocorridos no período de 13 (treze) meses.
Com o advento da Lei nº 9.539, publicada em 15.12.1997, a cobrança da CPMF foi estendida, incidindo sobre os fatos geradores ocorridos no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contados a partir de 23 de janeiro de 1997, completando, assim, os 24 (vinte e quatro) meses permitidos pela Emenda Constitucional nº 12/1996.
Tem-se, então, que a CPMF foi exigida de 23.01.1997 a 22.01.1999, sendo que a alíquota vigente neste período foi de 0,20% (vinte centésimos por cento).
A responsável pelo “renascimento”, da cobrança da CPMF foi a Emenda Constitucional nº 21, publicada em 19.03.1999, que incluiu no ADCT o art. 75, prorrogando a cobrança da CPMF por 36 (trinta e seis) meses, e também pelo mesmo prazo a Lei nº 9.539, de 12 de dezembro de 1997:
“Art. 75 - É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira de que trata o art. 74, instituída pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei nº 9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo.
§ 1º - Observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta centésimos, nos meses subseqüentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.
§ 2º - O resultado do aumento da arrecadação, decorrente da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999, 2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social.
§ 3º - É a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999.”
A prorrogação da CPMF pela Emenda Constitucional nº 21/1999 foi questionada no Supremo Tribunal Federal - STF - através da ADIN nº 2.031, sendo que o entendimento adotado foi no sentido de conferir à palavra ‘prorrogação’ constante da Emenda o sentido de um “desajuste gramatical” e que a vontade do constituinte derivado era a repristinação de leis temporárias, o que não é vedado pela Constituição. A vedação da repristinação constante da Lei de Introdução ao Código Civil não atinge a hierarquia das normas constitucionais, tendo a emenda constitucional poder de repristinar leis temporárias. Segue a Ementa da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO OU TRANSMISSÃO DE VALORES E DE CRÉDITOS E DIREITOS DE NATUREZA FINANCEIRA - CPMF (ART. 75 E PARÁGRAFOS, ACRESCENTADOS AO ADCT PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 21, DE 18 DE MARÇO DE 1999). 1 - O início da tramitação da proposta de emenda no Senado Federal está em harmonia com o disposto no art. 60, inciso I da Constituição Federal, que confere poder de iniciativa a ambas as Casas Legislativas. 2 - Proposta de emenda que, votada e aprovada no Senado Federal, sofreu alteração na Câmara dos Deputados, tendo sido promulgada sem que tivesse retornado à Casa iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação. Inexistência de ofensa ao art. 60, § 2º da Constituição Federal no tocante à alteração implementada no § 1º do art. 75 do ADCT, que não importou em mudança substancial do sentido daquilo que foi aprovado no Senado Federal. Ofensa existente quanto ao § 3º do novo art. 75 do ADCT, tendo em vista que a expressão suprimida pela Câmara dos Deputados não tinha autonomia em relação à primeira parte do dispositivo, motivo pelo qual a supressão implementada pela Câmara dos Deputados deveria ter dado azo ao retorno da proposta ao Senado Federal, para nova apreciação, visando ao cumprimento do disposto no § 2º do art. 60 da Carta Política. 3 - Repristinação das Leis nºs 9.311/96 e 9.539/97, sendo irrelevante o desajuste gramatical representado pela utilização do vocábulo “prorrogada” no caput do art. 75 do ADCT, a revelar objetivo de repristinação de leis temporárias, não vedada pela Constituição. 4 - Rejeição, também, das alegações de confisco de rendimentos, redução de salários, bitributação e ofensa aos princípios da isonomia e da legalidade. 5 - Ação direta julgada procedente em parte para, confirmando a medida cautelar concedida, declarar a inconstitucionalidade do § 3º do art. 75 do ADCT, incluído pela Emenda Constitucional nº 21, de 18 de março de 1999".
A Emenda Constitucional nº 21/1999 previa a alíquota nos 12 (doze) primeiros meses, ou seja, de 17.06.1999 a 16.06.2000, de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento); sendo que, nos 24 (vinte e quatro) meses seguintes, previa a alíquota de 0,30% (trinta centésimos por cento).
Porém, com o advento da Emenda Constitucional nº 31/2000, que acresce ao ADCT os artigos 79 e 80 e versa sobre a criação do “Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza”, a alíquota prevista de 0,30% (trinta centésimos por cento) sofreu um acréscimo de 0,08% (oito centésimos por cento):
“Art. 80 - Compõem o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza:
I - a parcela do produto da arrecadação correspondente a um adicional de oito centésimos por cento, aplicável de 18 de junho de 2000 a 17 de junho de 2002, na alíquota da contribuição social de que trata o art. 75 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;”
O Decreto nº 3.775, publicado em 17.03.2001 (atualmente revogado), que regulamentava o artigo 80 do ADCT, dispõe no seu artigo 1º que a CPMF incidirá à alíquota de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento) no período de 18 de março de 2001 a 17 de junho de 2002. Assim, no período compreendido entre 17.06.2000 a 17.03.2001 a alíquota praticada foi de 0,30% (trinta centésimos por cento), enquanto que no período compreendido entre 18.03.2001 a 17.06.2002, foi de 0,38% (trinta e oito centésimos por cento).
Na seqüência, a próxima Emenda Constitucional que abordou o tema CPMF foi a Emenda Constitucional nº 37/2002, que alterou os arts. 100 e 156 da Constituição Federal e acrescentou os arts. 84, 85, 86, 87 e 88 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A referida emenda dispôs que a CPMF seria cobrada até 31 de dezembro de 2004, e prorrogou, até a mesma data, a vigência da Lei nº 9.311/1996 e suas alterações:
“Art. 84 - A contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, prevista nos arts. 74, 75 e 80, I, deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será cobrada até 31 de dezembro de 2004.
§ 1º - Fica prorrogada, até a data referida no caput deste artigo, a vigência da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações.
§ 2º - Do produto da arrecadação da contribuição social de que trata este artigo será destinada a parcela correspondente à alíquota de:
I - vinte centésimos por cento ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde;
II - dez centésimos por cento ao custeio da previdência social;
III - oito centésimos por cento ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
§ 3º - A alíquota da contribuição de que trata este artigo será de:
I - trinta e oito centésimos por cento, nos exercícios financeiros de 2002 e 2003;
II - oito centésimos por cento, no exercício financeiro de 2004, quando será integralmente destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, de que tratam os arts. 80 e 81 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”
A última Emenda Constitucional, até o presente momento, que abordou o tema CPMF, foi a Emenda Constitucional nº 42/2004, que acresceu o artigo 90 ao ADCT:
“Art. 90 - O prazo previsto no caput do art. 84 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias fica prorrogado até 31 de dezembro de 2007.
§ 1º - Fica prorrogada, até a data referida no caput deste artigo, a vigência da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações.
§ 2º - Até a data referida no caput deste artigo, a alíquota da contribuição de que trata o art. 84 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias será de trinta e oito centésimos por cento.”
Acompanhando os desdobramentos do cenário político brasileiro, atualmente, fica clara a intenção de nova prorrogação da CPMF, provavelmente até final de 2011. Caso haja nova prorrogação do referido tributo, não se sabe qual será a data de publicação da Emenda Constitucional, justamente pela atual conjuntura da cena política. Até o fechamento desta matéria a proposta de emenda constitucional (PEC) havia sido aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, com 338 (trezentos e trinta e oito) votos favoráveis, 117 (cento e dezessete) contrários e 2 (duas) abstenções.
A proposta deve passar por 2 (dois) turnos, com 308 (trezentos e oito) votos favoráveis, no mínimo, em cada etapa, na Câmara, sendo que à segunda votação da PEC deverá ocorrer, segundo notícias extra-oficiais divulgadas na imprensa em geral, na primeira semana de outubro.
Em seguida, a PEC deverá ser remetida para o Senado, onde será submetida à nova análise e votação na Comissão de Constituição e Justiça - CCJ.
3. CPMF X PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE
Neste momento, uma questão importante que pode ser levantada é a aplicação do princípio da anterioridade à CPMF, e para que os Assinantes da Informare estejam a par da situação, passamos a expor algumas minúcias sobre o tema.
Para recordar, o princípio da anterioridade aplicado à CPMF não é o previsto no artigo 150 da Constituição Federal e sim o previsto no artigo 195, § 6º, do mesmo diploma legal:
“Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, ‘b””.
Em relação específica ao Princípio da Anterioridade Tributária, no caso especial da CPMF, tem-se o seguinte problema: o referido tributo foi criado, como já visto por meio da Emenda Constitucional nº 12/1996, que estabelecia a observância da anterioridade nonagesimal, em particular as contribuições, conforme o artigo 195, § 6º, da CF/1988.
A Emenda Constitucional nº 37/2002, ao prorrogar a CPMF, não mencionou a necessidade de observância à anterioridade nonagesimal.
Esta questão foi objeto de questionamento junto ao STF através da ADIN nº 2.666/DF, sendo que o entendimento do Supremo no caso foi no sentido de não se aplicar o princípio da anterioridade nonagesimal, pois não se trata de instituição ou modificação de tributo. Segundo o entendimento em pauta, ocorre, neste caso, apenas a prorrogação, sendo que esta não tem por pressuposto modificar o tributo. Segue abaixo a Ementa do julgado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO OU,TRANSMISSÃO DE VALORES E DE CRÉDITOS E DIREITOS DE NATUREZA FINANCEIRA - CPMF (ARTS. 84 E 85, ACRESCENTADOS AO ADCT PELO ART. 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 37, DE 12 DE JUNHO DE 2002). 1 - Impertinência da preliminar suscitada pelo Advogado-Geral da União, de que a matéria controvertida tem caráter interna corporis do Congresso Nacional, por dizer respeito à interpretação de normas regimentais, matéria imune à crítica judiciária. Questão que diz respeito ao processo legislativo previsto na Constituição Federal, em especial às regras atinentes ao trâmite de emenda constitucional (art. 60), tendo clara estatura constitucional. 2 - Proposta de emenda que, votada e aprovada na Câmara dos Deputados, sofreu alteração no Senado Federal, tendo sido promulgada sem que tivesse retornado à Casa iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação. Inexistência de ofensa ao art. 60, § 2º da Constituição Federal no tocante à supressão, no Senado Federal, da expressão “observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal”, que constava do texto aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 (dois) turnos de votação, tendo em vista que essa alteração não importou em mudança substancial do sentido do texto (Precedente: ADC nº 3, rel. Min. Nelson Jobim). Ocorrência de mera prorrogação da Lei nº 9.311/96, modificada pela Lei nº 9.539/97, não tendo aplicação ao caso o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal. O princípio da anterioridade nonagesimal aplica-se somente aos casos de instituição ou modificação da contribuição social, e não ao caso de simples prorrogação da lei que a houver instituído ou modificado. 3 - Ausência de inconstitucionalidade material. O § 4º, inciso IV do art. 60 da Constituição veda a deliberação quanto à proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Proibida, assim, estaria a deliberação de emenda que se destinasse a suprimir do texto constitucional o § 6º do art. 195, ou que excluísse a aplicação desse preceito a uma hipótese em que, pela vontade do constituinte originário, devesse ele ser aplicado. A presente hipótese, no entanto, versa sobre a incidência ou não desse dispositivo, que se mantém incólume no corpo da Carta, a um caso concreto. Não houve, no texto promulgado da emenda em debate, qualquer negativa explícita ou implícita de aplicação do princípio contido no § 6º do art. 195 da Constituição. 4 - Ação direta julgada improcedente”.
Assim, caso haja qualquer tipo de questionamento sobre a aplicação da anterioridade nonagesimal à CPMF, em virtude da situação que provavelmente irá se repetir com a aprovação da PEC, pode-se observar que a questão já foi objeto de análise pelo STF.
Desta forma, havendo a simples prorrogação da contribuição em pauta, via Emenda Constitucional, independentemente da data de sua publicação, e, não havendo outra modificação, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não será necessária a observância da vacatio legis de 90 (noventa) dias para a cobrança do tributo, sendo o mesmo passível de exigência a partir de 01.01.2008.
Fundamentos Legais: Os citados no texto.