TRANSPORTE COLETIVO - ATROPELAMENTO
APELAÇÃO CÍVEL N.º 511.000-7, DE SARANDI - VARA CÍVEL E ANEXOS.
APELANTE: ZULEIKA FERREIRA DA SILVA E OUTRO.
APELADO: JORGE CALDEIRA DE OLIVEIRA E OUTROS.
RELATOR: DESª. JOECI MACHADO CAMARGO.
REVISORA: JUÍZA ELIZABETH MARIA DE FRANÇA ROCHA
RELATOR CONV.: JUIZ FABIAN SCHWEITZER.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS CAUSADOS POR
ACIDENTE DE VEÍCULO TERRESTRE - 1)
AÇÃO PENAL EM TRÂMITE - PEDIDO DE SUSPENSÃO DA DEMANDA CÍVEL - IMPERTINÊNCIA -
FACULDADE DO MAGISTRADO - INDEPENDÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES CÍVEL E PENAL -
2) ÔNIBUS COLETIVO URBANO - ATROPELAMENTO - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE ATESTA O
ELEVADO GRAU DE EMBRIAGUEZ DA VÍTIMA NO MOMENTO DO ACIDENTE
- CULPA EXCLUSIVA DESTA - QUEBRA DO NEXO CAUSAL - INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO
RISCO ADMINISTRATIVO AO CASO CONCRETO - AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE CONDUTA
CONCORRENTE MÍNIMA PARA O EVENTO MORTE - TESTEMUNHOS DIVERGENTES E
CONTRADITÓRIOS - ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA AOS AUTORES - APLICAÇÃO DO DISPOSTO
NO ARTIGO 333, I, DO CPC - 3) PRECEDENTES E DOUTRINA - SENTENÇA MANTIDA -
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 511.000-7, da
Vara cível de Sarandi/PR, em que é apelante
ZULEIKA FERREIRA DA SILVA E OUTRO, e apelado JORGE CALDEIRA DE OLIVEIRA
E OUTROS.
1) Trata-se de apelação interposta contra a sentença proferida nos autos de
ação de ressarcimento por danos causados por acidente
de veículo terrestre, sob nº 467/2006, que julgou improcedente os pedidos das
apelantes, deixando de responsabilizar os apelados ao pagamento de qualquer
indenização em razão da morte de Idalina Ferreira da
Silva, condenando as recorrentes ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios.
Inconformados, recorrem as apelantes alegando, preliminarmente, pela
necessidade de suspensão da presente demanda, enquanto em trâmite a ação penal
contra os ora apelados (nº 2004.113-9), nos termos do parágrafo único do art.
64, CPP, evitando-se assim, possíveis decisões contraditórias.
Quanto ao mérito, sustentam as apelantes, em síntese, que os apelados agiram de
maneira negligente ao não certificarem, com a devida prudência, que sua mãe
estava ingressando no ônibus no exato momento em que o veículo começou a se
locomover, o que acabou derrubando-a no asfalto sendo atropelada pelas rodas
traseiras do coletivo. Que tal fato foi confirmado pelas testemunhas João José
de Santana (fls. 170) e Alberto Santiago (fls. 175).
Afirmam que ao contrário da opinião do Juiz "a quo",
o fato das testemunhas se contradizerem em relação a alguns detalhes não
relevantes para o fato, não tornam imprestáveis os seus depoimentos para o fim
de condenar os apelados. Defendem que as possíveis contradições devem-se ao
fato de que o acidente ocorreu no ano de
2003 e os seus depoimentos foram colhidos em 2007, fazendo com que não
recordassem de alguns detalhes que não influenciam no deslinde da presente
ação, já que confirmaram o fato principal "que a mãe das Apelantes estava
ingressando no ônibus no exato momento em que o veículo começou a se locomover,
a qual acabou a derrubando no asfalto e a atropelando com as rodas traseiras do
coletivo".
Ainda sobre o fato, aduzem que os depoimentos prestados um mês após o acidente não se mostram contraditórios, tanto que
serviram de base para o oferecimento de denúncia por
parte do Ministério Publico, quanto ao crime de homicídio culposo.
Alegam que a defesa apresentada pelos apelados tentou induzir em erro o Poder
Judiciário, ao afirmar que as testemunhas que presenciaram o acidente e prestaram depoimento nos autos, não
poderiam ter visualizado o acidente, sob
a alegação de que o ponto do ônibus não ficava em frente ou quase em frente ao
bar. Este fato foi desmentido pelos depoimentos de fls. 170; 171 e 175.
Defendem que a tese apresentada pela defesa de que a vítima seria alcoólatra e
teria se jogado na frente do ônibus, por
não conseguir controlar os seus movimentos, foi desconstituída pela testemunha
Cleonice Costa Ferreira às fls. 180, que viu a vítima minutos antes do acidente, e afirmou "(...) não sabe se a
vítima tinha bebido, mas aparentemente, pelo que viu de fora do bar, ela não
estava embriagada, ou pelo menos não estava caindo, como era de costume (...)."
Ao final, clamam pela responsabilização dos apelados, em razão de sua
imprudência, condenando-os ao pagamento dos danos materiais e morais causados
às apelantes.
Os apelados ofereceram contra-razões ao recurso, fls. 234/243, alegando, em
síntese, pela culpa exclusiva da vítima, que ao tentar subir
no ônibus, completamente alcoolizada, desequilibrou-se caindo na rua,
sendo imediatamente atropelada pela roda traseira do ônibus.
A d. Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 269,
aduziu que ante o atingimento da maioridade da
Apelante Elizana Miriam Ferreira, deixou de existir a
obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público no feito (art. 82, I,
CPC).
É o breve relatório.
VOTO.
2) Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, intrínsecos e
extrínsecos, merece o recurso ser conhecido.
Recorrem as apelantes contra a sentença proferida nos autos de ação de
ressarcimento, por eles ajuizada sob nº
467/2006, que julgou improcedentes os pedidos ressarcitórios
deixando de condenar os apelados ao pagamento de qualquer indenização em razão
da morte de Idalina Ferreira da Silva.
2.1) Preliminarmente, defendem as recorrentes a necessidade de suspensão da
presente demanda, enquanto em trâmite a ação penal contra os ora apelados (nº
2004.113-9), nos termos do parágrafo único do art. 64, CPP, evitando-se assim,
possíveis decisões contraditórias.
Sem razão as apelantes. Vejamos:
Os critérios de aferição da responsabilidade civil e criminal não se confundem,
são distintos e independentes, não se justificando a suspensão do presente
feito, que já alcançou a prolação de sentença de mérito.
O artigo 935 do Código Civil é claro ao dispor que a responsabilidade civil é
independente da criminal:
"Art.
Nesse sentido, é o julgado deste Tribunal da lavra do eminente Des. EUGENIO
ACHILLE GRANDINETTI:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE
TRÂNSITO - PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ DECISÃO DE AÇÃO PENAL -
DESCABIMENTO - INDEPENDÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E CRIMINAL - ARTIGO
935 DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE.
RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AI 0426155-8
- Ponta Grossa - Rel.: Des. Eugenio Achille Grandinetti - Unanime - J.
16.08.2007)
Na mesma senda, é o decisum do Juiz SÉRGIO LUIZ
PATITUCCI:
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE
DE TRÂNSITO - DANO MORAL NÃO ESPECIFICADO - PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ
DECISÃO DE AÇÃO PENAL - DESCABIMENTO - INDEPENDÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES
CIVIL E CRIMINAL - ARTIGO 935 DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE - DANO MATERIAL
DEVIDAMENTE COMPROVADO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS AUTORES NÃO EVIDENCIADA -
VERBAS SUCUMBENCIAIS - MODIFICAÇÃO QUE SE JUSTIFICA - RECURSOS - APELAÇÃO 1 -
NEGA PROVIMENTO - APELAÇÃO 2 - PARCIAL PROVIMENTO.
(TJPR - 9ª C.Cível - AC 0473932-8 - Ibaiti - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Sérgio Luiz Patitucci - Unanime - J.
19.02.2009)
Frise-se ainda, que a exceção prevista no artigo não se aplica ao caso em tela,
uma vez que nenhuma questão se encontra decidida definitivamente na esfera
criminal.
Ademais, nos termos do parágrafo único do art. 64, do Código de Processo Penal,
a suspensão do feito é uma faculdade concedida ao Juiz, e não uma
obrigatoriedade. Nestes termos, é o ensinamento de JULIO FABBRINI MIRABETE:
"Entretanto, a suspensão é uma faculdade concedida ao juiz, que só deve
determiná-la quando é imprescindível, ou seja, quando a reparação depender da
existência do crime. Nos demais casos, a suspensão só deve ser determinada com
extrema cautela para não prejudicar os interesses das partes" (Código de
Processo Penal Interpretado, Atlas, 5ª. Ed., 1997, p. 132). (grifei)
Este também é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme
aresto do ilustre Ministro FERNANDO GONÇALVES:
RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. MORTE.
SUSPENSÃO DO PROCESSO CÍVEL. FACULDADE. 1 - É princípio elementar a
independência entre as esferas cíveis e criminais, podendo um mesmo fato gerar
ambos os efeitos, não sendo, portanto, obrigatória a
suspensão do curso da ação civil até o julgamento definitivo daquela de
natureza penal. Deste modo, o juízo cível não pode impor ao lesado, sob o
fundamento de prejudicialidade, aguardar o trânsito
em julgado da sentença penal. 2 - Recurso especial não
conhecido. (STJ, REsp 347915/AM, 4ª T, Rel. Fernando
Gonçalves, DJ 29.10.2007). (grifei)
Assim, desarrazoada a suspensão dos presentes autos.
2.2) Quanto ao mérito recursal, pretendem as apelantes a reforma da sentença
que julgou improcedentes os seus pedidos ressarcitórios, concluindo pela ausência de
responsabilização dos apelados ao pagamento de qualquer indenização em razão do
evento morte da genitora das ora apelantes, sob o rodado do coletivo dirigido
pelo primeiro apelado e de propriedade da empresa apelada.
Alegam as recorrentes que os apelados agiram de maneira negligente ao não
certificarem, com a devida prudência, que sua mãe estava ingressando no ônibus
no exato momento em que o veículo começou a se locomover, o que acabou
derrubando-a no asfalto sendo atropelada pelas rodas traseiras do coletivo.
Por outro lado, os apelados defendem a
culpa exclusiva da vítima, que ao tentar subir no
ônibus, completamente alcoolizada, desequilibrou-se caindo na rua, sendo
imediatamente atropelada pela roda traseira do ônibus.
Porém, em que pese a
argumentação do representante das apelantes, sua irresignação
não está a merecer acolhimento nesta instância, ante a fragilidade das provas
produzidas (art. 333, I, CPC) e a flagrante culpa exclusiva da vítima. Vejamos:
Para que se estabeleça o dever de reparar o dano, necessário a presença de três
elementos, a saber: o dano, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, e a
culpa, a ser aferida apenas na responsabilidade subjetiva, o que não é o caso.
No caso em tela, não há dúvidas acerca do dano sofrido pelas apelantes com o
falecimento de sua genitora no acidente
automobilístico, contudo, conforme conjunto probatório, agindo a vítima com
culpa exclusiva, quebrou-se o nexo de causalidade, eximindo o agente da
responsabilidade civil.
Dessa forma, decidiu de forma acertada o juízo singular ao julgar improcedente
a sua pretensão.
Inicialmente, debatendo-se questão que envolve empresa concessionária de
serviço público, para o deslinde da questão, seria em tese, imperativa a
aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, que se baseia no risco
administrativo, o qual confere fundamentos doutrinários à responsabilidade objetiva
pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão.
Trata-se, portanto, de responsabilidade civil objetiva, bastando que o autor,
para a obtenção da correspondente indenização, prove a ocorrência do nexo
causal entre a ação do agente do poder público e a lesão do direito (dano,
prejuízo, etc.), sendo desnecessário demonstrar ou provar a culpa do ente
demandado.
Sobre o tema, são as precisas palavras do eminente Des. JOSÉ ANICETO1, quando
do julgamento de caso análogo:
Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense
prova da culpa da administração, permite que se demonstre a culpa da vítima
para excluir ou dirimir a indenização, isto porque o risco administrativo não
se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a
Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo
particular, significa, apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da
prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou
parcial do lesado no evento danoso, caso em que se eximirá integral ou
parcialmente da indenização. (grifei)
Nesse sentido, importante destacar as lições de RUI STOCO:
"Portanto, o princípio da responsabilidade objetiva, escorada na teoria do
risco administrativo mitigado (adotado em nosso ordenamento jurídico), não se
reveste de caráter absoluto, ou seja, não é sempre e em todo e qualquer caso
que se impõe ao Estado indenizar, pelo só fato do dano sofrido pelo particular,
por ação ou omissão de seus
prepostos." (Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência.
7ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 1011) (grifei).
Como visto, o referido princípio não se reveste de caráter absoluto, eis que
admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade
civil do concessionário de serviço público, ante a comprovação da culpa
exclusiva da vítima, como no caso em tela. Vejamos:
Na espécie, faz-se mister mencionar que, no momento do atropelamento pelo
coletivo, conforme prova material - laudo toxicológico de fls. 54 -, a vítima
portava teor alcoólico na escala de 23,2 dg/l, confirmando a sua culpa
preponderante para o evento morte, sendo a causa primária do resultado, o que
impede se concretize o nexo causal.
Tal premissa ganha suma importância na presente demanda - atropelamento no
trânsito - pois, conforme minucioso estudo informado no "site" do
DETRAN/PR - Departamento Estadual de Trânsito2, uma pessoa que porte tal
graduação alcoólica em seu sangue, inquestionavelmente coloca-se em total risco
perante a via pública, seja como pedestre ou motorista, ante a apresentação dos
sintomas abaixo:
Concentração de álcool
no sangue
(dg/l)*
stágio
intomas Clínicos.
8 - 30
onfusão
esorientação, confusão mental, sonolência. Estados
emocionais exagerados. Distúrbios de visão e de percepção de cor, forma,
movimento e dimensões. Aumento do limiar da cor. Aumento da incoordenação
muscular. Fala arrastada, andar cambaleante. Apatia e letargia.
Assim, denota-se que a própria vítima deu causa ao acidente,
sem qualquer contribuição por parte dos
apelados à sua morte, a confirmar a teoria do risco. Desse modo, é inconteste
que a vítima pautou sua atuação inobservando um dever
de cuidado objetivo, com a conseqüente criação de um risco não permitido.
Impende salientar que, caso a vítima não tivesse atuado de forma flagrantemente
imprudente - circular na via pública com teor alcoólico no patamar de 23,2 dg/l
-, sua morte não teria sido verificada no mundo dos fatos.
Para comprovar que a conduta da vítima deu causa ao resultado, basta retirá-la
do curso causal, intuindo-se pela relevância da mesma.
Nesta toada, bem concluiu o Magistrado singular (fls. 214):
Portanto, a conclusão que se chega é de que a vítima saiu correndo do bar e não
conseguiu embarcar porque ou caiu debaixo das rodas traseiras do ônibus, em
razão da embriaguez e porque na porta do
bar existe um degrau para se chegar à calçada, ou porque tentou embarcar quando
o ônibus já estava fechando as portas e iniciando o movimento.
Sobre a culpa da vítima, como obstáculo à causalidade, ensinam, PABLO STOLZE
GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, citando AGUIAR DIAS:
A exclusiva atuação culposa da vítima tem também o condão de quebrar o nexo de
causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil.
Discorrendo sobre o tema, AGUIAR DIAS, com habitual precisão, observa que:
"Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de
culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a ato ou fato
exclusivo da vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao
terceiro interveniente no ato danoso." 3
Neste sentido, decidiu este Tribunal de Justiça, em voto da lavra do eminente
Des. CARVILIO DA SILVEIRA FILHO:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO -
IMPROCEDÊNCIA - APELAÇÃO - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, QUE CONDUZIA A SUA
BICICLETA
Ainda na mesma linha, é o decisum do percuciente Des.
RONALD SCHULMAN:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO - FALTA DE
ACOSTAMENTO - DEVER DE CAUTELA RECÍPROCA ENTRE CONDUTOR E PEDESTRE - CONJUNTO
PROBATÓRIO QUE INDICA QUE A VÍTIMA ESTAVA ALCOOLIZADA NO MOMENTO DO ACIDENTE - CULPA EXCLUSIVA DESTA - O ÔNUS DA PROVA
ACERCA DA ALEGADA CULPA DO CONDUTOR INCUMBIA AO AUTOR - CULPA NÃO COMPROVADA -
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA - APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA - 1. Se o
conjunto probatório constante dos autos demonstra que a vítima se encontrava
alcoolizada e desatenta ao trafegar numa estrada asfaltada, sem acostamento,
mal sinalizada, durante a noite, próxima a uma curva e, diante da falta de
provas acerca da culpa do condutor do veículo, caracterizada está a culpa
exclusiva da vítima. 2. "A culpa precisa ficar provada acima de qualquer
dúvida, baseada em prova concreta, não podendo, pois, o réu ser condenado com
base em dedução, ilação ou presunção." (TJPR,
apelação Cível nº 269.491-9, relatora Any Mary Kuss) (TJPR - AC 0370412-7 - 10ª CCív.
- Rel. Des. Ronald Schulman - J. 09.11.2006). (grifei).
Por fim, colaciona-se julgado do TJ/RS,
ementado pelo Des. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, que em caso idêntico decidiu:
APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRÃNSITO.
ATROPELAMENTO
Impõe-se a manutenção do veredito de improcedência,
se a prova indica que a vítima estava completamente alcoolizada, dando causa ao
acidente. Caso em que o pedestre,
embriagado, correu atrás do coletivo conduzido pelo preposto da ré, tentando
agarrar-se à porta, vindo a cair embaixo do veículo, sendo atingido pelo rodado
traseiro. Conduta imprudente e imprevisível. Velocidade excessiva do motorista
não comprovada. A culpa exclusiva da vítima afasta o nexo causal, pressuposto
fundamental da responsabilidade civil, e não gera dever de indenizar. Apelo improvido. 4 (grifei).
Ademais, na tentativa de comprovar a atuação culposa dos apelados para o evento
morte e formar o risco objetivo, as apelantes trouxeram apenas prova
testemunhal frágil, cujos depoimentos colhidos durante a instrução probatória
são extremamente divergentes, não autorizando concluir pela existência de
qualquer indício de conduta culposa da concessionária do serviço público ou dos
seus prepostos, pelo contrário, todas corroboram o agir culposo da vítima para
o fatídico acidente.
A testemunha João José de Santana, dono do estabelecimento comercial em frente ao ponto de ônibus, e principal testemunha das apelantes,
sustenta duas versões para os fatos. Vejamos:
a) Em sede de inquérito policial, a referida testemunha aduziu que a vítima
havia ingerido bebida alcoólica em seu bar e que saiu correndo do
estabelecimento para tentar embarcar no coletivo (fls. 46). (...) que estava em
seu estabelecimento comercial e chegou a Sra. IDALINA
FERREIRA DA SILVA, a qual pediu uma dose pequena de pinga e começou a tomar a
pinga (...). que não chegou a tomar a dose inteira e o
ônibus já chegou, ocasião em que ela saiu correndo para o ponto do ônibus
(...).
Ora, suas versões não são verossímeis e opõem-se.
b) Já em seu depoimento na fase de instrução processual da presente demanda ressarcitória, de forma conflitante, a testemunha afirma
que não vendeu bebida alcoólica para a vítima, informando que a outra pessoa
que estava no interior do bar estava muito bêbada e não viu o acidente (fls. 170). (...) havia mais uma pessoa
no bar, que estava "muito bêbada" e não viu nada; afirma que não
forneceu bebida alcoólica para a vítima e nem percebeu que a mesma estivesse
embriagada; não se recorda de ter dito que havia vendido bebida para a vítima,
em seu bar, antes do acidente, como
consta em seu depoimento da delegacia (fls. 46); também não se lembra de ter
realizado a venda em questão. (grifei)
Às fls.
Também, esta é inservível, apontando a demonstrar a decisiva e exclusiva culpa
da vítima para o desfecho fatal.
Por outro lado, a testemunha dos
apelados, Cleonice Costa Ferreira, que estava aguardando a chegada do ônibus no
ponto, em seu depoimento (fls. 180), afirma que (...) estava aguardando o
ônibus que se envolveu no acidente em
frente ao bar onde tudo ocorreu; viu a Sra. Idalina dentro do bar, mas não percebeu se ela estava
bebendo; todos na região conheciam a Sra. Idalina
porque ela vivia "caindo de bêbada", quando o ônibus parou, a
depoente direcionou-se a porta traseira e seus pais embarcaram pela porta
dianteira, em razão da idade; atrás da depoente tinha só mais uma pessoa na
fila aguardando o embarque; a Sra. Idalina não estava
na fila, mesmo depois que a depoente entrou no ônibus; não viu a Sra. Idalina se aproximando do ônibus e nem ouviu nenhum barulho
em decorrência do atropelamento (...). entre a calçada
do bar e o interior deste existe um degrau (...) (grifei)
Esta, ratifica a culpa da vítima.
A título exemplificativo, o momento é oportuno para destacar a
incompatibilidade das declarações apresentadas pelas testemunhas João, Alberto
e Cleonice. O primeiro afirmou que (...) não chegou a tomar a dose inteira e o
ônibus já chegou, ocasião em que ela saiu correndo para o ponto do ônibus
(...), já na explicação do segundo (...) quando o depoente chegou ao bar, a
vítima já estava aguardando o ônibus próximo ao ponto. Ainda, de forma
discrepante com as versões acima, a terceira testemunha asseverou que, (...) a Sra. Idalina não estava na fila,
mesmo depois que a depoente entrou no ônibus; não viu a Sra. Idalina se aproximando do ônibus (...)
Em um cenário de dúvidas, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, incabível
a condenação, por tudo indicar a
concorrência precedente de atitude culposa da vítima, que embriagada (laudo de
fls. 54), pendurou-se no ônibus, em movimento, vindo a cair sob o rodado.
Conclui-se, portanto, que as apelantes não se desincumbiram, satisfatoriamente,
em demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, conforme preceitua o
artigo 333, I, do Código de Processo Civil.
Sobre o tema, são os recentes e elucidativos julgados deste Tribunal, de lavra
do eminente Desembargador LAURO LAERTES DE OLIVEIRA, e do culto Juiz PERICLES
BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA, respectivamente:
RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - AVARIA NO VEÍCULO DA AUTORA -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO - ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL - RECURSO DESPROVIDO.
(TJPR - 2ª C.Cível - AC 0573882-5 - Foro Central da
Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Lauro Laertes de Oliveira - Unanime - J. 05.05.2009). (grifei).
E ainda,
RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS - PRISÃO
Também em caso análogo, decidiu precisamente o culto Des. JOSÉ ANICETO:
APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - ATROPELAMENTO - ÔNIBUS DE TURISMO -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA - PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL - POUCOS
ESCLARECIMENTOS QUANTO AO ACIDENTE -
FALTA DE PROVAS QUANTO AO DANO E NEXO CAUSAL - ÔNUS DA PROVA - ART. 333, I DO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO QUE SE IMPÕE - CUSTAS E
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS, OBEDECENDO O QUE DISPÕE O ART. 12 DA LEI Nº
1.060/50 RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AC
0315361-7 - Cruzeiro do Oeste - Rel.: Des. José Augusto Gomes Aniceto - Unanime - J. 30.03.2006). (grifei)
3. Nestas condições, ante a induvidosa culpa da vítima
para o evento morte, que exclui o risco administrativo, voto pelo desprovimento
do recurso, mantendo-se incólume a sentença singular.
ACORDAM os Magistrados integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, por
unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do
voto do relator.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador VALTER RESSEL, com voto, e
dele participaram a Excelentíssima Juíza ELIZABETH M. F. ROCHA, revisora, e
ainda, o Excelentíssimo Juiz FABIAN SCHWEITZER, relator convocado.
Curitiba, 05 de novembro de 2009.
FABIAN SCHWEITZER
Relator
1 Apelação Cível nº 315361-7
2 www.educacaotransito.pr.gov.br. Fonte: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul. Laboratório LABELO - Instituto de Toxicologia. GAZETA DO POVO, 1 de abril de 2001. Lei 9.503 de 23/09/1997 - CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO. MANUAL DO MOTORISTA. Programa de Educação no Trânsito,
DETRAN/PR, Curitiba 1994. SENAI, Rio de Janeiro. Departamento Nacional, Divisão
de ensino e treinamento. Direção Defensiva: treinamento de motoristas, 1984.
GOODMAN e GILMAN, A . As bases farmacológicas da
terapêutica. 9ª edição. Mcgraw-Hill, Rio de Janeiro, 1996. KAPLAN, Harold I. e
SADOCK, Benjamin J. Compêndio de psiquiatria dinâmica. 3ª edição, Editora Artes
Médicas, Porto Alegre,
3 In Novo curso de direito civil, Vol. III -
Responsabilidade Civil, 7ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2009, pág.114.
4 APELAÇÃO CÍVEL Nº 70027101831