Acórdão na Íntegra
Apelação Cível nº 127.795-0 de São José dos Pinhais 2ª Vara Cível
Apelante: Banco Safra S/A.
Apelados: Líder Distribuidora Exportadora Importadora de Alimentos Ltda. e outro
Relator: Des. Sydney Zappa

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL APELAÇÃO AÇÃO MONITÓRIA CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO/MÚTUO EMBARGOS OFERECIDOS POR CURADOR ESPECIAL FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO E EXCLUSÃO DAS PRÁTICAS ABUSIVAS E ILEGAIS CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EVIDENCIADA ANATOCISMO VEDADO PELO DECRETO 22.626/33 E SÚMULA 121 DO STF TAXA REFERENCIAL TR INADMISSIBILIDADE MULTA CONTRATUAL EMPRESA QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CONSUMIDOR INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR VALIDADE DA MULTA DE 10% PREVISTA NO CONTRATO RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A Súmula nº 596 do STF está em harmonia com o Decreto nº 22.626/33, não admitindo a capitalização de juros, mesmo pelas instituições financeiras.
2. Tratando-se de financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo. Inaplicação no caso do Código de Defesa do Consumidor." (STJ REsp 218.505-MG, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU 14.02.2000, p. 41).



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 127.795-0 de São José dos Pinhais 2ª Vara Cível, em que é apelante Banco Safra S/A. e apelados Líder Distribuidora Exportadora Importadora de Alimentos Ltda. e outro.

1. Trata-se de apelação interposta por Banco Safra S/A. contra sentença que julgou procedente em parte os embargos monitórios para fins de excluir dos cálculos apresentados pelo autor da monitória os juros capitalizados, substituir a TR pelo INPC e reduzir a multa para o percentual de 2% (dois por cento) sobre o valor da dívida, condenando o autor-apelante ao pagamento das custas processuais e honorários em R$ 300,00 (trezentos reais).
Inconformado o apelante sustenta que ao propor a ação monitória, visa receber os créditos que não foram integralmente pagos pelos ora apelados e recebidos através de contratos de abertura de crédito/mútuo no valor total de R$ 72.731,46 (setenta e dois mil, setecentos e trinta e um reais e quarenta e seis centavos); mas o MM. Juiz entendeu que embora não tenha sido alegado pela curadora, os valores cobrados são abusi-vos e os juros estão capitalizados e acima do limite legal. Ocorre que o Magistrado decidiu extra petita, porque os apelados não demonstraram a existência de débitos indevidos, também não ficou provada a capitalização de juros, pois não houve prova pericial; quanto à aplicação da TR, trata-se de taxa pactuada entre as partes, não existindo óbice à sua cobrança. Por fim, requer seja declarada nula a sentença singular, pois extra petita, ou alternativamente, seja reconhecida a impossibilidade da auto-aplicabilidade do § 3º, do artigo 192 da Constituição Federal, mantendo o indexador convencionado pelas partes e a multa no percentual de 10% (dez por cento).

Recurso preparado e respondido.

É O RELATÓRIO.

2. Alega o apelante, inicialmente, que a sentença foi extra petita, porque os embargantes não invocaram o código consumerista e nem outras violações, como débitos indevidos.

Não deixa de ter razão o apelante, mas apenas em parte, pois efetivamente, os embargos não podem ser considerados um primor de peça jurídica, ante as visíveis deficiências que apresenta.

Contudo, não se pode olvidar que a referida defesa dos réus foi apresentada por curadora especial, uma vez que, citados por edital, não compareceram aos autos.

Desta forma, é até compreensível que os embargos não contenham uma efetiva defesa, com impugnação específica de todos os pontos controvertidos, como aliás, reconheceu o ilustre julgador singular.

O curador especial, por não ter contato direto com a parte, não possui as informações necessárias para produzir uma defesa completa. Diante dessa constatação, o próprio legislador procurou amenizar a situação do réu defendido por curador, ao assentar no parágrafo único do artigo 302 do Código de Processo Civil: "Esta regra, quanto ao ônus da impugnação específica dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público". E aqui, embora não se trate de contestação, não deixa de ser uma defesa do réu e a regra pode ser aplicada por analogia.

Partindo daí, ao apresentar os embargos monitórios, a curadora especial tornou controvertido o valor cobrado pelo apelante, cabendo, então, ao juiz verificar a regularidade dos valores lançados, detectar eventuais práticas abusivas e aplicar a legislação pertinente ao caso concreto, mesmo porque não lhe é dado decidir em sentido contrário ao texto legal.

Assim, dadas as peculiaridade do caso não se pode falar em decisão extra petita, não se vislumbrando a apontada nulidade.

Passando ao exame do mérito, há que se esclarecer, de plano, a questão do limitador constitucional de juros (CF, art. 192, § 3º). Insurge-se o apelante porque o ilustre magistrado entendeu auto aplicável a referida norma, que limita os juros em 12% ao ano.

Efetivamente, o ilustre sentenciante manifestou sua posição favorável ao limite constitucional de juros. Ocorre, que não passou de uma exposição doutrinária de seu entendimento, pois após discorrer sobre auto-aplicabilidade da norma constitucional em comento, ressalvou: "Porém, no caso vertente, não obstante a previsão legal (sic) prevendo um percentual exorbitante de juros, nos termos dos cálculos apresentados às fls. 24/46 os juros aplicados não passaram de 1% ao mês, ou seja, não ultrapassaram o limite constitucional de 12% ao ano." (fls. 98).

Isso significa que não houve qualquer comando a respeito do percentual de juros aplicados, prevalecendo, segundo a sentença, a taxa pactuada, de modo que falta ao apelante interesse em recorrer desse tópico da sentença, que reconheceu a regularidade da taxa de juros.

E tanto isso é verdade que segundo o dispositivo, os embargos foram julgados procedentes em parte, "para fins de excluir dos cálculos apresentados pelo embargado os juros capitalizados; substituir a TR pelo INPC e reduzir a multa para o percentual de 2% sobre o valor da dívida." (fls. 98), não fazendo qualquer alusão ao percentual de juros pactuados ou cobrados.

Estes três pontos, portanto, delimitam a apelação.

Quanto ao primeiro, não obstante as alegações do apelante, houve, efetivamente, capitalização mensal de juros, vedada mesmo pelas instituições financeiras (Decreto 22.626/33 e Súmula nº 121 do STF), salvo as exceções previstas em lei, como é o caso dos títulos de crédito rural, industrial e comercial (Decretos-lei nºs 167/67 e 413/69; Lei 6.840/80), conforme Súmula nº 93 do STJ, de que aqui não se cuida.

No caso dos autos, embora não tenha sido realizada a perícia, como alega o apelante, a capitalização de juros restou evidenciada pela documentação apresentada com a inicial.

Para se constatar o anatocismo, basta analisar os extratos referentes ao contrato nº 300.764-0 (fls. 25 e seguintes). O saldo devedor em 22.07.1999 era de R$ 3.483,16. No dia 26.07 foram lançados os débitos de CPMF (R$ 3,79) e juros (R$ (220,29) e um crédito de R$ 1.000,00, resultando num saldo negativo de R$ 2.707,24. A este saldo, no dia 23 mês seguinte foram incorporados juros no valor de R$ 119,02 (fls. 26).

Ora, se os juros são contados e incorporados no saldo devedor de cada mês, não subsiste qualquer dúvida de que estão sendo capitalizados.

Também o contrato demonstra que os juros não estão sendo contados de forma simples. No mesmo contrato nº 300.764-0 (fls. 12), lê-se no campo 03 que a taxa de juros ao mês é de 4,715132%. Isso importaria em uma taxa anual de 56,581584%. Contudo, no mesmo campo está prevista a taxa de juros ao ano de 73,825438%, o que revela alguma forma de capitalização.

Correta, pois a sentença ao excluir a capitalização dos juros, independentemente de realização de perícia, já que o excesso poderá ser extirpado por simples cálculo aritmético, e a prática tem sido repelida sem divergência pelos Tribunais.

Insurge-se ainda o banco-apelante contra a exclusão da TR como índice de atualização monetária e sua substituição pelo INPC, conforme determinado na sentença. Não lhe assiste razão, pois a Taxa Referencial é composta de índices que não refletem somente a desvalorização da moeda, não podendo, assim, ser utilizada como parâmetro de atualização monetária, como decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn nº 493/92: A taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda.

Sobre o assunto também já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

1. A TR Taxa referencial não é índice de correção monetária adequada para medir a variação da moeda, conforme já decidiu o STF (ADIn nº 493/92) e o STJ. 2. O indexador que deve ser utilizado para corrigir o débito é o INPC divulgado pelo IBGE (art. 4º da Lei nº 8.177/91. 3. Recurso Especial conhecido e provido. Decisão unânime (STJ REsp 192561 RJ 1ª Turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 29.03.99, p. 104).

Conforme orientação assentada pelo STF na ADIN 493-0, a TR Taxa Referencial, não é índice de atualização da expressão monetária de valores defasados pela inflação passada. A partir de fevereiro de 1991 é legítima a aplicação do INPC para atualização dos créditos/débitos tributários. Recurso conhecido e provido. (STJ REsp 113411-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, DJU 14.06.99, p. 152).

Assim, também não merece reparo a substituição da taxa referencial pelo INPC, como índice de atualização monetária.

Por último, há que ser apreciada a questão da multa contratual, estipulada no contrato em 10%, e efetivamente cobrada nesse valor.

Entendeu o douto magistrado singular que se trata de relação de consumo, daí a aplicação do disposto no artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, que limita a multa moratória em 2%.

Ocorre que, muito embora a atividade bancária possa ser incluída no conceito de serviço, nos termos do § 2º, do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, é indispensável que na outra ponta esteja um consumidor.

José Geraldo Brito Filomeno define o consumidor como sendo "o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial." (in Ada Pellegrini Grinover e outros, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto, 7. ed., Forense Universitária, 2001, p. 26-27).

No caso em exame o devedor é uma empresa, e não existe qualquer elemento nos autos para demonstrar que o empréstimo contraído fosse para satisfazer uma necessidade própria, ou seja, nada indica que fosse destinatária final do serviço. Ao contrário, tratando-se de empresa dedicada ao ramo de importação e exportação, tudo leva a crer que o financiamento era destinado ao desempenho de sua atividade lucrativa.

Sobre a matéria já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

"Mútuo. Redução da multa contratual de 10% para 2%. Inexistência no caso de relação de consumo. Tratando-se de financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo. Inaplicação no caso do Código de Defesa do Consumidor. Recurso especial não conhecido." (STJ REsp 218.505-MG, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU 14.02.2000, p. 41).
Logo, neste aspecto assiste razão ao apelante, devendo prevalecer a multa contratual de 10%.

3. Diante do exposto, acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso para restabelecer a multa contratual de 10% (dez por cento).

Participaram do julgamento os Desembargadores Wanderlei Resende e Octávio Valeixo.

Curitiba, 02 de outubro de 2.002.

Sydney Dittrich Zappa
Presidente e Relator

Não vale como certidão ou intimação.