ACESSO DOS MINORITÁRIOS AOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO E FISCAL
Sumário
1. INTRODUÇÃO
A presente matéria aborda o acesso dos acionistas minoritários aos Conselhos de Administração e Fiscal, cujo objetivo é garantir às minorias o direito à plena informação sobre a companhia, permitindo que atuem em sua administração.
2. ACESSO AO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO E VOTO MÚLTIPLO
O Conselho de Administração representa uma tendência moderna de dissociação entre a propriedade e a gestão.
Órgão principal para a moderna governança corporativa, não era o Conselho de Administração legalmente previsto no antigo Decreto-lei nº 2.627/1940. Sua primeira aparição no ordenamento brasileiro advém da Lei nº 4.595, de 31.12.1964, que em seu art. 34, inciso I, que previa a existência de um Conselho de Administração nas instituições financeiras sem, contudo, estabelecer regras para o seu funcionamento.
Somente com a Lei nº 6.404/1976 é que esse órgão veio a ser efetivamente regulado, permanecendo ainda facultativo às companhias em geral e obrigatório para as sociedades de economia mista, companhias de capital aberto e companhias que adotam o regime de capital autorizado.
O sistema atual reconhece a bipartição de funções da administração societária: as funções deliberativas, exercidas pelo Conselho de Administração, e as funções executivas, exercidas pelos diretores, sendo que os primeiros elegem e destituem os últimos. A inspiração deste modelo deriva basicamente das legislações alemã e francesa, as quais consagram a estrutura dual da administração.
Alguns aspectos como abertura, integridade e transparência nas decisões dos conselheiros são hoje um fator fundamental para os acionistas, que vêm exigindo a presença de membros cada vez mais fortes e independentes para colaborar na manutenção de um equilíbrio adequado dentro do conselho.
Anteriormente, os Conselhos de Administração cumpriam um mero papel de formalidade legal. Indicados pelos donos das empresas, ou por seus dirigentes principais, eles tinham uma atuação restrita. Limitavam-se, na maioria das vezes, a ratificar decisões estratégicas e operacionais já tomadas pelo dono da empresa, ou matriz da multinacional ou governo, no caso de estatais.
O que se verificava, na maioria dos casos, era uma estrita obediência e representatividade das decisões do acionista controlador.
Nos termos do artigo 116 da Lei das S.A., a definição
de acionista controlador é "pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas
vinculadas por acordos de votos, ou sob controle comum, que é titular de direitos
de sócios que lhes assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações
da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia".
Ao nos depararmos com tal dispositivo verificamos uma clara vantagem dos acionistas
controladores em relação aos minoritários que não detêm a administração da sociedade.
Para equilibrar e amenizar as diferenças advindas desta disposição legal, o
legislador encontrou formas alternativas de conceder acesso ao Conselho de Administração
para os minoritários.
Com o advento da Lei nº 10.303/2001, foi criada a possibilidade de eleição de
conselheiro por voto múltiplo.
Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no
mínimo, 1/10 (um décimo) do capital social com direito de voto, esteja ou não
previsto no estatuto requerer a adoção do voto múltiplo, atribuindo-se a cada
ação votante tantos votos quantos sejam os membros do Conselho, reconhecido
ao acionista o direito de cumular os votos em um só candidadto ou distribuí-lo
entre vários.
O voto múltiplo tem como principal objetivo facilitar o acesso dos minoritários
ao Conselho de Administração e sua possível representatividade nele.
Cabe ressaltar, que o processo do voto múltiplo não garante a representação
das minorias, apenas a possibilita. O princípio é o mesmo utilizado no Direito
Eleitoral que permite a representação dos partidos políticos minoritários nas
Casas Legislativas.
Se a minoria, coesa, concentrar ou cumular todos os votos num só candidato,
ou em alguns deles apenas, a probabilidade de acesso será maior.
A faculdade do voto múltiplo deverá ser requerida até 48 (quarenta e oito) horas
antes da assembléia geral, cabendo à mesa que dirigir os trabalhos informar
previamente aos acionistas, à vista do "Livro de Presença", o número
de votos necessários para a eleição de cada membro do Conselho, conforme estabelece
o § 1º do artigo 141.
Embora a intenção do voto múltiplo seja facilitar o acesso dos minoritários,
sabemos que ela restaria frustrada se, depois de eleito o conselho, a assembléia
geral pudesse destituir um ou mais conselheiros sem destituir todos.
Prevendo tal situação, a lei estabelece que sempre que a eleição tiver sido
realizada pelo processo do voto múltiplo, a destituição de qualquer membro do
Conselho de Administração pela assembléia geral importará destituição dos demais
membros, procedendo-se a nova eleição.
A Instrução CVM nº 282/1998 fixou uma escala, em função do capital social, de
participação acionária necessária ao requerimento do processo de voto múltiplo
para a eleição dos membros do Conselho de Administração de companhia aberta:
"Art. 1º - Em função do valor do capital social da companhia aberta, é
facultado aos acionistas representantes do capital social com direito a voto,
esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo
para a eleição dos membros do Conselho de Administração, observada a tabela
a seguir:
Intervalo do Capital
Social (R$1)
|
Percentual Mínimo do
Capital Votante para Solicitação de Voto Múltiplo %
|
0 a 10.000.000 |
10
|
10.000.001 a 25.000.000 |
9
|
25.000.001 a 50.000.000 |
8
|
50.000.001 a 75.000.000 |
7
|
75.000.001 a 100.000.000 |
6
|
Acima de 100.000.001 |
5
|
Para fins de enquadramento, a companhia aberta considerará
o seu capital social vigente no último dia do mês anterior à data da convocação da
Assembléia, acrescido da reserva de correção monetária do capital realizado, se ainda
existir.
O Conselho de Administração, quando bem utilizado, pode funcionar como um órgão
protetor dos investimentos dos acionistas em relação aos comandos dos diretores.
3. ACESSO AO CONSELHO FISCAL
O Conselho Fiscal é o órgão responsável pela fiscalização da gestão dos negócios
sociais, é obrigatório na estrutura da companhia, mas seu funcionamento pode ser
permanente ou não, dependendo das disposições estatutárias.
Ao Conselho Fiscal cabe fiscalizar o movimento econômico e financeiro da companhia e das contas dos administradores. É um órgão de extrema importância quando se trata do tema da governança corporativa, principalmente no que tange às companhias de capital aberto.
O pedido de funcionamento do Conselho Fiscal, ainda que a
matéria não conste do anúncio de convocação, poderá ser formulado em qualquer
assembléia geral, que elegerá os seus membros.
Quando não for permanente, o Conselho será instalado a pedido de acionistas que
representem, no mínimo, 1/10 (um décimo) das ações com direito a voto, ou 5% (cinco
por cento) das ações sem direito a voto, e cada período de seu funcionamento terminará
na primeira assembléia geral ordinária após a sua instalação.
Os mesmos requisitos, impedimentos e deveres que a lei
estabelece para os administradores são extensíveis aos membros do Conselho Fiscal. Além
disso, não pode ser eleito fiscal o membro de órgão da administração, empregado da
companhia ou de sociedade por ela controlada, ou do mesmo grupo, bem como o cônjuge ou
parente até terceiro grau de administrador da companhia (art. 162, § 2º).
Na legislação anterior, o artigo 124 do Decreto-lei nº 2.627/1940 estabelecia a
obrigatoriedade da existência de um Conselho Fiscal como órgão de funcionamento
permanente da companhia.
Tal exigência acabou por se tornar uma mera formalidade, visto que os conselheiros apenas
cumpriam uma rotina de assinar as demonstrações financeiras ao final de cada exercício
social, fato que conduziu o legislador a conceder a possibilidade de ser o Conselho Fiscal
um órgão de funcionamento não-permanente, na redação da Lei nº 6.404/1976.
Um Conselho Fiscal permanente, composto por membros
independentes de acionistas e administradores, com uma remuneração adequada e
suscetíveis de sanções em caso de negligência, seria fundamental para um sistema de
controle dos atos de gestão da sociedade, protegendo o acionista, especialmente o
minoritário, e a companhia como um todo. Entretanto, temos visto que esse órgão não é
quase usado nas companhias brasileiras, adquirindo maior relevância a auditoria
independente.
As previsões quanto à eleição dos membros do Conselho Fiscal encontram-se no artigo
161, que prevê que as ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito
terão direito de eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente e que,
os acionistas minoritários que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das
ações com direito a voto terão o direito também de eleger um membro e seu suplente.
4. ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO FISCAL E ATUAÇÃO INDIVIDUAL DOS
CONSELHEIROS
O artigo 163 da Lei das S.A. enumera as atribuições do
Conselho Fiscal, quais sejam:
a) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar o
cumprimento dos seus deveres legais e estatutários;
b) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as
informações complementares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da
assembléia geral;
c) opinar sobre as propostas dos órgãos da administração a serem submetidas à
assembléia geral, relativas à modificação do capital social, emissão de debêntures
ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamento de capital, distribuição
de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão;
d) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, se estes
não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia,
à assembléia geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências
úteis à companhia;
e) convocar a assembléia geral ordinária, se os órgãos de administração retardarem
por mais de 1 (um) mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem
motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das assembléias as matérias que
considerarem necessárias;
f) analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras
elaboradas periodicamente pela companhia;
g) examinar as demonstrações de exercício social e sobre elas opinar.
As atribuições das alíneas "a" e "d" foram introduzidas no
ordenamento pela Lei nº 10.303/2001.
Em razão da possibilidade de exercerem individualmente o poder de fiscalização,
conforme se depreende da expressão "qualquer dos seus membros", é muito
relevante o acesso dos minoritários ao Conselho Fiscal, pela posição majoritária dos
controladores neste órgão.
Observamos que, apesar de tratar o Conselho Fiscal como um órgão colegiado, a lei
amenizou esta característica ao prever a atuação individual de seus membros.
O parágrafo único do artigo 164 traz uma terceira hipótese de atuação individual do
conselheiro que lhe possibilita apresentar e ler os pareceres e representações seus ou
do Conselho Fiscal na assembléia geral, independentemente de publicação e ainda que a
matéria não conste da ordem do dia.
O conselheiro tem, ainda, o direito de discordar das opiniões dos demais ou das
deliberações do Conselho Fiscal, podendo apresentar voto em separado ou solicitar que
sua opinião divergente seja registrada.
Este registro de opiniões é bastante coerente se pensarmos que a função do Conselho
ultrapassa a simples fiscalização dos atos de gestão dos administradores e passa a
exercer um serviço de informação aos acionistas, que podem votar pautados em um
profundo conhecimento da situação da companhia.
Em relação ao dever de informar, o § 6º do artigo 163 criou a obrigatoriedade do
Conselho Fiscal fornecer a acionista ou a grupo de acionistas que representem, no mínimo,
5% (cinco por cento) do capital social, informações sobre matéria de sua competência.
Com isso, fica reforçada a posição de que a maioria não pode impedir que os
minoritários sejam plenamente informados, de modo a poderem exercer seus direitos, se
irregularidades existirem nos negócios e demonstrações financeiras das empresas.
Fundamentos Legais: Os citados no texto.