INTERRUPÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA

Apelação Cível n. 2009.030254-7, de Blumenau

Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros

CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE SERVIÇOS DE TELEFONIA - DANOS MORAIS - INOCORRÊNCIA

1 O inadimplemento contratual, na ausência de fato específico que cause abalo moral, em regra, somente obriga à indenização dos danos materiais.

2 A interrupção ou suspensão equivocada do fornecimento de serviços de telefonia, que não origina transtornos de ordem moral, mas meros dissabores e incômodos, não dá azo à obrigação de indenizar a esse título.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.030254-7, da Comarca de Blumenau (2ª Vara Cível), em que são apelantes e apelados Tim Celular S/A e Clínica de Rins Vale do Itajaí S/C:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar provimento ao recurso da ré para julgar improcedente o pedido inicial. Prejudicado o recurso da autora. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Clínica de Rins Vale do Itajaí S/C Ltda. ajuizou ação de reparação de danos contra Tim Celular S.A aduzindo que, no dia 1º.04.2008, "todos os 75 (setenta e cinco) telefones celulares disponíveis à Requerente foram bloqueados, sob a alegação de falta de pagamento da fatura correspondente ao mês de novembro/2007" (fl. 3).

Narrou que, com o ocorrido toda a equipe médica "incluindo os médicos e enfermeiros de plantão, bem como diversos funcionários do setor administrativo da empresa ficaram absolutamente indisponíveis e incomunicáveis durante as 24 horas do 01/04/2008" (fl. 4).

Afirmou que "a cobrança do pagamento da fatura referente ao mês de novembro/2007 era completamente INDEVIDA, sendo que a Requerente já havia efetuado o devido pagamento de tal fatura no prazo de seu vencimento" (fl. 4).

Salientou ainda que "a correspondência encaminhada pela Requerida, a qual comunicava a Requerente do suposto débito e ameaçava o bloqueio em caso de não pagamento até o dia 29/03/2008, que o valor então cobrado - R$ 10.658,96 (dez mil seiscentos e cinqüenta e oito reais e noventa e seis centavos) -, sequer correspondia ao valor da fatura de novembro/2007, que era de R$ 12.490,60 (doze mil quatrocentos e noventa reais e sessenta centavos)" (fl. 4).

Por fim, pleiteou a condenação da requerida ao pagamento de indenização por dano moral (fl. 13).

O Meritíssimo Juiz, Doutor Jorge Luiz Costa Beber, julgou procedente o pedido, registrando no decisum:

"ANTE O EXPOSTO, e pelo o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS aforada por CLÍNICA DE RINS VALE DO ITAJAÍ S/C LTDA em desfavor de TIM CELULAR S/A para, em conseqüência, condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 4.500,00, a título de indenização por danos morais, atualizada monetariamente desde a data do ilícito (01.04.08) e acrescidas de juros de mora, estes contados da data da sentença.

"Outrossim, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários em favor do patrono da demandante, arbitrados em 15% sobre o valor total devido, ex vi do art. 20, § 3º, do CPC" (fls. 82-88).

Inconformados com o teor da decisão, as partes apelaram.

A empresa ré, sustenta que: a) o quantum deverá ser minorado; b) os juros e correção monetária deverão ser contados a partir do trânsito em julgado da sentença e c) os honorários advocatícios deverão ser reduzidos. Ao final, requereu a reforma total da decisão (fls. 90-107).

Igualmente inconformada a empresa autora aduziu que o valor fixado a título de danos morais deverão ser majorados para o percentual de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (fls. 109-118).

Apresentadas as contrarrazões às fls. 134-143 e 146-150, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

VOTO

1 Trata-se de apelação cível em que as partes visam à reforma da decisão que julgou procedente o pedido indenizatório por danos morais, fixando-o em R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais).

A questão posta no recurso cinge-se à discussão sobre: a) a responsabilidade da requerida pela suspensão dos serviços de telefonia à empresa autora; b) se há efetiva eficácia dos fatos para causar abalo de ordem moral; c) o valor da indenização a ser fixada.

Cumpre primeiramente esclarecer que o caso em tela rege-se pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, pois à requerida, concessionária de serviço público, aplicam-se as regras daquele Diploma legal, nos exatos termos do seu art. 3º:

"Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Sobre a matéria, enfatiza Rui Stoco:

"Nessa condição, é alcançada pela disposição, muito mais garantidora, do art. 37, § 6º, a CF, ao dispor que 'as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa'.

"Desse modo, as empresas ficam enquadradas na teoria do risco administrativo, sendo, assim, objetiva a sua responsabilidade pelos danos causados a terceiros.

"Evidentemente, não se descarta a incidência obrigatória do Código de Defesa do Consumidor, naquilo que favoreça e proteja a vítima, considerando que o fornecimento de energia elétrica para consumo enquadra-se nos conceitos ali estabelecidos, devendo a energia elétrica ser considerada como produto, posto que é um bem consumível ou fungível" (Tratado de responsabilidade civil. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 980) [grifou-se].

O microssistema consumerista brasileiro apresenta-se como uma das mais avançadas legislações existentes no mundo, não olvidando a necessidade de prevenção e reparação dos danos causados ao consumidor, mas, pelo contrário, inserindo-a como um de seus direitos básicos:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

"VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Ao tratar sobre o direito à indenização regulamentado pelo mencionado dispositivo legal, João Batista de Almeida leciona em sua obra:

"Todo o aparato legal visa a prevenir a ocorrência de danos ao consumidor, quer estipulando obrigações ao fornecedor, quer responsabilizando-o por danos e defeitos, quer restringindo a autonomia da vontade nos contratos, quer criminalizando condutas, mas tal não impede que tais danos venham a ocorrer. Por isso, é assegurado como direito do consumidor o ressarcimento do prejuízo sofrido, seja patrimonial, moral, individual, coletivo ou difuso, pois, do contrário, não haverá efetividade na tutela (CDC, art. 6º, VI). Ao direito à indenização está diretamente ligado o direito de acesso à Justiça e à Administração, vias nas quais poderá ser pleiteado e obtido o respectivo ressarcimento (inc. VII)" (Manual de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 45-46).

Essa obrigação alcança as prestadoras de serviço público, conforme disposição legal:

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

"Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código" (grifou-se).

Portanto, em caso de danos causados ao consumidor, esse tem o direito a ser indenizado pelos prejuízos suportados.

2 Para a verificação da responsabilidade do fornecedor há que se atentar para a teoria aplicável ao caso da relação consumerista.

Relevante esclarecer que para as relações de direito privado o Código Civil adota como regra geral a responsabilidade subjetiva, baseada na perquirição da culpa, enquanto para as relações consumeristas o legislador optou pela responsabilidade objetiva, ou seja, retirou a necessidade de comprovação de culpa, ante a manifesta vulnerabilidade do consumidor.

O doutrinador antes mencionado, João Batista de Almeida, registra em sua obra que "consagrada a responsabilidade objetiva do fornecedor, não se perquire a existência de culpa; sua ocorrência é irrelevante e sua verificação desnecessária, pois não há interferência da responsabilização" (op. cit., p. 61).

Assim, o fornecedor responderá pelos danos causados, ainda que não tenha obrado em uma das formas da culpa - negligência, imprudência ou imperícia -, bastando que o consumidor comprove o dano e o nexo de causalidade.

Impende também registrar que a responsabilidade objetiva do prestador do serviço público nasce da própria disposição da Constituição Federal, que em seu art. 37, § 6º, dispõe: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

3 Não obstante a responsabilidade objetiva da ré, no caso em tela não houve comprovação de lesão grave à empresa autora. O fato de o fornecimento dos serviços de telefonia ter sido suspenso por tempo mínimo, causando-lhe mero incômodo, não dá azo à indenização por dano moral. Porém, se se tratasse de danos materiais devidamente comprovados, o seu direito subjetivo à reparação seria inquestionável.

Acerca da imprescindibilidade da configuração do dano moral para que reste evidenciada a responsabilidade civil e o direito à correspondente indenização, recorre-se à lição de Daniel Luiz do Nascimento França:

"De fácil percepção a possibilidade da coexistência de ambas as teorias, quais sejam, responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Como dito alhures, a primeira é tida, em nosso ordenamento jurídico, como regra e exige uma conduta ilícita e culposa (ato ilícito) que cause dano a outrem. Já a segunda é prevista para casos específicos e determinados legalmente, exigindo, tão-somente, uma conduta que venha trazer prejuízo a um terceiro.

"Primordial, entretanto, a verificação dos requisitos necessários para a configuração da responsabilidade civil. Neste instante, é importante ressaltar que tal situação é idêntica tanto para o dano material como para o imaterial. Até porque, o instituto da responsabilidade civil é o mesmo, ocorrendo alteração no efeito da lesão e no caráter de sua repercussão sobre o lesado.

"[...]

"Não há que se falar em reparação ou compensação se ausente o dano, 'como regra geral, devemos ter presente a inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, aliás sem objeto. Ainda mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa e até dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo'. (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudêncial. 5. Ed. São Paulo: RT, 2001. P.89)

"Caso contrário, poderíamos ingressar numa temerária fase de industrialização do dano moral. Qualquer aborrecimento inexpressivo ou suposto dano, ainda que não comprovado, poderia ser objeto de indenizações vultosas.

"Não provado o dano, ainda que exclusivamente moral, nenhuma indenização é devida. Nossos tribunais corroboram essa corrente, através de reiterados julgados que não reconhecem a existência de responsabilidade civil, quando não comprovada a ocorrência de dano.

"Em consistente voto, a Excelentíssima Juíza Teresa Cristina da Cunha Peixoto defendeu, com clareza ímpar, essa corrente doutrinária. 'In casu, não se desincumbiu o apelante de provar a ocorrência de qualquer dano patrimonial ou mesmo moral que porventura tivesse sofrido (...). Assim, sem a comprovação dos prejuízos sofridos pelo autor, torna-se inadmissível a pretensão indenizatória, máxime quando ao demonstrado, na espécie, qualquer constrangimento sofrido, em face negociação realizada entre as partes' (ApCiv 340.272-4, 3.ª Câm. Cív. Do TAMG, rel. Juíza Teresa Cristina da Cunha Peixoto, j. 26.07.2001.

"A necessidade da prova do eventus damni se mostra imperiosa para configuração da responsabilidade civil. A ocorrência de dano moral ou imaterial não inibe a possibilidade de prova do mesmo que poderá ser feita por todos os meios em direito permitidos" (Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 19, jul. 2004, p. 69-82).

Percebe-se que para configurar a responsabilidade objetiva e o respectivo dever de indenizar, é necessária a comprovação do dano sofrido e o nexo causal com o ato lesivo praticado pelo agente, ou seja, é necessário que se demonstre que o evento noticiado tenha o condão de causar dano moral a ser indenizado.

Resta evidente que os aborrecimentos que geram um certo transtorno no momento dos fatos, irritações, dissabores e outros contratempos cotidianos, não têm o condão de conferir direito ao pagamento de indenização, pois não são suficientes para provocar forte perturbação ao íntimo da vítima, o que caracterizaria o dano passível de indenização.

Sobre o tema, sustenta o doutrinador Sérgio Cavalieri Filho:

"Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos" (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros Editores, 6 ed., 2005, p. 105).

No mesmo vértice é a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:

"Versa a controvérsia recursal sobre pedido de indenização por danos morais decorrentes da falha nos serviços prestados pela concessionária de energia elétrica, notadamente quanto à falta do fornecimento de energia elétrica na residência da autora no município de São Gonçalo, por 12 horas, na noite do dia 24 de dezembro de 2006.

"Embora tenha restado demonstrada a falha cometida por parte da concessionária de energia - que não forneceu energia elétrica à residência da autora na noite de natal, certo é que tal fato, por si só, não é apto a ensejar danos morais indenizáveis à consumidora, porquanto a hipótese não ultrapassa a esfera do simples inadimplemento contratual e do mero aborrecimento do dia-a-dia.

"Dessa forma, mostra-se cogente a reforma da sentença, devendo prevalecer, no caso concreto, o entendimento já consagrado através do verbete sumular nº. 75 deste TJ/RJ, segundo o qual 'o simples descumprimento de dever legal ou contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a dignidade da parte'.

"RECURSO PROVIDO" (AC 2008.001.38000, Des. Elisabete Filizzola).

"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. O mero desligamento de fornecimento de energia elétrica, ainda que discutível a comprovação do corte não enseja direito à reparação por dano moral, não havendo demonstração de ocorrência de situação extraordinária ou mais grave, que atente à dignidade da parte. Principalmente tratando-se de tempo mínimo de falta de energia, classifica-se o ato como mero aborrecimento. Sentença que se reforma para julgar improcedente o pedido de indenização por dano moral.

"ART. 557 DO CPC.

"NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO RECURSO" (AC n. 2008.001.23110, Des. Marco Aurélio Froes).

E, na mesma alheta, a do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"DECLARATÓRIA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇO - Energia elétrica - Débito - Fraude - TOI - Presunção relativa de legalidade e veracidade - Perícia - Não realização - Arts. 71, 72, 75 e 90 da Resolução 456/00 da ANEEL - Corte no fornecimento - Constrangimento ao consumidor - Vedação ao fornecedor. Danos morais - Ausência de comprovação - Mero aborrecimento - Recursos improvidos" (Apelação com Revisão n. 1.008.789.008, Des. Melo Bueno).

"PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO - RELAÇÃO DE CONSUMO - LAVRATURA DE TERMO DE OCORRÊNCIA DE IRREGULARIDADE (TOI) - FRAUDE NO MEDIDOR DE CONSUMO DE ENERGIA QUE DEVE SER PROVADA PELA CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DO SERVIÇO - INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA - NÃO CONSERVAÇÃO DO MEDIDOR DE ENERGIA PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA - COBRANÇA DE CONSUMO INVALIDADA. DANOS MORAIS. ABORRECIMENTO E DISSABOR CONJURADO PRONTAMENTE COM A ATUAÇÃO JURISDICIONAL, SEM ESTATURA PARA CARACTERIZAR DISTÚRBIO ANORMAL À VIDA DO CONSUMIDOR. RECURSOS IMPROVIDOS.

"1. O termo de ocorrência de irregularidade (TOI) lavrado não demonstra, por si só, a ocorrência de fraude no relógio medidor de energia, nem comprova consumo de energia elétrica em prejuízo da concessionária.

"2. Compete à concessionária prestadora do serviço de fornecimento de energia, que afirmou a prática da fraude - e pretende cobrar energia que diz ter sido ilicitamente utilizada - o ônus de provar sua alegação.

"3. A apuração administrativa que se resume a simplório 'termo de ocorrência de irregularidade' transgride o direito do consumidor - e do cidadão - ao devido processo legal, princípio também oponível à administração pública e às empresas concessionárias de serviços públicos" (Apelação com Revisão n. 1182740005, Des. Reinaldo de Oliveira Caldas).

E também desta Corte de Justiça:

"AÇÃO INDENIZATÓRIA - CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR - AVISO PRÉVIO DEMONSTRADO - RESOLUÇÃO N. 456/00 DA ANEEL - POSSIBILIDADE.

"Verificada a inadimplência do consumidor quanto ao pagamento das faturas, está autorizada a concessionária prestadora de serviço público, após prévio aviso, a suspender o fornecimento de eletricidade, conforme previsto no art. 91, I, da Resolução n. 456/00 da Aneel.

Percebe-se que para configurar a responsabilidade objetiva e o dever de indenizar, é necessária a comprovação do dano sofrido e o nexo causal deste com o ato lesivo praticado pelo agente.

"DANO MORAL - ATO DE CONCESSIONÁRIA - CORTE DE ENERGIA - OBSERVÂNCIA DAS PRESCRIÇÕES LEGAIS - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - INDENIZAÇÃO DESCABIDA.

"Demonstrada a inexistência de ato ilícito, em virtude do exercício regular do direito por parte da concessionária/acionada, descaracterizada se acha a configuração do dano moral.

"No mais, trivial aborrecimento está fora da órbita do dano moral, sob pena de sua mais completa banalização, posto que houve a comunicação do inadimplemento do consumidor" (AC n. 2007.029695-6, Des. Volnei Carlin).

"INDENIZAÇÃO. PUBLICAÇÃO EM PERIÓDICO DE SUPOSTO COMENTÁRIO DO SUPERINTENDENTE DO PORTO DE ITAJAÍ QUE CRITICA PESSOALMENTE O PRESIDENTE DO SINDICATO DOS TRABALHADORES GREVISTAS. DANOS MORAIS. NÃO-OCORRÊNCIA. ABORRECIMENTO MOMENTÂNEO, SEM MAIOR REPERCUSSÃO, INERENTE À VIDA COMBATIVA DE DIRIGENTE SINDICAL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO PRIMEIRO REQUERIDO NÃO CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO.

"'[...] Cabe ressaltar que o Judiciário tem a obrigação de combater a chamada indústria do dano moral, que vem crescendo dia-a-dia em nosso País, sempre fundamentada em aborrecimentos triviais existentes no cotidiano dos cidadãos, cabendo ao julgador identificar os verdadeiros danos merecedores de indenização, sob pena de desvirtuar a finalidade almejada pelo legislador pátrio quando da criação de aludido instituto' (Ap. Cív. n. 2001.019466-0 - rel. Des. Dionízio Jenczak).

"'A litigância de má-fé exsurge somente quando existem provas ou indícios de dolo ou culpa na utilização de atos que tendam a criar óbices ao normal desenvolvimento da quizila. No mais, prevalece a boa-fé, que é presumida' (AI 2003.011069-0, de Xanxerê, rel. Des. Fernando Carioni)" (AC n. 2004.042932-8, Des. Vanderlei Romer).

Em arremate, colaciona-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça exarado nos seguintes julgados:

"Responsabilidade Civil. Indenização. Danos Morais. Interrupção Serviços Telefônico. Mero Dissabor.

"O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exarceba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. Recurso Especial conhecido e provido" (REsp n. 606382/MS, Min. Cesar Asfor Rocha).

"RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. A mera contrariedade ou aborrecimento cotidiano não dão ensejo ao dano moral. Recurso especial não conhecido" (Resp n. 592776/PB, Min. Cesar Asfor Rocha).

Dessa forma, não comprovado que o fato narrado teve a faculdade de efetivamente causar danos morais à autora, não há que se falar em direito à indenização, pois como já mencionado, não se pode chancelar a pretensão de se indenizar o que representa tão-somente aborrecimentos e dissabores cotidianos.

In casu, é inegável o desgaste da empresa autora em razão do evento noticiado, mas embora se trate de equívoco da fornecedora, não se pode conferir danos morais aleatoriamente, visando tão-somente à punição. O incômodo sofrido, diga-se mais uma vez, é inquestionável; contudo, isso por si só não dá margem à indenização por danos morais.

Portanto, o fato de a autora restar privada por curto espaço de tempo da possibilidade de efetuar ligações não lhe trouxe nenhum prejuízo maior que, por si só, desse ensejo ao propalado dano moral, mormente quando o próprio consumidor permanece inadimplente por mais de 30 dias antes de efetuar o pagamento da fatura que ensejou a suspensão do fornecimento do serviço.

Em situação fática análoga ao caso em estudo, este Sodalício manifestou-se em acórdão da relatoria do Desembargador Jânio Machado, que restou assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CORTE NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. HIDRÔMETRO LOCALIZADO ENTRE O ESTABELECIMENTO DA REQUERENTE E OUTRA LOJA COMERCIAL. DIFICULDADE NA IDENTIFICAÇÃO DA UNIDADE COMERCIAL QUE DEVERIA TER O FORNECIMENTO DE ÁGUA INTERROMPIDO. EQUÍVOCO DA AUTARQUIA MUNICIPAL PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL E QUE FOI PRONTAMENTE SOLUCIONADO. INTERRUPÇÃO DE TRÊS HORAS. MERO DISSABOR. NECESSIDADE DE O JUDICIÁRIO BEM AQUILATAR OS CASOS SUBMETIDOS À SUA APRECIAÇÃO, EVITANDO A PROPAGAÇÃO DE 'DEMANDAS FRÍVOLAS' (ANDERSON SCHREIBER) OU O SURGIMENTO DE "UM MUNDO DE NÃO-ME-TOQUES" (FÁBIO COELHO ULHOA). DANO MORAL INEXISTENTE.

O indevido corte no fornecimento de água por um pequeno período, de pronto corrigido pela concessionária, por si só, é incapaz de justificar a imposição de condenação por dano moral puro" (AC n. 2008.049776-4).

E, do erudito voto prolatado, extrai-se, por relevante, o seguinte excerto:

"Acresça-se que o fato de a autora necessitar de ajuda de vizinhos no fornecimento de água, num curto período de tempo (quase três horas), no máximo poderia causar um dissabor momentâneo, perfeitamente tolerável numa convivência em sociedade.

"A respeito, Antônio Jeová Santos leciona:

"O perfeito entendimento sobre a configuração do dano moral está, exatamente, no verificar a magnitude, a grandeza do ato ilícito.

"(...)

"A figura do homem médio, para ser joeirado daquele que tem uma suscetibilidade exacerbada da pessoa normal, que não se agasta facilmente, há de ser buscada nesse tema. Aquele mal, que infligido em decorrência da própria atividade que a pessoa exerce, não pode ser considerado dano moral apto a ingressar no mundo jurídico como a prática de um ilícito de dar azo à indenização.

"Um funcionário que exerce as funções de caixa em supermercado, por exemplo, está sujeito a deparar-se com pessoas insatisfeitas com o preço ou com a qualidade do produto encontrado. É natural, embora reprovável, que essa pessoa procure desabafar o seu descontentamento com o funcionário mais próximo e que passe mais tempo ouvindo-a. Também não haverá dano moral.

"(...)

'O que se quer afirmar é que existe um mínimo de incômodos, inconvenientes ou desgostos que, pelo dever de convivência social, sobretudo nas grandes cidades, em que os problemas fazem com que todos estejam mal-humorados, há um dever geral de suportá-los.

"O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificamos aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.

"O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano moral passível de ressarcimento. (Grifado no original) (SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 112-113).

"O tribunal, aliás, deve estar atento ao que Anderson Schreiber denomina de "demandas frívolas", a situação aqui bem caracterizada:

"Paralelamente à adoção do método da ponderação, que confia ao Poder Judiciário, embora sempre à luz do dado normativo, a seleção de interesses merecedores de tutela em concreto, outros instrumentos institucionais podem ser empregados no desestímulo às demandas frívolas que tanto afligem a comunidade jurídica diante da expansão do dano ressarcível. Neste sentido, assume especial papel o desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação, capazes de atenuar a imensa contradição da responsabilidade civil contemporânea, que reconhece o caráter extrapatrimonial do dano, mas lhe reserva um remédio exclusivamente monetário. É neste remédio, note-se, e não na reparação em si, que reside o maior incentivo às ações que se costuma identificar como produtos da chamada 'indústria do dano moral'. Desta forma, o recurso às retratações públicas e a outros meios de reparação extrapatrimonial, paralelos ou mesmo substitutivos à indenização em dinheiro, mostra-se absolutamente necessário e, muitas vezes, mais eficiente na reparação dos danos de natureza moral. A efetiva repressão à litigância de má-fé e a rejeição do caráter punitivo das reparações são outros mecanismos institucionais que se oferecem prontamente a esta tarefa de desincentivo, a demandas de finalidade mercenária. (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 242-243).

"É do Judiciário o dever de bem aquilatar a presença de um dano moral indenizável, de modo a que não se estimule o nascimento de uma sociedade de "não me toques", na feliz expressão de Fábio Ulhoa:

"Também deve ficar atento o magistrado para não cair ingenuamente nas artimanhas da indústria da vitimização. Há os que, diante da chance de se envolverem em situações embaraçosas, propositadamente não reagem a tempo de desfazer o mal-entendido, com o objetivo de enriquecer com os danos morais. A hipótese de simulação da dor nunca pode ser descartada, principalmente quando o evento não importou danos à vida ou integridade física do prejudicado. Em todos os casos, porém, o juiz não pode contentar-se com a simples alegação do demandante. Se os fatos e circunstâncias constantes dos autos não sugerem o experimento de profunda dor, não deve impor ao demandado a indenização moral.

(...)

"Dois desvirtuamentos podem comprometer o instituto dos danos morais: a banalização da dor e a elevação dos valores da indenização. Se dissabores forem considerados indenizáveis e o valor dos danos morais for utilizado como medida de desestímulo quando o acidente é inevitável, estaremos criando um mundo de não-me toques que não interessa à sociedade e à economia. (Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 2, p. 431)".

Admitir-se a indenização de meros incômodos propiciaria a instauração de situação insustentável para toda sociedade, em que o mais ínfimo dissabor passaria a ser desejado pela vítima, pois traria satisfação pecuniária acima do transtorno suportado.

Nesse sentido, colhe-se precedente desta Corte de Justiça, da lavra do Desembargador Newton Trisotto:

"RESPONSABILIDADE CIVIL - TÍTULO - PROTESTO INDEVIDO - DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS - MUNICÍPIO - RECURSO DESPROVIDO

"'O dano moral caracteriza-se sempre que houver "ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida e à integridade corporal" (Wilson de Melo Silva). Porém, "propugnar pela mais ampla ressarcibilidade do dano moral não implica no reconhecimento que todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões insignificantes desfeitas, possibilitem sejam extraídas da caixa de Pandora do direito, centenas de milhares de cruzeiros' (Antônio Chaves)". (AC n. 2002.020689-5, Des. Newton Trisotto)".

Em conclusão, na linha dos precedentes antes colacionados, o inadimplemento contratual, na ausência de fato específico que cause abalo moral, em regra somente gera o dever de indenização dos danos materiais.

4 Ante o exposto, dou provimento ao recurso da ré para o fim de reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de indenização por dano moral. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais, com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, estabeleço em R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais). Prejudicado o recurso da demandante.

DECISÃO

Nos termos do voto do relator, por votação unânime, deram provimento ao recurso da ré para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial. Prejudicado o recurso da autora.

Participaram do julgamento, realizado no dia 28 de julho de 2009, os Excelentíssimos Senhores Desembargador Luiz Cézar Medeiros, Desembargador Rui Fortes e Desembargadora Sônia Maria Schmitz.

Florianópolis, 30 de julho de 2009.

Luiz Cézar Medeiros

RELATOR