Acórdão na Íntegra
APELAÇÃO CÍVEL Nº 121.666-0, de CURITIBA 5ª VARA CÍVEL

Apelante: CRIS EDITORA E ARTES GRÁFICAS LTDA.

Apelado: BANCO DE CRÉDITO NACIONAL S/A

Relator: Juiz Conv. A. Renato Strapasson


AÇÃO MONITÓRIA CONEXÃO COM REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO PRECLUSÃO INOCORRÊNCIA MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA POSSIBILIDADE DE DECISÕES CONTRADITÓRIAS SÚMULA 235 DO STJ INAPLICABILIDADE IN CASU -ANULAÇÃO DA SENTENÇA.






VISTOS, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 121.666-0, DE CURITIBA- 5 a VARA CÍVEL, em que é apelante CRIS EDITORA E ARTES GRÁFICAS LTDA. e apelado BANCO DE CRÉDITO NACIONAL.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por Cris Editora e Artes Gráficas Ltda., irresignada com a sentença que julgou parcialmente procedente a Ação Monitória contra ela proposta pelo Banco de Crédito Nacional S/A, determinando o afastamento da capitalização mensal de juros e considerando a sucumbência recíproca entre as partes.
Aduz, em preliminar:
- conexão desta ação com a Ação Revisional proposta na 8 ª Vara Cível de Curitiba, na qual se discute o contrato sub judice, onde a apelante pretende rever as cláusulas abusivas e ser ressarcida dos valores indevidamente cobrados e que é mister o julgamento simultâneo, para evitar discrepância entre as decisões futuras. Requer a anulação da decisão, determinando remessa à comarca de origem, para que seja apensado à Ação Revisional;
- carência de ação pois o documento para instruir a ação monitória deve possuir liquidez e certeza e o saldo devedor do contrato de abertura de crédito em conta corrente, consubstanciado em extratos elaborados unilateralmente pelo banco, não possui liquidez.
No mérito, sustenta:
- que o art. 192, § 3o. da Constituição é auto-aplicável e por isso deve ser reduzido do montante cobrado, o que excede a 1% ao mês de juros;
- que os extratos de conta corrente que instruem o pedido foram obtidos de forma ilícita, pois a lei prevê o sigilo bancário, o qual só poderia ser quebrado por autorização judicial;
- que é inaplicável a comissão de permanência.
Requer, ao final, a decretação da nulidade da sentença para que o processo seja apensado aos autos da Revisional, ou que seja julgado extinto o processo, por ausência de documento hábil para a propositura da ação; ou o provimento do recurso, no mérito.
O recurso foi contra-arrazoado. Sustenta o apelado o acerto da decisão hostilizada. Reitera as razões esposadas pela digna sentenciante, para descartar a conexão. Afirma que a preliminar de carência de ação é matéria preclusa. No mérito, que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica às operações financeiras, e que a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3o. não encontra guarida nos tribunais nacionais. Que a argumentação sobre a prova ilícita, não foi objeto de discussão na contestação, e que sobre a comissão de permanência não houve irresignação da embargante. Pugna pela mantença da decisão.
É o relatório.

VOTO

É de ser anulada a sentença do juízo de primeiro grau.
Noticiou o apelante, quando de sua manifestação sobre a perícia de fls. 96 à 135, (f. 226) a existência de uma Ação de Revisão de Contrato, protocolada pela requerida no mês de março de 1998, cuja matéria seria a mesma discutida no presente processo. Requereu o reconhecimento da conexão e a reunião dos processos para julgamento simultâneo.
A digna magistrada assim decidiu na sentença:

Inicialmente, registra-se que a Embargante, somente quando já havia sido entregue o laudo pericial, é que invocou a ocorrência de conexão com a ação revisional de contrato por ela movida contra o Embargado em março/98. Como os embargos foram por ela opostos em 29/setembro/99, certamente que deveria ter feito tal alegação quando da oposição dos embargos. Como não o fez, ocorreu a preclusão. Soma-se a isso que a Embargante sequer juntou a petição inicial daquela ação a fim de demonstrar a buscada conexão.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery in Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 4 ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 579, ao comentar o art. 105 assim se manifestam:
1. Matéria de ordem pública. A conexão é matéria de ordem pública, devendo ser conhecida de ofício pelo juiz (CPC 301 VII e par. 4o).
omissis
4. Prazo para alegação. Como se trata de matéria de ordem pública, não se sujeita a preclusão, de modo que pode ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC 301, par. 4o).
omissis
6. norma cogente. Sendo a conexão matéria de ordem pública, o juiz é obrigado a determinar a reunião de ações conexas para julgamento, nada obstante esteja consignado na norma ora comentada que o juiz pode ordenar. O magistrado não pode examinar a conveniência ou oportunidade da reunião, pois o comando emergente do CPC 105 é cogente: o juiz tem o dever legal, de ofício, de reunir as ações conexas para julgamento conjunto. No mesmo sentido: Barbi, Coment.,609, 286.

O art. 301, CPC, aponta as matérias que devem ser alegadas pelo réu, antes de discutir o mérito, e consta no inc. VII a conexão.
O § 4º do mesmo artigo prevê que:

Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.

E diz o art. 103, CPC:

Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir

Na hipótese, conforme documentos que verbalmente requisitei, e que ora são juntados aos autos, a Ação de Revisão Contratual que tramita na 8ª Vara Cível, foi protocolada em março de 1998 sob nº 467/98, um ano antes, portanto, da presente Ação Monitória, registrada sob nº 207/99.
É de se ressaltar que os contratos bancários discutidos na revisional são os mesmos que ensejaram a monitória, cuja decisão, aqui, antecipadamente, poderá trazer conseqüências diretas na decisão da Ação Revisional.
Nota-se, ainda, serem coincidentes as questões discutidas, especialmente no que tange à capitalização de juros, auto-aplicabilidade ou não, não do art. 192, § 3º da CF, além, aí, da nulidade de cláusula contratual, que se mostra até mesmo prejudicial às questões postas nestes autos.
Destaque-se que a reunião dos processos conexos tem por fito prevenir a ocorrência de decisões contraditórias. É o caso dos autos.

Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil anotado, 32ª ed., p. 207, traz a propósito, os seguintes julgados:

Quando duas ações tem fundamento num mesmo contrato, há identidade de causas e, pois, conexão (RP 3/330, em. 51). Assim, há conexão entre a ação para cumprimento e ação para anulação de cláusula do mesmo contrato (RT 789/271, JTA 39/256).
Há conexão entre execução e ação ordinária ligadas pelo mesmo contrato celebrado entre as partes (RT 718/163).

Nem se diga seja caso de aplicação da Súmula 235 do STJ, afirmando inexistir conexão quando uma das causas já se encontra julgada.
Fale-se de causas já julgadas em definitivo e sem que se tenha, antes, alertado o juízo para o possível conflito das decisões.
Julgado do próprio STJ, aliás, que bem se amolda à hipótese em questão, é o do RESP 248.312-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL OMISSIS AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO E AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CONEXÃO. SENTENÇA QUE IGNOROU A SITUAÇÃO E O PEDIDO DE REUNIÃO. ANULAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. CPC, ARTS. 103 E 105. OMISSIS.

I. OMISSIS
II. OMISSIS
III. Precedente da C. 2a. Seção do STJ (CC n. 17.588/GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 23.06.1997) firmou orientação no sentido de que não se exige perfeita identidade entre os requisitos fixados nos arts. 103 e 105 do CPC, para que se dê a conexão de ações, sendo essencial que o julgador, em seu prudente arbítrio, reconheça a pertinência da medida, a fim de possibilitar a uniformidade das decisões, em proveito das partes e da eficácia da prestacao jurisdicional em face do contexto fático-jurídico que se apresenta.
IV. Situação que reconhece presente no caso, em que paralelamente à busca e apreensão movida pela instituição credora, tramita uma revisional das cláusulas contratuais que deram origem à dívida cobrada.
V. OMISSIS
VI. OMISSIS


A MM. Juíza, in casu, sequer analisou o aspecto da eventual contradição de julgados porque, como disse, a matéria estaria preclusa.
Equivocou-se, d.v., primeiro, porque, repita-se, é questão de ordem pública e até mesmo de ofício podia ser apreciada. Segundo, ainda antes da sentença o juízo foi informado a respeito. E, terceiro, como bem diz o Ministro Aldir Passarinho, no corpo do voto desse mencionado recurso:

...o fundamental, em tais situações, é a aplicação do senso jurídico, para se perquirir se, de fato, o andamento de uma ação prejudica, interfere ou se mostra incompatível com o da outra, a recomendar a união de ambas e a apreciação concomitante, evitando-se prejuízo processual, ineficácia de decisões ou choque entre ambas, a criar dificuldades relevantes, eventualmente até instransponíveis na execução, enfim, comprometendo a aplicação da Justiça.
Essa orientação já foi consagrada pela Colenda 2 ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do CC n. 17.588/GO, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que recebeu a seguinte ementa:

COMPETÊNCIA. CONFLITO. CONEXÃO, PREVENÇÃO. OMISSIS.
I Nos termos do art. 103, CPC, que deixou de contemplar outras formas de conexão, reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o objeto (pedido) ou a causa de pedir (art. 103 CPC), não se exigindo perfeita identidade desses elementos, senão a existência d um liame que as faça passíveis de decisão unificada.

Era caso de busca e apreensão decorrente do não pagamento de uma dívida, cuja discussão estava sendo objeto de questionamento em feito tramitando paralelamente, não se vendo motivo (disse o Relator):

...para que uma não se atrele à outra, sob pena de se deixar produzir amplamente os efeitos da primeira e, ao depois, se procedente a revisional, nenhuma ou quase nenhuma praticidade terá, pois o bem já terá sido apreendido e alienado, ou o débito pago a maior.

E arremata dizendo, a propósito da orientação já consolidada pela Súmula 235, que:

...O que a jurisprudência não admite, e acertadamente, é que se volte atrás para autorizar uma conexão tardia, quando um dos feitos já fora julgado quando do pedido de reunião das ações. Mas, aqui, já na contestação o devedor postulava a conexão, portanto muito antes da sentença que decidiu a busca e apreensão. O fato consumado, tenho eu, não se aplica em hipóteses como essa.

Reitere-se, apenas, que in casu não foi na contestação que houve a argüição, mas antes da sentença, ainda em tempo de atender à mencionada regra processual.
Nestas condições, dou provimento ao recurso, para anular a sentença, com oportuna remessa dos autos à 8ª Vara Cível, preventa, eis que despachou em primeiro lugar (art. 106, CPC), comunicando-se-a, desde logo, através de ofício.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná por unanimidade de votos em dar provimento ao recurso, para anular a sentença.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores IVAN BORTOLETO (Presidente, sem voto), CELSO ROTOLI DE MACEDO e CAMPOS MARQUES.
Curitiba, 05 de agosto de 2002.



Juiz Convocado A. Renato Strapasson
Relator

Não vale como certidão ou intimação.