IMPORTAÇÃO -
DESEMBARAÇO DA MERCADORIA EM OUTRO ESTADO
Operação Subseqüente Destinada a Outra Unidade Federada
RESUMO: O Fisco Paranaense esclarece, através da resposta à consulta a seguir exposta, o procedimento utilizado no caso de importação de mercadoria, cujo desembaraço ocorra em outra Unidade Federada.
CONSULTA Nº 45/98
SÚMULA: ICMS. Importação por contribuinte paranaense. Mercadoria desembaraçada em porto ou aeroporto de outra unidade da Federação. Operação subseqüente com destinatário estabelecido em unidade da Federação diversa.
A consulente informa que no exercício de suas atividades importa mercadorias do exterior que tem como destinatário final clientes estabelecidos em outras unidades da Federação. Estas mercadorias quando não tiverem de sofrer qualquer processo de industrialização ou de beneficiamento poderão ser remetidas diretamente do porto ou aeroporto de desembaraço para o cliente destinatário final, podendo ser, inclusive, estabelecido em Estado diverso tanto da consulente quanto donde aportou proveniente de outro país.
Entende a consulente, fundamentada no Art. 11, I, "d", da Lei Complementar nº 87/96, de que se ela importar mercadorias e, após o desembaraço aduaneiro, a destinar diretamente do porto (ou aeroporto) localizado em qualquer Estado da União, para um cliente localizado em outro Estado que não o Paraná:
a) o ICMS será devido ao Estado onde estiver localizado o cliente, destinatário da mercadoria (entrada física);
b) o imposto assim recolhido será creditado no Livro Registro de Entrada da consulente, através de nota fiscal que documentar a entrada;
c) o ICMS destacado na nota fiscal de venda da mercadoria emitido pela Consulente para acompanhar a mercadoria ao cliente será devido e recolhido ao Estado do Paraná.
RESPOSTA
A matéria em análise, em primeiro plano, temos no texto da Constituição de 1998:
"Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir imposto sobre:
I - ...
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
...
IX - iniciará também:
a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço:
XII - cabe à lei complementar:
a) definir seus contribuintes;
b) dispor sobre substituição tributária;
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
d) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços;
e) excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, "a";
f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados."
Assim, em razão do disposto no Art. 155, § 2º, XII da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, veio dispor:
"Art. 11 - O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:
I - tratando-se de mercadoria ou bem:
d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;"
Neste texto é que a consulente fixa seu entendimento.
O autor Roque Antônio Carrazza, na obra ICMS, 3ª edição, "revista e ampliada, de acordo com a Lei Complementar nº 87/96", aborda esta matéria no Capítulo II, "O ICMS NA CONSTITUIÇÃO", título 2.7 - Tributação das importações de bens, pág. 49:
"Aqui chegados, convém dizermos que o ICMS é exigível "ainda que as operações se iniciem no exterior" (art. 155, II, "in fine", da CF).
O art. 155, § 2º, IX, "a", do mesmo Diploma Supremo reforça esta idéia: "Art. 155. (...) § 2º. (...) IX - incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento (...), cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria (...)".
Note-se que o ICMS, de regra, é devido no Estado em que a operação mercantil se dá (isto é, no Estado onde está localizado o estabelecimento industrial, comercial ou produtor, de onde a mercadoria sai, por força de uma operação mercantil realizada).
Pouco importa se o destinatário da mercadoria está situado no mesmo ou em outro Estado. O ICMS será devido, sempre, ao Estado onde a operação mercantil se iniciou.
No caso, porém, da operação mercantil haver ocorrido no exterior (ou, na atécnica dicção constitucional, haver se iniciado no exterior) inverte-se a diretriz: o ICMS é devido ao Estado (ou ao Distrito Federal) onde está localizado o destinatário final da mercadoria.
O fato imponível do ICMS agora ocorre, por injunção constitucional (e, não, simplesmente porque a lei ordinária assim dispôs), com a entrada da mercadoria importada do exterior."
E, após outras digressões continua:
"Voltemos, porém, à idéia central, para que ela não se perca: cabe ICMS nas importações de mercadorias ou bens.
Já vimos que o tributo é devido, nestes casos, à pessoa política (Estado ou Distrito Federal) onde estiver localizado o destinatário do bem.
Nenhuma entredúvida pode surgir quando o destinatário do bem está localizado no próprio Estado onde se deu o desembaraço aduaneiro.
Dúvidas, porém, emergem quando importador encontra-se estabelecido em Estado diverso onde se deu o desembaraço aduaneiro.
A situação ainda mais se complica quando a destinação final dos bens importados for um terceiro Estado.
Só para equacionarmos o problema, figuremos a seguinte hipótese: o desembaraço aduaneiro dá-se no Estado A; o estabelecimento importador está situado no Estado B; o bem importado vai ter a um estabelecimento, este localizado no Estado C.
A qual dos Estados é devido o ICMS? Àquele onde se deu o desembaraço aduaneiro? Àquele onde está situado o estabelecimento do importador? Ou àquele onde os bens importados afinal chegam?
Cremos que o ICMS é devido à pessoa política (Estado ou Distrito Federal) onde estiver localizado o estabelecimento do importador.
Pouco importa se o desembaraço aduaneiro deu-se noutro Estado. O desembaraço aduaneiro, no caso, é apenas o meio através do qual a importação se deu. O que a Constituição manda considerar para fins de tributação por via de ICMS é a localização do estabelecimento que promoveu a importação do bem.
Em favor de nossa tese temos o seguinte argumento: a importação válida é a que se verifica na repartição aduaneira. Do contrário, caímos no crime de contrabando. Realmente, só nos portos e aeroportos internacionais, onde se encontram lotados funcionários da Receita Federal, é que pode dar-se o desembaraço de mercadorias e bens importados do exterior.
Ora, há Estados-membros da Federação brasileira que não têm portos nem aeroportos internacionais.
A prevalecer a tese de que o ICMS é devido ao Estado onde se deu o desembaraço aduaneiro, alguns Estados da Federação brasileira nunca ficariam com o tributo. Por que? Simplesmente porque em seus territórios não há condições jurídicas para que este desembaraço ocorra.
Com isso, o Estado do Piauí, por exemplo, nunca poderia ficar com o ICMS advindo desta importação, ainda que a empresa importadora esteja sediada em seu território. Sim, porque o desembaraço aduaneiro sempre se dará em outro Estado da Federação.
Estaríamos, aí, diante de uma situação paradoxal, que não podemos aceitar, até em homenagem ao princípio federativo.
Logo, o entendimento de que o ICMS é devido ao Estado onde se dá o desembaraço aduaneiro não é o melhor, justamente porque pode levar a conclusões insubsistentes.
É o caso de lembrarmos que o bom senso não é incompatível com o direito. Pelo contrário, é um valor que deve ser considerado na solução de impasses, antinomias e litígios.
Assim, pensamos que, no caso, o ICMS é devido ao Estado-membro onde está situado o estabelecimento importador do bem, ainda que o desembaraço aduaneiro se dê em outro Estado-membro.
E como ficamos se a mercadoria importada pela empresa X é imediatamente repassada para a empresa Y, localizada num terceiro Estado-membro?
Não vemos, aí, maiores problemas: o ICMS é devido, pela empresa X, ao Estado onde ela estiver localizada. E um novo ICMS por ela será devido em decorrência do novo negócio jurídico praticado com a mesma mercadoria (agora com a empresa Y)."
O autor José Cretella Júnior, em sua obra Curso de Direito Tributário Constitucional, Ed. Forense Universitária, 1993, pg. 186, tópico 106. Entrada de mercadoria importada, também coloca a questão:
O dispositivo comentado torna o Estado-membro, onde se localiza o estabelecimento destinatário, o beneficiário pela incidência ocorrida.
Se determinado estabelecimento, localizado, no Brasil, no Estado "A", importa produto, depositado, de passagem, em armazém situado no Estado "B", esse fato, por si só, não retira do Estado "A", importador, o direito à incidência, nem permite ao Estado "B" a cobrança do ICMS, sendo, assim, o fato gerador do tributo a entrada da mercadoria no estabelecimento do destinatário e não, de modo algum, a entrada da mercadoria no Brasil.
Sobre as questões jurídicas que envolvem a matéria questionada, manifestou-se a Procuradora Geral da Fazenda Nacional, Ministério da Fazenda, em Parecer PGFN/CAT/nº 1.093/97 da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o qual reproduzimos:
"A Secretaria-Executiva da Comissão Técnica Permanente do ICMS-COTEPE/ICMS, encaminha questionamento referente à incidência do ICMS na importação de mercadorias ou bens, através do Memorando nº 36, de 12 de maio de 1997. O pleito veio a atender requerimento formulado durante a realização da 88ª Reunião Ordinária da COTEPE/ICMS, sendo solicitada manifestação desta procuradoria-geral quanto aos seguintes aspectos:
"a) ...;
b) qual o exato entendimento da expressão "entrada física" de que trata a alínea "d", inciso 11, da LC nº 87/96, ante sua omissão no Capítulo próprio da Constituição Federal (art. 155, § 2º, IX, "a"); (grifo nosso)
c) ...
2. Como se pode observar os assuntos tratados são absolutamente diversos e serão abordados separadamente. No que diz respeito aos questionamentos constantes nos itens "a" e "c", os mesmos foram enviados aos órgãos técnicos pertinentes para análise (Ministério das Comunicações e Secretaria da Receita Federal, respectivamente). Somente após essa análise é que ditos questionamentos serão examinados por esta Procuradoria-Geral.
No momento está sendo objeto de estudo apenas o disposto no item "b".
3. A razão do pedido de manifestação do assunto sob estudo se prende a divergência de interpretação do dispositivo Constitucional constante do art. 155, § 2º, IX, "a", pelos Entes Federativos, tendo em vista a guerra tributária travada entre eles. Querem alguns a institucionalização da "entrada física" como elemento definidor da unidade da Federação que recolhera, a seus cofres, o valor do imposto devido na importação. Tentativa de introdução desse entendimento foi efetivada por intermédio do Convênio ICMS nº 3/94, de 29 de março de 1995. Este Convênio, em suposta harmonia com o disciplinado na CF, estabelecia que, na operação de importação de bem e mercadoria destinada a unidade federada diversa do domicílio do importador, o ICMS caberia ao Estado da destinação física do produto, devendo ser recolhido pelo importador em favor da unidade federada para a qual tenha sido destinada a correspondente importação. Entretanto, tendo em vista a dificuldade de implementação do citado Convênio e a não uniformidade de entendimento entre os Estados, veio ele a ser revogado pelo Convênio ICMS nº 2/95, de 4 de abril de 1995.
4. Com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996 que, a teor de sua ementa, dispõe sobre o Imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, a disputa se acirrou em função do contido no art. 11, I, "d". Daí decorre a necessidade da sistematização da matéria, como adiante será feito.
5. Não podemos concordar com o entendimento já manifestado através do referido Convênio ICMS nº 3/94, em virtude do que está insculpido no próprio texto Constitucional.
Para melhor visualização do conteúdo do que aqui se discute mister se faz a transcrição dos dispositivos legais pertinentes. A CF disciplina o ICMS determinando no inciso IX do § 2º do art. 155, que o imposto "incidirá também":
"a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço;" (os grifos não são do original)
6. A tarefa do intérprete consiste em desnudar o conteúdo da norma, valendo para tanto todas as considerações e pontos de vista que concorram ao esclarecimento do caso concreto. O ponto que se nos afigura central da questão está exatamente delimitado pela parte grifada, ou seja, a quem cabe o imposto cobrado na importação. Ora, nos parece claro o dispositivo constitucional: onde estiver situado o estabelecimento destinatário. E onde está situado este estabelecimento? Este é o tema que nos cabe desvendar.
7. O imposto incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias. O termo "operações" já foi estudado por diversos doutrinadores e é pertinente frisar que dos diversos elementos que integram a regra-matriz do ICMS sobre as operações mercantis, o mais importante é o fato jurídico que pode desencadear a obrigação de pagar o imposto. Com efeito, embora exista a possibilidade do entendimento da expressão em termos econômicos ou físicos, somente pode ser levado em consideração, para fins de tributação, o fato jurídico. Manifestações a respeito encontramos nos doutrinadores abaixo, dentre outros:
"Os diversos elementos integrantes da regra-matriz de incidência do ICMS (na mesma diretriz do antigo ICM), devem ser analisados e aplicados de modo coerente e harmônico, para poder se encontrar a essência tributária: em especial a materialidade de sua hipótese de incidência.
Operações configuram o verdadeiro sentido do fato juridicizado, a prática de ato jurídico como a transmissão de um direito (posse ou propriedade).
Geraldo Ataliba e Cleber Giardino analisaram o significado de "operações", que, embora possam ser compreendidas num sentido econômico, num sentido físico, ou num sentido jurídico, para o intérprete do Direito só interessa o sentido jurídico.
Esclarecem os autores:
"Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações."
Preleciona Paulo Barros de Carvalho que "operações, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios hábeis para provocar a circulação de mercadorias. Adquire, neste momento, a acepção de toda e qualquer atividade, regulada pelo Direito, e que tenha a virtude de realizar aquele evento", acrescentando que "...soa estranho, por isso mesmo, que muitos continuem a negar ao vocábulo "operações" a largueza semântica peculiar das "operações jurídicas" para entendê-lo como qualquer ato material que anime a circulação de mercadorias. Eis aqui o efeito jurídico sem a correspondente causa jurídica, a eficácia do Direito desvinculada de algo investido de juridicidade" (Melo, J. Eduardo de - ICMS - Teoria e Prática, 2ª ed. Ed. Dialética, São Paulo, 1996, págs. 13 e 14).
"Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadoria.
É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e, não, meramente física)" (Carrazza, Roque Antônio - ICMS, 2ª ed., Ed. Malheiros, São Paulo, 1995, pág. 23).
8. Fica evidente que o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço é aquele que efetivamente praticou o fato jurídico, ou seja, aquele que realizou a importação. É irrelevante que a entrada das mercadorias tenha se dado em Estado diverso. Um importador no Estado A pode efetivar importações através de Porto situado no Estado B. O imposto sempre será devido ao Estado destinatário, no caso, o Estado A. E não há o que se falar também nas operações casadas, v.g., aquelas em que as mercadorias, no exemplo citado, sejam diretamente remetidas a um terceiro, no Estado C. As duas operações possuem elementos diversos. A primeira tem como contribuinte o importador e o imposto é devido ao Estado A (art. 4º, parágrafo único, I, da LC 87/96 - "Parágrafo Único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade: I - importe mercadorias do exterior ainda que as destine a consumo ou ao ativo permanente do estabelecimento;"), e por fato gerador o desembaraço aduaneiro (art. 12, inciso IX, da LC 87/96 - "Art. 12 - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: ...IX - do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas do exterior;"). Já a segunda tem por contribuinte a empresa que realiza a circulação de mercadoria (caput do art. 4º), desta feita para outra unidade da Federação, tendo por fato gerador a transmissão de propriedade nos termos do inciso IV do art. 12.
9. Ora, como se pode ver a LC 87/96 já disciplinou todos os aspectos pertinentes às operações de importação.
Não podemos olvidar que as operações de trocas internacionais necessitam de flexibilidade a fim de possibilitar operacionalização do mercado. A mercadoria ao entrar, mesmo que não fisicamente, no estabelecimento situado no Estado destinatário da importação tem amparo documental. Em assim sendo, é necessário que este estabelecimento emita uma nota fiscal de entrada e, sendo uma operação casada, onde a mercadoria já é transferida a terceiro, também uma nota fiscal de saída. Cada qual contendo o imposto devidamente destacado e recolhido. É a própria LC que assim o determina, ex vi do § 2º do art. 12, verbis:
"§ 2º - Na hipótese do inciso IX, após o desembaraço aduaneiro, a entrega, pelo depositário, de mercadoria ou bem importados do exterior deverá ser autorizada pelo órgão responsável pelo seu desembaraço, que somente se fará mediante a exibição do comprovante de pagamento do imposto incidente no ato do despacho aduaneiro, salvo disposição em contrário."
10. Não é cabível que os efeitos jurídicos da importação fiquem condicionados ao ingresso físico da mercadoria no estabelecimento destinatário, para que, então, seja fixado a qual Estado é devido o imposto. A circulação que interessa ao legislador é meramente jurídica. É imperioso observar que a operação de entrada e de saída são completamente distintas e como tais devem ser tratadas.
11. Não há como trasladar a figura do contribuinte descrita na LC (importador) e o momento da concretização da hipótese incidência (desembaraço aduaneiro), para um terceiro evento (entrada física), que não possui relevância jurídica, a não ser através de razoável interpretação dos dispositivos da LC 87/96, como adiante será levado a efeito.
12. O art. 11 da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, estabelece que o "local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:
I - tratando-se de mercadoria ou bem:
...
d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física:"
13. Pode parecer, num primeiro momento, que a LC está em desacordo com o estabelecido na CF, pois, uma vez que a Carta Magna define a qual Estado cabe a competência do imposto (Estado destinatário) e que, como já vimos, este Estado pode não ser o mesmo da entrada física, a LC estaria possibilitando que o Estado onde está situado o importador abrisse mão de sua competência tributária, deferindo-a ao Estado do destino físico. Ora, sabemos que este entendimento não é possível. A competência tributária é indelegável, nos termos do art. 7º do CTN. Também sabemos que o não-exercício da competência tributária, por parte de um sujeito, ativo, não a defere a outra pessoa jurídica de direito público, diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído (art. 8º do CTN).
14. Mesmo considerando-se possível esta antinomia, ela facilmente poderia ser resolvida por critérios de hierarquia. No entanto, não nos parece que assim seja. A antinomia aqui é meramente aparente. Este tipo de antinomia "é aquela que permite a conciliação entre os dispositivos antinômicos, ainda que pelo que se denomina "interpretação corretiva", ao passo que a antinomia real é aquela que, de forma alguma permite essa conciliação, daí decorrendo a necessidade de se adotar a chamada "interpretação abrogante", pela qual ou o intérprete elimina uma das normas contraditórias (abrogação simples) ou elimina as duas normas contrárias (abrogação dupla). Dessas três soluções, a que se deve ser preferida - só sendo afastada quando de forma alguma possa ser utilizada - é a interpretação corretiva, que conserva ambas as normas incompatíveis por meio de interpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a incompatibilidade." Esta é a lição que abstraímos dos ensinamentos do Ministro Moreira Alves no HC nº 68793-8.
15. Nessa linha de raciocínio, adotando-se a aludida "interpretação corretiva", sem buscar resolver o empasse através de critérios hierárquicos, procurando compatibilizar os dispositivos, temos que o que está disposto no art. 11 deve ser entendido apenas para fixação de responsabilidade. Na verdade, o imposto é devido no momento do desembaraço aduaneiro (geralmente no porto ou no aeroporto) e deve ser recolhido ao Estado da localização do importador, aquele que juridicamente promoveu a entrada dos bens ou mercadorias no território nacional (Estado destinatário da importação).
16. A figura da responsabilidade aparece no cenário do direito tributário por diversos fatores que são definidos pelo legislador ao fixar a sujeição tributária. Após a definição do fato gerador (desembaraço de mercadoria) e, naturalmente, localizar a pessoa que deve ocupar o polo passivo da obrigação tributária na condição de contribuinte (importador), o legislador pode ignorar ou não esse personagem elegendo como sujeito passivo outra pessoa. Esse terceiro não participa do binômio fisco-contribuinte. A eleição desse terceiro decorre de razões que vão da conveniência até a necessidade. Existem situações em que a única via possível para tornar eficaz a incidência do tributo é a eleição do terceiro responsável. Temos três espécies de responsabilidade: a responsabilidade por substituição, a por transferência e a por solidariedade. Diz-se responsável por substituição aquele que já figura no polo passivo no lugar do contribuinte. Na responsabilidade por transferência o terceiro recebe essa atribuição em razão de algum evento (como, por exemplo, a sucessão). Por fim, temos a responsabilidade solidária, onde o terceiro assume a sujeição passiva, geralmente por omissão no dever de diligência, ou seja, o terceiro só assume a obrigação no caso de o contribuinte deixar de cumprir a sua, e caber ao terceiro a tomada de alguma providência (como, por exemplo, o recebimento de mercadoria importada desacompanhada da documentação que comprove sua entrada regular no País).
17. Cremos que é este o tipo de responsabilidade a que se refere a LC 87/96. O estabelecimento onde se verificar a entrada física da mercadoria só assume a obrigação de pagar o imposto quando deixar de adotar alguma providência a que esteja obrigado por lei. Se isto ocorrer, a lei o responsabiliza solidariamente no que respeita ao cumprimento do dever de recolher o tributo.
18. Ex positis, é o presente para concluir:
a) destinatário da mercadoria ou do bem, na importação, é o próprio estabelecimento importador, cujo domicílio fiscal define a unidade da Federação competente para cobrar o ICMS nessa operação; (grifo nosso)
b) a designação contida na alínea "d" do inciso I do art. 11 da Lei Complementar nº 87/96, simplesmente determina a fixação de responsabilidade tributária, de que tratam os arts. 121 a 134 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966). (grifo nosso)
À consideração superior.
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, 09 de julho de 1997."
Desta forma, equivocado é o entendimento da consulente, haja vista que o imposto é devido à unidade da Federação onde estiver o estabelecimento que promover a importação, se o seu procedimento for diverso, deverá ser adequado à esta resposta, tendo o prazo de quinze dias para tal, na forma do contido no art. 607 do RICMS.
Setor Consultivo, em 20 de fevereiro de 1998.
Flavio Deffert
Relator
Antonio Spolador Jr
Coordenador em Exercício