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Órgão

:

2Ş Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais

Classe

:

ACJ – Apelação Cível no Juizado Especial

N. Processo

:

2001.01.1.093072-3

Apelante(s)

:

VIPLAN VIAÇÃO PLANALTO LTDA

Apelado(s)

:

LAURINÉA ARAÚJO SILVEIRA

Relator(a) Juiz(a)

:

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

 

EMENTA

 

CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADO. CULPA NÃO AFASTADA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. A responsabilidade das empresas prestadoras de serviços públicos é de natureza objetiva. Ocorrido o acidente e evidenciado que os danos experimentados pela lesada dele são originários, à empresa de ônibus, na condição de prestadora de serviço público, fica imputado o ônus de evidenciar que o sinistro decorrera da culpa exclusiva ou concorrente da vítima de forma a ser absolvida, total ou parcialmente, da obrigação de indenizar os prejuízos dele derivados. Não desincumbindo-se do ônus probatório que lhe estava afetado, prevalece a presunção de culpa relativa que milita em desfavor da concessionária de serviços públicos, cominando-lhe a obrigação de reparar os danos oriundos do acidente provocado por seu preposto que então conduzia o ônibus de sua propriedade. Sentença confirmada. Unânime.

 

ACÓRDÃO

 

Acordam os Senhores Juízes da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO - Relator, - BENITO AUGUSTO TIEZZI – Vogal, LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal, sob a presidência do Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, POR UNANIMIDADE, de acordo com a ata do julgamento.

Brasília (DF), 18 de setembro de 2002.

 

BENITO AUGUSTO TIEZZI

Presidente

TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO

Relator

 

 

RELATÓRIO

 

Cuida-se de ação de reparação de danos manejada por Laurinéa Araújo Silveira em desfavor da Viplan - Viação Planalto Ltda. colimando forrar-se com o importe que declinara como indenização pelos danos materiais que suportara ao argumento de que um automóvel de sua propriedade fora envolvido em um sinistro com um ônibus pertencente à ré, e, considerando que o acidente fora causado culposamente pelo condutor desse veículo de transporte de passageiros, pois, desatento às regras de trânsito e às condições de tráfego reinantes no local e agindo de forma imprudente, invadira a faixa de rolamento da esquerda almejando efetuar uma manobra de ultrapassagem sem condições de segurança apropriadas, abalroando o automotor que lhe pertence quando era conduzido por seu irmão de forma regular e provocando-lhe danos, assiste-lhe o direito de invocar a tutela jurisdicional com o objetivo de merecer a composição dos prejuízos que experimentara ante a recusa dela proveniente quanto à reparação dos danos que provocara.

Ultrapassada a fase de conciliação, a demanda fora regularmente processada e, ao final, reconhecida a culpa concorrente dos condutores dos veículos envolvidos no sinistro, o pedido agitado fora acolhido parcialmente, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de R$ 194,15 (cento e noventa e quatro reais e quinze centavos), correspondente à metade da quantia que havia despendido com a recuperação do veículo de sua propriedade.

Inconformada com a condenação que lhe fora imposta, a ré desafiara o provimento monocrático almejando sua reforma e sua absolvição da condenação pecuniária que lhe fora cominada, sustentando, em suma, que não restara comprovado que o seu preposto agira com negligência e imprudência, pois no momento do acidente vinha trafegando regularmente pela faixa de rolamento da esquerda com o objetivo de efetivar uma manobra de conversão à esquerda, tendo em conta o cruzamento existente no local, e, não obstante, o condutor do automóvel pertencente à autora realizara uma manobra de ultrapassagem quando não detinha condições para consumá-la, determinando que a lateral dianteira esquerda do veículo que dirigia se chocasse com a lateral traseira direita do ônibus que lhe pertence.

Acrescera que, não obstante os veículos de grande porte tenham que trafegar preferencialmente pela faixa de rolamento da direita, não lhes é proibido transitar pela faixa da esquerda, principalmente quando são destinados à realização de uma manobra de conversão desse lado, consoante sucedera por ocasião da ocorrência do sinistro, que fora precedida de sinalização e estava sendo executada com cautela e observância de todas as exigências normativas e de experiência, ficando patente que a culpa pelo sinistro deve ser imputada ao condutor do automóvel pertencente à autora, que forçara uma ultrapassagem quando as condições de tráfego não lhe eram favoráveis e nem autorizavam sua consumação de forma segura.

Defendera, assim, o acolhimento do apelo que agitara e a conseqüente rejeição da pretensão indenizatória veiculada em seu desfavor, eximindo-a da cominação que lhe fora imposta.

A autora, regularmente intimada, deixara fluir em branco o decêndio que legalmente lhe era assegurado para contrariar a irresignação agitada pela ré, tendo esse prazo fluído em branco.

É o relatório.

 

VOTOS

 

O Senhor Juiz TEÓFILO RODRIGUES CAETANO NETO – Relator

Estando patente o interesse da recorrente, sendo o recurso apropriado, tendo sido atempadamente manejado e regularmente preparado, fazendo-se presentes, pois, os pressupostos de admissibilidade, dele conheço.

Cuida-se de ação de reparação de danos derivada de acidente de trânsito em que, apurado que o motorista do ônibus pertencente à ré e o próprio condutor do automóvel pertencente à autora concorreram culposamente para sua produção, o pedido fora parcialmente acolhido e a acionada condenada a indenizar a demandante no equivalente à metade do que despendera com a recuperação do veículo da sua propriedade. Não se conformando com o acerto do provimento que lhe fora desfavorável, a ré apelara almejando sua reforma e sua conseqüente absolvição da obrigação que lhe fora cominada de indenizar metade dos prejuízos derivados do evento danoso havido ao estofo de que o sinistro decorrera da culpa, única e exclusiva, do irmão da autora, que então conduzia o automóvel que lhe pertence.

Conquanto esse aspecto tenha sido inteiramente omitido pela recorrida na argumentação que alinhavara ao aviar a demanda que tem curso nesta sede e pelo próprio provimento monocrático, o que, todavia, não impede a sua aplicação na espécie em tela diante do primado que está expresso no apotegma da mihi factum, dabo tibi jus e da circunstância de que, ante o apelo manejado, a matéria controvertida fora devolvida à apreciação desse órgão colegiado, estando a angularidade passiva da lide ocupada por uma pessoa jurídica de direito privado permissionária de serviço público de transporte de passageiros que envolvera-se em acidente automobilístico através de um de seus prepostos, que agia nessa qualidade, incide na hipótese o regramento que está insculpido no artigo 37, parágrafo 6ş, da Constituição Federal.

Esse dispositivo reflete a elevação da teoria da responsabilidade civil objetiva da administração pública e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, sob a modalidade do risco administrativo, à condição de mandamento constitucional. Como é cediço, essa teoria não exige a configuração da culpa do agente ou do serviço público, sendo indispensável tão somente a comprovação da existência do ato lesivo e injusto praticado contra a vítima pela administração ou por aquelas empresas, através de seus agentes, para que floresça o dever de indenizar os danos provenientes do evento danoso.

Destarte, é a adoção da responsabilidade sem culpa da administração pública, das empresas prestadoras de serviços públicos ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do poder público, o prejuízo que sofrera e o nexo de causalidade existente entre o evento havido e os danos que experimentara. O risco proveniente da atuação do poder publico junto à sociedade e o dever da administração de velar pelo bem estar dos cidadãos consubstanciam-se, pois, nas vigas mestras sobre as quais se elevam o travejamento doutrinário e legal que sustenta a teoria em foco, que, por sua objetividade, se apresenta como a mais consentânea com os fundamentos do estado de direito, motivos pelos quais tem merecido o acolhimento pelas nações modernas.

Há que ser consignado, contudo, que a teoria da responsabilidade objetiva, embora dispense a prova da culpa da administração ou da prestadora de serviços públicos, permite que demonstrem a culpa da vítima para que a sua obrigação de indenizar seja excluída ou atenuada. Ou seja, a vítima fica dispensada da prova da culpabilidade daqueles entes que, entretanto, poderão demonstrar a culpa, total ou parcial, do lesado para a ocorrência do evento danoso, hipótese em que se eximirão, integral ou parcialmente, da obrigação de repararem os danos oriundos do ato.

Estabelecidas essas premissas e estando patente que a responsabilidade da recorrente, por consubstanciar-se em uma empresa prestadora de serviço público de transporte coletivo de passageiros, é de natureza objetiva, infere-se que sua absolvição da culpa que lhe fora imputada como causadora dos danos cuja reparação é almejada dependia da comprovação de que o sinistro derivara da culpa do condutor do automóvel pertencente à recorrida.

Contudo, malgrado o inconformismo que manifestara contra o acerto do provimento monocrático, a verdade é que os elementos de convicção amealhados durante a instrução não autorizam outro veredicto e a integral absolvição da recorrente da culpa para a produção do evento danoso. Ora, a prova oral reunida resume-se aos depoimentos da autora, do condutor do veículo de sua propriedade, do preposto da recorrente que conduzia o ônibus que lhe pertence no momento do acidente e de uma testemunha que trafegava no interior do coletivo no instante em que se verificara a colisão. As declarações prestadas em Juízo, ressalte-se, foram degravadas sob a exclusiva responsabilidade da recorrente, não tendo sua legitimidade e fidedignidade, contudo, merecido qualquer impugnação proveniente da recorrida, impondo-se, pois, sua consideração e cotejo.

Destarte, a autora, por não se encontrar no interior do veículo de sua propriedade no momento da colisão, não pode prestar quaisquer esclarecimentos acerca das circunstâncias em que se verificara e da dinâmica do acidente. O mesmo sucede com a única testemunha ouvida, pois que, a despeito de encontrar-se no interior do ônibus, na condição de passageira é evidente que estava preocupada com o seu destino e com as vicissitudes da própria vida, e não com o que vinha se passando no trânsito, não tendo, ante essas nuances, prestado esclarecimentos relevantes quanto à forma em que se verificara o sinistro e acerca das manobras que o precederam e acabaram por provocá-lo.

De relevante, então, restam os depoimentos dos condutores dos veículos envolvidos no sinistro, devendo a dinâmica do sinistro ser extraída das declarações que prestaram em conformação com as avarias experimentadas pelo automóvel pertencente à recorrida. E isso porque, segundo sustentara o condutor do veículo a ela pertencente, estava ele efetivando uma manobra de ultrapassagem quando, de forma inopinada, o motorista do coletivo invadira a faixa de rolamento da esquerda em que vinha trafegando, colhendo-o na sua lateral dianteira direita. De sua parte, o motorista do coletivo sustentara que, almejando realizar uma conversão à esquerda, vinha trafegando pela faixa de rolamento da esquerda com cautela e após acionar a sinalização luminosa do ônibus indicativa daquela manobra, e, não obstante, sua trajetória fora obstruída em decorrência da manobra de ultrapassagem forçada envidada pelo condutor do veículo da recorrida.

Joeirando-se essas declarações com a sede das avarias experimentadas pelo veículo pertencente à recorrida, que estão retratadas na fotografia que está estampada à fl. 04, aquilata-se que a dinâmica que guarda verossimilhança e conformação com os danos experimentados por aquele automóvel é aquela defendida pelo condutor do veículo que lhe pertence. É que, tendo o automotor experimentado avarias na sua parte dianteira direita e tendo se envolvido em um acidente com um ônibus, somente poderia estar trafegando pela faixa de rolamento da esquerda quando teve a via que trafegava invadida pelo coletivo que seguia na faixa do centro, pois se tratava de uma avenida provida de três faixas de rolamento em cada sentido.

Se eventualmente estivesse o veículo da autora trafegando pela faixa do centro e seu condutor tivesse efetuado uma manobra de ultrapassagem quando as condições de tráfego não permitam consumá-la, convergindo para a faixa da esquerda, o coletivo é que teria sido abalroado em sua parte posterior, e, nessa hipótese, o veículo de passeio teria experimentado danos em sua parte anterior, o que não se verificara. O que ocorrera é que esse veículo efetivamente estava realizando uma ultrapassagem pela faixa de rolamento apropriada e, antes de concluí-la, o condutor do coletivo, almejando realizar uma manobra de conversão à esquerda, invadira a faixa de rolamento desse lado sem atentar para o fato de que estava, naquele instante, ocupada por um outro automotor. Nessas circunstâncias era exigido do motorista do ônibus, ao invés de adentrar na outra faixa, que reduzisse a velocidade e somente quando se deparasse com a via livre consumasse a manobra que almejava, mesmo porque, consoante regra do Código de Trânsito, em vias providas de várias faixas de rolamento os veículos mais lentos devem trafegar preferencialmente na faixa da direita e somente utilizar a da esquerda de forma eventual (art. 29, inciso IV).

Demais disso, a própria dinâmica defendida pela recorrente nas suas razões recursais não guarda conformidade com as avarias experimentadas pelo veículo pertencente à recorrida, pois sustentara que teria saído danificado na lateral dianteira esquerda, quando, em verdade, experimentara avarias na sua lateral dianteira direita, revelando que almeja safar-se das conseqüências do sinistro ainda que tenha que vilipendiar os fatos que estão comprovados de forma irreversível.

Em conformidade com o que fora acima expendido fica, pois, cristalino que estão presentes todos pressupostos indispensáveis para a responsabilização do condutor do ônibus pertencente à recorrente como o único culpado para a produção do evento danoso retratado nestes autos, pois que não conseguira elidir a presunção de culpa que milita em seu desfavor em decorrência da sua responsabilidade objetiva quanto aos danos provocados no exercitamento de suas atividades outorgadas pelo poder público e os elementos de convicção amealhados durante a instrução autorizam, ao revés, a imputação da culpabilidade para a produção do evento danoso em desfavor do seu preposto que dirigia o coletivo de sua propriedade no momento da colisão, assegurando que seu empregado fora o único culpado para a produção do sinistro cotejado.

Em sendo assim, estando patenteados a culpabilidade do preposto da recorrente para a produção do evento danoso e o nexo de causalidade jungindo o sinistro aos danos experimentados, assiste à recorrida o direito de forrar-se com a indenização que vindica em decorrência do ato lesivo, cujos resultados pecuniários suportara na medida em que efetivamente enfrentara os custos reclamados pela recuperação do veículo de sua propriedade que saíra danificado do acidente.

Esteado na argumentação ora delineada, improvejo o recurso manejado pela ré, mantendo intacta a r. sentença desafiada. Em vassalagem ao princípio da sucumbência albergado pelo regrado artigo 55 da Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei nş 9.099/95), condeno a recorrente no pagamento das custas processuais, absolvendo-a do pagamento de qualquer verba honorária, visto que, não obstante tenha sido regularmente intimada, a recorrida não contraria o apelo manejado.

É como voto.

O Senhor Juiz BENITO AUGUSTO TIEZZI – Presidente e Vogal

Com o Relator.

O Senhor Juiz LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS – Vogal

Com a Turma.

 

DECISÃO

 

Conhecido. Negado provimento ao recurso. Unânime.