ICMS
BENEFÍCIOS FISCAIS E ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTAS DO IMPOSTO - VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI
Nº 259/00
RESUMO: O Veto a seguir pretende evitar a ingerência indevida de um Poder na esfera de atuação de outro, pois as medidas sugeridas no Projeto levariam a um encilhamento administrativo da Fazenda Pública com o Parlamento.
VETO TOTAL AO
PROJETO DE LEI Nº 259/00
(DOE de 29.12.00)
Senhor Presidente:
Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar-lhe que, respaldado na atribuição que me é conferida pelos parágrafos 1º e 2º do artigo 66 e pelo inciso VI do artigo 82 da Constituição Estadual, decidi vetar totalmente o Projeto de Lei nº 259/2000, que introduz modificações na Lei nº 8.820, de 27 de janeiro de 1989, decisão que ora levo ao seu conhecimento, com as razões de ordem constitucional, de legalidade e de conveniência administrativa que lhe deram suporte, conforme passo a demonstrar.
O projeto de lei em referência, de iniciativa deste Poder, por ocasião de sua discussão e votação por essa Egrégia Assembléia Legislativa, na Sessão Plenária de 29 de novembro próximo passado, recebeu em seu texto as alterações introduzidas pelas emendas nº 11 e nº 13, que tanto modificaram, quanto adicionaram ou suprimiram dispositivos do projeto original.
O texto aprovado por esse Parlamento dispõe primeiramente, em seu artigo 1º, sobre a redução dos atuais 17% para 12% de alíquota do ICMS nas operações com sabão em barra e papel higiênico até 31 de dezembro de 2002, introduzindo modificações no inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.820, de 27 de janeiro de 1989.
No que se refere ao seu artigo 2º, a proposta estabelece, pretendendo cumprir o disposto no inciso II do artigo 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, que o crescimento real da base de incidência do ICMS, com a conseqüente majoração da arrecadação, decorrentes do aumento da oferta de energia elétrica e terminais telefônicos, bem como dos reajustes de preços dos combustíveis e energia elétrica em índices superiores aos da inflação, servirão de base para concessão de benefícios fiscais relativos ao ICMS, nas condições previstas nessa lei e/ou regulamento, nas operações com as mercadorias ou nas prestações de serviço relacionadas em seus incisos I a XXIII, excetuadas as operações com produtos geneticamente modificados.
Quanto ao seu artigo 3º, acrescenta à lista da cesta básica o extrato e polpa de tomate, lingüiças, mortadelas, salsichas, salsichões e as embalagens, incluindo, ainda, entre as hortaliças, as verduras e as frutas frescas, já constantes da lista da referida cesta, aquelas limpas, descascadas, cortadas ou embaladas, em estado natural resfriadas ou congeladas.
No que tange ao artigo 4º, o projeto concede crédito presumido até 31 de dezembro de 2002 para as remessas para outros estados de arroz beneficiado (crédito presumido de 2%), carne e subprodutos derivados de abate de aves (crédito presumido de 5%), carne e subprodutos derivados de suínos (crédito presumido de 2%), móveis (crédito presumido de até 2%, limitado a 25% do valor do frete), óleo de soja, proteína isolada de soja, proteína texturizada de soja, lecitina de soja e gorduras vegetais de soja (crédito presumido de 5% sobre o incremento das vendas interestaduais), saídas para o território nacional de leite em pó e queijo (40% sobre o imposto devido na operação) e nas entradas de insumos, oriundos da triagem de materiais reciclados (crédito presumido pela entrada desses produtos).
No artigo 5º, a medida cria a Comissão Especial com representação da Secretaria da Fazenda Estadual, da Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser - FEE e de vários órgãos de classe, para avaliação dos efeitos da aplicação da lei oriunda da proposição parlamentar e, ainda, para elaborar relatórios semestrais ao Poder Legislativo que servirão de subsídios para a apreciação e discussão da prorrogação dos benefícios concedidos pela medida.
E, por fim, quanto ao seu artigo 6º, a proposta autoriza o Poder Executivo a conceder diferimento do pagamento para a etapa posterior, com transferência da obrigação tributária correspondente, do ICMS devido nas saídas internas promovidas por estabelecimento industrial, de aços destinados à fabricação de máquinas, aparelhos e implementos agrícolas.
Ao se efetuar o exame do Projeto de Lei nº 259/2000, na forma como aprovado por esse Parlamento, com as alterações introduzidas pelas emendas referidas, verifica-se que contempla hipóteses de renúncia de receitas, notadamente através da redução de alíquotas e concessão de crédito presumido.
Relativamente à iniciativa de leis em matéria tributária, algumas questões devem ser consideradas, pois podem atuar como impedimento à deflagração do processo legislativo ou, na hipótese concreta, de nulidade deste.
A primeira observação que se impõe diz respeito à exigência constante do artigo 165, § 2º, da Carta Federal, o qual estabelece, dentre outras providências, que a lei de diretrizes orçamentárias disporá sobre alterações na legislação tributária relativamente ao exercício financeiro subseqüente. O planejamento, por representar um dos principais predicados dos orçamentos modernos, não se limita a contemplar a despesa pública, mas abrange, com igual intensidade, a receita, que representa fenômeno financeiro de incerta ou duvidosa realização.
A lei de diretrizes orçamentárias, que orientar as ações de governo de curto prazo e prever as de médio prazo, atua como instrumento normativo que permite certa previsibilidade acerca da realização mínima da receita pública. Essas características obrigam a prévia enunciação, nas diretrizes orçamentárias, dos propósitos estatais sobre as alterações na legislação tributária a serem procedidas no próximo exercício financeiro. Neste sentido, vale lembrar que a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal, prevê em seu artigo 4º, § 2º, inciso V, que integrará o Anexo de Metas Fiscais da lei de diretrizes orçamentárias o demonstrativo da estimativa e compensação de renúncia de receita e de margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.
Acrescenta-se que o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro que a medida causará o exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois exercícios seguintes, bem como deverá atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições, previstas no referido dispositivo:
"Art. 14 - ...
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do artigo 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação no período mencionado no "caput", por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
..."
Ademais, há de se considerar a regra constante do artigo 150, § 6º, combinada com a do artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal, que prevê que qualquer regra estabelecendo incentivos, subsídios, isenções, ou redução da base de cálculo deverá ser precedida de deliberação dos Estados e do Distrito Federal, na forma prevista em lei complementar. Essa disposição se destina a prevenir a formação de desequilíbrios sócio-econômicos regionais, por força da concentração de empreendimentos de vulto em alguns Estados em detrimento dos demais. No caso, a lei complementar reclamada pela regra constitucional é a Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, que recepcionada pela Constituição Federal de 1988, estabelece em seu artigo 1º, parágrafo único e incisos, que tanto a outorga de benefícios tributários quanto a sua revogação serão procedidas através de convênios. Se a hipótese for de concessão, a rspectiva implementação dependerá, sempre, de decisão unânime dos Estados representados, em caso de revogação, total ou parcial, essa deliberação dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes (art. 2º e §§).
Frente ao exposto, verifica-se que o Projeto de Lei nº 259/2000, tal como aprovado pela Assembléia Legislativa, desfigurou a proposta de uma nova matriz tributária encaminhada por este Poder, pois os dispositivos que previam majoração de alíquotas do ICMS foram excluídos, permanecendo apenas aqueles relativos à concessão de benefícios. Com efeito, a redação original do artigo 2º da proposta do Poder Executivo previa, para fins de atender ao disposto no inciso II do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que as elevações de alíquota previstas no artigo 1º da medida serviriam de base para a concessão, nas condições previstas em regulamento, de benefícios fiscais relativos ao ICMS nas operações com as mercadorias ou nas prestações de serviço elencadas em seus incisos I a XXIII.
Vale informar que a proposta deste Executivo permitiria um acréscimo arrecadatório de cerca de R$ 300.000.000,00 ao ano. O texto aprovado pelo Legislativo Estadual não contém as medidas compensadoras da perda de receita proveniente dos benefícios fiscais concedidos e, portanto, não atende às regras relativas à renúncia de receita estabelecidas no artigo 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000. As regras da legislação complementar foram desrespeitadas com as alterações oriundas das emendas parlamentares, eis que as medidas de compensação para a renúncia fiscal previstas na norma federal devem ocorrer através de aumento de receita, por meio de elevação de alíquotas, da aplicação da base de cálculo, da majoração ou criação de tributo ou contribuição.
O projeto do Poder Executivo não apenas consignava expressamente medidas de compensação por intermédio de aumento de receita, proveniente de aumento de alíquotas de certos produtos, de modo seletivo, como remetia para regulamento a concessão dos benefícios fiscais.
O conceito de "crescimento real da base de incidência do ICMS, decorrente do aumento da oferta de energia elétrica e terminais telefônicos, bem como dos reajustes de preços dos combustíveis e energia elétrica em índices superiores ao da inflação", evento incerto e de impossível definição legal do impacto no momento da definição da medida compensatória não se afeiçoa à previsão legal.
Daí resulta não apenas a ilegalidade, à luz do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, das renúncias tributárias prevsitas nos artigos 1º, 2º, incisos I a XXIII, 3º, 4º e 6º do Projeto de Lei nº 259/2000, como também a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º, incisos I a XXIII, 3º e 4º, frente ao artigo 150, § 6º, da Constituição Federal.
Por fim, a criação e o cometimento de atribuições à Secretaria da Fazenda e à Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser - FEE, nos termos do artigo 5º do projeto, afigura-se como inconstitucional, por ferir a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, indelegável e intransferível, bem como impassível de convalidação pela inobservância das disposições constitucionais.
O Projeto de Lei nº 259/2000 não merece sanção por pretender dispor sobre matéria não afeta ao Legislativo que, avançando sobre prerrogativas essenciais do Poder Executivo, interfere na rotina interna da Administração Estadual e fere, por conseqüência, o princípio da independência e harmonia dos Poderes do Estado, inscrito tanto no artigo 2º da Carta Federal quanto no artigo 5º da Carta Estadual.
Então, como a proposição ora examinada implica em submeter o Poder Executivo a limitações e interditos à prática de atos típicos de gestão financeira, o veto se impõe como meio de evitar a ingerência indevida de um Poder na esfera de atuação de outro, eis que a medida institui encilhamento administrativo da Fazenda Pública Estadual, com o Parlamento adentrando nas competências privativas do Governador do Estado e esbarrando nos comandos dos artigos 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea "e", e 84, incisos II e VI, da Constituição Federal, bem como dos artigos 60, inciso II, alínea "d", e 82, incisos II e VII, da Constituição Estadual.
Diante das razões expostas, não me resta outra alternativa senão vetar na íntegra o Projeto de Lei nº 259/2000, por inconstitucionalidade manifesta, ilegalidade e inconveniência administrativa, oportunidade em que submeto a matéria ao reexame desse Egrégio Poder, na certeza de que os nobres parlamentares, conhecendo dos motivos que me levaram a não sancionar a proposta, reformularão seu posicionamento.
Ao ensejo, renovo-lhe minhas saudações.
Olívio Dutra
Governador do Estado
Excelentíssimo Senhor Doutor Otomar Vivian
Digníssimo Presidente da Assembléia Legislativa
Palácio Farroupilha
NESTA CAPITAL