ACIDENTE DE TRÂNSITO RESULTANDO DANO ESTÉTICO
Apelação Cível n. 2007.053029-8, de Itajaí
Relator: Des. Luiz Carlos
Freyesleben
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. AUTOMOTOR INVASOR DA PISTA DE
DIREÇÃO CONTRÁRIA AO REALIZAR ULTRAPASSAGEM, VINDO A COLIDIR, FRONTALMENTE, COM
MOTOCICLISTA. FATOS INCONTROVERSOSCOONESTADOS PELO BOLETIM DE OCORRÊNCIA.
ALEGADA CULPA DO MOTOCICLISTA POR FALTA DE HABILITAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. MERA
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE NÃO CONTRIBUIU PARA O ACIDENTE. DEVER DE INDENIZAR
CARACTERIZADO. INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. POSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO. CRITÉRIO PARA O ARBITRAMENTO DAS VERBAS INDENIZATÓRIAS.
RAZOABILIDADE. REDUÇÃO CABÍVEL. APELO DO RÉUCONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
AUTOR QUE FORMULA PEDIDO DE REFORMA DA SENTENÇA
O motorista que invade a mão de direção contrária e
colide com motociclista trafegando em sentido oposto responde pelos danos
causados por sua conduta culposa.
A ausência de habilitação para conduzir motocicletas
caracteriza mera infração administrativa, a não ensejar a responsabilização
concorrente do autor, em acidente de trânsito, exceto se o fato for corroborado
por prova concreta de sua culpa, ônus que a lei processual civil imputa ao réu
(CPC, art. 333, I).
Doutrina e jurisprudência
dominantes admitem a cumulação entre os danos morais puros e os danos
estéticos, mormente porque têm eles origem diversa: enquanto os primeiros
decorrem do sofrimento psíquico e do abalo à honra, estes últimos provêm do aleijão
ou da deformidade à que a vítima foi submetida.
A indenização do dano moral há de ser fixada pelo
magistrado para servir, ao mesmo tempo, de abrandamento da dor experimentada
pelo ofendido, com o devido cuidado para não torná-lo rico sem causa, e de exemplo
pedagógico, com vistas a evitar a recidiva do ofensor, devendo conter, em si
mesmo, a força de séria reprimenda.
A apelação é o instrumento processual adequado à
impugnação da sentença (CPC, art. 515), razão por que não se deve conhecer das
insurgências contra a decisão a quo
externadas em contrarrazões recursais.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação Cível n. 2007.053029-8, da comarca de Itajaí (3ª Vara Cível), em que é
apelante Luiz da Silva Paz e apelado Luciano Osni de
Mello:
ACORDAM,
RELATÓRIO
Luiz da Silva Paz apelou da sentença da doutora
Juíza de Direito da 3ª Vara Cível da comarca de Itajaí que, em ação de
reparação de danos, movida contra ele por Luciano Osni
de Mello, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o réu ao
pagamento de R$ 20.000,00 por danos morais e R$ 10.000,00 por danos estéticos,
além de custas processuais e verba honorária de 15% do valor da condenação.
Disse que a vítima Luciano Osni
de Mello não estava habilitada a conduzir motocicletas, razão por que se
presume sua culpa por imperícia. Ademais, relatou que o autor foi criminalmente
condenado pelo fato. Assim, pleiteou a atribuição de culpa exclusiva ao autor.
Contudo, se não for esse o entendimento da Câmara, requer o reconhecimento de
culpa concorrente, com vistas a reduzir os valores indenizatórios à metade.
Combate, ainda, a sentença quanto à fixação dos
valores condenatórios, reputando-os exagerados, mormente se se
considerar que a atualização monetária elevará o valor da condenação a algo em
torno deR$ 80.000,00.
Aduziu que doutrina e jurisprudência
dominantes não admitem a cumulação de danos morais e estéticos, razão
por que entende necessária a redução da verba indenizatória (fls. 292-298).
Luciano Osni de Mello
contra-arrazoou às fls. 306-312 e pleiteou a majoração dos valores
indenizatórios.
VOTO
É apelação cível de Luiz da Silva Paz de sentença
da doutora Juíza de Direito da 3ª Vara Cível da comarca de Itajaí que, em ação
de ressarcimento de danos causados em acidente de veículos, movida contra ele
por Luciano Osni de Mello, julgou parcialmente
procedentes os pedidos.
Ressalta-se, desde logo, não ser possível conhecer
do pedido formulado pelo autor em contrarrazões de
apelação, que visa à majoração das verbas indenizatórias por danos morais e
estéticos, temas que deveriam ser objeto de apelo, conforme o art. 515 do
Código de Processo Civil. Afinal, "a apelação é o instrumento processual
adequado à impugnação da sentença (CPC, art. 515), não se conhecendo das
insurgências formuladas em contra-razões recursais" (Ap. Cív. n. 2008.041204-1, de Tubarão,
deste relator, j. 18-12-2008).
Quanto ao apelo do réu Luiz da Silva Paz, visando à
atribuição de culpa exclusiva ao autor, porquanto não estivesse habilitado a
conduzir motocicletas, não merece agasalho, porquanto se saiba que a falta de
habilitação não dá margem à presunção de culpa do condutor de
veículo envolvido em acidente de trânsito, por não caracterizar mais do que
simples infração administrativa ou, no máximo, contravenção penal.
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL, MORAL E ESTÉTICO
A falta de carteira de habilitação constitui mera
infração administrativa e não gera presunção de culpa do motorista,
que somente será responsabilizado se comprovada sua conduta culposa na direção
do veículo (Ap. Cív. n.
2006.002819-2, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. Mazoni Ferreira, j. 5-12-2008).
Como se viu, o tema já foi enfrentado nesta Câmaras, constando deacórdão
subscrito pelo eminente desembargador Mazoni
Ferreira, em que afirma:
Frise-se, por fim, que o fato de o condutor do
veículo causador do sinistro não possuir carteira de habilitação configura
tão-somente infração administrativa, não havendo indícios de que isto tenha
contribuído para a ocorrência do acidente. Ademais é irrelevante que o condutor
não possua habilitação legal se, à época do sinistro, sabia dirigir (Ap. Cív. n. 2006.002819-2, de Dionísio
Cerqueira, j. 5-12-2008).
O Desembargador citou, ainda, os seguintes
precedentes em seuacórdão, todos perfeitamente
aplicáveis à hipótese em comento:
INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO
OCORRIDA
Ressarcimento por danos causados em acidente de
veículo de via terrestre - Trânsito e marcha a ré - Ônus da prova - Indenização
indevida - Pressupostos não caracterizados - Reclamo -
Desprovimento (...) A falta de carteira de habilitação é despicienda
quando o sinistro não aconteceu por ato do motorista não habilitado (Ap. Cív. n. 96.010751-7, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Francisco Oliveira Filho, j. 11-3-1997).
[...] FALTA DE HABILITAÇÃO - PRESUNÇÃO DE CULPA
- INOCORRÊNCIA. 'A falta de carteira de habilitação não influi na
responsabilidade civil pela colisão de veículos, quando não tenha havido culpa
do condutor não habilitado' (RF 156/298) (Ap. Cív. n. 98.006871-1, de Itajaí, rel. Des.
Eder Graf, j. 20-4-99).
A inexistência de habilitação constitui uma simples
infração de natureza administrativa, não gerando presunção de culpa
do motorista, que somente seria responsabilizado se comprovada sua conduta
culposa na direção do veículo (TJDF, AC n. 1999.015004236-6, rel. Des. Sérgio Bittencourt).
A ausência de carteira de habilitação por parte do
motorista envolvido no evento sinistro, por si só não lhe impõe a
responsabilidade em indenizar se a ela não se encontra aliada a demonstração de sua culpa (TAPR, Ap. Cív.
n. 165903600, rela. Juíza Maria José Teixeira).
A falta de carteira de habilitação para dirigir
motocicleta não faz presumir a culpa de seu condutor, tratando-se de mera
infração administrativa, e deve ser levada em consideração em conjunto com os demais
elementos de prova constantes dos autos (TAMG, Ap. Cív.
n. 313.163, rela. Juíza Maria Elza).
Por isso, não se pode imputar culpa ao autor com
base apenas no fato de não portar habilitação para conduzir motocicletas, como
pretende o apelante. Doutra parte e por isso mesmo,
não há falar em culpa concorrente, porque bem evidenciado que o réu apelante,
conduzindo um automóvel Ford Belina II, invadiu a pista de direção contrária ao
realizar manobra de ultrapassagem de um terceiro automóvel, vindo a colidir,
frontalmente, com o motociclista que trafegava, regularmente, em sua mão de
direção. Para tanto, basta a análise, ainda que superficial, do boletim de
ocorrência de fls. 77-78, dotado de presunção de veracidade que cede apenas
diante de prova maior em sentido contrário, o que, na hipótese, não ocorre.
O ônus de provar que os fatos se desenrolaram de
maneira diferente da retratada no BO é do réu, conforme o artigo 333, II, do
Código de Processo Civil, de modo que, não sendo produzida a prova de que se
trata, outra não pode ser a solução senão a manutenção da sentença quanto à
culpabilidade pelo acidente de trânsito.
A respeito da possibilidade de cumulação entre os
danos morais puros e os estéticos, não há dúvida de que essas espécies de danos
são perfeitamente cumuláveis, tendo em vista suas origens diversas.
Neste sentido, precedente do eminente Desembargador
Mazoni Ferreira:
O dano estético está ligado à aceitação social do
indivíduo marcado por um aleijão, ou qualquer outra alteração física que
provoque reação, enquanto que a indenização por dano moral objetiva, mais
precisamente, a compensação interior da vítima, isto é, um meio de conformá-la
em razão do que veio a sofrer e com a convivência que terá em sua lembrança,
visto que toda vez que se deparar com as limitações decorrentes do acidente
sofrerá intrinsecamente, ainda que sozinha e afastada do convívio humano.
O acolhimento do pedido indenizatório de "dano
estético" não evidencia que o "abalo moral" também suportado
pela vítima tenha deixado de existir ou foi satisfeito, e vice-versa (Ap. Cív. n. 2006.009134-6, de Lages,
rel. Des. Mazoni Ferreira,
j. 15-3-2007).
Quanto aos valores das indenizações por danos
morais e estéticos, fixados, respectivamente, em R$ 20.000,00 e R$ 10.000,00, é
necessária a redução, pois as quantias foram arbitradas em valores que
extrapolam a capacidade financeira do réu.
Sabe-se que não há, na legislação pátria,
parâmetros seguros com vistas à fixação de valores para danos morais, o que
torna a tarefa judicial bastante árdua, ante a quase imponderabilidade do preço
da dor moral.
Difícil, senão impossível, aquilatar-se, numa justa
medida, o abalo infligido à alma do ser humano moralmente ofendido. Contudo,
contrariaria o senso de justiça deixar sem reparo o abalo ou lesão moral
cometida contra o cidadão. Assim, atenta a isso, a Justiça tem punido os
infratores das regras protetoras da honra, do bom nome, da boa imagem e do
psiquismo de todos quantos venham a sofrer ofensas capazes de gerar dores n'alma dos ofendidos. E esse reparo monetário dá-se da
mesma forma em que é devida a reparação por lesões de ordem patrimonial ou à
integridade física do ser humano, ainda que os métodos de reconhecimento do
fato danoso e o modo de reparação guardem, entre si, algumas diferenças, tantas
vezes já comentadas em ações desta natureza.
Na aferição da importância em dinheiro destinada à
vítima, há que se atender a critérios básicos, tais como:
a) a intensidade e duração da dor sofrida; b) a
gravidade do fato causador do dano; c) a condição pessoal (idade, sexo etc.) e
social do lesado; d) o grau de culpa do lesante; e) a
situação econômica do lesante. (cf.
Prof. Fernando Noronha) (Ap. Cív. n.
97.003972-7, de Mafra, rel. Des. Pedro Manoel Abreu,
j. 13-5-1999).
Evidente que, à míngua dos já mencionados
parâmetros fixos com que trabalhar, o juiz de direito vê-se em conflito, no
mais das vezes, com o seu bom senso, tendo o cuidado de não atingir
profundamente a situação econômico-financeira do causador do dano, evitando
entregar à vítima um importe monetário insuportável para o lesante
e enriquecedor sem causa ao lesado.
Na hipótese, os valores fixados em primeiro grau
(R$ 20.000,00 para os danos morais puros e R$ 10.000,00 para os danos
estéticos), como dito, estão acima da capacidade econômica do réu, mormente
diante da observação de que tais importâncias, atualizadas e com adição de
juros de mora, atingem cifra próxima dos R$ 95.000,00.
Não se pretende negar que o acidente causou danos
morais e estéticos ao autor, de significativa intensidade.
As fotografias de fls. 22-27 dão a exata dimensão
das sequelas deixadas no corpo do autor, mormente em
sua perna esquerda e cotovelo esquerdo, a justificar a fixação de indenização
que minimize o prejuízo estético e a dor moral.
Observo, ainda, que o autor amputou parte de um dos
dedos da mão esquerda. Contudo, a indenização não pode penalizar o ofensor em
grau maior do que o suportável, sob pena de prejuízo para o próprio autor, que
ficaria sem receber as indenizações devidas. Estas as razões por que reduzo o
valor da condenação por danos morais puros de R$ 20.000,00 para R$ 15.000,00,
com correção a partir da data deste julgamento, mantendo os danos estéticos em
R$ 10.000,00.
Os juros de mora contabilizam-se a partir do evento
danoso, conforme consta da sentença e a respeito do que não houve impugnação
das partes.
Quanto aos ônus sucumbenciais,
é de manter-se a sentençacondenatória do réu ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários
advocatícios, estes fixados em 15% do valor da condenação, por estar em
conformidade com a redação do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, conhece-se do apelo do réu e dá-se-lhe parcial provimento para reduzir a indenização por
danos morais puros, mantidos os estéticos, nos termos previamente expostos.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, por votação unânime,
conheceram do recurso e proveram-no em parte.
O julgamento foi realizado no dia 22 de outubro de
2009 e dele participaram, com votos vencedores, os Exmos.
Srs. Des. Mazoni Ferreira
(Presidente) e Sérgio Izidoro Heil.
Florianópolis, 13 de novembro de 2009.
Luiz Carlos Freyesleben
RELATOR