ACIDENTE POR EMBRIAGUEZ

 

APELAÇÃO CÍVEL N.º 582610-8, DA COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO, 1ª VARA CÍVEL

APELANTE: BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A

APELADA: MARLY DE SCARLETT JUCIANI DE AQUINO

RELATOR: VITOR ROBERTO SILVA (Cargo Vago - Des. Ronald Schulman)


CIVIL. SEGURO DE VIDA. CONDUTOR EMBRIAGADO. LAUDO PERICIAL. DINÂMICA DO ACIDENTE. EMBRIAGUEZ. CAUSA DO EVENTO DANOSO. AGRAVAMENTO DO RISCO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
As circunstâncias do acidente evidenciam que a comprovada embriaguez do segurado contribuiu decisivamente para a ocorrência do sinistro, fato suficiente para excluir o dever de cobertura da seguradora.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 582610-8, da Comarca de Francisco Beltrão, 1ª Vara Cível, em que é apelante Bradesco Vida e Previdência S/A. e é apelada Marly de Scarlett Juciani de Aquino.

Marly de Scarlett Juciani de Aquino ajuizou ação de cobrança de indenização securitária em face de Bradesco Vida e Previdência S/A, sob o fundamento de que seu cônjuge faleceu em acidente automobilístico e a requerida lhe negou o pagamento do valor da indenização referente à morte acidental, efetuando somente o pagamento referente à garantia básica (morte natural), sob a alegação de que o segurado estava embriagado. (fls. 02/23)

Depois de regular trâmite, sobreveio sentença de procedência do pedido ao efeito de condenar a requerida ao pagamento da diferença entre a indenização correspondente à garantia básica e à por morte acidental (fls. 222/231).

Inconformada, a requerida apresentou apelação, alegando, em síntese, que: a) o segurado assumiu direção de veículo automotor sob a influência de bebida alcoólica, com teor apurado de 20,7 dg/l; b) a apelada não comprovou que a morte de seu marido se deu por motivos diverso da ingestão de álcool; c) o uso de bebida alcoólica, culminando com a completa embriaguez do segurado, foi a causa primária de agravamento do risco e o acidente com a morte foi a conseqüência desta lamentável condição; d) se mantida a condenação, a correção monetária é devida a partir do ajuizamento da ação. Requereu a reforma da decisão para o fim do pedido ser julgado improcedente ou, se mantida a procedência do pedido, para ser alterado o termo inicial da correção monetária. (fls. 233/245)

O recurso foi respondido. (fls. 250/267)

É o relatório.

O apelo é tempestivo, adequado e preenche os demais requisitos necessários à sua admissibilidade, de modo que deve ser conhecido.

Em primeiro grau, o pedido foi acolhido sob o fundamento de que a causa provável do acidente foi o tempo chuvoso, bem como que a conduta do segurado, para excluir a responsabilidade da seguradora, "deve ser de tal modo grave que se aproxime do dolo. É necessário, pois, que a embriaguez funcione como a actio libera in causa do direito penal" (fls. 228, 2º parágrafo).

No entanto, para ser excluída a responsabilidade da seguradora basta ficar evidente ter sido a embriaguez a causa do acidente, na exata medida em que tal caracteriza notório agravamento do risco (STJ: REsp 1081130, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 17.12.2008 e AgRg no REsp 637.240, rel. Min. Castro Filho, DJ 11.09.2006), o que, independente da existência de válida disposição contratual, é vedado por norma legal expressa (artigo 768 do Código Civil). Logo, não é necessário que o segurado tenha se embriagado dolosamente para sofrer um acidente ou algo semelhante, hipótese, convenhamos, raríssima, senão impossível.

No caso em apreço, está devidamente comprovado o estado de embriaguez do segurado. A alusão da apelada à resolução administrativa não convence, pois, além de não ser bastante para suplantar norma legal (agravamento do risco pelo segurado), em se tratando de óbito, não há outra maneira de ser atestada a embriaguez senão pela análise do sangue do falecido. No caso, o laudo complementar do IML é inequívoco em demonstrar o acentuado grau etílico do falecido (20,7dg/l - fls. 62)

Por outro lado, como se verifica do Boletim de Ocorrência, embora o acidente tenha ocorrido num dia chuvoso, a pista era asfaltada, tinha acostamento, também asfaltado, sinalização adequada e, o que é de suma relevância, o evento ocorreu praticamente numa reta e com pequeno aclive (vide croqui de fls. 116).

Essa dinâmica do acidente é suficiente para evidenciar que a embriaguez foi a causa primária do infeliz evento. Ora, como outro veículo não se envolveu no acidente, parece claro que o segurado somente perdeu o controle de seu veículo, em pista asfaltada e em local com aclive e praticamente sem curva, em face de sua acentuada embriaguez. Esse descontrole, não fosse a grave embriaguez do motorista, seria inexplicável.

Noutros termos, à míngua de outro evento externo capaz de contribuir para o acidente, se impõe a conclusão de que foi a embriaguez do segurado o fator decisivo para a sua ocorrência, pois notórios os nefastos efeitos nos reflexos que esse estado causa em qualquer pessoa. A propósito, não impressiona eventual adversidade climática (chuvas), pois, nesse caso, o segurado deveria ter cuidado redobrado.

Como já salientado, ficou demonstrado pelo laudo do IML que o segurado estava com a concentração de 20.7 dg/l quando do acidente (fls. 62), isto é, com quase 03 (três) vezes o máximo legalmente permitido (artigo 165 do CTN). Essa quantidade de álcool demonstra que o segurado estava alcoolizado e incapacitado para dirigir veículos automotores. Não impressionam, a respeito, as ponderações acerca da variação de efeitos conforme as características de cada pessoa. Malgrado isso seja verdadeiro, eventual situação peculiar do segurado deveria ser provada pela autora. De todo modo, quantia tão elevada de álcool destitui a assertiva de qualquer credibilidade.

Relativamente ao distúrbio mental ocasionado pela ingestão de álcool, é importante salientar que, por tabela fornecida pelo Centro de Controle de Intoxicações da Unicamp, encontrada no site "http://www.saudevidaonline.com.br/alcool.htm", a quantidade de 10 dg/dl já causa a inabilitação para dirigir por diminuir as reações e alterar as habilidades sensoriais, enquanto a quantidade de 12 dg/dl causa intoxicação geral, levando à alteração de personalidade e mudança de comportamento e, por fim, quantidades entre 20 e 22 dg/dl (caso do segurado) causa perda do estado de alerta e letargia. É nesse último estágio que, lamentavelmente, se encontrava o segurado, cuja condição, por óbvio, contribuiu sobremaneira para o acidente.

Frise-se que o segurado possuía higidez mental e ao ingerir álcool em quantidade capaz de alterar os seus sentidos e dirigir veículo automotor (ato proibido pelo CTN e do qual não poderia alegar ignorância) causou perigo a si próprio e à sociedade. É oportuno salientar que há muito existe maciça campanha publicitária acerca dos nefastos efeitos da combinação "álcool e direção", daí ser inócua eventual alegação de desconhecimento dos riscos de se dirigir veículo automotor depois de ingestão de bebida alcoólica, ainda mais em quantidade expressiva.

A jurisprudência ampara essa conclusão:

"APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - SEGURO DE VIDA EM GRUPO - COBRANÇA - MORTE - RECUSA DA SEGURADORA MOTIVADA POR EMBRIAGUEZ DO SEGURADO - LAUDO DE DOSAGEM ALCOÓLICA QUE ACUSA 26 DG/L - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O 'laudo de dosagem alcoólica' acusa resultado positivo para álcool etílico com concentração de 26 dg/l por litro de sangue analisado (f. 82). Ademais, o CTB prescreve, no "caput" do art. 276, que a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor." 2. Por uma questão de razoabilidade é de se levar em consideração que o segurado agravou, e em muito, o risco. 3. Não há que se falar em desconhecimento de cláusula contratual que preveja a exclusão de cobertura, pois há muito que direção e bebida não combinam. Não é possível crer que o segurado não soubesse disso, apesar da maciça divulgação pelos meios de comunicação e campanhas estatais divulgando os males do álcool na direção. 4. Pode e deve o magistrado julgar as demandas que se apresentam norteado por máximas de experiência e por princípios condutores do ordenamento jurídico que se quer justo e adequado." (TJPR - 10ª C. Cível - AC 0422866-0 - Francisco Beltrão - Rel.: Des. Arquelau Araujo Ribas - Unanime - J. 11.10.2007)

"AÇÃO DE COBRANÇA - SEGURO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ESTADO DE EMBRIAGUEZ DO SEGURADO - 19,5 DG/L DE ÁLCOOL ETÍLICO NO SANGUE - LAUDO DO INSTITUTO MÉDICO LEGAL - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE NÃO ELIDIDA PELOS INTERESSADOS - INEXISTÊNCIA DE OUTRO FATOR QUE CONCORRESSE PARA A OCORRÊNCIA DO ACIDENTE - HIPÓTESE DE EXCLUSÃO DA COBERTURA - RECURSO NÃO PROVIDO.
1 - O ônus de comprovar a falsidade do laudo toxicológico cabia aos Apelantes, do qual, no entanto, não se desincumbiram a contento.
2 - Não tendo concorrido qualquer outro fator para a ocorrência do acidente, deve incidir a cláusula limitativa da responsabilidade da seguradora Apelada constante das Condições Gerais da Apólice."
(TJPR - 10ª C. Cível - AC 0415069-0 - Cascavel - Rel.: Des. Ronald Schulman - Unanime - J. 21.06.2007)

"APELAÇÃO CÍVEL - SEGURO DE AUTOMÓVEL - MORTE DO SEGURADO - EMBRIAGUEZ - PROVA PERICIAL - PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE VERACIDADE - ÔNUS DA PROVA DO AUTOR - AGRAVAMENTO DO RISCO CONTRATADO - SENTENÇA MANTIDA. 1. O exame de dosagem do teor de etanol no sangue do condutor é documento público de modo que possui presunção iuris tantum, a qual será elidida por meio de provas em contrário, cujo ônus pertence ao autor nos termos do art.333, I do CPC. 2. Notório o agravamento do risco pelo segurado que ao conduzir veículo embriagado, configura conduta reprovável e punível pelo Código Nacional de Trânsito, inclusive, razão pela qual não se trata de cláusula abusiva. 3. O nexo de causalidade entre a embriaguez e o acidente está demonstrado razão pela qual a cobertura securitária foi negada. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO."
(TJPR - 9ª C.Cível - AC 0418874-3 - Cascavel - Rel.: Desª Rosana Amara Girardi Fachin - Unanime - J. 01.11.2007)

"CIVIL. SEGURO DE VIDA E AUTOMÓVEL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. FALECIMENTO DO SEGURADO. EMBRIAGUEZ COMPROVADA. Violação ao artigo 1.454 do CC. Exclusão da obrigação de indenizar por parte da seguradora. Resta caracterizada a culpa grave, assim como a exclusão da responsabilidade contratual da seguradora em indenizar o sinistro, tanto em relação ao seguro de vida quanto ao seguro de automóvel, com a constatação da embriaguez do segurado no momento de ocorrência do acidente fatal. Flagrante violação ao preceito contido no artigo 1.454 do código civil. Apelo improvido." (TJRS, Ap. Cível nº 70000732438, rel. Carlos Alberto Bencke, j. em 29/06/2000).


Não é diversa a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE SEGURO DE VEÍCULO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ COMPROVADA. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. Não se verifica a suscitada violação ao art. 535 do CPC, porquanto as questões submetidas ao Tribunal de origem foram suficiente e adequadamente delineadas com abordagem integral do tema e fundamentação compatível. 2. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que a embriaguez do segurado, por si só, não enseja a exclusão da responsabilidade da seguradora prevista no contrato, ficando condicionada a perda da cobertura à efetiva constatação de que o agravamento de risco foi condição determinante para a ocorrência do sinistro. Precedentes. 3. Analisando o conjunto probatório dos autos, concluiu o Tribunal de origem que o agravamento do risco decorrente do estado de embriaguez do condutor do veículo, influiu, decisivamente, na ocorrência do acidente, não podendo a questão ser revista em âmbito de Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 7 desta Corte. 4. Da leitura das razões expendidas na petição de agravo regimental, não se extrai argumentação relevante apta a afastar os fundamentos do julgado ora recorrido. Destarte, nada havendo a retificar ou acrescentar na decisão agravada, deve esta ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1024723, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe 31.08.2009)

RECURSO ESPECIAL - CONTRATO - SEGURO DE VIDA - EMBRIAGUEZ - CONDIÇÃO INSUFICIENTE A AFASTAR O DEVER DE INDENIZAR - PRECEDENTES - CIRCUNSTÂNCIA
EM QUE O SEGURADO, AGINDO COM CULPA, CAUSA O EVENTO DANOSO - EXCLUDENTE CARACTERIZADA - RECURSO NÃO CONHECIDO. 1 - Este Tribunal já se manifestou no sentido de que a constatação de dosagem etílica no sangue do condutor em patamar superior ao permitido por lei, por si, não é causa apta a eximir a seguradora de pagar a indenização. 2. É de se afastar o dever de o ente segurador indenizar em ocasiões tais em que a embriaguez do segurado agrava potencialmente o risco do acidente, tendo sido, inclusive, condição determinante para a ocorrência do sinistro. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 1081130, rel. Min. Massami Uyeda, DJe 17.12.2008)

CIVIL. SEGURO DE VIDA. EMBRIAGUEZ. A cláusula do contrato de seguro de vida que exclui da cobertura do sinistro o condutor de veículo automotor em estado de embriaguez não é abusiva; que o risco, nesse caso, é agravado resulta do senso comum, retratado no dito "se beber não dirija, se dirigir não beba". Recurso especial não conhecido. (REsp 973725, rel. Min. Ari Pargendler, DJe 15.09.2008)


Por fim, é oportuno salientar que o valor do prêmio pago correspondia aos riscos cobertos, de modo que se a seguradora assumisse o risco de morte acidental decorrente de direção perigosa pelo uso de substâncias capazes de alterar os sentidos, como o álcool, muito provavelmente o valor do prêmio pago seria superior.

Nessas condições, meu voto é no sentido de conhecer e dar provimento ao apelo ao efeito de julgar improcedente o pedido. Em conseqüência, ficam invertidos os ônus de sucumbência, pelo que a autora arcará com as custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), levando-se em consideração a baixa complexidade da causa, a necessidade de instrução e o trabalho efetivamente exigido dos advogados (art. 20, § 4º, CPC).

Nessa conformidade:

ACORDAM os integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.

Presidiu o julgamento o Desembargador Valter Ressel, sem voto, e dele participaram o Juiz Albino Jacomel Guerios (revisor) e o Desembargador Nilson Mizuta.

Curitiba, 08 de outubro de 2.009.


VITOR ROBERTO SILVA
= Relator =