Acórdão
na Íntegra
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 104.729-8, DE
CURITIBA - 19ª VARA CÍVEL. Apelante: Bernardo Guedes Ramina (Assist.). Apelado : Eucatur - Empresa União Cascavel de Transportes e Turismo Ltda. Relator : Des. Bonejos Demchuk. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. EMPRESA TRANSPORTADORA DE PASSAGEIROS. SUBSTITUIÇÃO DO COLETIVO POR OUTRO COM MENOR NÚMERO DE ASSENTOS. PASSAGEIRO QUE VIAJOU SEM TER SEU LUGAR ASSEGURADO, POR CULPA DA EMPRESA, E QUE FOI OBRIGADO CONSTANTEMENTE A MUDAR DE ASSENTO, INCLUSIVE VIAJAR NA CABINE DO MOTORISTA. SENTENÇA QUE DETERMINOU APENAS A DEVOLUÇÃO DO VALOR DA PASSAGEM. PROVIMENTO DO RECURSO. DANO MORAL DEVIDAMENTE CARACTERIZADO. FALHA DE SERVIÇO QUE ACARRETOU DESCONFORTO E ABORRECIMENTOS AO APELANTE, ESTES QUE INDEPENDEM DE PROVA À INDENIZAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 104.729-8, DE CURITIBA - 19ª VARA CÍVEL, em que é apelante BERNARDO GUEDES RAMINA (ASSISTIDO) e apelado EUCATUR - EMPRESA UNIÃO CASCAVEL DE TRANSPORTES E TURISMO LTDA. Trata-se de ação ordinária de indenização por danos materiais e morais, afinal julgada parcialmente procedente para indeferir o pedido de ressarcimento por danos morais e condenar a requerida tão somente a indenizar o autor pelo deficiente serviço prestado, no valor da passagem (R$ 74,30). Considerando-se que o autor foi vencido na parte mais substancial da demanda, condenou-se-o ao pagamento integral das verbas da sucumbência. Em apelo, requer a reforma da decisão de primeiro grau para ser a apelada condenada pelo dano moral. Alegou, em síntese, que devido à negligência da empresa, acabou viajando de Curitiba à Cuiabá (por 27 horas) sem ter garantido o seu lugar dentro do ônibus da empresa apelada, sendo obrigado a mudar constantemente de lugar, além de viajar na cabine do motorista, o que lhe causou constrangimento, angústia e vergonha; que, no caso, houve o ato ilícito, o dano, bem como o nexo de causalidade entre eles, consubstanciado na culpa da apelada; que se trata de menor de idade, viajando com autorização do pai, que não tinha condições de expressar a sua vontade; e que a opção alegada pela apelada, de se adiar a viagem, de modo algum corresponde à comodidade. Alternativamente, requereu a reforma do decisum para ser a apelada condenada ao pagamento das verbas da sucumbência, nos termos do artigo 21 do Código de Processo Civil. Com as contra-razões, os autos foram remetidos a esta instância, onde a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso. É o relatório. O recurso comporta provimento. No caso, conforme se dessume da prova oral e documental produzida nestes autos, verifica-se que o apelante, com 16 (dezesseis) anos de idade ao tempo do evento, adquiriu um bilhete de passagem de transporte rodoviário, de Curitiba com destino à Cuiabá, da empresa apelada. O bilhete correspondia à poltrona nº 46 (quarenta e seis) do coletivo (fls. 13). No dia do embarque, 11 de julho de 1999, na saída desta Capital, o coletivo apresentou problema mecânico, sendo substituído por outro, que contava com apenas 44 (quarenta e quatro) lugares. Obviamente sem opção, pois a mudança de data e horário ou até mesmo a devolução do dinheiro da passagem não corresponderiam ao serviço oferecido pela empresa e muito menos à pretensão do apelante, Bernardo Guedes Ramina, acabou seguindo viagem neste coletivo. Até a cidade de Londrina, ele viajou em uma poltrona vazia. Naquela cidade, após a chegada do respectivo passageiro, acabou viajando numa poltrona no nível de baixo, ao lado do motorista, segundo ele, era uma poltrona desconfortável, pequena, destinada ao acompanhante do motorista que não se fazia presente, isto até a cidade de Presidente Prudente (fls. 102). Depois de Presidente Prudente, segundo o apelante, achou uma poltrona vaga, por pouco tempo, pois numa cidade depois entraram mais pessoas. Aí o depoente passou a andar, isto é, ocupar poltronas distintas e cada vez que chegava tinha que trocar (fls. 102). Salientou que não conseguiu dormir direito porque ficava preocupado com as paradas e a entrada de novos passageiros. Ou seja, restou incontroverso nos autos que o ônibus substituído pela apelada acabou não correspondendo à passagem adquirida pelo apelante, pois possuía menos assentos, o que trouxe inúmeros transtornos ao autor que se viu obrigado a viajar cerca de 27 (vinte e sete) horas passando de uma poltrona para outra, em diversas ocasiões, tendo inclusive viajado parte do trecho na cabine do motorista no assento destinado ao acompanhante que não se fazia presente. Assim, além do cansaço já atinente à viagem em questão, a deficiência no serviço executado pela apelada (em substituir ônibus por outro com menos assentos na hora da partida), trouxe sim desconfortos e aborrecimentos significativos ao apelante, pelos motivos já expostos, muito embora ele tenha chegado ao seu destino conforme pretendido no momento da aquisição da passagem. E, conforme já exposto acima, é óbvio que qualquer alternativa outrora oferecida pela empresa ao apelante, como mudança de horário ou até mesmo devolução do dinheiro da passagem não serve para eximir esta deficiência de serviço, tampouco os transtornos trazidos ao passageiro pelo fato ocorrido. Com efeito, o dano moral consiste na lesão a (...) interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica provocada pelo fato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto do seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse; por isso, quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é pressuposto desse direito, ou ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão sobre o lesado, pois somente desse modo se poderia falar em dano moral (...) (Maria Helena Diniz, A Responsabilidade Civil por Dano Moral, in Revista Literária de Direito, nº 09, janeiro/fevereiro de 1996). Carlos Alberto Bittar, na obra Reparação Civil por Danos Morais, salienta que (...) são materiais os danos consistentes em prejuízos de ordem econômica suportados pelo ofendido, enquanto que os morais se traduzem em turbação de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, ou outra desse nível, produzidas na esfera do lesado. Atingem, respectivamente, a conformação física, a psíquica e o patrimônio do lesado, ou seu espírito, com as diferentes repercussões possíveis (...) (Ed. RT, 1993, pág. 31, grifei). Nos termos do parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, (...) como já é certo em sede doutrinária e jurisprudencial, o dano moral não depende de prova e o 'desconforto' e o 'aborrecimento' devem, sim, ser indenizados. Tanto mais quando se trata, como no caso, de Empresa concessionária de serviço público que se propõe a fazê-lo com respeito à dignidade do ser humano (...) (fls. 153, grifei). (...) O desconforto merece ser indenizado, independentemente de prova, vale dizer, independentemente de ter o passageiro evidenciado, diante de todos os demais, profundo inconformismo e extremo abalo (...) (fls. 154). Com efeito, os argumento utilizados pelo MM Juiz de Direito para negar a existência do dano moral, quais sejam, por se tratar de jovem em viagem de férias, sem compromissos mais sérios, além do testigo de uma das passageiras informando não ter verificado qualquer alteração no equilíbrio espiritual do jovem pelos transtornos, não servem para afastar a caracterização do dano moral. Conforme observado pelo Dr. Promotor de Justiça Substituto de Segundo Grau, a existência do dano moral, no caso, não passa pelo crivo exigido pela decisão de primeiro grau. E, ao final, concluiu: (...) Porque se o passageiro de avião tem sido por nossos Tribunais indenizado por dano moral até pelos atrasos nos vôos, merece igualmente indenizado o passageiro de ônibus cuja Empresa vende passagem com número que não existe. Há, sim, sentido punitivo no sancionamento pelo dano moral. E pensamos que a espécie esteja reclamando repreensão, a fim de que também as empresas de transportes de passageiros pela via terrestre passem a se preocupar com a qualidade de seus serviços e dirijam maior respeito e consideração a seus usuários (...) (fls. 154/155). Sobre o tema, Yussef Said Cahali, leciona em sua obra Dano Moral, 2ª edição, editora RT, 2000: (...) A prestação de serviços de transporte e turismo vai se tornando uma autêntica atividade de risco, ainda que normalmente previsível: os percalços contingentes a que se expõem tais empresas no adimplemento da prestação assumida fazem-nas responsáveis, seja em razão da culpa, seja em razão de falha no serviço, a indenização de danos tanto patrimoniais como morais, seja pela expectativa frustrada de sua clientela, seja igualmente pelo desvio de bagagens (...) (pág. 515). Mas adiante, afirma o autor: (...) família que contratou viagem para o exterior, que teve o embarque adiado em razão de incapacidade da aeronave para acomodar todos os passageiros no retorno, com transtornos e dissabores aos usuários, tem direito de reparação moral, além de indenização objetiva (...) (pág. 517). Destarte, configurada a falha no serviço da apelada pela substituição do ônibus com menor capacidade de passageiros, o sentimento de desconforto, constrangimento e aborrecimento que o fato acarretou ao apelante, além do nexo de causalidade entre eles, houve o dano moral. Pelo exposto, dou provimento ao recurso para condenar a apelada a indenizar o apelante a título de danos morais, no montante de R$ 1.000,00 (hum mil reais), o qual considero suficiente a reparar o desconforto causado. Consequentemente, inverta-se o ônus do sucumbência. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso. Participaram do julgamento e acompanharam o voto do Senhor Relator, os Exmos. Desembargadores Antônio Gomes da Silva, Presidente, e Juiz Convocado Ivan Bortoleto. Curitiba, 7 de agosto de 2001. DES. BONEJOS DEMCHUK - Relator. |
Não vale como certidão ou intimação.