OS CREDORES E A LEI DE
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Habilitação de Créditos e Ordem de Pagamento

Sumário

1. INTRODUÇÃO

O Direito Falimentar tem por escopo a defesa do interesse coletivo; muito embora estejam envolvidos em seu processo interesses essencialmente privados, o objetivo da lei é a manutenção de um ambiente empresarial seguro para todos os credores e demais indivíduos que participam da vida da empresa.

Nos itens a seguir analisaremos o tratamento dispensado pela Lei de Recuperação de Empresas aos credores, especialmente no que se refere à habilitação de crédito e inovações na ordem de pagamento.

2. HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS

A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ou empresas especializadas.

A habilitação de crédito realizada pelo credor deverá conter:

a) o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquer ato do processo;

b) o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;

Nota Jurisprudencial: "Na habilitação de crédito em processo falimentar, a obrigatoriedade da declaração de origem da dívida, de modo claro e preciso, decorre de imposição legal, ainda mais quando o crédito que se pretende habilitar é representado por cheque, ou seja, de fácil emissão fraudulenta". (TJSP, RT, 751/254)

c) os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a serem produzidas;

d) a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivo instrumento;

e) a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.

Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidos no original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo.

Com o processamento da recuperação judicial o juiz ordenará a expedição de um edital. A partir de sua publicação, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

Decorrido este prazo as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias, fato que na recuperação judicial, excetuados os titulares de créditos derivados da relação de trabalho, implicará na perda de direito a voto nas deliberações da Assembléia Geral de Credores.

Nota Jurisprudencial: "FALÊNCIA - Habilitação de crédito. Se o credor decorrido o prazo normal estabelecido em lei, a pretexto de completar primeira declaração, apresenta nova habilitação de crédito substancialmente diversa da anterior, o certo é considerá-la retardatária". (TJRJ, DJU, 1982)

Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.

3. COMITÊ DE CREDORES

A maior participação dos credores no processo de recuperação da empresa fica evidente com a criação do Comitê de Credores e da Assembléia Geral, cujas atribuições e autonomia se mostram bastante relevantes para o processo.

O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas na Lei:

I - na recuperação judicial e na falência:

a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;

b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;

c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;

d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;

e) requerer ao juiz a convocação da Assembléia Geral de Credores;

f) manifestar-se nas hipóteses previstas na Lei nº 11.101/2005;

II - na recuperação judicial:

a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;

b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;

c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas na Lei nº 11.101/2005, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.

Sua composição será feita por deliberação de qualquer das classes de credores na Assembléia Geral e contará com:

a) 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes;

b) 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes;

c) 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.

Os membros do Comitê de Credores, logo que nomeados, serão intimados pessoalmente para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes.

Ressaltamos que os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa, devendo o dissidente em deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata para eximir-se da responsabilidade.

4. ASSEMBLÉIA GERAL DE CREDORES

A Assembléia Geral será composta pelas seguintes classes de credores: titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho; titulares de créditos com garantia real e titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com o total de seu crédito, independentemente do valor, enquanto os titulares de créditos com garantia real votam com até o limite do valor do bem gravado e com os titulares de créditos quirografários pelo restante do valor de seu crédito.

Entre as atribuições da Assembléia Geral de Credores destacamos:

I - na recuperação judicial:

a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor;

b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

c) o pedido de desistência do devedor;

d) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;

e) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;

II - na falência:

a) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

b) a adoção de outras modalidades de realização do ativo;

d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

Nas deliberações, os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus associados titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho que não comparecerem, pessoalmente ou por procurador, à Assembléia.

Será considerada aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à Assembléia Geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo, situações específicas previstas pelo legislador.

5. NOVA CLASSIFICAÇÃO DE CRÉDITOS

O pagamento dos credores responderá a uma nova ordem de prioridade, diversa da estabelecida pela Lei nº 7.661/1945, que concede prioridade ao pagamento dos créditos de natureza trabalhista e fiscal.

O novo texto estabelece que os créditos com garantia real (dívidas bancárias) passam a ter prioridade no processo de falência, abaixo apenas dos créditos trabalhistas, estes limitados ao valor equivalente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos.

Com isto, os bancos, principais credores de garantia real, irão contar com a segurança de poder recuperar o valor do empréstimo antes que as dívidas com o Fisco sejam pagas. O governo acredita que este aumento de garantia irá refletir positivamente no risco dos empréstimos bancários e deverá causar a diminuição do spread bancário, considerado um dos mais altos do mundo.

Além disso, para o pagamento das dívidas, o devedor poderá ter seus bens vendidos sem a necessidade de composição do quadro-geral dos credores.

De acordo com a redação do artigo 83 da nova lei, a classificação dos créditos na falência obedecerá à seguinte ordem:

I - os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; sendo considerado como valor do bem objeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado;

III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;

IV - créditos com privilégio especial, a saber:

a) os previstos no art. 964 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002*;

Transcrição Código Civil:"Art. 964 - Têm privilégio especial: I - sobre a coisa arrecadada e liquidada, o credor de custas e despesas judiciais feitas com a arrecadação e liquidação; II - sobre a coisa salvada, o credor por despesas de salvamento; III - sobre a coisa beneficiada, o credor por benfeitorias necessárias ou úteis; IV - sobre os prédios rústicos ou urbanos, fábricas, oficinas, ou quaisquer outras construções, o credor de materiais, dinheiro, ou serviços para a sua edificação, reconstrução, ou melhoramento; V - sobre os frutos agrícolas, o credor por sementes, instrumentos e serviços à cultura, ou à colheita; VI - sobre as alfaias e utensílios de uso doméstico, nos prédios rústicos ou urbanos, o credor de aluguéis, quanto às prestações do ano corrente e do anterior; VII - sobre os exemplares da obra existente na massa do editor, o autor dela, ou seus legítimos representantes, pelo crédito fundado contra aquele no contrato da edição; VIII - sobre o produto da colheita, para a qual houver concorrido com o seu trabalho, e precipuamente a quaisquer outros créditos, ainda que reais, o trabalhador agrícola, quanto à dívida dos seus salários".

b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária da Lei nº 11.101/2005;

c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia;

V - créditos com privilégio geral, a saber:

a) os previstos no art. 965 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002*;

Transcrição Código Civil: "Art. 965 - Goza de privilégio geral, na ordem seguinte, sobre os bens do devedor: I - o crédito por despesa de seu funeral, feito segundo a condição do morto e o costume do lugar; II - o crédito por custas judiciais, ou por despesas com a arrecadação e liquidação da massa; III - o crédito por despesas com o luto do cônjuge sobrevivo e dos filhos do devedor falecido, se foram moderadas; IV - o crédito por despesas com a doença de que faleceu o devedor, no semestre anterior à sua morte; V - o crédito pelos gastos necessários à mantença do devedor falecido e sua família, no trimestre anterior ao falecimento; VI - o crédito pelos impostos devidos à Fazenda Pública, no ano corrente e no anterior; VII - o crédito pelos salários dos empregados do serviço doméstico do devedor, nos seus derradeiros seis meses de vida; VIII - os demais créditos de privilégio geral".

b) os previstos no parágrafo único do art. 67 da Lei nº 11.101/2005*;

Transcrição Código Civil: "Art. 67 - Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no artigo 83 desta Lei".

c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei;

VI - créditos quirografários, a saber:

a) aqueles não previstos nos demais incisos;

b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu pagamento;

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite de 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor;

d) créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários;

VII - as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias;

VIII - créditos subordinados, a saber:

a) os assim previstos em lei ou em contrato;

b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

6. CRÉDITOS EXTRACONCURSAIS

Serão considerados créditos extraconcursais e pagos com precedência sobre os mencionados no item anterior, na ordem a seguir, os relativos a:

a) remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência;

b) quantias fornecidas à massa pelos credores;

c) despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência;

d) custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida;

e) obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no artigo 83 da Lei nº 11.101/2005.

7. PAGAMENTO DOS CREDORES

O juiz poderá autorizar os credores, de forma individual ou coletiva, em razão dos custos e no interesse da massa falida, a adquirir ou adjudicar, de imediato, os bens arrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles, quando ouvido o Comitê de Credores.

Em regra, porém, somente após realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais e consolidado o quadro-geral de credores as importâncias recebidas com a realização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificação legal, respeitadas as decisões judiciais que determinam reserva de importâncias.

A alienação do ativo ocorre em uma das seguintes modalidades: leilão, por lances orais; propostas fechadas ou pregão.

A realização da alienação será sempre antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda.

Havendo reserva de importâncias, os valores a ela relativos ficarão depositados até o julgamento definitivo do crédito e, no caso de não ser este finalmente reconhecido, no todo ou em parte, os recursos depositados serão objeto de rateio suplementar entre os credores remanescentes.

Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

Ressalta-se que os credores que não procederem, no prazo fixado pelo juiz, ao levantamento dos valores que lhes couberam em rateio, serão intimados a fazê-lo no prazo de 60 (sessenta) dias, após o qual os recursos serão objeto de rateio suplementar entre os credores remanescentes.

Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre os credores, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 (trinta) dias.

Julgadas as contas do administrador judicial, ele apresentará o relatório final da falência no prazo de 10 (dez) dias, indicando o valor do ativo e o do produto de sua realização, o valor do passivo e o dos pagamentos feitos aos credores, e especificará justificadamente as responsabilidades com que continuará o falido. Com a apresentação deste relatório o juiz encerrará a falência por sentença.

A nova lei aumenta o prazo que era de 60 (sessenta) dias, para 90 (noventa) dias do período suspeito, tornando inoponível perante a massa liquidanda certos atos praticados pelo devedor que venham a prejudicar os credores, como a constituição de garantia real ou alienação de bem do ativo imobilizado. O objetivo é aumentar a segurança para que o patrimônio global do devedor sirva como garantia para pagamento dos credores.

Fundamento Legal: Lei nº 11.101/2005.