CRIMES CONTRA
O MERCADO DE CAPITAIS
Definições Importantes
Sumário
1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 10.303/2001 acrescentou à Lei nº 6.385/1976 um capítulo que disciplina a ocorrência de crimes no mercado de capitais e nele estão previstas 3 (três) modalidades principais, quais sejam: manipulação do mercado; uso indevido de informação privilegiada e exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função.
Com o advento desta lei ocorre a incriminação de condutas que, anteriormente, eram punidas apenas administrativamente pela Comissão de Valores Mobiliários.
2. MANIPULAÇÃO DO MERCADO
Analisemos o dispositivo legal que prevê esta espécie de crime:
"Art. 27-C - Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiro.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime."
O objetivo fundamental deste dispositivo é a regulação do mercado, ou seja, propiciar os meios necessários para que a cotação dos títulos negociados reflita unicamente as informações que são de conhecimento público.
A falsificação representa a formação artificial, que prejudica os investidores e traz instabilidade ao funcionamento do mercado de capitais.
Observamos que esta situação é bastante freqüente quando falamos em especulação, ou seja, quando se cria uma situação fictícia, muitas vezes com a corrupção dos operadores de mercado, buscando valorizar os papéis detidos por estes especuladores, para negociações em alto preço; ou ainda, a desvalorização de títulos que pretendem comprar, para o repasse com lucro fácil.
Estão suscetíveis a este crime, em especial, aqueles titulares de valores mobiliários, ou seja, partes beneficiárias, debêntures e bônus de subscrição, os quais já foram tratados nos Bols. INFORMARE nºs 30 e 31/2003; investidores nesse mercado e toda a coletividade em função da insegurança jurídica nas negociações.
O crime de manipulação do mercado não é admitido na forma culposa, pela ausência de previsão legal, devendo haver, portanto, a alteração artificial com a finalidade de obtenção de vantagem ilícita, de lucro ou de lesão a interesse de outrem.
Pela exigência de dolo específico, ressaltamos que situações como a negociação de grande quantidade de títulos, num período curto, em que o volume movimentado causa impacto e altera os valores de mercado, não se confunde com a manipulação, já que nesta tem que haver o elemento volitivo.
Configurando-se porém o dolo e a conseqüente manipulação do mercado, o Ministério Público poderá agir de ofício e oferecer denúncia, independentemente da manifestação de quaisquer ofendidos.
Como sanção a este crime a lei prevê penas cumulativas de reclusão e multa.
A pena de reclusão varia de 1 (um) a 8 (oito) anos e a multa poderá ser de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida na negociação.
Em caso de reincidência, a multa poderá chegar ao triplo de tais valores.
Por fim, cabe esclarecer que, se o crime for cometido por pessoa jurídica, não poderão ser incriminados todos os seus administradores, mas somente aqueles com participação efetivamente comprovada no fato delituoso.
3. USO INDEVIDO DE INFORMAÇÃO PRIVILEGIADA
A legislação estabelece que é crime:
"Art. 27-D - Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime."
A definição legal nos conduz ao já conhecido insider trading, no qual ocorre a utilização indevida de informação por parte daquele que está "por dentro". De acordo com o artigo 13 da Instrução CVM nº 358, de 03 de janeiro de 2002, poderão ser considerados insiders:
a) acionistas controladores diretos ou indiretos;
b) diretores;
c) membros do Conselho de Administração;
d) membros do Conselho Fiscal;
e) membros de órgãos técnicos ou consultivos;
f) qualquer pessoa que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento de ato ou fato relevante.
O objetivo do legislador foi, novamente, preservar a estabilidade do mercado de capitais, sobretudo no que se refere ao processo de disclosure, ou seja, da completa divulgação de informações com vistas à proteção dos investidores.
As informações devem estar disponíveis simultaneamente para todos, sem que pessoas ocupantes de cargos e funções que conduzam a informações privilegiadas possam utilizá-las em detrimento de toda a coletividade.
Para que se configure o tipo penal, a informação utilizada deve ser relevante e capaz de propiciar vantagem indevida, mediante negociação com valores mobiliários.
O parágrafo 1º da Lei nº 6.404/1976 considera relevante aquela " ... informação que ainda não tenha sido divulgada para conhecimento do mercado, obtida em razão do cargo e capaz de influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários..."
Por sua vez, a Instrução CVM nº 358/2002 define como ato ou fato relevante qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios, que possa influir de modo ponderável:
a) na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;
b) na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários;
c) na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.
São exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:
I - assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva;
II - mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas;
III - celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia;
IV - ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa;
V - autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro;
VI - decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta;
VII - incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas;
VIII - transformação ou dissolução da companhia;
IX - mudança na composição do patrimônio da companhia;
X - mudança de critérios contábeis;
XI - renegociação de dívidas;
XII - aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações;
XIII - alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia;
XIV - desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de bonificação;
XV - aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas;
XVI - lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro;
XVII - celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público;
XVIII - aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação;
XIX - início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço;
XX - descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia;
XXI - modificação de projeções divulgadas pela companhia;
XXII - impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia.
Tomando conhecimento de uso de informação privilegiada em qualquer destas situações, o Ministério Público poderá oferecer denúncia, de ofício.
As sanções penais para este crime são a pena de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
Por disposição do art. 27-F, a multa cominada para o crime previsto neste artigo deverá ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente e, nos casos de reincidência, a multa pode ser de até o triplo do valor fixado.
4. EXERCÍCIO IRREGULAR DE CARGO, PROFISSÃO OU ATIVIDADE
A legislação assim define este tipo delituoso:
"Art. 27-E - Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa".
A atuação profissional no mercado de valores mobiliários sem o prévio registro na Comissão de Valores Mobiliários já constituía ilícito administrativo anteriormente.
A função desta tipificação penal é reforçar a confiança nas negociações do mercado, fazendo com que as funções mencionadas no artigo 27-E somente sejam exercidas por pessoas aptas e legalmente qualificadas, seja por lei ou regulamento.
O sujeito passivo atingido por este crime é o Estado, que é o maior interessado em um funcionamento regular do mercado.
A ação penal também será publica incondicionada, ou seja, assim que o Ministério Público tomar ciência de conduta típica poderá oferecer denúncia, sem a necessidade de representação do ofendido.
A pena cabível para este crime é a de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, cominada com multa.
Frise-se que neste caso é cabível a transação penal, instituto que não se aplica aos crimes mencionados nos itens 2 e 3.
Caso não haja possibilidade de transação por questões subjetivas, como pelo fato de ter sido o agente já beneficiado pelo mesmo instituto no prazo de 5 (cinco) anos, será aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/1995, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena privativa de liberdade mínima cominada é de 1 (um) ano.
Fundamento Legal: Lei nº 6.404/1976.