ACIDENTE DE TRÂNSITO – ENGAVETAMENTO – RESPONSABILIDADE DO VEÍCULO
QUE COLIDE POR ÚLTIMO
Apelação Cível n. 2006.004155-4, da Capital
Relator: Des. Subst. Jaime Luiz Vicari
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS POR
ACIDENTE DE VEÍCULO - ENGAVETAMENTO - RESPONSABILIDADE DO VEICULO QUE COLIDE
POR ÚLTIMO - AUSÊNCIA DE PROVA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO
DIREITO DA AUTORA - DEVER DE INDENIZAR - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
"'A colisão de veículos pela traseira arrosta,
em princípio, a culpa do condutor do carro que segue à retaguarda. A este
compete, pela inversão do ônus da prova, ilidir a responsabilidade que, em tal
hipótese, lhe é atribuída diante do fato anormal." (Apelação
Cível n. 43.437, de São José, rel. Des. Alcides
Aguiar)."
"Quem conduz atrás de outro, deve fazê-lo com prudência, observando
distância e velocidade tais que, na emergência de brusca parada do primeiro, os
veículos não colidam" (RT 375/301) (Apelação Cível n. 2000.010224-5, rel. Des. Mazoni Ferreira).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação Cível n. 2006.004155-4, da comarca da Capital (5ª Vara Cível), em que
são apelantes João Carlos Rosa Paganella e outro apelada Bradesco Seguros S.A.:
ACORDAM,
RELATÓRIO
Na comarca da Capital, Bradesco
Seguros S.A. ajuizou "ação de reparação de danos por acidente de
veículo", aduzindo, em síntese, que teria firmado com Alexandre Luiz Savi contrato de seguro do veículo GM Kadett, placa CEK
4801, de sua propriedade.
Asseverou que em 18-2-1999, por volta das 11h40min,
ao trafegar pela "Av. Beira Mar Norte", o
mencionado automóvel fora atingido em sua parte traseira pelo veículo GM Kadett,
Ipanema, placa ABG 4273, este de propriedade de João Carlos Rosa Paganella, porém conduzido por Carlos Altemir
Pires Rosa.
Relatou que "o acidente foi claramente
descrito pelas partes envolvidas, consoante demonstra Boletim de Acidente de
Trânsito nº 0091/1999, elaborado pelos policiais que acompanharam a ocorrência,
ficando evidenciada a culpa do condutor do V3, ora
requerido" (fl. 3).
Assinalou que, devidamente acionada, indenizou
integralmente os prejuízos havidos, subrogando-se nos
direitos do segurado.
Relevou, por fim, que, diante da tentativa inexitosa de reaver administrativamente o prejuízo, não lhe
restou outra alternativa senão a via judicial.
Após outras considerações sobre o direito invocado,
requereu a condenação dos réus ao pagamento de R$ 3.698,77, valor indenizado ao
segurado em 15-3-1999, que, devidamente corrigido até 28-2-2001 corresponderia
a R$ 4.171,05, quantia esta a ser atualizada até a data do efetivo pagamento,
bem como de custas e honorários advocatícios (fl. 8).
Realizada a solenidade conciliatória e sem êxito a
proposta de acordo (fl. 39), foi apresentada a contestação (fls. 40-45), na
qual os réus alegaram, preliminarmente, carência de ação por ilegitimidade
passiva ad causam.
No mérito, relevaram que o causador do
abalroamento seria o condutor do veículo V1, uma vez
que não utilizara as cautelas devidas na condução do seu automóvel.
Requereram, ademais, a denunciação da lide
ao condutor do V1 e a seu proprietário,
respectivamente, Gonzalo S. Goeni e Silvane Mare Silveira.
Houve réplica (fls. 47-51).
Em saneador (fls. 55-56), o Magistrado
postergou a apreciação da preliminar arguida, afastou
a denunciação requerida e designou audiência de instrução.
Na solenidade instrutória,
as partes desistiram dos depoimentos pessoais e foi ouvida apenas uma
testemunha (fls. 61-62).
Após
apresentadas as alegações finais pelo autor (fls. 63-67) e pelos réus (fls.
68-69), seguiu-se a sentença que julgou procedente o pedido formulado na exordial para condenar os réus ao pagamento de R$ 3.698,77,
corrigidos monetariamente desde a data do efetivo pagamento (11-3-1999),
acrescidos de juros de mora a partir da citação, bem como ao pagamento de
custas e honorários, estes de 20% sobre o valor da condenação.
Irresignados, os
réus apelaram (fls. 83-88), sustentando que a culpa pelo acidente seria do
condutor do veículo 1, em razão da manobra perigosa
por ele intentada.
Disseram que não haveria elementos nos
autos que conduzissem à culpa dos apelantes, o que afastaria o dever de
indenizar.
Asseveraram que o boletim de ocorrência
limitar-se-ia "a registrar a versão fática dos envolvidos. Do contrário,
sua finalidade se desvirtuaria tornando-o injusta
prova de acusação sujeita à utilização indevida por mal intencionados mediante
o crivo da administração pública, que desconhece a realidade dos fatos por não
se fazer presente no momento do acidente" (fl. 86)
Após as contrarrazões
(fls. 94-99), os autos ascenderam a este Tribunal.
VOTO
Na hipótese, tem-se que a sentença objurgada não merece reparos.
Cuida-se de ação originária de demanda
regressiva movida por seguradora contra o causador do dano no veículo segurado,
decorrente de acidente de trânsito envolvendo engavetamento de três veículos,
descritos no Boletim de Acidente de Trânsito como "v1"
(conduzido por Gonzalo Suim Goñi,
de propriedade de Silvane Mare
Silveira), "v2" (conduzido por e de
propriedade de Alexandre Luiz Savi, veículo segurado)
e "v3" (conduzido por Carlos Altemir Pires Rosa e de propriedade de João Carlos Rosa Paganella, ora réus).
Ao apreciar o feito, o Magistrado julgou
procedente o pedido formulado pela autora para condenar os réus ao pagamento de
R$ 3.698,00 à demandante, corrigidos monetariamente desde a data do efetivo
pagamento, acrescidos de juros de mora a contar da citação, bem como das custas
e honorários advocatícios.
Ao intentarem o seu recurso, os réus
reeditam a tese de que a culpa pelo infortúnio seria do veículo denominado
"v1" no Boletim de Acidente de Trânsito
acostado aos autos, automóvel que, segundo os demandados, teria realizado
manobra perigosa que culminara no acidente de trânsito envolvendo o veículo
segurado.
Asseveram, ademais, não haver elementos nos
autos que conduzam à configuração da sua culpa, o que afastaria o dever de
indenizar imposto na sentença recorrida.
A matéria é singela e, portanto, dispensa
maiores digressões.
Trata-se de colisão de trânsito causada
pelo engavetamento de três veículos.
Os relatos constantes do Boletim de
Acidente de Trânsito (fls. 17, 18, 19) prestados pelos condutores do "v1", "v2" e "v3" comportam, respectivamente, as seguintes versões:
Descrição do fato de veículo 1 - Relata-nos
o condutor do v1 que trafegava no sentido centro/praias pela pista da esquerda quando teve que parar
seu veículo porque os veículos a frente estavam
parados na fila devido ao sinal luminoso, que percebeu pelo espelho retrovisor
que o v2 aproximava-se e conseguiu parar, porém o v3 não conseguiu parar e ao bater na traseira do v2 projetou-o contra a traseira do v1.
Era o relato (fl. 17)
Descrição do fato de veículo 2 - Relata-nos
o condutor do v2 que trafegava no sentido centro/praias pela pista da esquerda quando o v1 a sua frente parou bruscamente, devido ao
congestionamento a sua frente, que o v2 freou e
conseguiu parar seu veículo totalmente, que o v3
vindo atrás do v2 não parou e colidiu com a traseira
do v2, que o projetou lançando-o na traseira do v1. Era o relato (fl. 18)
Descrição do fato do veículo 3 - Relata-nos
o condutor do v3 que trafegava no sentido centro/praias pela pista da esquerda, que o v2 a sua frente parou por causa do v1
que freou bruscamente, sem motivo, que o condutor do v3
ainda tentou frear, porém não conseguiu evitar o choque da dianteira do v3 com a traseira do v2. Era o
relato (fl. 19).
Colhe-se da análise corroborada das versões
apresentadas no Boletim de Acidente de Trânsito que o acidente ocorreu na forma
de engavetamento. Tal fato, portanto, é incontroverso.
Todavia, embora os condutores dos veículos 2 e 3 tenham relatado à autoridade policial, ao descrever o
infortúnio, que o veículo 1 freara bruscamente (o que sustenta a versão dos
réus de que o "v1" seria o responsável pelo
acidente), não há prova nos autos que possa elidir a presunção de culpa
do veículo 3, que colidiu por último no engavetamento ocorrido.
Nessa linha, acerca da presunção juris tantum de
culpa do veículo que colide na traseira em acidente de trânsito, é a
jurisprudência unânime desta Corte, verbis:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REGRESSIVA DE REPARAÇÃO DE
DANOS - SEGURO DE VEÍCULO AUTOMOTOR - COLISÃO NA TRASEIRA - ENGAVETAMENTO -
RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DA SEGURADORA - ÔNUS DA PROVA DE QUEM COLIDE NA TRASEIRA -
INOBSERVÂNCIA DE DISTÂNCIA REGULAMENTAR DE SEGURANÇA - PRESUNÇÃO RELATIVA DE
CULPA NÃO AFASTADA - AUSÊNCIA DE PROVA ACERCA DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO
OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS DEMANDADOS -
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - PEDIDO DE MITIGAÇÃO -
CONDENAÇÃO NO JUÍZO A QUO EM 20% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO - FIXAÇÃO MÁXIMA -
INVIABILIDADE
"'A colisão de veículos pela traseira arrosta,
em princípio, a culpa do condutor do carro que segue à retaguarda. A este
compete, pela inversão do ônus da prova, ilidir a responsabilidade que, em tal
hipótese, lhe é atribuída diante do fato anormal." (ACV
n. 43.437, de São José, rel. Des. Alcides Aguiar)."
"Quem conduz atrás de outro, deve fazê-lo com
prudência, observando distância e velocidade tais que, na emergência de brusca
parada do primeiro, os veículos não colidam" (RT 375/301).
Concorrendo vários agentes para um mesmo resultado
danoso, devem todos responder solidariamente pela reparação (Apelação Cível n.
2000.010224-5, rel. Des. Mazoni Ferreira).
ACIDENTE DE TRÂNSITO - AÇÃO REGRESSIVA PROMOVIDA
PELA SEGURADORA CONTRA ATO DO PREPOSTO DA ADMINISTRAÇÃO -
ENGAVETAMENTO COMPROMETENDO CINCO VEÍCULOS - FILA
"Em geral, a presunção da culpa é sempre
daquele que bate na traseira de outro veículo. Constitui princípio elementar de
condução de veículo a observância de distância suficiente para possibilitar
qualquer manobra rápida e brusca, imposta por súbita freada do carro que segue
à frente" (A Reparação nos Acidentes de Trânsito: Lei 9.503, de
23.09.1997. 9. ed. rev., atual. e ampl.
- São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 299).
2. Os danos materiais em que deve ser condenada a
FATMA referem-se somente aos prejuízos causados na traseira
do veículo segurado, vez que quando abalroado pelo veículo da apelada o
veículo segurado já havia batido na sua parte dianteira, o que devem ser
identificadas as peças abalroadas na parte traseira em liquidação de sentença
na forma do art. 603 e seguintes do CPC (Apelação Cível n. 2003.012377-6, rel. Des. Nicanor da Silveira).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO POR ACIDENTE
DE TRÂNSITO - COLISÕES SUCESSIVAS - ENGAVETAMENTO - RESPONSABILIDADE DO VEICULO
QUE COLIDE POR ÚLTIMO - DISTÂNCIA MÍNIMA NÃO OBSERVADA
- DESRESPEITO ÀS NORMAS DE TRÂNSITO - DEVER DE INDENIZAR - DENUNCIAÇÃO DA LIDE
- AUSÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SENTENÇA MANTIDA -
RECURSO DESPROVIDO.
É evidente a culpa do motorista que, em caso de colisão múltipla, por último
abalroa o veículo que segue a sua frente, arremessando-o contra os demais.
"Entre o autor da ação e aquele que foi denunciado pela parte ré não há
relação jurídica. No caso de denunciação da lide configuram-se duas vinculações
jurídicas distintas: uma que se opera entre o autor da ação e o réu denunciante
e outra entre este último e o denunciado. Assim, é vedada a responsabilização
direta do terceiro denunciado sem que haja a condenação do denunciante"
(TJSC, Des. Luiz Cézar
Medeiros) (Apelação Cível n. 2007.037671-1, rel. Des.
Fernando Carioni).
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. VEÍCULO CONDUZIDO
O motorista de veículo automotor que colide na traseira de outro automóvel que
segue imediatamente à sua frente, salvo prova em
contrário, é presumivelmente culpado pelo acidente, em razão de sua falta de
atenção e cuidados essenciais à segurança do trânsito.
PROCESSUAL CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PRESSUPOSTOS LEGAIS: DANO PROCESSUAL E
DOLO OU CULPA GRAVE. INTELIGÊNCIA DO ART. 17 DO CPC.
Para a configuração da lide temerária do art. 17 do CPC, é necessária a
presença concomitante dos elementos objetivo e subjetivo: o primeiro deles está
no dano processual, demonstrado pelo prejuízo efetivo causado à parte contrária
com a conduta injurídica desfechada pelo litigante de má-fé; já o elemento
subjetivo é verificado no dolo e na culpa grave da parte cavilosa, cuja prova
deve ser produzida nos autos e não restar presumida por meio de adminículos (Apelação Cível n. 2002.013165-8, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS
"Sendo a frenagem um fenômeno previsível, age
com imprudência o condutor do veículo que trafega em velocidade incompatível
com as condições de tempo e lugar, ainda que não excedente ao limite legal,
colidindo contra veículo que segue à frente" (AC n.º 97.010821-4, Des. Pedro Manoel Abreu)." (ACV n. 99.020636-0 - Rel. Des. Newton Trisotto) (Apelação
Cível n. 2003.014718-7, rel. Des. Wilson
Augusto do Nascimento).
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO
TRASEIRA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE CULPA NÃO DERRUÍDA. NECESSÁRIA COMPROVAÇÃO
DE FATO EXTRAORDINÁRIO E IMPREVISÍVEL. NECESSIDADE DE RESGUARDAR DISTÂNCIA
SEGURA DO AUTOMÓVEL ANTECESSOR. APLICAÇÃO DO ARTIGO 29, II DA LEI 9.503/97.
LUCROS CESSANTES. AFASTADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
Presume-se a culpa do motorista que abalroa a parte
traseira do veículo que o precede, ante o dever de guardar distância segura que
possibilite manobra emergencial (art. 29, II da Lei n.º 9.503/97). Tal presunção,
contudo, é relativa, podendo ser derruída por prova robusta
que aponte fato extraordinário e imprevisível, o que não se configurou na
espécie (Apelação Cível n. 2007.010798-9, rel. Des.
Stanley da Silva Braga).
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO
DE DANOS CAUSADOS
Assim, não tendo os réus, condutor e proprietário
do veículo, se desincumbido do ônus de provar a existência de fato
extraordinário e imprevisível que pudesse derruir a presunção juris tantum de
culpa do veículo que colide por último no engavetamento, afiguram-se
responsáveis pelo infortúnio e pelo pagamento dos danos dele decorrentes.
Por tais razões, à luz dos precedentes
jurisprudenciais adiante colacionados, vota-se pelo conhecimento e
desprovimento do reclamo.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, esta Segunda Câmara
de Direito Civil decide, por unanimidade, conhecer do presente recurso e
negar-lhe provimento.
O julgamento, realizado no dia 5
de novembro de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador
Luiz Carlos Freyesleben, com voto, e dele participou
o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Izidoro Heil.
Florianópolis, 12 de novembro de 2009.