Acórdão na Íntegra |
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APELAÇÃO CRIME N° 118.787-9, DE CASCAVEL - 1ª VARA CRIMINAL
APELANTES: PEDRO MACANHÃO SOBRINHO E OUTRO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: JUIZ CONV. MIGUEL KFOURI NETO APELAÇÃO CRIME - CRIMES DE RECEPTAÇÃO SIMPLES E QUALIFICADA, ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR - PORTE ILEGAL DE ARMA - CONDENAÇÃO - NÃO CONFORMISMO DOS ACUSADOS - NULIDADES NÃO CONFIGURADAS - CONDENAÇÃO CORRETA - PENA EXACERBADA - ADEQUAÇÃO. 1. Nenhum reparo há que ser feito na sentença que, após regular procedimento criminal, condena os denunciados assentando-se em sólido conjunto probatório. 2. Apelo provido em parte, tão-somente para reduzir as penas aplicadas aos denunciados, tendo em vista a existência de apenas uma circunstâncias judicial desfavorável. I - RELATÓRIO VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 118.787-9, de Cascavel, em que são apelantes Pedro Macanhão Sobrinho e Edenir Macanhão e apelado o Ministério Público do Estado do Paraná. 1. Em data de 19 de março de 2001, Pedro Macanhão Sobrinho e Edenir Macanhão foram denunciados perante o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Cascavel, como incursos nas sanções do artigo 180 caput e §§ 1º e 2º e artigo 311, ambos do Código Penal; artigo 12 da Lei 6368/76 e artigo 10 da Lei 9437/97, todos c/c os artigos 29 e 69, do Código Penal, pelos fatos assim descritos na inicial acusatória: Consta no presente inquérito policial que os denunciados PEDRO MACANHÃO SOBRINHO, EDENIR MACANHÃO, pai e filho, cientes da reprovabilidade de suas condutas, e adredemente pactuados, com a união de desígnios e, associaram-se para o fim de cometer crimes nesta cidade e comarca. Relata o presente caderno investigatório que em data de 06 de março de 2001, policiais civis lotados junto a 15ª SDP local, receberam informações através de telefonema anônimo, de possível prática de ilícitos em uma fazenda localizada às margens da BR 277, de propriedade do denunciado PEDRO MACANHÃO SOBRINHO. De posse de tal informação, na manhã do dia 07 de março do corrente ano, os policiais civis José Edison Neres, Marco Aurélio Ribeiro Zandoná, Investigador Sílvio e Miguel Zanela, dirigiram-se até a referida fazenda, localizada no Km 601 da BR 277, pertencente a esta cidade e comarca, ocasião em que lograram êxito em apreendê-lo em flagrante delito, os denunciados PEDRO MACANHÃO SOBRINHO e EDENIR MACANHÃO, porque, ciente da reprovabilidade da conduta, e um aderindo a vontade ilícita do outro tinham, dolosamente, em depósito 376 (trezentos e setenta e seis) galões de 18 litros de tinta coral, que foram objetos de furto em data de 12/12/00, consoante boletim de ocorrência de fls. 52/53 que os denunciados teriam adquirido e tinham em depósito, em proveito próprio ou alheio, cientes que tratava-se de produto de crime. Consta que além do produto ilícito acima referido, os denunciados PEDRO MACANHÃO SOBRINHO e EDENIR MACANHÃO mantinham em sua propriedade sob sua administração, peças de veículo automotores que os denunciados, ciente da reprovabilidade da conduta, e um aderindo a vontade ilícita do outro, adulteraram, dolosamente, em seus sinais identificadores. Dentre as peças, apreendidas por ocasião do flagrante constam os seguintes, consoante auto de apreensão de fls. 15/17: 01 (uma) caixa de câmbio, aparentando ser de uma camioneta do tipo F-1000, que conforme consta do Laudo pericial de fls. 94/97, verificou-se evidentes sinais de adulteração do sinal identificador, que evidentemente suprimiu a inscrição da série original; 01 (uma) Cabine de Camioneta da marca Ford, modelo F250, de cor azul, ano 1999 que conforme consta do Laudo pericial de fls. 94/97, verificou-se que não foi encontrada qualquer caractere gravado na lataria, nos vidros, plaquetas ou em etiquetas adesivas, que permitissem identificar o chassi do veículo a que pertencia. 01 (um) chassi aparentando ser de uma camioneta que conforme consta do Laudo pericial de fls. 94/97, verificou-se evidentes sinais de adulteração do sinal identificador, que evidentemente suprimiu a inscrição da série original do chassi; Consta que além dos objetos acima mencionados, ainda fora encontrado na referida fazenda: um par de placas AGZ-2849, que submetido a checagem constatou-se ser de um veículo camioneta furtada nesta cidade em 19 de fevereiro do corrente ano, consoante boletim de ocorrência de fls. 74. Além de outras peças de veículo automotor, tais como um volante, lanternas e faróis de um veículo Eclipse, lentes de lanternas de um veículo Tempra e de um veículo camioneta F-1000, um módulo de air-bag, um miolo de fechaduras de um veículo sem identificação, quatro fechaduras de veículo, um módulo de injeção, uma antena elétrica, um tampão de veículo com 04 auto falantes, três antenas de veículo, dois módulos de alarme, duas buzinas, um toca CD Pionner sem frente do aparelho, um toca CD marca Volkswagen, um toca fitas marca Honda, uma frente de toca fitas da marca Alpine, uma frente de Toca fitas da marca Pionner, um amplificador da marca Full Power, um amplificador da Marca Pionner, um magazine para CD marca Pionner, um módulo marca Maximum, um módulo marca Alpine, dois aparelhos anti radar, conforme auto de apreensão de fls. 15/17, que os denunciados EDENIR MACANHÃO e PEDRO MACANHÃO SOBRINHO, cientes da reprovabilidade da conduta, e um aderindo a vontade ilícita do outro detinham e ocultavam, dolosamente, em proveito próprio ou alheio, cientes que tratava-se de produto de crime. Em razão da enorme quantidade de peças desmontadas encontradas ocultadas no interior do barracão existente na fazenda que denunciados, tinham em depósito em proveito próprio ou alheio, cientes que tratavam-se de produtos de crime, a autoridade policial deu voz de prisão em flagrante, determinando busca e apreensão na residência sede da referida fazenda. Consta que em diligência de busca no interior da sede da fazenda dos denunciados a autoridade policial veio a encontrar 04 recipientes próprios para filmes de máquina fotográfica, contendo no seu interior 115 gramas da substância entorpecente denominada cocaína, e um invólucro feito com fita adesiva contendo no seu interior 110 gramas de substância entorpecente denominada cocaína, causadora de dependência física e psíquica, conforme auto de constatação provisório de fls. 35, de uso proscrito no Brasil, por portaria do DIMED, apreendida através do auto de apreensão de fls. 15/17, que os denunciados EDENIR MACANHÃO e PEDRO MACANHÃO SOBRINHO cientes da reprovabilidade da conduta, e um aderindo a vontade ilícita do outro, com a vontade livre e consciente, detinham em depósito, com o propósito de comercialização ilícita, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal, com o propósito de comercialização ilícita. Ainda no interior da referida sede, fora encontrado pela autoridade policial, 10 cartuchos intactos calibre 22 e 28 cartuchos intactos 9 mm, uma carabina da marca CBC, calibre 22, número de série 01718, uma espingarda da marca CBC, calibre 12, número de série 084544, armas de fogo esta que os denunciados EDENIR MACANHÃO e PEDRO MACANHÃO SOBRINHO, cientes da reprovabilidade da conduta, e um aderindo a vontade ilícita do outro, mantinham consigo sob sua guarda, sem a devida autorização legal ou regulamentar. (Auto de Exibição e Apreensão de fls. 15/17 e Laudo Pericial de eficácia e prestabilidade de fls. 110/114). Dando continuidade às diligências, fora encontrado dentro de um cofre existente na sede da fazenda dos denunciados EDENIR MACANHÃO e PEDRO MACANHÃO SOBRINHO, 03 (três) chaves artesanalmente feitas em folhas de serras, conhecidas por gazuas ou michas, 01 (um) vidro contendo em seu interior seis barras de sabão de cor azul, utilizadas como moldes de chaves de veículos e 245 (duzentos e quarenta e cinco) chaves (apreendidas no auto de apreensão fls. 15/17) sendo que 21 (vinte e uma) eram virgens; 208 (duzentos e oito) chaves cópias de diversas marcas sendo que 189 (cento e oitenta e nove) delas encontravam-se etiquetadas contendo os dados dos veículos indicados no relatório de fls. 22 e 130/177, que certamente seriam destinadas para a subtração dos veículos automotores referidos na identificação, haja vista que conforme depoimentos de fls. 67/72, determinadas chaves davam acesso aos veículos dos declarantes. Ainda no interior do referido cofre fora encontrado 3 folhas de cheques pertencente a conta nº 39190-3, da Agência do Banco Itaú, desta cidade e comarca, de titularidade da Sra. Rejane Cristina Destro, os quais foram objetos de furto em data de 23/06/95, consoante boletim de ocorrência de fls. 65/66, que os denunciados EDENIR MACANHÃO e PEDRO MACANHÃO SOBRINHO, detinham e ocultavam em proveito próprio ou alheio, ciente que tratava-se de produto de crime (fls. 03/09). Instaurada a ação penal em 26 de março de 2001 (fls. 221), o processo seguiu seus regulares termos. Finda a instrução criminal, prolatou o Dr. Juiz de Direito a decisão de fls. 1317/1357, julgando parcialmente procedente a denúncia para condenar os acusados nas sanções dos artigos 180 caput e §§ 1º e 2º e 311, do Código Penal e artigo 10 da Lei 9437/97 c/c o artigo 69 do Código Penal, absolvendo-os da imputação do delito descrito pelo artigo 12 da Lei 6368/76, por insuficiência de provas, conforme disposto pelo artigo 386, inciso VI do Código de Processo Penal. Fixou a pena do réu Pedro Macanhão Sobrinho em nove anos e sete meses e cinqüenta e um dias-multa, dos quais oito anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado e um ano e um mês de detenção, em regime semi-aberto. O réu Edenir Macanhão teve sua pena fixada em dez anos e onze meses e sessenta e oito dias-multa, dos quais, nove anos e oito meses de reclusão em regime fechado e um ano e três meses de detenção, a ser cumprido em regime semi-aberto. Não conformados, interpõem os réus, por seu defensor, recurso de apelação (fls. 1360). Com as razões de fls. 1367/1471, aduzem, preliminarmente, nulidade processual ante a inépcia da denúncia. Objetivam seja declarada a nulidade processual ab initio, posto que baseada em prova ilícita, qual seja, a invasão domiciliar sem mandado judicial; nulidade do processo por cerceamento de defesa, quando do indeferimento de produção de provas (ausência de intimação da defesa para o interrogatório e indeferimento de re-interrogatório dos acusados). Ademais, pugnam pela nulidade da sentença, fundamentada em provas ilegítimas, vez que juntadas após encerrada a instrução probatória e apresentadas as alegações pela acusação; ainda, por ausência de relatório e fundamentação e não apreciação de provas e teses da defesa e carência de fundamentação quando da fixação da pena-base. Alegam, ainda, nulidade da sentença quanto à condenação pelos crimes de receptação simples e qualificada, posto que fundada em fatos não descritos na denúncia (extra-petita). Quanto ao mérito, pugnam pela reforma da decisão proferida pelo magistrado de 1º grau e absolvição dos acusados. Aduzem que não há prova que vincule o apelante Pedro Macanhão Sobrinho aos fatos imputados, como autor ou partícipe; ainda, a inexistência de prova da prática dos crimes de adulteração de número de chassi, de receptação simples e qualificada; alegam a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 180 do Código Penal; aduzem, ainda, quanto ao porte de arma em propriedade rural, ser ínfima a potencialidade lesiva do bem jurídico (incolumidade pública), de acordo com o princípio da insignificância, que exclui a tipicidade. Pugnam pelo reconhecimento da inexistência do fato quanto ao tráfico de drogas, cuja denúncia foi julgada improcedente pelo magistrado a quo. Caso seja mantida a condenação, pleiteiam a reforma da sentença para fixar a pena-base de cada delito no seu mínimo legal; ainda, para afastar o concurso material entre os delitos de receptação simples e qualificada, reconhecendo-se a continuidade delitiva e, ademais, para ser computada a detração penal na fixação da pena definitiva, dando ensejo à fixação de um novo regime prisional. Contra arrazoado o recurso às fls. 1452/1510, no sentido da manutenção da decisão atacada, vieram os autos a esta Corte. A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer exarado às fls. 1429/1463, opina pelo não provimento do apelo. a síntese do essencial. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO 2. Cumpre, de início, analisar as diversas nulidades invocadas pelos recorrentes, as quais, em que pese o esforço do nobre patrono dos réus, são improcedentes e inoportunas, conforme se verá. Com efeito, é forçoso reconhecer que as nulidades argüidas não encontram o menor amparo legal, não merecendo acolhimento, quer porque já estejam preclusas quer porque manifestamente descabidas. Neste sentido, merece transcrição o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça de fls. 1429/1463, da lavra do ilustre Dr. Procurador de Justiça Luiz Eduardo Trigo Roncaglio, eis que demonstra com propriedade a total improcedência dos reclamos quanto à inépcia da denúncia, falta de intimação do defensor para o interrogatório, indeferimento dos requerimentos formulados na defesa prévia, não apreciação das teses defensivas no relatório da sentença, indeferimento de re-interrogatório, ausência de fundamentação na sentença, sentença extra petita e não reconhecimento da detração penal: I. Inépcia da denúncia. Porque não descreve qualquer conduta praticada pelo Apelante Pedro Macanhão Sobrinho. A bem da verdade, essa assertiva redunda em simples falácia. Não custa detalhar aqui, trechos da vestibular, que evidenciam a co-autoria dos incriminados: -... flagrante delito os denunciados PEDRO MACANHÃO SOBRINHO E EDENIR MACANHÃO, porque, ciente da reprovabilidade da conduta, e um aderindo a vontade ilícita do outro tinham, dolosamente, em depósito 376 (trezentos e setenta e seis) galões de 18 litros de tinta coral, que foram objetos de furto em data de 14/12/00...; e -... os denunciados PEDRO MACANHÃO SOBRINHO e EDENIR MACANHÃO mantinham em sua propriedade sob sua administração, peças de veículo automotores ... Destarte, inconsistente a pecha de inépcia, da inicial acusatória. Ademais, apesar disso, os apelantes esgrimiram eficazmente a defesa, impugnando a acusação através de teses nulificantes do processo e da sentença; bem como, fulminando a condenação. Sobre o tema, ensina a jurisprudência: -Inépcia alegada após o sentenciamento do feito. Inadmissibilidade. Preclusão. Eiva que, se ocorrente, acarretaria a nulidade da sentença (RT 664/285); -... a ausência dessa impugnação, em tempo oportuno, claramente evidencia que o acusado foi capaz de defender-se da acusação contra ele promovida (STF - 1ª T., Rel. Min. Celso de Mello, DJU 04.10.96, p. 37100); e - Concurso de pessoas - condutas homogêneas: No caso, porém, da prática dos mesmos atos por todos os co-autores, nada impede que o relato seja feito de modo a englobar a atividade de todos numa mesma frase, colocando-se o sujeito no plural aos denominados 'indiciados' ou 'denunciados' (RT 583/378). II. Falta de intimação para o ato do interrogatório, em relação ao Defensor. É bom obtemperar, que a inusitada invocação, não tem pertinência, porque o Defensor acompanhou o interrogatório (v. termo de fls. 236/239) - o que supre possível ausência de prévia intimação. Por outro prisma, a quaestio encontra-se preclusa, consoante previsto no art. 572, do CPP. Além disso, a intervenção do defensor no ato do interrogatório do réu, é vedada. Nesse teor, está assente: -A falta de intimação do advogado para o interrogatório não tem o condão de trazer nulidade para o processo (STJ - RT 696/420). III. Preterição de requerimentos da prévia. Obviamente, foi equivocada tal tese defensiva, que objetiva nulificar o processo. Porquanto, a totalidade dos requerimentos constantes da prévia, foram apreciados. E, a decisão fundamentada não mereceu recurso; destarte, resultando em matéria preclusa. (...) V. Ausência de relatório - Não apreciação de teses da defesa. Nulidade da sentença. Deveras insólita tais argumentações, levando-se em conta que o nobre Julgador a quo, relatou o processo com amplitude - v. fls. 1295/1229. Além disso, apreciou de forma conclusiva todas as teses defensivas, por exemplo, em sede preliminar: a) não manifestação acerca de documentos, de fls. 1158/1207, juntados após às derradeiras alegações; inclusive salientando o ilustre Julgador, tratar-se de requisição judicial; - inépcia da denúncia; - cerceamento de defesa, face indeferimento de diligências, oportunizadas na prévia; - pedido de re-interrogatório; - não intervenção no ato do interrogatório; - conclusão que não houve invasão de domicílio (prova ilícita) - fls. 1321/1324; b) no mérito, analisando com profundidade todas as imputações contidas na denúncia - a autoria; a materialidade; o cúmulo material, etc. Sobre o assunto, registre-se: - A rigor o que nulifica uma sentença é a ausência de relatório e não relatório sucinto e com pequenas imperfeições (STJ 198/322); - Omissão de exame de teses e alegações da defesa: Análise sucinta e objetiva - Nulidade inexistente. Somente quando não motivada a sentença é nula; a circunstância de conter fundamentação sucinta ou deficiente não a invalida (JCAT 79/731); e - Tese rejeitada implicitamente: Inocorre nulidade por falta de apreciação de tese defensiva, quando a sentença acolhe, em sua fundamentação, posição oposta àquela apresentada pelo réu, que resta implicitamente rejeitada (RJDTACRIM 33/298). (...) VII. Indeferimento de re-interrogatório. Ora, o interrogatório do réu é ato judicial. No tocante ao re-interrogatório, prevalece a essencialidade da medida; sendo faculdade do juiz: não ficando o juízo sujeito a seu deferimento, e a negativa do pedido não constitui cerceamento de defesa (RT 577/427). A solução serve de baliza aos pedidos de exames periciais (apreciação da conveniência ou necessidade). VIII. Falta de fundamentação da sentença e da aplicação da pena. Por óbvio, tais reclamos, nem deveriam ser examinados; posto que, a decisão condenatória, quanto à individualização da pena foi fundamentada. Mas, não custa acrescentar, nessa seara, o entendimento jurisprudencial: - A sentença, desde que preencha os requisitos do art. 381 do Estatuo Processual, não pode ser considerada nula (RJDTACRIM 24/148-9). A rigor, a decisão, ora vergastada, não possui erronias, no concernente ao aspecto de fundamentação e motivação. Outrossim, como admitir a nulidade da sentença, na parte dispositiva (individualização da pena)? - se foram observadas in casu, as etapas do sistema trifásico - e valoração dos parâmetros constantes do art. 59-CP. IX. Sentença extra petita - consubstanciada na alegação de que o crime de receptação qualificada não foi requerida pela acusação. Deveras evidente a falácia, que se pretende rotular de nulidade. Basta a leitura da denúncia para compreender a correspondência entre a condenação e o pedido acusatório. Dessarte, inexistindo julgamento além da res in judicium deducta. X. Detração penal. Inobservância. Também insubsistente tal reclamo. Pois, sob o prisma processual, a detração compete ao Juízo da Execução - o inc. III, do art. 66, da Lei de Execuções Penais. (fls. 1440/1449). Do mesmo modo, não procedem as argüições de nulidade, referentes à juntada de documentos após as alegações finais, e à suposta decisão baseada em provas ilícitas. Quanto aos documentos juntados às fls. 1158/1207, sem que à defesa fosse aberta oportunidade para sobre eles se manifestar, é pacífico o entendimento de que, para que reste caracterizado o cerceamento de defesa, deve ter ocorrido efetivo prejuízo à parte. Neste sentido: CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. A juntada de documento, após a fase de alegações finais e sem que dele tivessem vista as partes, embora constitua procedimento reprovável, não implica nulidade, por cerceamento de defesa, se a sentença, com outros elementos de convicção suficientes, embasa a conclusão condenatória, tornando tal documento desifluente na decisão da causa e na apuração da verdade substancial (art. 566 do CPP). Habeas Corpus indeferido. (STF - HC 69994/DF - 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 28.05.93, p. 10385). No caso em tela, vê-se que os documentos juntados às fls. 1158/1207 não trouxeram qualquer prejuízo aos réus, conforme bem ponderou o Ministério Público de 2º grau às fls. 1444: IV. Nulidade do feito, corporificada na juntada indevida de documentos, já encerrada a instrução e ofertadas as alegações finais da acusação. Neste tópico, os documentos referidos não constituíram provas novas; porém, já conhecidas das partes, verbia gratia: perícia técnica em objetos previamente apreendidos. Aliás, se porventura existisse tisna, esta ocasionou prejuízo apenas à acusação; e não à defesa, que, se quisesse, poderia impugnar a aludida juntada na fase do art. 500, do CPP. Nesse diapasão, é oportuna a ensinança: - Juntada de documentos após as alegações finais - STF: ... juntada de documentos após à fase das alegações finais, sem oportunidade de manifestação da defesa (sic) inocorrendo qualquer prejuízo ao réu (sic) não há que se falar em nulidade de sentença (RT 740/536). (fls. 1444). Ademais, os documentos foram juntados antes das alegações finais da defesa, e foram discutidos pelo patrono dos réus nesta oportunidade, havendo inclusive requerimento a este respeito, pedindo o desentranhamento dos respectivos documentos, que foi corretamente indeferido pelo douto Juiz a quo. Neste particular, portanto, também não há que se falar em nulidade a ser sanada. Quanto à suposta ilicitude das provas colhidas pela autoridade policial, por ocasião da lavratura do flagrante contra os ora apelantes, vê-se que, uma vez mais, não há como ser acolhida a pretensão da defesa, conforme bem consignou o douto Juiz a quo fls. 1302/1303: Por fim, pelo que se observa do contexto dos autos, não houve ilegal invasão de domicílio, como apregoado pela ilustrada defesa, pois, conforme asseverou um dos acusados (fls. 239), a entrada dos policiais, inicialmente no barracão e depois na residência, foi franqueada pelo co-réu Edenir. Segundo o depoimento dos policiais que lá estiveram, depois de solicitado que lhes fosse mostrado o interior do barracão e da residência, lhes foi franqueada a entrada (declarações na fase policial e na fase judicial). De forma que, não tendo nenhum dos réus afirmado que os policiais simplesmente invadiram a residência e o barracão de propriedade do primeiro denunciado, pelo contrário, consta que o segundo denunciado teria permitido a entrada, impossível se concluir, de forma séria e contundente, que ocorreu ilícita invasão de domicílio. Assim sendo, não prospera a tentativa de nulificar o processo, a partir dos autos de prisão em flagrante, sendo, pois, de se acolher as provas amealhadas naquela data dos fatos, vez que, não comprovadas serem ilícitas (fls. 1302/1303). Esta Câmara, aliás, já decidiu pela licitude do auto de prisão em flagrante, dirimindo a questão ao julgar, em 28 de junho de 2001, o Habeas Corpus nº 109.100-3, impetrado pelos ora apelantes: De início, cumpre asseverar que não há que se falar, in casu, em nulidade do flagrante por ausência do mandado de busca domiciliar, eis que os crimes de depósito de substância entorpecente e receptação com ocultação são crimes permanentes, em que a consumação se protrai no tempo, perdurando o estado de flagrância enquanto perdurar a conduta delituosa dos agentes. Nestes casos, não obstante as opiniões minoritárias em contrário, não é necessário que as autoridades policiais estejam portando mandado ao adentrar em um domicílio e efetuar o flagrante, conforme o entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência pátrias. Neste sentido bem leciona Julio Fabbrini Mirabete: O dispositivo, que permite a prisão em flagrante no crime permanente enquanto não cessar a permanência é, teoricamente, supérfluo, uma vez que, nessa espécie de crime, a consumação se prolonga no tempo, dependendo da conduta do agente. (...) Não se contesta a situação de flagrância, inclusive nos crimes de quadrilha (art. 288 do CP), de receptação dolosa por ocultação (art. 180 do CP), de depósito de substância entorpecente (art. 12 da Lei nº 6.368, de 21-10-76) etc. Tratando-se de situação de flagrância nessas hipóteses, é evidentemente dispensável, mesmo durante a noite, que o autor da prisão porte mandado judicial para invadir a casa onde o crime está sendo praticado. (Código de Processo Penal Interpretado, 5ª ed., Atlas, 1997, p. 391). No mesmo diapasão é o entendimento jurisprudencial transcrito na obra acima referida: Nada impede que um policial penetre em casa alheia, durante o dia ou à noite, contra a vontade do morador, para efetuar prisão em flagrante delito, por crime ou contravenção, sendo dispensável o mandado de busca domiciliar, diante da permissão concedida pela Lei Maior. (RJDTACRIM 5/167). Damásio de Jesus (Código de Processo Penal Anotado, 17ª ed., Saraiva, 2000, p. 211) sustenta a mesma posição, com arrimo na jurisprudência: A guarda de maconha, decidiu o STF, é delito permanente. Em face disso, é possível a prisão em flagrante enquanto não cessar a permanência (RHC 53.659, Damásio, Decisões anotadas do STF em matéria criminal, 1978, p. 250). No mesmo sentido, decidiu o TACrimSP que 'o direito constitucional de inviolabilidade domiciliar não se estende a lares desvirtuados, como cassinos clandestinos, aparelhos subversivos, casas de tolerância, locais ou pontos de comércio clandestino de drogas. A casa é o asilo inviolável do cidadão enquanto respeitada sua finalidade precípua de recesso do lar' (RT 527/383). Vide RT 509/383. Desta forma, não se cogita na nulidade do flagrante, e menos ainda no trancamento da ação penal ante a alegada ilicitude da prova que deu origem ao processo. (Acórdão 13.404, juntado a estes autos às fls. 1281/1289) 3. Ultrapassado este ponto, vê-se que, no mérito, de igual sorte, as alegações dos apelantes Pedro Macanhão Sobrinho e Edenir Macanhão não comportam provimento. Com efeito, em que pese o esforço do digno patrono dos réus, é forçoso reconhecer que a sentença condenatória está suficientemente embasada nos elementos probatórios, não merecendo quaisquer reparos. Primeiramente, quanto ao crime de porte ilegal de armas, pugnam os apelantes pela aplicação do princípio da insignificância, sob o argumento de que as armas, tendo em vista o estado e o local em que se encontravam, não eram capazes de oferecer perigo a nenhum bem juridicamente tutelado Tais argumentos, contudo, não procedem, conforme bem asseverou a douta Procuradoria Geral de Justiça às fls. 1449/1453: A. Porte ilegal de arma: - materialidade: autos de apreensão (fls. 26 e 28); e de exame de prestabilidade (fls. 120/125); - autoria: - o apelante Edenir é confesso (confissão judicial e fl. 23); assevera com firmeza que as armas lhe pertencem e não possuem registro; e - o apelante Pedro, na fase policial (fls. 17/18) confessa a propriedade de uma das armas (espingarda, cal. 12) - embora se retrate em juízo; - aludidas confissões, são corroboradas pela prova testemunhal: Marco Aurélio R. Zandoná e José E. Neves (fls. 581/588). Assim, insofismável a existência delitiva. Ter em depósito ou guardar arma de fogo sem registro (art. 4º, da Lei 9.437/97) - em conseqüência, tipificando o crime insculpido no art. 10, da Lei citada. Em questão probatória, é cediço: - As confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou verdade nelas contidas, desde que corroboradas por outros elementos de prova inclusive circunstanciais (RTJ 88/371); - Confissão policial corroborada: A confissão na esfera policial, mesmo que retratada em juízo, mostra-se hábil a embasar o decreto condenatório, desde que guarde verossimilhança com os demais elementos probatórios colhidos (RDJ 8/201). Convém esgrimir, neste espaço, que incabe o invocado princípio de insignificância (crime de bagatela que exclui a tipicidade da conduta); tão-só porque as armas estavam guardadas no meio rural. Que denota menor lesividade à objetividade jurídica do crime: incolumidade pública. Essa conclusão constitui premissa equivocada. Porque, prepondera no caso, a potencialidade do dano social, independentemente do lugar onde estavam as armas. Nesse jaez, vale registrar: - O princípio da insignificância se refere à hipótese de ofensa mínima ao bem jurídico (STJ - 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJU 23.6.97, p. 29/66); - Crime de bagatela. Não caracterização: Além da escassez do dano social, elemento preponderante da insignificância, devem influenciar, ainda, o desvalor da ação e, a título conformativo, o desvalor da culpabilidade perante o fato (Carlo Eurico Paliero, Minima Non Curat Praetor - Iperprofia del Diritto Penale e Descriminalizzazione di Reati Bagatellari - Pádua, Cedam, 1985, p. 744). Assim, indevida a pretensão, face à alta lesividade da guarda de armas - face ao potencial uso criminoso. Porque, revela a ação delitiva, enorme dano social e desvalor da culpabilidade. Além disso, ao reconhecimento da insignificância, exigem-se outros requisitos de caráter subjetivo: referentes à personalidade e aos antecedentes do réu (JUTACRIM 91/263); Ou, a conveniência e a oportunidade do benefício sob outros ângulos, como o grau de dolosidade, aspectos pessoais do agente e os reflexos da ação perante as vertentes da criminalidade. Por isso, imerecida a aplicação aos Apelantes, do princípio da insignificância, levando-se em conta o desvalor da ação - os antecedentes - e o caso focado nos autos, - prática de receptação. (fls. 1449/1453). Realmente, ao que se infere dos autos, pode-se afirmar que as armas encontradas apresentavam forte potencial lesivo, especialmente tendo em conta o tipo de atividade - criminosa - desenvolvida na fazenda, daí porque outro caminho não resta senão o de confirmar a condenação pelo delito do art. 10, da Lei 9437/97. E, quanto aos crimes de receptação simples, qualificada, e de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, melhor sorte não assiste aos apelantes. Com efeito, também neste particular, vê-se que a douta Procuradoria Geral de Justiça bem examinou o caso em tela, analisando minuciosamente, e com precisão, os elementos de convicção contidos nos autos. Suas ponderações, aliadas aos argumentos lançados com propriedade na sentença de fls. 1295/1336, dirimem o caso, motivo pelo qual são adotadas como razão de decidir: B. Receptação fundamental: - materialidade: autos de fls. 26/28 - auto de levantamento do local do crime (fls. 113/115); e B.O. fls. 63/64, que registra a ocorrência do roubo de carga, relativo a vários galões de tinta. A autoria, negada pelos Apelantes, é evidenciada pela prova testemunhal, firme, harmônica, cabal, convincente e verossímel: I. Dep. de Marco Aurélio Ribeiro Zandoná: - Edenir apresentou uma nota fiscal de massa corrida relativamente às latas de tinta; que houve estranheza porque as latas eram de tintas e não de massa corrida; - que Pedro declarou que tinha conhecimento das tintas existentes no interior do barracão, alegando que seus filhos haviam comprado as tintas para revender (fls. 581/588); II. Dep. de José Edson Neves: - Edenir informou que as tintas lhe pertenciam (fl. 589); e III. Declaração da informante Julieta Macanhão (fl. 652): - que Edenir tinha autorizado Valdir deixar as tintas no local. Por conseguinte, emerge da prova, a certeza de que os réus tinham prévia ciência da procedência criminosa da res (roubo); e a ocultavam no barracão. Veja-se, nesse campo, a jurisprudência: - Recebendo o agente objeto furtado, cuja origem não possa desconhecer, caracteriza-se a receptação dolosa (JTACRIM 49/399); e - sendo modalidades diversas o receber e o ocultar, basta a mera detenção do material da coisa para que se reconheça a receptação (JTACRIM 20/159). É bom consignar, que deriva do contingente probatório, a comprovação da co-autoria (vínculo subjetivo e relevância causal de cada conduta). Ou seja, houve, em realidade, a concorrência vinculante para a eclosão delitiva; com o elemento moral: uisus voluntatum ad delictum. (fls. 1453/1455) Assim, conforme bem asseverou o douto julgador monocrático: Na verdade, o que interessa nos autos é que, o produto ilícito (de roubo), consistente nos galões de tinta, estavam depositados no interior do barracão de propriedade do acusado Pedro, independente a que título estava no estabelecimento, empréstimo ou locação, sendo de conhecimento dos réus aquela situação. Ou seja, os réus tinham pleno conhecimento de que o produto depositado, referia-se a galões de tinta, e não possuía origem lícita. A conduta dos réus se enquadra no núcleo do tipo penal, consistente em adquirir, coisa que sabe ser produto de crime. O conjunto probatório seguro, onde demonstrou-se ter havido a apreensão de res em poder dos agentes, abaliza decreto condenatório face aos réus. (fls. 1309/1310) Continua o multicitado parecer ministerial: C. Adulteração de sinal indentificador de veículo automotor - art. 311, do CP: - materialidade: auto de apreensão de fls. 26/28; e auto pericial de fls. 106/107; e fotografias de fls. 108. Que, no conjunto, comprovam a supressão da numeração identificadora dos veículos: camionete Ford - F-250, ano 99; e camionete Ford - Modelo F-1000; - autoria: o próprio apelante Pedro disse: que as peças de veículos adulterados, encontrados em sua propriedade pertencem a seu filho Edenir. - Já, este último (fls. 19), confirma: que as peças encontradas em sua propriedade (sic) adquiriu de Luizão. - E, finaliza: ... quanto ao chassi encontrado em sua propriedade e que tem a numeração adulterada, afirma que o comprou em uma sucata de camionete em Curitiba e retirou as peças que poderia utilizar, tendo guardado o chassi pois pensou que não haveria problema (fls. 19). Com maior firmeza é a prova testemunhal, colhida na fase judicial. Quando retumba brilhante o vínculo subjetivo existente entre os apelantes - e evidenciado a ação de adulteração de chassis e de sinais identificadores dos veículos narrados na inicial acusatória: - Rejane Cristina Destro (fl. 578); - Albino Piasson (fl. 595);e - Valmir de Souza (fls. 599/600). Entretanto, o convencimento real, sobre a existência do delito focado, advém da apreensão na oficina do barracão, dos objetos próprios à adulteração de chassis e sinais identificadores de veículos: chassis virgens (21) e etiquetas (189), com o número das placas dos veículos (encontradas no cofre) - v. documentos de fls. 1159/1187). D. Receptação qualificada: A materialidade: auto de apreensão (fls. 26/28); e Laudo pericial (fls. 106/107) - demonstrando que os acusados ocultavam em depósito, no interior do barracão, várias peças, cabine e acessórios de veículos, de origem ilícita; verbi gratia: chassi de uma camionete F-1000; uma cabine, uma carroceria e peças de mecânica (diferencial e caixa), de uma camionete F 250; placa AGA-2849, da camionete que pertencia a Albino Piasson (veículo furtado em 19.02.01). A autoria é imputada aos apelantes. Inclusive, Edenir Macanhão afirma que as peças encontradas, comprara de Luizão (Luiz Nunes de Sales). O qual desmente essa versão, asseverando que não conhecia os réus; e jamais vendera aos mesmos, caçamba e um corpo de cabine de camionete (fl. 597). Convincente, também, é o depoimento de Albino Piasson (fl. 595); que em resumo confirma: teve sua camionete F-1000 furtada no dia 19.02.2001 (sic); e a placa de sua camionete fora encontrada no barracão da fazenda dos Macanhão. Por conseguinte, está comprovada a receptação qualificada; sendo capital a versão apresentada pela esposa do réu Pedro: Que além da lavoura e da venda de veículos nenhuma outra atividade é realizada na fazenda (fls. 645). E pelo irmão de Edenir, Edson Macanhão, quando afirma: Que Edenir também comprava e vendia veículos; que já comercializou de dez a quinze carros nos últimos cinco anos (fls. 601/603). Portanto, viceja demonstrada a clandestinidade na mercancia de veículo, com habitualidade (pressupostos típicos incrustados nos parágrafos 1º e 2º, do art. 180, do CP). (fls. 1455/1459). Nenhum reparo, portanto, merece ser efetuado na sentença hostilizada em relação ao mérito. Quanto à alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal, trata-se de matéria cuja influência se nota tão somente na dosimetria penal, motivo pelo qual será abordada no item a seguir, juntamente com os outros pedidos formulados pelos apelantes. 4. Assim, por derradeiro, cumpre enfrentar os pleitos relativos às penas aplicadas aos réus, quais sejam: a) reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 180, § 1º do Código Penal, e conseqüente condenação dos apelantes às penas da modalidade simples de receptação; b) reconhecimento da continuidade delitiva entre as receptações simples e qualificadas; e c) aplicação das penas, em todos os delitos, no mínimo legal para ambos os denunciados. Quanto à argüição de inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do Código Penal, tem-se como inviável a sua declaração nesta oportunidade, devendo ser buscada a via própria a este intento. Pois, em que pesem as discussões doutrinárias a este respeito, o tipo penal hostilizado, além de estar devidamente em vigor, se coaduna perfeitamente com o que foi apurado no presente feito, conforme restou consignado na sentença condenatória às fls. 1315/1316: Na verdade, o legislador, objetivando coibir condutas que envolvam, principalmente, a comercialização ilícita de veículos e peças de acessórios, pune de forma mais severa o agente que age com dolo eventual do que com o dolo direto, este previsto no 'caput' do artigo. Daí porque a Douta Defesa sustenta a inconstitucionalidade do parágrafo primeiro do artigo 180 do Cód. Penal, amparado no posicionamento de renomados juristas - entre eles Damásio Evangelista de Jesus, Alberto Silva Franco e Celso Delmanto. Ao que pese as razões apresentadas pelo ilustre Defensor dos réus, não há que se falar em inconstitucionalidade do citado dispositivo legal. Primeiro porque é texto de lei, está em vigor e não fora declarada sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e enquanto estiver vigorando deve ser aplicado. É compreensível a irresignação da defesa, pois, há uma certa incoerência no legislador em punir as condutas descritas no parágrafo primeiro, onde é suficiente o dolo eventual ou até mesmo a mera culpa, de forma muito mais severa do que as condutas descritas no caput do citado dispositivo legal. Porém, justifica-se tal severidade posto que o legislador quer é coibir o desmanche de veículos, mal que tem se agravado e crescido assustadoramente nos últimos anos, com a avassaladora onda de furtos de automóveis. Verdadeiras 'oficinas', 'esconderijos', que servem para desmanche, remontagem, depósito de veículos e peças de automóveis, de origem ilícita, são cada vez mais descobertas pela polícia em todo o País. Cada dia a imprensa noticia casos, em que pessoas, em modestos barracões, em lugares retirados, camuflados, servem como depósito clandestino para o desmanche de automóveis. Furta-se um carro aqui, desmonta-se e as peças são revendidas. Não há inconstitucionalidade do citado dispositivo legal, vez que, estando em vigor, tem inteira aplicabilidade e eficácia jurídica. 'RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. A receptação qualificada, como forma de fomentar o roubo de caminhões de carga, onde, em muitas ocasiões, os motoristas são assassinados, é crime grave e que mereceu a devida atenção do legislador, através da L. 9.426/96, que, introduzindo um parágrafo ao art. 180, do CP, aumentou-lhe consideravelmente a apenação. (STJ - HC 6.612 - SP - 6ª Turma - Rel. Min. Anselmo Santiago - DJU 03.08.1998). Não há que se falar, também, em continuidade delitiva entre as receptações simples e qualificada, eis que não estão presentes os requisitos desta modalidade de abrandamento da pena. Não se vislumbra qualquer vinculação entre os delitos. A receptação simples refere-se a galões de tinta roubados, enquanto a receptação qualificada refere-se a peças e acessórios de veículos, de origem ignorada, características de oficinas de desmanche de automóveis. Em comum entre ambos há o lugar do depósito (propriedade do denunciado Pedro Macanhão Sobrinho) e os agentes dos delitos. Todavia, o objeto material, as circunstâncias e o tempo dos delitos são absolutamente distintos, não se observando a indispensável unidade de desígnios. A continuidade delitiva é, portanto, inviável, conforme pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial: A continuação delitiva pressupõe, além da existência dos requisitos objetivos, a unidade de desígnios, o que não ocorre quando os crimes foram praticados em ações autônomas. (RT 748/707) Por fim, resta rever a dosimetria penal, cumprindo reconhecer que em alguns casos as penas foram fixadas de forma exacerbada pelo douto Juiz a quo. Com efeito, o douto julgador houve por bem elevar as reprimendas impostas aos denunciados ao considerar seus antecedentes criminais como sendo circunstância desfavorável a ambos. Todavia, tal foi feito em flagrante desacordo ao princípio da presunção da inocência, eis que foram considerados processos ainda não julgados como prova de maus antecedentes dos réus. Assim, devem ser revistas as penalidades impostas, utilizando-se como razão de decidir a fundamentação expendida pelo Juiz monocrático que, afora o equívoco no sopesamento dos antecedentes dos réus Pedro Macanhão Sobrinho e Edenir Macanhão, produziu sentença absolutamente irrepreensível: 1) Quanto ao réu Pedro Macanhão Sobrinho. 1.1. Porte ilegal de arma. Não havendo circunstâncias desfavoráveis, aplica-se a pena mínima de 01 ano de detenção, além de 10 dias-multa. A pena não pode ser diminuída em razão da confissão posto encontrar-se em seu patamar mínimo. 1.2. Receptação simples. Tendo em vista as conseqüências do delito serem desfavoráveis ao réu, aplica-se a pena de 01 ano e 03 meses de reclusão, além de 12 dias-multa. 1.3. Receptação qualificada. Tendo em vista as conseqüências do delito serem desfavoráveis ao réu, aplica-se a pena de 03 anos e 06 meses de reclusão, além de 15 dias-multa. Mantém-se a pena do delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, já aplicada em seu patamar mínimo, bem como o valor do dia-multa e o regime de cumprimento de pena definidos na sentença, quedando-se, a pena final, em 07 anos e 09 meses de reclusão e 01 ano de detenção, além de 47 dias-multa. 2) Quanto ao réu Edenir Macanhão. 2.1. Porte ilegal de arma. As circunstâncias tidas como desfavoráveis integram o tipo penal infringido, daí porque aplica-se a pena mínima de 01 ano de detenção, além de 10 dias-multa. A pena não pode ser diminuída em razão da confissão posto encontrar-se em seu patamar mínimo. 2.2. Receptação simples. Tendo em vista as conseqüências do delito serem desfavoráveis ao réu, aplica-se a pena de 01 ano e 05 meses de reclusão, além de 14 dias-multa. 2.3. Receptação qualificada. Tendo em vista as conseqüências do delito serem desfavoráveis ao réu, aplica-se a pena de 03 anos e 09 meses de reclusão, além de 18 dias-multa. 2.4. Adulteração de sinal identificador de veículo automotor. Tendo em vista as conseqüências do delito serem desfavoráveis ao réu, aplica-se a pena de 03 anos e 03 meses de reclusão, além de 14 dias-multa. As penas aplicadas ao réu Edenir são superiores às do co-denunciado tendo em vista sua maior participação nos delitos, conforme destacado na sentença guerreada. Mantém-se o valor do dia-multa e o regime de cumprimento de pena definidos na sentença, quedando-se, a pena final, em 08 anos e 05 meses de reclusão e 01 ano de detenção, além de 56 dias-multa. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao apelo manejado pelos apelantes, tão somente para reduzir as penas aplicadas aos apelantes, conforme consignado, mantendo-se a sentença, no mais, por seus próprios fundamentos. Participaram do julgamento os eminentes Desembargadores OTO LUIZ SPONHOLZ, Presidente; CLOTÁRIO PORTUGAL NETO e Juiz Convocado MIGUEL KFOURI NETO, Relator. Curitiba, 19 de setembro de 2002. MIGUEL KFOURI NETO - Juiz Conv. Relator |
Não vale como certidão ou intimação.