ARREPENDIMENTO EFICAZ


Apelação Criminal n. 2009.036178-5, de Curitibanos

Relator: Des. Irineu João da Silva

FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA (CP, ART. 155, § 4º, INC. II). RÉ QUE SUBTRAI CARTÃO MAGNÉTICO DA VÍTIMA E EFETUA DOIS SAQUES DE SUA CONTA BANCÁRIA, NÃO AUTORIZADOS POR ELA. MATERIALIDADE COMPROVADA PELO EXTRATO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E FOTOS TIRADAS PELO SISTEMA DE VIGILÂNCIA DA CEF. AUTORIA QUE RECAI, ESTREME DE DÚVIDAS, SOBRE A APELANTE. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL.

DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO PENAL SIMPLES. IMPOSSIBILIDADE. ACUSADA QUE, VALENDO-SE DO FRANCO ACESSO À CASA DA VÍTIMA, PERFECTIBILIZA SEU INTENTO ESPÚRIO. QUALIFICADORA CARACTERIZADA.

ARREPENDIMENTO EFICAZ
(CP, ART. 16). CAUSA DE ESPECIAL DIMINUIÇÃO QUE RECLAMA ANTERIORIDADE AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E VOLUNTARIEDADE NA CONDUTA. DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS QUE COMPETIA À DEFESA. INOCORRÊNCIA. PLEITO AFASTADO. APLICAÇÃO, "IN CASU", DA ATENUANTE GENÉRICA PREVISTA NO ART. 65, INC. III, "B", QUE, CONTUDO, NÃO TEM O CONDÃO DE CONDUZIR A REPRIMENDA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR NOMEADO ESPECIFICAMENTE PARA APRESENTAR AS RAZÕES RECURSAIS. FIXAÇÃO EM 7,5 URH'S, CONFORME DETERMINA A LEI COMPLEMENTAR N. 155/97. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.036178-5, da comarca de Curitibanos (Vara Criminal, Infância e Juventude), em que é apelante Eliane França, e apelada a Justiça Pública, por seu promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para fixar os honorários do defensor nomeado, nos termos deste acórdão. Custas legais.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público oficiante na Vara Criminal, Infância e Juventude da Comarca de Curitibanos ofereceu denúncia contra Eliane França, como incursa nas sanções do art. 155, § 4º, inc. II, c/c art. 71, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos descritos na proemial acusatória (fls. I/II):

No dia 10 de maio de 2005, em horário a ser precisado durante a instrução criminal, a denunciada Eliane França subtraiu, para si, com abuso de confiança, da residência da vítima Maria Ivone Figueroa Scheffer, localizada na Rua Archias Ganz, n. 143, Curitibanos/SC, um cartão magnético da Caixa Econômica Federal, agência de Curitibanos , conta corrente n. 688902-6.


Ato contínuo, a denunciada, de posse do cartão magnético, dirigiu-se até a agência da Caixa Econômica Federal, onde, por volta das 14h50min, subtraiu, para si, mediante saque da conta corrente da vítima, a importância de R$ 1.000,00 (hum mil reais).


Posteriormente, no dia 11 de maio de 2005, por volta das 8h30min, a denunciada voltou a ir até a agência bancária acima citada, realizando mais um saque da conta corrente da vítima, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), totalizando o valor de R$ 1.400,00 (hum mil e quatrocentos reais).


Concluída a instrução criminal, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar a ré ao cumprimento da pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pecuniária, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no seu valor mínimo legal, por infração ao art. 155, § 4º, inc. II, do Código Penal (fls. 67/72).


Inconformada com a prestação jurisdicional, a ré apelou, requerendo a absolvição, ao argumento de que "basta a simples análise dos autos para verificar a inexistência de provas a incriminar a acusada". Alternativamente, pleiteou a desclassificação do tipo penal qualificado para o simples e, ainda, a incidência da mitigação referente ao "arrependimento posterior", em sua fração máxima (dois terços), por ter havido ressarcimento à vítima (fls. 91/94). Requereu, ainda, o defensor, a fixação de URH's referentes à apresentação das razões de recurso.


Com as contra-razões (fls. 97/102), nesta Instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira, manifestou-se pelo provimento parcial do apelo, para reconhecer a incidência da atenuante prevista no art. 65, inc. III, "b", do CP, e fixação dos honorários advocatícios (fls. 106/109).


É o relatório.


VOTO

Tratam os autos do delito de furto qualificado pelo abuso de confiança (CP, art. 155, § 4º, inc. II), atribuído a Eliane França.
Consta do caderno processual quea apelante, valendo-se do franco acesso à casa da vítima Maria Ivone Figueroa Scheffer, localizada na Rua Archias Ganz, n. 143, centro de Curitibanos, subtraiu o cartão magnético referente à conta da vítima junto à Caixa Econômica Federal/CEF, e,nos dias 10 e 11 de maio de 2005, realizou saques nos valores de R$ 1.000.00 (mil reais) e R$ 400,00 (quatrocentos reais), respectivamente.

A materialidade vem estampada no Boletimde Ocorrência n. 00012-2005-01528, fotos obtidas junto ao sistema de vigilância da CEF e extrato bancário onde se verificam os dois saques (fls. 4 e 6/16).

A autoria, em que pese a negativa da recorrente, é incontestável e se manifesta em vários elementos de prova.

A ofendida Maria Ivone Figueroa Scheffer, na etapa administrativa, contou ao delegado que a ré freqüentava sua casa, "tendo acesso a todos os cômodos, inclusive, documentos e outros objetos pessoais seus", e que não sabia quando ela havia tido acesso ao seu cartão do banco, pois ele ficava em sua bolsa, guardado em uma carteira. Aduziu que, no dia 12 de maio de 2005, foi até a CEF para verificar seu saldo, percebendo, então, dois saques não efetuados por ela, motivo pelo qual a gerência da Instituição Bancária lhe apresentou o filme com gravação do movimento interno do banco, oportunidade em que reconheceu a autora dos saques como sendo Eliane França (fls. 17).

Confrontada, novamente, com as fotos retiradas da filmagem do sistema de vigilância da CEF, reconheceu, sem qualquer dúvida, Eliane França como sendo a pessoa que efetuou saques nos dias 10 e 11.05 naquele banco (fls. 5)

Em declaração complementar, a vítima esclareceu que a acusada "freqüentava diariamente a sua casa" e, em razão disso, deve tê-la ouvido mencionar sua senha, destacando determinada ocasião em que sua filha foi até o banco e, por ter esquecido o código, ligou para casa, momento em que lhe foi repassado, lembrando que, nessa ocasião, a apelante estava presente (fls. 29).

Em juízo, mais de dois anos e meio depois dos fatos, a ofendida, mesmo que tenha divergido em detalhes, manteve a espinha dorsal do relato, acrescentando, ainda, que "falou com a acusada e ela confessou e depois lhe devolveu todo o dinheiro" (fls. 50).

Por seu turno, a recorrente, na delegacia, exercendo direito que lhe é, constitucionalmente, assegurado, manteve-se silente (fls. 19) e, na fase judicial, furtou-se ao chamamento do magistrado, não comparecendo à audiência na data aprazada, em que pese ter sido regularmente intimada (fls. 46/47).

Dessarte, de um lado, têm-se as palavras da vítima, que reconheceu a acusada através das gravações do sistema de segurança da CEF, e a efetiva comprovação dos saques não autorizados realizados em sua conta bancária.

De outra parte, colhe-se o completo silêncio da recorrente, que não apresentou qualquer contra-argumento capaz de ilidir as acusações de que foi alvo.

Não fosse isso, acrescentam-se os informes da vítima, dando conta de que a própria ré admitiu a conduta ilícita, ressarcindo o dano.

Neste ponto, cabe registrar que a causa de especial diminuição prevista no art. 16 do Código Penal ¿ arrependimento posterior ¿ o qual determina que, havendo a reparação do dano até o recebimento da denúncia, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços, pressupõe que:

1º) o delito tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa;

2º) o sujeito tenha reparado o dano físico ou moral emergente do crime ou restituído o objeto material;

3º) a reparação do dano ou a restituição do bem constituam atos voluntários do agente;

4º) a reparação ou a restituição deve ocorrer até a data do recebimento da denúncia ou da queixa (DAMÁSIO E. DE JESUS, Código Penal Anotado, 4ª ed., SP: Saraiva, 1994).

Na espécie, não há como precisar se a vítima foi ressarcida antes do recebimento da denúncia, prova que competia à própria ré produzir, verificando-se que o argumento defensivo não exasperou o âmbito de genérica alegação, o que impede o reconhecimento da minorante prevista no dispostivo, porém, nos moldes consignados pelo ilustre parecerista, contempla a aplicação da atenuante genérica do art. 66, inc. III, ¿b¿, do Estatuto Repressivo.

Nesse sentido, ensina JÚLIO FABBRINI MIRABETE:

O ressarcimento do prejuízo, a composição, a restituição após a consumação não desfigura o delito, podendo constituir, conforme o caso, em arrependimento posterior, se for anterior à denúncia, ou atenuante genérica, se posterior (Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999, p. 1.074).

Contudo, vale destacar que, mesmo ante o reconhecimento da atenuante genérica, ela não tem o condão de modificar a pena aplicada na sentença, porquanto, na segunda fase, o patamar se encontrava no mínimo legal (Súmula 231 do STJ).

Tampouco há que se falar em afastamento da qualificadora do "abuso de confiança", porquanto, sem o livre ingresso na casa da vítima Maria Ivone, a acusada não teria tido acesso tranqüilo aos seus pertences, o que ensejou a retirada do cartão magnético, mantido em uma carteira, no interior da bolsa da ofendida.

De outro lado, razão assiste à apelante quanto ao pedido de fixação dos honorários do defensor dativo, na forma da lei, devendo ser estipulada a verba honorária relativa às razões recursais vertidas em 7,5 (sete vírgula cinco) URH's, como determina o item 41 da Lei Complementar 155/97, porquanto, na hipótese, o causídico ¿ doutor Ricardo Stanguerlin ¿ foi nomeado como mandatário especial para esse fim (fl. 87).

DECISÃO

Diante do exposto, decidiu a Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento parcial, para fixar os honorários do defensor nomeado, nos termos deste acórdão.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Sérgio Paladino, sem voto, e dele participaram os Exmos. Srs. Des. Salete Silva Sommariva e Tulio José Moura Pinheiro, lavrando parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Anselmo Jerônimo de Oliveira.

Florianópolis, 9 de março de 2010.

Irineu João da Silva

Relator