TRANSPORTE COLETIVO - ATROPELAMENTO

 

APELAÇÃO CÍVEL N.º 511.000-7, DE SARANDI - VARA CÍVEL E ANEXOS.
APELANTE: ZULEIKA FERREIRA DA SILVA E OUTRO.
APELADO: JORGE CALDEIRA DE OLIVEIRA E OUTROS.
RELATOR: DESª. JOECI MACHADO CAMARGO.
REVISORA: JUÍZA ELIZABETH MARIA DE FRANÇA ROCHA
RELATOR CONV.: JUIZ FABIAN SCHWEITZER.



APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR DANOS CAUSADOS POR ACIDENTE DE VEÍCULO TERRESTRE - 1) AÇÃO PENAL EM TRÂMITE - PEDIDO DE SUSPENSÃO DA DEMANDA CÍVEL - IMPERTINÊNCIA - FACULDADE DO MAGISTRADO - INDEPENDÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES CÍVEL E PENAL - 2) ÔNIBUS COLETIVO URBANO - ATROPELAMENTO - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE ATESTA O ELEVADO GRAU DE EMBRIAGUEZ DA VÍTIMA NO MOMENTO DO ACIDENTE - CULPA EXCLUSIVA DESTA - QUEBRA DO NEXO CAUSAL - INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO AO CASO CONCRETO - AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE CONDUTA CONCORRENTE MÍNIMA PARA O EVENTO MORTE - TESTEMUNHOS DIVERGENTES E CONTRADITÓRIOS - ÔNUS DA PROVA QUE COMPETIA AOS AUTORES - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 333, I, DO CPC - 3) PRECEDENTES E DOUTRINA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.



VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 511.000-7, da Vara cível de Sarandi/PR, em que é apelante ZULEIKA FERREIRA DA SILVA E OUTRO, e apelado JORGE CALDEIRA DE OLIVEIRA E OUTROS.

1) Trata-se de apelação interposta contra a sentença proferida nos autos de ação de ressarcimento por danos causados por acidente de veículo terrestre, sob nº 467/2006, que julgou improcedente os pedidos das apelantes, deixando de responsabilizar os apelados ao pagamento de qualquer indenização em razão da morte de Idalina Ferreira da Silva, condenando as recorrentes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.
Inconformados, recorrem as apelantes alegando, preliminarmente, pela necessidade de suspensão da presente demanda, enquanto em trâmite a ação penal contra os ora apelados (nº 2004.113-9), nos termos do parágrafo único do art. 64, CPP, evitando-se assim, possíveis decisões contraditórias.
Quanto ao mérito, sustentam as apelantes, em síntese, que os apelados agiram de maneira negligente ao não certificarem, com a devida prudência, que sua mãe estava ingressando no ônibus no exato momento em que o veículo começou a se locomover, o que acabou derrubando-a no asfalto sendo atropelada pelas rodas traseiras do coletivo. Que tal fato foi confirmado pelas testemunhas João José de Santana (fls. 170) e Alberto Santiago (fls. 175).
Afirmam que ao contrário da opinião do Juiz "a quo", o fato das testemunhas se contradizerem em relação a alguns detalhes não relevantes para o fato, não tornam imprestáveis os seus depoimentos para o fim de condenar os apelados. Defendem que as possíveis contradições devem-se ao fato de que o acidente ocorreu no ano de 2003 e os seus depoimentos foram colhidos em 2007, fazendo com que não recordassem de alguns detalhes que não influenciam no deslinde da presente ação, já que confirmaram o fato principal "que a mãe das Apelantes estava ingressando no ônibus no exato momento em que o veículo começou a se locomover, a qual acabou a derrubando no asfalto e a atropelando com as rodas traseiras do coletivo".

Ainda sobre o fato, aduzem que os depoimentos prestados um mês após o acidente não se mostram contraditórios, tanto que serviram de base para o oferecimento de denúncia por parte do Ministério Publico, quanto ao crime de homicídio culposo.
Alegam que a defesa apresentada pelos apelados tentou induzir em erro o Poder Judiciário, ao afirmar que as testemunhas que presenciaram o acidente e prestaram depoimento nos autos, não poderiam ter visualizado o acidente, sob a alegação de que o ponto do ônibus não ficava em frente ou quase em frente ao bar. Este fato foi desmentido pelos depoimentos de fls. 170; 171 e 175.
Defendem que a tese apresentada pela defesa de que a vítima seria alcoólatra e teria se jogado na frente do ônibus, por não conseguir controlar os seus movimentos, foi desconstituída pela testemunha Cleonice Costa Ferreira às fls. 180, que viu a vítima minutos antes do acidente, e afirmou "(...) não sabe se a vítima tinha bebido, mas aparentemente, pelo que viu de fora do bar, ela não estava embriagada, ou pelo menos não estava caindo, como era de costume (...)."
Ao final, clamam pela responsabilização dos apelados, em razão de sua imprudência, condenando-os ao pagamento dos danos materiais e morais causados às apelantes.
Os apelados ofereceram contra-razões ao recurso, fls. 234/243, alegando, em síntese, pela culpa exclusiva da vítima, que ao tentar subir no ônibus, completamente alcoolizada, desequilibrou-se caindo na rua, sendo imediatamente atropelada pela roda traseira do ônibus.
A d. Procuradoria Geral de Justiça, às fls. 269, aduziu que ante o atingimento da maioridade da Apelante Elizana Miriam Ferreira, deixou de existir a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público no feito (art. 82, I, CPC).
É o breve relatório.

VOTO.

2) Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, intrínsecos e extrínsecos, merece o recurso ser conhecido.

Recorrem as apelantes contra a sentença proferida nos autos de ação de ressarcimento, por eles ajuizada sob nº 467/2006, que julgou improcedentes os pedidos ressarcitórios deixando de condenar os apelados ao pagamento de qualquer indenização em razão da morte de Idalina Ferreira da Silva.
2.1) Preliminarmente, defendem as recorrentes a necessidade de suspensão da presente demanda, enquanto em trâmite a ação penal contra os ora apelados (nº 2004.113-9), nos termos do parágrafo único do art. 64, CPP, evitando-se assim, possíveis decisões contraditórias.
Sem razão as apelantes. Vejamos:

Os critérios de aferição da responsabilidade civil e criminal não se confundem, são distintos e independentes, não se justificando a suspensão do presente feito, que já alcançou a prolação de sentença de mérito.

O artigo 935 do Código Civil é claro ao dispor que a responsabilidade civil é independente da criminal:

"Art.
935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal." (grifei)


Nesse sentido, é o julgado deste Tribunal da lavra do eminente Des. EUGENIO ACHILLE GRANDINETTI:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ DECISÃO DE AÇÃO PENAL - DESCABIMENTO - INDEPENDÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E CRIMINAL - ARTIGO 935 DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE.
RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AI 0426155-8 - Ponta Grossa - Rel.: Des. Eugenio Achille Grandinetti - Unanime - J. 16.08.2007)

Na mesma senda, é o decisum do Juiz SÉRGIO LUIZ PATITUCCI:


APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - DANO MORAL NÃO ESPECIFICADO - PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ DECISÃO DE AÇÃO PENAL - DESCABIMENTO - INDEPENDÊNCIA DAS RESPONSABILIDADES CIVIL E CRIMINAL - ARTIGO 935 DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE - DANO MATERIAL DEVIDAMENTE COMPROVADO - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS AUTORES NÃO EVIDENCIADA - VERBAS SUCUMBENCIAIS - MODIFICAÇÃO QUE SE JUSTIFICA - RECURSOS - APELAÇÃO 1 - NEGA PROVIMENTO - APELAÇÃO 2 - PARCIAL PROVIMENTO.
(TJPR - 9ª C.Cível - AC 0473932-8 - Ibaiti - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Sérgio Luiz Patitucci - Unanime - J. 19.02.2009)

Frise-se ainda, que a exceção prevista no artigo não se aplica ao caso em tela, uma vez que nenhuma questão se encontra decidida definitivamente na esfera criminal.

Ademais, nos termos do parágrafo único do art. 64, do Código de Processo Penal, a suspensão do feito é uma faculdade concedida ao Juiz, e não uma obrigatoriedade. Nestes termos, é o ensinamento de JULIO FABBRINI MIRABETE:

"Entretanto, a suspensão é uma faculdade concedida ao juiz, que só deve determiná-la quando é imprescindível, ou seja, quando a reparação depender da existência do crime. Nos demais casos, a suspensão só deve ser determinada com extrema cautela para não prejudicar os interesses das partes" (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 5ª. Ed., 1997, p. 132). (grifei)

Este também é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme aresto do ilustre Ministro FERNANDO GONÇALVES:

RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. MORTE. SUSPENSÃO DO PROCESSO CÍVEL. FACULDADE. 1 - É princípio elementar a independência entre as esferas cíveis e criminais, podendo um mesmo fato gerar ambos os efeitos, não sendo, portanto, obrigatória a suspensão do curso da ação civil até o julgamento definitivo daquela de natureza penal. Deste modo, o juízo cível não pode impor ao lesado, sob o fundamento de prejudicialidade, aguardar o trânsito em julgado da sentença penal. 2 - Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 347915/AM, 4ª T, Rel. Fernando Gonçalves, DJ 29.10.2007). (grifei)

Assim, desarrazoada a suspensão dos presentes autos.

2.2) Quanto ao mérito recursal, pretendem as apelantes a reforma da sentença que julgou improcedentes os seus pedidos ressarcitórios, concluindo pela ausência de responsabilização dos apelados ao pagamento de qualquer indenização em razão do evento morte da genitora das ora apelantes, sob o rodado do coletivo dirigido pelo primeiro apelado e de propriedade da empresa apelada.

Alegam as recorrentes que os apelados agiram de maneira negligente ao não certificarem, com a devida prudência, que sua mãe estava ingressando no ônibus no exato momento em que o veículo começou a se locomover, o que acabou derrubando-a no asfalto sendo atropelada pelas rodas traseiras do coletivo.

Por outro lado, os apelados defendem a culpa exclusiva da vítima, que ao tentar subir no ônibus, completamente alcoolizada, desequilibrou-se caindo na rua, sendo imediatamente atropelada pela roda traseira do ônibus.
Porém, em que pese a argumentação do representante das apelantes, sua irresignação não está a merecer acolhimento nesta instância, ante a fragilidade das provas produzidas (art. 333, I, CPC) e a flagrante culpa exclusiva da vítima. Vejamos:

Para que se estabeleça o dever de reparar o dano, necessário a presença de três elementos, a saber: o dano, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, e a culpa, a ser aferida apenas na responsabilidade subjetiva, o que não é o caso.

No caso em tela, não há dúvidas acerca do dano sofrido pelas apelantes com o falecimento de sua genitora no acidente automobilístico, contudo, conforme conjunto probatório, agindo a vítima com culpa exclusiva, quebrou-se o nexo de causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil.

Dessa forma, decidiu de forma acertada o juízo singular ao julgar improcedente a sua pretensão.

Inicialmente, debatendo-se questão que envolve empresa concessionária de serviço público, para o deslinde da questão, seria em tese, imperativa a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, que se baseia no risco administrativo, o qual confere fundamentos doutrinários à responsabilidade objetiva pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão.

Trata-se, portanto, de responsabilidade civil objetiva, bastando que o autor, para a obtenção da correspondente indenização, prove a ocorrência do nexo causal entre a ação do agente do poder público e a lesão do direito (dano, prejuízo, etc.), sendo desnecessário demonstrar ou provar a culpa do ente demandado.

Sobre o tema, são as precisas palavras do eminente Des. JOSÉ ANICETO1, quando do julgamento de caso análogo:

Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense prova da culpa da administração, permite que se demonstre a culpa da vítima para excluir ou dirimir a indenização, isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular, significa, apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que se eximirá integral ou parcialmente da indenização. (grifei)

Nesse sentido, importante destacar as lições de RUI STOCO:

"Portanto, o princípio da responsabilidade objetiva, escorada na teoria do risco administrativo mitigado (adotado em nosso ordenamento jurídico), não se reveste de caráter absoluto, ou seja, não é sempre e em todo e qualquer caso que se impõe ao Estado indenizar, pelo só fato do dano sofrido pelo particular, por ação ou omissão de seus prepostos." (Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1011) (grifei).

Como visto, o referido princípio não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do concessionário de serviço público, ante a comprovação da culpa exclusiva da vítima, como no caso em tela. Vejamos:

Na espécie, faz-se mister mencionar que, no momento do atropelamento pelo coletivo, conforme prova material - laudo toxicológico de fls. 54 -, a vítima portava teor alcoólico na escala de 23,2 dg/l, confirmando a sua culpa preponderante para o evento morte, sendo a causa primária do resultado, o que impede se concretize o nexo causal.

Tal premissa ganha suma importância na presente demanda - atropelamento no trânsito - pois, conforme minucioso estudo informado no "site" do DETRAN/PR - Departamento Estadual de Trânsito2, uma pessoa que porte tal graduação alcoólica em seu sangue, inquestionavelmente coloca-se em total risco perante a via pública, seja como pedestre ou motorista, ante a apresentação dos sintomas abaixo:


Concentração de álcool
no sangue
(dg/l)*
stágio
intomas Clínicos.
8 - 30
onfusão
esorientação, confusão mental, sonolência. Estados emocionais exagerados. Distúrbios de visão e de percepção de cor, forma, movimento e dimensões. Aumento do limiar da cor. Aumento da incoordenação muscular. Fala arrastada, andar cambaleante. Apatia e letargia.


Assim, denota-se que a própria vítima deu causa ao acidente, sem qualquer contribuição por parte dos apelados à sua morte, a confirmar a teoria do risco. Desse modo, é inconteste que a vítima pautou sua atuação inobservando um dever de cuidado objetivo, com a conseqüente criação de um risco não permitido.

Impende salientar que, caso a vítima não tivesse atuado de forma flagrantemente imprudente - circular na via pública com teor alcoólico no patamar de 23,2 dg/l -, sua morte não teria sido verificada no mundo dos fatos.

Para comprovar que a conduta da vítima deu causa ao resultado, basta retirá-la do curso causal, intuindo-se pela relevância da mesma.

Nesta toada, bem concluiu o Magistrado singular (fls. 214):


Portanto, a conclusão que se chega é de que a vítima saiu correndo do bar e não conseguiu embarcar porque ou caiu debaixo das rodas traseiras do ônibus, em razão da embriaguez e porque na porta do bar existe um degrau para se chegar à calçada, ou porque tentou embarcar quando o ônibus já estava fechando as portas e iniciando o movimento.


Sobre a culpa da vítima, como obstáculo à causalidade, ensinam, PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, citando AGUIAR DIAS:

A exclusiva atuação culposa da vítima tem também o condão de quebrar o nexo de causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil.

Discorrendo sobre o tema, AGUIAR DIAS, com habitual precisão, observa que: "Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a ato ou fato exclusivo da vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso." 3


Neste sentido, decidiu este Tribunal de Justiça, em voto da lavra do eminente Des. CARVILIO DA SILVEIRA FILHO:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ACIDENTE DE TRÂNSITO - IMPROCEDÊNCIA - APELAÇÃO - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, QUE CONDUZIA A SUA BICICLETA
EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ E DE FORMA IMPRUDENTE, INVADINDO VIA PERFERENCIAL - CONDUTORA DO VEÍCULO QUE TRAFEGAVA REGULARMENTE PELA SUA MÃO DE DIREÇÃO - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não incorre em culpa a condutora de veículo que trafegando em sua regular mão de direção e em velocidade compatível com a permitida no local, depara-se com a vítima, que cruza de forma imprudente a via preferencial, em estado de embriaguez. (TJPR - 8ª C.Cível - AC 0341116-5 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Carvilio da Silveira Filho - Unanime - J. 23.10.2008) (grifei)


Ainda na mesma linha, é o decisum do percuciente Des. RONALD SCHULMAN:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO - ATROPELAMENTO - FALTA DE ACOSTAMENTO - DEVER DE CAUTELA RECÍPROCA ENTRE CONDUTOR E PEDESTRE - CONJUNTO PROBATÓRIO QUE INDICA QUE A VÍTIMA ESTAVA ALCOOLIZADA NO MOMENTO DO ACIDENTE - CULPA EXCLUSIVA DESTA - O ÔNUS DA PROVA ACERCA DA ALEGADA CULPA DO CONDUTOR INCUMBIA AO AUTOR - CULPA NÃO COMPROVADA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA - APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA - 1. Se o conjunto probatório constante dos autos demonstra que a vítima se encontrava alcoolizada e desatenta ao trafegar numa estrada asfaltada, sem acostamento, mal sinalizada, durante a noite, próxima a uma curva e, diante da falta de provas acerca da culpa do condutor do veículo, caracterizada está a culpa exclusiva da vítima. 2. "A culpa precisa ficar provada acima de qualquer dúvida, baseada em prova concreta, não podendo, pois, o réu ser condenado com base em dedução, ilação ou presunção." (TJPR, apelação Cível nº 269.491-9, relatora Any Mary Kuss) (TJPR - AC 0370412-7 - 10ª CCív. - Rel. Des. Ronald Schulman - J. 09.11.2006). (grifei).


Por fim, colaciona-se julgado do TJ/RS, ementado pelo Des. ORLANDO HEEMANN JÚNIOR, que em caso idêntico decidiu:


APELAÇÃO. ACIDENTE DE TRÃNSITO. ATROPELAMENTO
EM ESTAÇÃO RODÓVIÁRIA. EMBRIAGUEZ DO PEDESTRE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.
Impõe-se a manutenção do veredito de improcedência, se a prova indica que a vítima estava completamente alcoolizada, dando causa ao acidente. Caso em que o pedestre, embriagado, correu atrás do coletivo conduzido pelo preposto da ré, tentando agarrar-se à porta, vindo a cair embaixo do veículo, sendo atingido pelo rodado traseiro. Conduta imprudente e imprevisível. Velocidade excessiva do motorista não comprovada. A culpa exclusiva da vítima afasta o nexo causal, pressuposto fundamental da responsabilidade civil, e não gera dever de indenizar. Apelo improvido. 4 (grifei).


Ademais, na tentativa de comprovar a atuação culposa dos apelados para o evento morte e formar o risco objetivo, as apelantes trouxeram apenas prova testemunhal frágil, cujos depoimentos colhidos durante a instrução probatória são extremamente divergentes, não autorizando concluir pela existência de qualquer indício de conduta culposa da concessionária do serviço público ou dos seus prepostos, pelo contrário, todas corroboram o agir culposo da vítima para o fatídico acidente.

A testemunha João José de Santana, dono do estabelecimento comercial em frente ao ponto de ônibus, e principal testemunha das apelantes, sustenta duas versões para os fatos. Vejamos:

a) Em sede de inquérito policial, a referida testemunha aduziu que a vítima havia ingerido bebida alcoólica em seu bar e que saiu correndo do estabelecimento para tentar embarcar no coletivo (fls. 46). (...) que estava em seu estabelecimento comercial e chegou a Sra. IDALINA FERREIRA DA SILVA, a qual pediu uma dose pequena de pinga e começou a tomar a pinga (...). que não chegou a tomar a dose inteira e o ônibus já chegou, ocasião em que ela saiu correndo para o ponto do ônibus (...).

Ora, suas versões não são verossímeis e opõem-se.

b) Já em seu depoimento na fase de instrução processual da presente demanda ressarcitória, de forma conflitante, a testemunha afirma que não vendeu bebida alcoólica para a vítima, informando que a outra pessoa que estava no interior do bar estava muito bêbada e não viu o acidente (fls. 170). (...) havia mais uma pessoa no bar, que estava "muito bêbada" e não viu nada; afirma que não forneceu bebida alcoólica para a vítima e nem percebeu que a mesma estivesse embriagada; não se recorda de ter dito que havia vendido bebida para a vítima, em seu bar, antes do acidente, como consta em seu depoimento da delegacia (fls. 46); também não se lembra de ter realizado a venda em questão. (grifei)

Às fls.
175, a outra testemunha dos apelantes, Alberto Santiago, que também estava no interior do bar no momento do acidente, e segundo o seu proprietário (João José de Santana) estava muito bêbado e não presenciou o acidente, de forma surpreendente e duvidosa, prestou depoimento, afirmando que (...) estava no interior do bar que fica em frente ao ponto de ônibus; no interior do mesmo, além do depoente, só estava o dono João Santana; o depoente não tinha consumido bebida alcoólica e ali já estava a uma meia hora; percebeu quando o ônibus parou e os passageiro que aguardavam foram embarcar pela porta da frente, inclusive a vítima que seria a última pessoa a entrar por aquela porta; no momento em que a vítima segurou no corrimão da porta, o ônibus arrancou e a vítima caiu, sendo atropelada; quando o depoente chegou ao bar, a vítima já estava aguardando o ônibus próximo ao ponto. (grifei)

Também, esta é inservível, apontando a demonstrar a decisiva e exclusiva culpa da vítima para o desfecho fatal.

Por outro lado, a testemunha dos apelados, Cleonice Costa Ferreira, que estava aguardando a chegada do ônibus no ponto, em seu depoimento (fls. 180), afirma que (...) estava aguardando o ônibus que se envolveu no acidente em frente ao bar onde tudo ocorreu; viu a Sra. Idalina dentro do bar, mas não percebeu se ela estava bebendo; todos na região conheciam a Sra. Idalina porque ela vivia "caindo de bêbada", quando o ônibus parou, a depoente direcionou-se a porta traseira e seus pais embarcaram pela porta dianteira, em razão da idade; atrás da depoente tinha só mais uma pessoa na fila aguardando o embarque; a Sra. Idalina não estava na fila, mesmo depois que a depoente entrou no ônibus; não viu a Sra. Idalina se aproximando do ônibus e nem ouviu nenhum barulho em decorrência do atropelamento (...). entre a calçada do bar e o interior deste existe um degrau (...) (grifei)

Esta, ratifica a culpa da vítima.

A título exemplificativo, o momento é oportuno para destacar a incompatibilidade das declarações apresentadas pelas testemunhas João, Alberto e Cleonice. O primeiro afirmou que (...) não chegou a tomar a dose inteira e o ônibus já chegou, ocasião em que ela saiu correndo para o ponto do ônibus (...), já na explicação do segundo (...) quando o depoente chegou ao bar, a vítima já estava aguardando o ônibus próximo ao ponto. Ainda, de forma discrepante com as versões acima, a terceira testemunha asseverou que, (...) a Sra. Idalina não estava na fila, mesmo depois que a depoente entrou no ônibus; não viu a Sra. Idalina se aproximando do ônibus (...)

Em um cenário de dúvidas, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, incabível a condenação, por tudo indicar a concorrência precedente de atitude culposa da vítima, que embriagada (laudo de fls. 54), pendurou-se no ônibus, em movimento, vindo a cair sob o rodado.

Conclui-se, portanto, que as apelantes não se desincumbiram, satisfatoriamente, em demonstrar os fatos constitutivos de seu direito, conforme preceitua o artigo 333, I, do Código de Processo Civil.



Sobre o tema, são os recentes e elucidativos julgados deste Tribunal, de lavra do eminente Desembargador LAURO LAERTES DE OLIVEIRA, e do culto Juiz PERICLES BELLUSCI DE BATISTA PEREIRA, respectivamente:

RESPONSABILIDADE CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - AVARIA NO VEÍCULO DA AUTORA - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO MUNICÍPIO - ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL - RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 2ª C.Cível - AC 0573882-5 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Lauro Laertes de Oliveira - Unanime - J. 05.05.2009). (grifei).


E ainda,


RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRISÃO
EM FLAGRANTE DELITO - INDICIADO QUE UTILIZAVA DOCUMENTO DE IDENTIDADE ROUBADO E ALTERADO - DANO DA VÍTIMA (PORTADOR DA CÉDULA DE IDENTIDADE VERDADEIRA) - NÃO COMPROVADO - NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA DO ESTADO E O DANO SOFRIDO - NÃO DEMOSTRADO - INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO NO CASO CONCRETO - POLICIAIS CIVIS QUE AGIRAM DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO VIGENTE - RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDO. "A responsabilidade civil, mesmo objetiva, não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Se houver dado sem a sua causa esteja relacionada com o comportamento do suposto ofensor, inexiste a relação de causalidade, não havendo a obrigação de indenizar. (...) Na responsabilidade objetiva o nexo de causalidade é formado pela conduta, cumulada com a previsão legal de responsabilidade sem culpa ou pela atividade de risco (art. 927, parágrafo único, do CC)." (TARTUCE, Flavio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade civil, v. 2, 3ª edição, São Paulo: Método, 2008, páginas 364/365). (TJPR - 2ª C.Cível - AC 0591278-9 - Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Pericles Bellusci de Batista Pereira - Unanime - J. 04.08.2009) (grifei).


Também em caso análogo, decidiu precisamente o culto Des. JOSÉ ANICETO:

APELAÇÃO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL - ATROPELAMENTO - ÔNIBUS DE TURISMO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL - POUCOS ESCLARECIMENTOS QUANTO AO ACIDENTE - FALTA DE PROVAS QUANTO AO DANO E NEXO CAUSAL - ÔNUS DA PROVA - ART. 333, I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO QUE SE IMPÕE - CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS, OBEDECENDO O QUE DISPÕE O ART. 12 DA LEI Nº 1.060/50 RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 9ª C.Cível - AC 0315361-7 - Cruzeiro do Oeste - Rel.: Des. José Augusto Gomes Aniceto - Unanime - J. 30.03.2006). (grifei)


3. Nestas condições, ante a induvidosa culpa da vítima para o evento morte, que exclui o risco administrativo, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença singular.
ACORDAM os Magistrados integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do relator.

Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Desembargador VALTER RESSEL, com voto, e dele participaram a Excelentíssima Juíza ELIZABETH M. F. ROCHA, revisora, e ainda, o Excelentíssimo Juiz FABIAN SCHWEITZER, relator convocado.


Curitiba, 05 de novembro de 2009.



FABIAN SCHWEITZER
Relator


1 Apelação Cível nº 315361-7
2 www.educacaotransito.pr.gov.br. Fonte: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Laboratório LABELO - Instituto de Toxicologia. GAZETA DO POVO, 1 de abril de 2001. Lei 9.503 de 23/09/1997 - CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. MANUAL DO MOTORISTA. Programa de Educação no Trânsito, DETRAN/PR, Curitiba 1994. SENAI, Rio de Janeiro. Departamento Nacional, Divisão de ensino e treinamento. Direção Defensiva: treinamento de motoristas, 1984. GOODMAN e GILMAN, A . As bases farmacológicas da terapêutica. 9ª edição. Mcgraw-Hill, Rio de Janeiro, 1996. KAPLAN, Harold I. e SADOCK, Benjamin J. Compêndio de psiquiatria dinâmica. 3ª edição, Editora Artes Médicas, Porto Alegre,
1984. A Educação para o Trânsito. Eliane David, Curitiba, março de 2006.
3 In Novo curso de direito civil, Vol. III - Responsabilidade Civil, 7ª Ed., Saraiva, São Paulo, 2009, pág.114.
4 APELAÇÃO CÍVEL Nº 70027101831