PRONUNCIA E SUA NULIDADE


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL
PROCESSO N º 699 382 792

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO




Do recurso

JASP recorre da sentença que o pronunciou por tentativa de homicídio simples. Alega haver agido em defesa própria e de terceiros, sem ânimo de matar. Pretende a absolvição sumária ou a desclassificação do delito. A Promotoria discorda e requer seja mantido o julgado.

Da pronúncia

Vênia da eminente Dra. Juíza que a prolatou, a sentença recorrida padece de vício que a inquina de irremediável nulidade. Relativamente às teses da defesa, limita-se a afirmar a existência de dúvida sobre a excludente, mas sem indicar os elementos de convicção correspondentes ao convencimento expressado. Faz o mesmo no que concerne à alegação de ausência de dolo homicida.

Em um sistema que adota o princípio do "livre convencimento", a pronúncia, na mesma linha dos demais atos decisórios do Poder Judiciário, deve ser fundamentada. A garantia do devido processo legal pressupõe que as decisões judiciais sejam fundamentadas. Imperioso, pois, que o juiz dê os motivos de seu convencimento e declare o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu (art. 408 e seu § 1º, do CPP), devendo fazê-lo com explícita referência aos elementos de adequação entre os fatos revelados no processo e o reconhecimento típico pronunciado, no que se inclui a autoria. A pronúncia confirma a tipicidade e mantém o indício de antijuridicidade. Admite o injusto penal e encaminha o réu a julgamento pelo Júri.

Trata-se, pois, de ato decisório, que precisa, ainda que sucinta, mas com suficiência, explicitar as razões do convencimento, de modo a permitir que as partes e o Tribunal as conheçam. Mesmo que deva exará-la em termos sóbrios e comedidos para não exercer qualquer influência no ânimo dos jurados, o juiz não está autorizado a deixar de fundamentar, a deixar de exteriorizar as razões que o levaram à decisão. Não é dado ao julgador apenas afirmar que existe prova suficiente do fato ou da autoria, lembra Mirabete. Sempre, é imperativo demonstrar a sua convicção mediante a análise da prova constante dos autos. A motivação exerce função de defesa do cidadão contra o arbítrio do juiz e também de garantia para o Estado, pois interessa a este que sua vontade superior seja exatamente aplicada e se administre corretamente a justiça (Heleno Fragoso, in A motivação da sentença na aplicação da pena, Justitia, 65/23).

Na espécie, porque a sentença nada diz a respeito dos elementos de convicção sobre os quais desenvolveu-se o raciocínio de pronúncia, as fontes de convencimento de que se valeu a ilustre Dra. Juíza só podem ser conhecidas pela Superior Instância mediante detalhada leitura de cada folha dos autos, e, sendo isto preciso fazer, é porque violado está o princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da CF). Na verdade, a sentença, pela absoluta falta de fundamentação, poderia ser colada em qualquer outro feito que envolvesse a mesmas teses defensivas, na medida em que não se fez especificada ao fato denunciado nem às provas colhidas na instrução.

Toda a vez que houver infringência a princípio ou norma constitucional- processual, que desempenhe função de garantia, o ato processual inconstitucional, quando não juridicamente inexistente, será sempre absolutamente nulo, sanção que decorre da própria Constituição ou dos princípios gerais do ordenamento, devendo a nulidade ser decretada de ofício, independentemente de provocação da parte interessada. É que as garantias constitucionais- processuais, ainda que aparentemente postas em benefício da parte, visam em primeiro lugar ao interesse público na condução do processo segundo as regras do devido processo legal (Ada Pellegrini Grinover, Nulidades do Processo Penal, p. 21).

Do parecer

Diante do exposto, salientando que não é caso de fundamentação deficiente ou sucinta, mas de ausência de motivação, com evidente prejuízo à Defesa, o parecer do Ministério Público é pelo provimento do recurso, ao efeito de ser anulada a sentença de pronúncia, ex vi do art. 564, III, m, c/c o art. 381, III, ambos do CPP.


Porto Alegre, 13 de setembro de 1999.

CARLOS OTAVIANO BRENNER DE MORAES,
Procurador de Justiça.