APARELHO CELULAR
Alíquota do ICMS

RESUMO: Trata a presente consulta sobre a definição da alíquota do ICMS para "Aparelho de Celular", que são considerados equipamentos de informática somente para os fins da legislação alienígena. A Legislação Distrital do ICMS prevê a alíquota de 17% (dezessete por cento) para as operações internas com telefones celulares.

Consulta nº 8/2002

Referência: Processo nº 040.008.449/2000

Interessado: XXXXXXX

EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. PACTO FEDERATIVO. TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. CONCEITOS - Em face do pacto federativo e das competências constitucionais, os conceitos ou definições instituídos por legislação de outro ente, somente produzem efeitos na ordem jurídica de ente federado distinto quando adotada idêntica providência pelo legislativo local ou quando houver a específica ressalva constitucional. A incorporação pelo legislativo local de conceitos utilizados em legislação alienígena não significa transferência da competência legislativa. ICMS. APARELHOS DE CELULAR. EQUIPARAÇÃO A PRODUTOS DE INFORMÁTICA. ALÍQUOTA. Os telefones celulares são considerados equipamentos de informática somente para os fins da Legislação Federal. Essa equiparação não produz efeitos no mundo fático. A norma local que deva ser interpretada em face da lógica fática não sofre influência semântica da legislação alienígena. A Legislação Distrital do ICMS prevê a alíquota de 17% para as operações internas com telefones celulares.

Senhora Supervisora,

Trata-se de consulta formulada por XXXXXXXXXX no XXXXX, Brasília - DF, inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ sob nº XXXXXXXX, e no Cadastro Fiscal do Distrito Federal - CF/DF sob nº XXXXXXX, que, em síntese, apresenta as considerações elencadas como segue:

I - a consulta "...tem por objeto a possibilidade da aplicação da alíquota do ICMS de aparelhos de telefonia celular insculpida no parágrafo primeiro, do artigo primeiro, da Lei nº 2.498/99, que alterou o art. 18 da Lei nº 1.254/96";

II - "...os aparelhos de telefonia celular possuem inúmeras funções, além do seu uso próprio para comunicação, o aparelho de telefone celular poderá ser usado na Internet, como calculadora, além de possuir tela imagens, armazenamento de dados, programação, entre outras funções";

III - "...o aparelho de telefonia celular já possui inúmeras funções (armazenamento de dados, transmissão de mensagens, etc.) compatíveis, e até recentemente exclusivas dos sistemas de informática, não podendo ser considerado apenas um eletro-eletrônico";

IV - pela Lei Distrital do ICMS, "...o aparelho de telefonia celular é considerado um eletro-elelrônico, pagando a alíquota de 17% (dezessete por cento), ao contrário dos produtos de informática que pagam uma alíquota menor de 12% (doze por cento)";

V - "Atualmente, devido a modernidade do telefone celular, o mesmo não poderá ser mais considerado um mero eletro-eletrônico, e sim um produto de informática, haja vista as inúmeras funções e características do aparelho de telefonia celular, como tem sido feito no Estado de Goiás, por sua Secretaria de Fazenda";

VI - "No anexo VI do Decreto nº 18.955, há insumos descritos com a nomenclatura NBM que permitem a redução da alíquota, sendo eles os seguintes: NBM - 8471.20.0000 (é um teclado e um visor); NBM 8471.91.0100 (é o caso do celular); NBM - 8471 - 99.0903; NBM - 8471.99.1200; NBM 8473.30.0200; NBM - 8473.30.9900".

Após as considerações preliminares acima resumidas, a Consulente, com o intuito de submeter as saídas de aparelhos celulares às alíquotas aplicáveis aos produtos de informática, apresenta os seguintes quesitos:

a) "Que tipo de produto é o telefone celular para o pagamento do ICMS nas operações internas?"

b) "Em que artigo da Lei Distrital que instituiu o ICMS e seu Decreto Regulador se enquadra a alíquota dos aparelhos de telefonia celular em operações internas?"

c) "Qual a alíquota aplicável aos aparelhos de telefonia celular atualmente, em operações internas com consumidores finais considerando as alterações introduzidas pela Lei nº 2.498/99?"

d) "Em conformidade com as atuais especificações dos aparelhos de telefonia celular, se os mesmos não podem ser considerados equipamentos de informática e suprimentos de acordo com os NBMs citados?"

e) "Se afirmativo o caso acima, pode ser aplicada a alíquota de 7% para as operações internas na venda de aparelhos celulares?"

Presentes os pressupostos de admissibilidade, foi feito o preparo processual pela Agência de Atendimento da Receita do SIA/SUREC, conforme se verifica às folhas 10 a 18, lendo sido informado que a Consulente não se encontrava sob ação fiscal.

É o relatório.

DA NORMA TRIBUTÁRIA

Trata-se de verificar o tratamento a ser observado pelo Estado Fiscal e pelos contribuintes em face de operações tributadas pelo ICMS envolvendo produtos denominados telefones celulares.

A Lei Distrital nº 596, publicada em 18 de novembro de 1993 e, com entrada em vigor em 1º de janeiro de 1994, além de outras providências, introduziu, em seu art. 1º, a alíquota de 7% (sete por cento) para as saídas internas de produtos da indústria de informática e automação especificados no Anexo da referida lei.

A Lei nº 1.254, de 1996, que instituiu o ICMS no Distrito Federal, no seu art. 18, com a redação dada pela Lei nº 1.915, de 19 de março de 1998, e pela Lei nº 2.498, de 1º de dezembro de 1999, dispõe sobre as alíquotas do imposto, verbis:

"Art. 18 - As alíquotas do imposto, seletivas em função da essencialidade das mercadorias e serviços, são:

...

II - nas operações e prestações internas:

...

c) de 17% (dezessete por cento), para lubrificantes e demais mercadorias e serviços não-listados nas alíneas "a", "b" e "d", bem como para:

...

d) de 12% (doze por cento), para:

...

8) produtos de indústria de informática e automação e suporte físico e programa de computador, quando não seja elaborado sob encomenda, exceto jogos;

...

§ 1º - Fica reduzida a base de cálculo do imposto, de forma que resulte na aplicação do percentual de sete por cento nas operações internas com produtos da indústria de informática e automação listados no regulamento, e dez por cento nas operações internas com os produtos discriminados no inciso II, alínea "d", 7." (Grifos nossos).

À evidência, a alíquota nas operações internas com produtos da industria de informática e automação, que era de 7% (sete por cento) (Lei nº 596/93) passou a ser de 12% (doze por cento) (Lei nº 1.254/96).

O Estado Fiscal, entretanto, houve de manter a carga tributária do ICMS em 7% (sete por cento) nas operações internas com determinados produtos de informática e automação, mediante a concessão de benefício fiscal consubstanciado na redução da base de cálculo, conforme § 1º supracitado.

Dessume-se que os produtos da indústria de informática e automação são tributados à alíquota de 12% (doze por cento) e que determinados produtos (listados no regulamento) beneficiam-se da redução de base de cálculo de forma que a carga tributária do ICMS efetivamente seja de 7% (sete por cento).

O Decreto nº 18.955, de 1997, que baixou o regulamento do ICMS, em seu art. 7º, dispõe que fica reduzida a base de cálculo das operações e das prestações relacionadas no Caderno II do Anexo I daquele Regulamento, para os percentuais e nas condições ali indicados.

O citado no Caderno II do Anexo I, em seu item 14, dispõe sobre a redução da base de cálculo para 58,33% (cinqüenta e oito inteiros e trinta e três centésimos por cento) na saída interna de produtos da indústria de informática e automação, relacionados no Anexo VI do Regulamento, bem como de disquete ou outro meio físico para gravação de programas para computador. O citado Anexo VI, elencando as mercadorias alcançadas pelo beneficio de redução da carga tributária do ICMS de 12% (doze por cento) para 7% (sete por cento), não incluiu os telefones celulares.

Em síntese, na investigação dos efeitos jurídicos decorrentes de incidência da norma tributária do ICMS em face das operações com telefones celulares, impõe-se a verificação de identidade entre: (i) os equipamentos telefones celulares; e (ii) o termo produtos da indústria de informática e automação contido no art. 18, inc. II, alínea "d", item 8 e parágrafo 1º da Lei nº 1.254, de 1996.

A análise supra se impõe para: (i) em primeiro lugar, constatar se nas operações internas com telefones celulares incide a alíquota de ICMS de 12%; (ii) em segundo lugar, se, vencida a primeira finalidade, é possível nas citadas operações a redução de base de cálculo de forma que a carga tributária do ICMS seja 7% (sete por cento).

DA INTERPRETAÇÃO DA NORMA EM ABSTRATO

Da Interpretação

A interpretação não se fraciona, mas se exerce por vários processos (gramatical, lógico, tecnológico, etc.).

Regras específicas de interpretação foram introduzidas pelo Código Tributário Nacional - CTN nos arts. 107 a 112.

Duas linhas surgem ao debate: (i) uma, consubstanciada na unicidade do direito e assim, os conceitos adotados por um ramo jurídico deveriam ser utilizados pelo aplicador da norma Tributária; (ii) outra, que entende ser o Direito Tributário ramo autônomo e, por isso, os conceitos adquirem significação própria, inteiramente desvinculada de sua origem, em face das leis tributárias.

A unicidade do direito é ponto pacificado na doutrina contemporânea, sendo que a única autonomia admitida é a didática.

O Professor Marco Aurélio Greco se refere ao Direito Tributário como um direito de sobreposição, e, por isso mesmo, utiliza-se de vários institutos de outros ramos do direito (civil, comercial, penal, etc.). Mas não é despiciendo alertar que as peculiaridades de cada área jurídica estão a irradiar efeitos distintos entre uma e outra.

O Direito Tributário utiliza-se de: (i) institutos, conceitos e formas de outros ramos jurídicos; (ii) princípios gerais de direito público; (iii) princípios gerais de direito privado.

Quanto aos institutos, conceitos e formas, o Direito Tributário pode assumí-los de outros ramos do direito aceitando-os por completo ou, de outra forma, aceitando-os com alterações. Nessa última hipótese não é livre e subordina-se ao previsto no art. 110 do CTN.

Ensina-nos Bernardo Ribeiro de Moraes que "A figura tomada de empréstimo (...) não será vista com as características que possui no campo jurídico em que estava presa originariamente, mas, sim, será vista como figura do direito tributário, com nova ótica, a da percepção tributária.".

O art. 109 do CTN preceitua que "os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para a definição dos respectivos efeitos tributários".

A evidência, os efeitos tributários estão preservados pela norma tendo em vista a finalidade específica do Direito Tributário. Isso porque, segundo Bernardo Ribeiro de Moraes:

"...os diversos ramos do direito não possuem a mesma finalidade e nem o mesmo objeto. Em conseqüência, um mesmo instituto ou conceito pode ser utilizado por dois ou mais ramos jurídicos, cada qual o adotando para efeitos jurídicos diferentes".

Nos adverte, entretanto, o Prof. Hugo de Brito Machado que a regra se refere a princípios gerais do Direito Privado e não às leis de Direito Privado, e arremata:

"Assim, os conceitos, os institutos, as formas, prevalecentes no Direito Civil, ou do Direito Comercial, em virtude de elaboração legislativa, prevalecem igualmente no Direito Tributário. Só os princípios do direito privado é que se não aplicam para a determinação dos efeitos tributários dos institutos, conceitos e formas do Direito Civil, ou Comercial. Se determinado conceito legal de direito privado não for adequado aos fins do Direito Tributário, o legislador pode adaptá-lo. Dirá que, para os efeitos tributários, ou para os efeitos deste ou daquele tributo, tal conceito deve ser entendido desta ou daquela forma, com esta ou aquela modificação. Essa interpretação é obra do legislador e não do intérprete, pois, este não pode, a qualquer pretexto, modificar a lei. Se o conceito não é legal, mas apenas doutrinário, pode o intérprete adaptá-lo aos fins do Direito Tributário. Se um conceito jurídico, seja legal ou doutrinário, é utilizado pela Constituição, não poderá ser alterado pelo legislador ordinário, nem muito menos pelo intérprete. O art. 110 do CTN determina que ‘a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

O significado dos conceitos utilizados em direito pode estar no mundo dos fatos eu no próprio direito. Preliminarmente, a fim de evitar tergiversações decorrentes da confusão entre o mundo jurídico e o mundo fenomênico real, vimos advertir que, embora aquele esteja contido nesse, os efeitos não necessariamente são coincidentes. Já nos ensinava Pontes de Miranda, in Tratado de Direito Privado, Vol. 1, que:

"O mundo concorre com fatos seus para que se construa o mundo jurídico; porém esse seleciona e estabelece a causação jurídica, não necessariamente correspondente à causação dos fatos". Grifos nossos.

O processo de interpretação da norma inicia-se por sua própria letra. Refere-se o instrumento legiferante a produtos da indústria de informática e automação.

Juridicamente, produto significa toda utilidade produzida e, neste sentido, "...tanto designa as utilidades materiais, tiradas do solo e subsolo, ou produzidas direta ou indiretamente por eles, como os que se fabricam ou se produzem pela ação do homem, pela transformação de uma coisa em outra e pelo trabalho".

Informática é "ciência do tratamento automático e racional da informação como suporte de conhecimentos e comunicações; conjunto de aplicações dessa ciência, através da utilização de máquinas (computadores) e programas".

Logo, produto de informática pode ser conceitualmente definido como a utilidade material produzida pelo homem para o tratamento automático e racional da informação como suporte de conhecimentos e comunicações.

Automação é termo que se refere à substituição do trabalho humano por meios mecânicos. Telefone para o Aurélio é "1. Aparelho para transmitir a distância a palavra falada. (...) 2. Restr. Telefone (1) de uso corrente, que consta de um mecanismo elétrico capaz de efetuar a ligação entre duas linhas, e de peça(s) destinada(s) a emitir e receber mensagens faladas".

É importante ressaltar que a superveniência de tecnologias utilizadas nos telefones celulares não tem o condão de alterar a sua identidade ou o significado da letra empregada pela norma. Ainda que o sentido na palavra mude com o decurso do tempo, nos ensina Carlos Maximiliano, ao mencionar preceitos de observância obrigatória na exegese literal, que:

"Se mudou, com o tempo, o sentido de uma palavra, prefere-se o da época em que foi o texto redigido em caráter definitivo, e não daquela em que é interpretado".

"A linguagem tem por objetivo despertar em terceiros pensamento semelhante ao daquele que fala; presume-se que o legislador se esmerou em escolher expressões claras e precisas, com a preocupação meditada e firme de ser bem compreendido e fielmente obedecido. Por isso, em não havendo elementos de convicção em sentido diverso, atém-se o intérprete à letra do texto".

Entretanto, não deve o processo de exegese da norma deter-se somente à letra da lei. Toda norma tem uma causa e uma finalidade. É preciso investigar o espírito dela. Carlos Maximiliano, na mesma obra citada, fazendo referência aos Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, prescreve que "descobrem-se o sentido e o alcance de uma regra de Direito, com examinar as circunstâncias e os sucessos históricos que contribuíram para a mesma, e perquirir qual seja o fim do negócio de que se ocupa o texto; põem-se em contribuição, portanto, os dois elementos - a Occasio legis e a Ratio júris".

A Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, que dispõe sobre a capacitação e a competitividade do setor de informática e automação, com a redação dada pela Lei nº 10.176, de 2001, no art. 16A, define, para os efeitos de aplicação daquela Lei, bens e serviços de informática e automação como sendo: (i) componentes eletrônicos a semicondutor, optoeletrônicos, bem como os respectivos insumos de natureza eletrônica; (ii) máquinas, equipamentos e dispositivos baseados em técnica digital, com funções de coleta, tratamento, estruturação, armazenamento, comutação, transmissão, recuperação ou apresentação da informação, seus respectivos insumos eletrônicos, partes, peças e suporte físico para operação; (iii) programas para computadores, máquinas, equipamentos e dispositivos de tratamento da informação e respectiva documentação técnica associada ("software"); e (iv) de serviços técnicos associados aos bens e serviços descritos nos itens i, ii e iii retro.

Os benefícios introduzidos pela Lei nº 8.248, de 1991, a teor do art. 16A, § 1º, não se aplicam, dentre outros: (i) às mercadorias dos segmentos de áudio ainda que incorporem tecnologia digital; (ii) aos suportes preparados para gravação de som ou para gravações semelhantes, não gravados, da posição 8523; (iii) aos aparelhos receptores para radiotelefonia, mesmo combinados num mesmo gabinete ou invólucro com aparelhos de gravação ou de reprodução de som ou com relógio, da posição 8527. Entretanto, no § 2º do art. 16A supracitado, verifica-se que pode o Presidente da República avaliar a inclusão no gozo dos benefícios os terminais portáteis de telefonia celular.

Essa providência do Chefe do Executivo foi levada a efeito por meio do Decreto nº 3.801, publicado no DOU de 23 de abril de 2001 e, a partir de então, produzindo efeitos. Dispõe o citado instrumento regulamentar, em seu art. 1º, verbis:

"Art. 1º - A relação de bens de que trata o § 1º do art. 4º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, é a definida no Anexo deste Decreto.

Parágrafo único - Os terminais portáteis de telefonia celular e os monitores de vídeo de que trata o § 2º do art. 16-A da Lei nº 8.248, de 1991, integram a relação mencionada no "caput"." Grifos nossos.

E, no Anexo do Decreto retrocitado, encontramos referência à posição 8525.20 da NCM em que se inserem os telefones celulares (8525.20.22).

A evidência, os telefones celulares foram incluídos no conceito de bens de informática de que trata o art. 16A, para os fins de que trata a Lei nº 8.248, de 1991.

Vimos, neste ponto, advertir que o conceito introduzido é do mundo jurídico, e não do mundo dos fatos, porque, nesse último, telefone é telefone e bens de informática são bens de informática. Importante contribuição é trazida por E. Betti, in Teoria Generale della Interpretazione e por J. Dabin, in Théorie Générale du Droit, citados por Alfredo Augusto Becker:

"A lei jurídica (a regra jurídica) não é um fim em si mesma (não é uma realidade metafísica existindo em si e por si), mas um instrumento que torna possível a convivência social, nos moldes desejados pelo Estado. A regra jurídica é diferente das regras que enunciam um saber (lei científica) e são um fim, em si mesmas, como conhecimento de verdades (de realidade: o SER)".

"As leis (regras jurídicas) não são comparáveis às leis da natureza (regras científicas); a natureza não ‘obedece’ à lei científica como o indivíduo humano ‘obedece’ a lei jurídica".

A conceituação jurídica, introduzida pela norma federal, para produzir efeitos no ordenamento de outros entes federados, não deve conflitar com o pacto federativo e nem com o dele decorrente sistema de competências introduzido pela Carta Magna, que abordaremos adiante.

Da Causa e da Finalidade da Norma

O ambiente contemporâneo em que surge a legislação federal prescrevendo que equipamento de telefonia celular é equipamento de informática caracteriza-se pela força das relações econômicas entre Estados Estrangeiros e pelo advento de blocos econômicos. Esses elementos determinam adoção de incentivos à importação e à exportação com a redução de barreiras alfandegárias para determinados produtos, como os de informática. Assim, o campo de facilidades alfandegárias e econômicas já existentes para os equipamentos de informática se abre, por vias conceituais, também para os telefones celulares.

Percebe-se, por conseguinte, que a afirmação de ser o telefone celular um equipamento de informática decorre de circunstâncias econômicas, incorporadas pelo direito.

O telefone não deixa de ser telefone pelo fato de incorporar novas tecnologias, assim como o automóvel com funções monitoradas pelo computador não deixa de ser automóvel. A adjetivação jurídica não tem o condão de alterar a lógica racional que rege o mundo real. Deve prevalecer a lógica racional como elemento de verificação no mundo jurídico entre o suporte fático e o preceito quando não há regra jurídica de distinção ou de exceção.

A referência a equipamentos de informática feita, por exemplo, pela legislação do ICMS, não aceita a conceituação jurídica alienígena que viole regras de competência e as da lógica. Não pode, a interpretação da norma distrital, desconsiderar a lógica semântica do texto local e nem a lógica fática que constitui o fundamento daquele texto.

Vencida a questão conceitual, e possíveis tergiversações em face dos arts. 109 e 110 do CTN, exsurge a necessidade de verificar as competências de cada ente, em subordinação ao pacto federativo e, também, a possibilidade de transferência da competência legislativa para outra Unidade Federada.

Do Pacto Federativo

Não é despicienda a remissão ao art. 1º e ao art. 18, ambos da Carta de 1988, em que se verificam, respectivamente, a adoção da forma federativa de Estado e a consagração da autonomia política dos entes federados.

A Constituição Federal é fonte de competência dos entes federados e, regendo a autonomia recíproca de uns e outros, dá os contornos necessários da igualdade jurídica e conseqüente supremacia em cada esfera, preservando, por conseguinte o Pacto Federal.

A adequada observância das autonomias recíprocas é que garante a preservação do pacto federativo. Assim, cada ente tem a especificação de sua competência (legislativa, administrativa e tributária) não se admitindo, vias de conseqüência, interferências de um ente em outro para, por exemplo, dispor sobre benefícios fiscais. Não pode, v.g., a União instituir benefícios fiscais, ainda que por via indireta, em relação ao ICMS ou ao ISS; bem como é defeso aos estados e municípios instituir benefícios fiscais para desonerar as operações sujeitas ao IPI ou ao IRPJ.

É princípio do Estado Federal que cada ente possua esfera de competência tributária que lhe garanta renda própria, não cabendo interferência externa para diminuir essa renda.

E Alexandre de Moraes assim se manifesta sobre o assunto:

"A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias sendo pois um dos pontos caracterizadores e asseguradores do convívio no Estado Federal".

Deve, à evidência, existir harmoniosa e solidária convivência da União, estados e municípios. E essa imposição é que orienta a interpretação das normas constitucionais, e infraconstitucionais, e decorrente preservação da organização constitucional.

Os conceitos jurídicos instituídos pela União, que não configurem matéria relativa a normas gerais, serão observados e produzirão eleitos na ordem jurídica estadual, distrital ou municipal quando esses incorporarem os respectivos conceitos em suas legislações.

É inegável que a ação do Governo Federal visando incentivar a capacitação e a competitividade do setor de informática e automação influenciou a agenda política distrital, com vistas ao mesmo objeto, e em face das particularidades regionais, resultando na concessão, pelo ente local, de benefícios fiscais no âmbito do ICMS, já comentados.

Não há, neste ponto, que se admitir tergiversações no sentido de que, a introdução de um conceito jurídico pela União e decorrente assimilação do mesmo pelo legislativo local, autorize aquela primeira a interferir no âmbito da competência desse último sempre que alterar a lei criadora do conceito. Não opera aqui, por força do Pacto federativo, e seu antecessor, o Pacto Social, renúncia a competência legislativa local. Rousseau, in Do Contrato Social, e John Locke, afirmam que os indivíduos no estado natural ao abrirem mão de sua liberdade (que não podem gozar em toda sua extensão) entregando-a ao Estado Civil, o fazem para gozar a liberdade civil e para que o Estado cumpra os seus fins sociais, não autorizando a esse último abrir mão dos poderes que lhe foram conferidos.

A esse propósito colacionamos John Locke, que, verbalizando sobre a extensão do poder legislativo, assim se manifesta:

"... o legislativo não pode transferir o poder de fazer leis para quaisquer outras mãos. Porque não sendo mais do que um poder delegado pelo povo, aqueles que o têm não o podem passar para outros. Somente o povo é que pode escolher e estabelecer a forma da república, que vem a ser estabelecendo o legislativo, e designando a pessoa ou pessoas em cujas mãos deve ser depositado. E logo que o povo diga, nós queremos submeter-nos a regras, e sermos governados por leis, feitas por tais homens, e em tais formas, ninguém mais pode dizer que outros homens hão de fazer leis para ele; nem pode o povo estar obrigado a leis algumas, que não forem feitas por aqueles que ele elegeu e a quem autorizou a isso. O poder legislativo, sendo derivado do povo por uma concessão e instituição positiva e voluntária, não pode ser outro senão aquele que essa concessão positiva trouxe consigo; a qual sendo somente para fazer leis, e não para fazer legisladores, o legislativo não pode ter poder de transferir a sua autoridade de fazer leis, e de a colocar em outras mãos."

De todo o exposto, infere-se que os conceitos de bens de informática e de telefones celulares são conceitos do mundo dos fatos, sendo que a Lei nº 8.248, de 1991, apenas os definiu para fins de aplicação da Lei Federal. Essa providência não tem o condão de irradiar efeitos na órbita de outros entes federados, se esses não aderirem, por meio legislativo, de forma a introduzir benefícios, fiscais ou quaisquer outros, para o seguimento de informática e para os telefones celulares. Isso por causa do principio federativo e das competências constitucionais de cada ente. A Lei em comento não é norma geral e, também, não é norma que apresenta conceito, instituto ou forma de direito privado.

Isto posto, é verificável que não importa transferência de competência legislativa a aceitação, por determinada unidade federada, de conceitos ou de conteúdo de uma legislação alienígena. As alterações dessa última (lei alienígena) não repercutem na primeira (lei local) além dos limites temporais e materiais por ela aceitos. Há necessidade, sempre, da ação legislativa local.

DA LEGISLAÇÃO COMPARADA

Do estudo da legislação de outras unidades federadas verifica-se que o tratamento tributário favorecido dispensado pelos regulamentos das leis instituidoras do ICMS, alíquotas menores ou reduções de base de cálculo, em operações internas com telefones celulares, precisou ser incorporado na legislação local para produzir efeitos no âmbito do ICMS.

Afirma-se, então, o entendimento até aqui apresentado no sentido de que o ente local deve equiparar telefones celulares a bens de informática se decidir estender as reduções de alíquotas ou de base de cálculo desses últimos (bens de informática) àqueles primeiros (telefones celulares).

Estado de Goiás - Regulamento do ICMS

O Regulamento do ICMS no estado de Goiás, baixado pelo Decreto nº 4.852, de 1997, no art. 8º, inc. XIII, dispõe que a base de cálculo do ICMS é reduzida na saída interna com produto de informática, telecomunicação ou automação relacionado no Apêndice IV do Anexo IX, de tal forma que resulte a aplicação sobre o valor da operação do equivalente ao percentual de 7% (sete por cento), ficando mantido o crédito correspondente à aplicação do percentual de 58,33% (cinqüenta e oito inteiros e trinta e três centésimos por cento) sobre o valor do imposto relativo à entrada.

O referido Apêndice IV elenca os produtos a serem beneficiados com a redução da base de cálculo. Entre eles cumpre identificar: (i) baterias para uso exclusivo em aparelho celular (NCM/SH 8507.80.00); (ii) qualquer aparelho telefônico ou videofone (NCM/SH 8517.19.99); (iii) aparelho transmissor com aparelho receptor incorporado de telefonia celular - terminal portátil (NCM/SH 8525.20.22); (iv) porta-tampa de telefone celular - flip (NCM 8529.90.19); etc.

A legislação goiana, ao instituir a redução de base de cálculo nas saídas internas, expressamente fez referência a produtos de informática, automação e telecomunicação. Não deu margem, em assim procedendo, à discussão sobre a aderência do conceito de telefone celular ao de produto de informática, mas, apenas, estendeu o tratamento tributário de um ao outro.

Estado de Minas Gerais - Regulamento do ICMS

O Decreto nº 38.104, de 1996, baixou o Regulamento do ICMS mineiro. O art. 43 trata das alíquotas do imposto. No inciso I, alínea b, subalínea b.6, está prescrito que, nas saídas internas, a alíquota de 12% (doze por cento) deve ser aplicada nas operações com produto da indústria de informática e automação relacionado na Parte 1 do Anexo XVI daquele Regulamento.

Dentre os produtos relacionados na mencionada Parte 1, cumpre destacar: (i) telefone público (NCM 8517.19.20); (ii) aparelho transmissor com aparelho receptor incorporado de telefonia celular-terminal portátil (NCM 8525.20.22); (iii) aparelho transmissor com aparelho receptor incorporado de telefonia celular - terminal móvel para automóvel; etc.

O Decreto nº 40.846, de 28.12.99, incluiu o produto telefone celular, código NCM 8525.20.22, na Parte I do Anexo XVI (item 211), aplicando-se nas operações internas com esse produto, a alíquota de 12% (doze por cento), conforme dispõe a subalínea ‘b.6’, art. 43, Parte Geral do RICMS/96 - Consultas SEF/MG - nº 69 e 70/2000.

Estado do Paraná - Regulamento do ICMS

O Regulamento Paranaense do ICMS, no art. 15, inc. III, alínea "c", dispõe que a alíquota interna de 7% (sete por cento) aplica-se nas operações com produtos de informática e automação, produzidos por estabelecimentos industriais, que estejam isentos do imposto sobre produtos industrializados e atendam às disposições do art. 4º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991 - desde que relacionados em Portaria conjunta dos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Fazenda, baixada por força do art. 6º do Decreto Federal nº 792, de 02 de abril de 1993 ou do art. 2º da Lei nº 387, de 30 de dezembro de 1991, regulamentada pelo Decreto nº 1.885, de 26 de abril de 1996.

Manifestou-se o Fisco do Pararia que, a operação interna de telefones celulares somente se dará à alíquota de 7%, no caso de atender às disposições das Leis Federais nºs 8.248/91 e 8.387/91, devendo inclusive a nota fiscal indicar os dispositivos da legislação federal pertinente - Consulta SEF/PR - nº 052/2000.

O Paraná aderiu aos conceitos e regramentos utilizados pela Lei Federal nº 8.248, de 1991, que dispõe sobre a capacitação e a competitividade do setor de informática e automação e dá outras providências.

DA UTILIZAÇÃO DOS CÓDIGOS DA NCM E DA NBM

Alguma confusão tem sido apresentada sobre a superveniência da NCM em face da NBM.

A NCM constitui-se na Nomenclatura Comum do MERCOSUL, que tem como base o Sistema Harmonizado, e é composta por 8 (oito) dígitos. Os seis (6) primeiros são formados gelo Sistema Harmonizado. Os sétimo e oitavo dígitos são, respectivamente, desdobramentos específicos atribuídos no âmbito do MERCOSUL.

A NBM é a Nomenclatura Brasileira de Mercadorias, que, também, possui como base o Sistema Harmonizado. A NBM é composta por 10 (dez) dígitos, sendo que, à semelhança da NCM os 6 (seis) primeiros são formados pelo Sistema Harmonizado.

Ambas, NBM e NCM, têm como base o Sistema Harmonizado e a referência na legislação tributária do ICMS, a uma ou outra, é válida e tem como objeto a coisa discriminada e o direito ou dever tributário. As regras gerais de interpretação da NCM privilegiam a preponderância da posição mais especifica sobre a mais genérica. Deve atentar o classificador que, consoante informações da Secretaria de Comércio Exterior/MDIC, somente cerca de um terço dos códigos NCM/NBM tem correlação direta entre si, pois quando da criação da NCM vários códigos ou foram suprimidos ou sofreram desdobramentos, impondo, por conseguinte, a necessidade de identificar a correlação correta através da descrição que mais se aproximar do produto objeto da análise.

DA CONCLUSÃO

Dessume-se de todo o exposto que as operações de circulação de mercadorias com telefones celulares não guardam identidade com as normas definidoras da alíquota em 12% (doze por cento) no Distrito Federal e, por conseqüência, nem com os prescritivos que tratam da redução da base de cálculo de forma que a alíquota seja 7% (sete por cento).

Isto posto a alíquota do ICMS a incidir nas operações internas com telefones celulares no Distrito Federal, é de 17% (dezessete por cento), a teor do que consta do art. 18, inc. II, alínea "c", da Lei nº 1.254, de 1996.

DAS RESPOSTAS AOS QUESITOS

a) "Que tipo de produto é o telefone celular para o pagamento do ICMS nas operações internas?"

O telefone celular não é um equipamento de informática. A legislação federal o equiparou a tal para determinados fins de interesse da União. A legislação distrital não fez o mesmo. Assim, o telefone celular é um eletroeletrônico e se sujeita à alíquota de 17% (dezessete por cento) nas operações internas.

b) "Em que artigo da Lei Distrital que instituiu o ICMS e seu Decreto Regulador se enquadra alíquota dos aparelhos de telefonia celular em operações internas?"

A alíquota de 17% (dezessete por cento) aplicável às operações internas com aparelhos de telefonia celular tem por fundamento a Lei nº 1.254, de 1996, que instituiu o ICMS no Distrito Federal, art. 18, inc. II, alínea "c". O Diploma Regulamentar do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 18.955, de 1997, prescreve a referida alíquota no art. 46, inc. II, alínea "c".

c) "Qual a alíquota aplicável aos aparelhos de telefonia celular atualmente, em operações internas com consumidores finais considerando as alterações introduzidas pela Lei nº 2.498/99?"

As alterações introduzidas pela Lei nº 2.498, de 1999, não repercutiram na tributação pelo ICMS das operações com telefones celulares, que têm por fundamentação legal dispositivos distintos e que já foram discriminados acima. De conseguinte, a alíquota aplicável, antes e depois da alteração implementada pela referida Lei, é a mencionada no quesito anterior.

d) "Em conformidade com as atuais especificações dos aparelhos de telefonia celular, se os mesmos não podem ser considerados equipamentos de informática e suprimentos de acordo com os NBMs, citados?"

Não. Os aparelhos de telefonia celular têm classificação própria, em face de sua especificidade, na NCM (8525.20.22) e na NBM (8525.20.0199).

e) "Se afirmativo o caso acima, pode ser aplicada a alíquota de 7% para as operações internas na venda de aparelhos celulares?"

Não. Os aparelhos celulares não são equipamentos de informática e nem assim foram considerados pela Legislação Tributária do Distrito Federal. De mais a mais, os produtos da indústria de informática e automação são tributados no Distrito Federal à alíquota de 12%. Desses produtos, alguns, conforme relação taxativa constante do Anexo VI do Decreto nº 18.955, de 1997, em que não se verifica o telefone celular, têm sua base de cálculo reduzida de forma que a carga tributária seja de 7% (sete por cento).

DA NATUREZA CONTROVERTIDA DA CONSULTA

À consulente se aplica o beneficio da consulta, previsto no art. 44 do Decreto nº 16.106/94, por se tratar de matéria de natureza controvertida.

É o Parecer, s.m.j.

Brasília, 28 de junho de 2002.

André Clemente Lara de Oliveira
Auditor Tributário do Distrito Federal

Mat. 32343.8

À Gerência de Tributação - Senhor Gerente,

De acordo.

Encaminhamos à aprovação dessa gerência o parecer supra.

Brasília, 02 de julho de 2002.

Maria Inez Coppola Romancini
Célula de Esclarecimento de Normas - Supervisora

Aprovo o parecer da Célula de Esclarecimentos de Normas - CEESC, desta Gerência de Tributação, com fulcro no que dispõe a alínea "b" do inciso I do art. 1º da Ordem de Serviço nº 032, de 25 de março de 2002, publicada no DODF nº 060, de 01 de abril de 2002.

Esclarecemos que a consulente poderá recorrer da presente decisão ao Senhor Secretário de Estado de Fazenda e Planejamento, no prazo de 20 (vinte) dias contados de sua publicação no Diário Oficial do Distrito Federal, conforme dispõe art. 53 do Decreto nº 16.106/94.

Encaminhe-se o presente processo ao Núcleo de Apoio Técnico Administrativo - NUTEC/GETRI para publicação e adoção das demais providências cabíveis.

Brasília, 03 de julho de 2002.

José Hable
Gerente de Tributação

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