APELAÇÃO CRIMINAL
APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (CP, ART. 180, §1º),
FORMAÇÃO DE QUADRILHA (CP, ART. 288, CAPUT)
E TENTATIVA DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CP,
ART. 311, CAPUT C/C ART. 14, II) - CONCURSO MATERIAL (CP, ART. 69, CAPUT) - RECURSO INTERPOSTO POR
ACUSADOS ABSOLVIDOS NA ORIGEM - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL (CPP, ART. 577,
PAR. ÚN.) - NÃO CONHECIMENTO.
Conforme leciona o parágrafo único do art. 577 do Código de
Processo Penal, não se admitirá recurso da parte que não tiver interesse na
reforma ou modificação da decisão singular, devendo-se alçar às instâncias
superiores somente insurgências que possam acarretar com o seu provimento,
algum benefício ao apelante.
Ademais, "recorrer por recorrer é algo inútil, constitutivo
de obstáculo à economia processual, além do que o Judiciário é voltado à
solução de conflitos e não simplesmente a proferir consultas ou esclarecer
questões puramente acadêmicas" (NUCCI. Guilherme de Souza, Código de processual penal comentado, 6. ed., São
Paulo: RT, 2007, p. 891).
RECEPTAÇÃO QUALIFICADA - MATERIALIDADE DEMONSTRADA - AUTORIA
COMPROVADA - DEPOIMENTOS CONVERGENTES DE POLICIAIS -
CONDENAÇÃO MANTIDA - FRAGILIDADE DAS PROVAS QUANTO À PARTICIPAÇÃO DE
MARILENE E OSMAR - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
I - Opera-se a adequação típica ao disposto no art. 180, §1º, do
Código Penal, na hipótese de o agente, declarando exercer atividade comercial
ligada à reparação de veículos automotores, é encontrado em posse de caminhão
cuja proveniência lícita não é demonstrada, razão pela qual se impõe a inversão
do ônus da prova em tais circunstâncias, notadamente quando dotado o réu de
plenas condições de conhecer a origem espúria do bem.
Incorre no mesmo delito o agente que, igualmente mecânico de
veículos, transporta automóvel até o local no qual foi encontrado após
ocorrência de furto, mormente se comprovado que desconfiou da situação que
ocorria.
II - Ausente qualquer circunstância a indicar imparcialidade ou
má-fé, é inviável desconsiderar a eficácia probatória do depoimento de
policiais, que na qualidade de agentes estatais, incumbidos de concretizar a
repressão penal (CF, art. 144, §§4º e 5º), ao abordarem agente em atitude
suspeita, apenas exercem o munus que lhes é exigível, notadamente quando suas
declarações são integralmente ratificadas em juízo, sob a garantia do
contraditório.
III - No processo penal, a dúvida não pode militar em desfavor
do réu, haja vista que a condenação, como medida rigorosa e privativa de uma liberdade
pública constitucionalmente assegurada (CF/88, art.
5º, XV, LIV, LV, LVII e LXI), requer a demonstração cabal da autoria e
materialidade, pressupostos autorizadores da condenação. Na hipótese de constar
nos autos elementos de prova que conduzam à incerteza acerca da autoria do
delito, a absolvição é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo.
TENTATIVA DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO
AUTOMOTOR - LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO - INEXISTÊNCIA DE ADULTERAÇÃO OU REMARCAÇÃO
- MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
Trata-se a adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previsto no art. 311, caput, do Códito Penal, de crime
formal, porquanto independe de concreta lesão ao Estado ou, secundariamente,
a particular que teve seu patrimônio atingido, no entanto, é necessária a
comprovação da ocorrência de efetiva adulteração ou remarcação, ou ao menos, da
tentativa.
Dessa forma, em havendo laudo pericial que conclui pela
adequação dos sinais identificadores do veículo, não há materialidade delitiva,
de sorte a não se vislumbrar, sequer, a hipótese de tentativa.
FORMAÇÃO DE QUADRILHA - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA
UNIÃO ESTÁVEL E PERMANENTE PARA FINS CRIMINOSOS DOS DENUNCIADOS OSMAR E MARILENE
- ABSOLVIÇÃO DE AMBOS - NÃO SUBSISTÊNCIA DO CRIME COM RELAÇÃO À ODAIR E IVO - TIPO PENAL QUE EXIGE ASSOCIAÇÃO DE, NO
MÍNIMO, QUATRO PESSOAS - ABSOLVIÇÃO MANTIDA.
Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva
prevista no art. 288, caput, do
Código Penal (formação de quadrilha), imprescindível a
verificação do elemento subjetivo do tipo, qual seja o animus associativo
consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em unirem-se de modo
estável e permanente com a finalidade específica voltada para a prática de
crimes.
Destarte, ausente qualquer elemento de prova apto a demonstrar a
intenção de dois dos quatro acusados de unirem-se para a perpetração de
condutas antijurídicas, a absolvição de ambos é medida que se impõe, e em
decorrência disso, a dos demais, ante a atipicidade do fato, em virtude de que
o tipo penal exige o conluio de, no mínimo, quatro pessoas.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal
(Réu Preso) n. 2007.050141-7, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz (Vara
Única), em que é apte/apdo A Justiça, por seu
Promotor, e aptes/apdos Odair Gonçalves de Oliveira,
Ivo Alves Pereira, Marilene Garcete
e Osmar Garcete:
ACORDAM,
Acerca do interesse recursal, leciona Guilherme de Souza Nucci:
Interesse recursal: trata-se de um dos pressupostos subjetivos
para a admissibilidade dos recursos. É natural que a parte somente poderá
provocar o reexame da matéria já decidida por determinado órgão, remetendo o
feito à instância superior, quando eventual modificação da decisão lhe trouxer
algum tipo de benefício. Recorrer por recorrer é algo inútil, constitutivo de
obstáculo à economia processual, além do que o Judiciário é voltado à solução
de conflitos e não simplesmente a proferir consultas ou esclarecer questões
puramente acadêmicas. (Código de
processual penal comentado, 6. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 891)
E no mesmo sentido, colhe-se desta
corte de justiça:
PENAL E PROCESSUAL - CORRUPÇÃO ATIVA
(ARTIGO 333, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL) - ABSOLVIÇÃO - ANÁLISE DO MÉRITO
PREJUDICADA - EXTINTA A PUNIBILIDADE - PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO
- SUPRESSÃO DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO - AUSÊNCIA DE INTERESSE NA REFORMA
DO JULGADO (ARTIGO 577, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL) - RECURSO
NÃO CONHECIDO.
Não se admite recurso da parte que
não tenha interesse na reforma ou modificação do julgado. (Ap. Crim. n. 2007.021277-8, de
Balneário Camboriú, rel. Des.
Amaral e Silva, j. em 20-10-2008)
E também:
Absolvido o agente pelo crime de
roubo, inexiste interesse recursal na declaração de nulidade do processo por
irregularidade do exame de corpo de delito a que foi submetida a vítima, uma vez que não houve sucumbência. (Ap. Crim. n. 2007.053269-4, de
Pinhalzinho, rel. Des. Victor Ferreira, j. em
22-7-2008)
2.1 Do crime de receptação
qualificada (CP, art. 180, §1º)
No pertinente ao crime em destaque, vislumbra-se da decisão objurgada que, dos quatro denunciados, restaram condenados
Ivo Alves Pereira e Odair Gonçalves de Oliveira. Dos recursos conhecidos, ambos
tratam do tema, ao passo que o Ministério Público requer a condenação dos dois
acusados absolvidos e os dois condenados pugnam pela sua absolvição.
Dessa forma, analisar-se-á concomitantemente
os reclamos.
1.1 Da materialidade
A norma penal relativa
à receptação, em todas suas formas, prescreve variadas condutas, das quais a
prática de apenas uma, em conjunto com a consciência da ilicitude do objeto
derivada do crime anterior, faz configurar o crime.
A propósito, extrai-se da lição de
Paulo José da Costa Jr.:
Trata-se de crime autônomo, que tem
como pressuposto um crime anterior. A receptação tem caráter
sucessivo, conexo materialmente com outro crime precedente, chamado de delito-base,
delito de fundo, delito originário, delito antecedente, delito produtor, ou
fator principal. (Direito penal objetivo,
4. Ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006,
p. 357/358)
E com relação a forma qualificada,
prossegue o jurista:
Nos §§ 1º e 2º do art. 180, com redação dada pela Lei nº 9.426,
de 24.12.1996, previu-se uma modalidade de receptação qualificada, que poderia
ser denominada receptação profissional. Na referida modalidade, o agente não se
contenta em praticar atos isolados tipificadores da
receptação, mas os exerce de forma habitual, em atividade comercial ou
industrial, mesmo que se cuide de comércio irregular ou clandestino. Com a nova
previsão normativa, p desmanche sempre crescente de jóias, veículos e
computadores será mais eficazmente combatido. (idem)
ssim, imperioso destacar a
ausência de qualquer circunstância a mitigar a eficácia probatória do
depoimento dos policiais, que na qualidade de agentes estatais, incumbidos de
concretizar a repressão penal (CF, art. 144, §§4º e 5º), apenas exerceram o munus que lhes era exigível face situação posta diante de si,
notadamente em se considerando que suas declarações foram integralmente
ratificadas em juízo, sob a garantia do contraditório.
Nesse norte está o escólio de Julio Fabbrini Mirabete:
Já se tem argumentado, principalmente nos crimes referentes à tráfico de entorpecentes, que a condenação não se pode
basear apenas no depoimento de policiais, que têm interesse em dizer legítimas
e legais as providências tomadas por eles na fase do inquérito. Mas não se pode
contesta, em princípio, a validade dos depoimentos dos policiais, pois o
exercício da função não desmerece, nem trona suspeito
seu titular, presumindo-se em princípio que digam a verdade, como qualquer
testemunha. Realmente, o depoimento de policial só não tem valor quando se
demonstra ter interesse na investigação e não encontra sustentação alguma em
outros elementos probatórios (Processo
penal, 4. ed., São Paulo, Atlas, p. 303)
Extrai-se da lição de Fernando Capez:
Os policiais não estão impedidos de depor, pois não podem ser considerados testemunha inidôneas ou suspeitas, pela mera
condição funcional. [...] Necessário, portanto, que seus depoimentos
sejam corroborados por testemunhas estranhas aos quadros policiais. Assim, em
regra, trata-se de uma prova a ser recebida com reservas, ressalvando-se sempre
a liberdade de o juiz, dependendo do caso concreto, conferir-lhe valor de
acordo com a sua liberdade de convicção. (Curso de processo penal. 9. ed.
Saraiva: São Paulo, 2003, p. 296).
Guilherme de Souza Nucci corrobora,
lecionando que "no tocante ao
depoimento de policiais, é necessário destacar que é viável, inclusive sob o
compromisso de dizer a verdade, devendo o magistrado avaliá-lo com a cautela
merecida" (Manual de
processo penal. 3. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007, p. 426)
Diante disso, por se encontrarem convergentes com o acervo
probatório construído nos autos, podem-se presumir verdadeiros os testemunhos
dos policiais que atenderam a ocorrência, assim como se procede com o de
qualquer outra testemunha, não sendo diferente o posicionamento do Supremo
Tribunal Federal:
VALIDADE DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTES POLICIAIS. - O
valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando
prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de
inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato
de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão
penal. - O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor,
quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse
particular na investigação penal, age facciosamente
ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as
suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos
probatórios idôneos. (HC n. 73.518/SP, rel. Min. Celso
de Mello, j. em 26-3-1996)
No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - ART. 14 DO
ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI N. 10.826/03) - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS,
O testemunho de agente policial isento de má-fé - que não
foi contraditado, nem tampouco invocado suspeição - é tido como suficiente para
embasar um decreto condenatório, principalmente quando encontra guarida nos
demais elementos de prova produzidos no transcurso da demanda. Assim, não há
falar em dúvida ou insuficiência probatória a justificar a absolvição, quando
os elementos contidos nos autos (materialidade inequívoca e depoimentos
colhidos) permitem a formação de seguro juízo de convicção. (Ap. Crim. n. 2002.011289-0, Rel: Des. Solon d'Eça
Neves). (Ap. Crim. n.
2006.002395-8, de Campos Novos, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em 21-3-2006)
E ainda:
DEPOIMENTOS DE POLICIAIS COERENTES E
O status funcional da testemunha por si só não suprime o valor probatório de seu depoimento, que goza de presunção juris tantum de veracidade,
especialmente quando prestado em juízo, ao abrigo da garantia do contraditório.
Por isso, as declarações de policial só não terão valor se não se coadunarem
com os demais elementos de persuasão que formam o caderno processual, nem com
eles se harmonizarem. (Ap. Crim. 2006.041388-9, de
Joinville, rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 14-8-2007)
Assim, o depoimento testemunhal desses servidores estatais
somente perde credibilidade quando manifestamente revelado nos autos que sua
atuação pautou-se em interesse pessoal, diverso daquele atrelado ao seu dever
de ofício, cujo mister é assegurar a ordem pública e garantir a incolumidade
das pessoas e do patrimônio.
De fato, nesta espécie de delito, mostra-se difícil a demonstração direta da consciência com a qual age o
acusado, no entanto, da junção das provas carreadas, verifica-se que Odair não
se conduziu com o mínimo de cautela exigido para o caso, mormente em sendo
pessoa afeta ao reparo de veículos, atuando, senão com dolo direto, ao menos
com dolo eventual, haja vista que deveria saber ser o caminhão produto de
crime.
Necessário sopesar que, em tais circunstâncias, o fato de o bem
estar em posse do réu à época, conforme salientado, autoriza a inversão do ônus
da prova (CPP, art. 156), incumbindo, ao acusado, justificar, de modo razoável,
a origem lícita dos referidos bens:
Receptação qualificada (art. 180, §§ 1º e 2º, CP). Autoria e
materialidade comprovadas. Apreensão de automóvel furtado, adquirido pelo
acusado que, ante as circunstâncias, deveria saber ser de origem ilícita.
Inversão do ônus da prova. Versão apresentada pelo réu
totalmente divorciada do conjunto probatório. Dolo demonstrado pela
prova dos autos, bem como pela conduta do réu, comerciante do ramo, que compra
veículo bastante danificado, sem exigir a entrega dos respectivos documentos.
Condenação mantida. (Ap. Crim. n.
2005.017175-1, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j.
em 12.07.2005). (grifou-se)
Com o mesmo direcionamento, confira-se: Ap. Crim.
n. 2006.005257-1, de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Torres Marques, j. em 21-3-2006; Ap. Crim. n. 2004.006503-5, de Biguaçu, rel. Des. Irineu João da
Silva, j. em 25-5-2004 e Ap. Crim. n.
2006.020590-7, de Chapecó, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em
8-8-2006.
Nessa linha de princípio, é relevante anotar que a forma como os
fatos se sucederam permite vislumbrar, estreme de dúvidas, a caracterização de
receptação qualificada (CP, art. 180, §1º), uma vez que o réu, dotado de plenas
condições para tal, visto atuar no ramo de comércio de automóveis, guardava em
depósito produto que deveria saber ser fruto de ilícito penal.
A esse respeito, pertinente a lição doutrinária de Julio Frabbrini Mirabete:
Nas hipóteses previstas no vigente § 1º do art. 180, há crime
próprio, pois o sujeito ativo deve ser comerciante ou industrial. Entretanto,
não se exige um ato de comércio legal, regular, pois a própria lei prevê, no §
2º do mesmo artigo, que está equiparada qualquer forma de comércio irregular ou
clandestino, inclusive o exercício
Esta corte de justiça, a propósito, vem decidindo:
Pratica o crime de receptação dolosa qualificada de que trata o
art. 180, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 9.426/96, o
agente que, no exercício de atividade comercial ou industrial, ainda que
irregular ou clandestina, adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, tem em
depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda ou, de qualquer forma
utiliza, em proveito próprio ou alheio, coisa que deve saber ser produto de
crime (Ap. Crim. n.
2002.018665-7, de Içara, Rel. Des. Jaime Ramos, j.
29.10.2002) (Ap. Crim. n. 2007.033900-5, de Tubarão,
rel. Des. Irineu João da Silva, j. em 9-10-2007)
Ainda:
Para a receptação qualificada basta a prova de que o agente, no
exercício de atividade comercial, tenha adquirido, transportado ou mantido em
depósito coisa que devia saber ser produto de crime (Ap. Crim.
n. 2007.034434-3, de Videira, rel. Des.
Solon d'Eça Neves, j. em
18-10-2007)
Com efeito, "o
fato de se tratar de crime próprio não afasta a possibilidade de concurso de
pessoas, que dele podem participar na qualidade de co-autores ou de partícipes,
isto é, atuar como cúmplices" (PIERANGELI, José Henrique).
A propósito, colhe-se deste Tribunal de Justiça:
O tipo penal descrito no art. 180, § 1º, do Estatuto Repressivo,
compreende, entre outras, as condutas de adquirir, ocultar, ter em depósito,
desmontar, ou, de qualquer forma, utilizar, em proveito próprio ou alheio, no
exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser
produto de crime, não se podendo olvidar que a expressão 'deve saber' traduz o
elemento subjetivo do delito de receptação qualificada, que consiste no dolo
eventual e não no dolo direto, configurando-se quando o agente não deseja o
resultado, mas assume o risco de produzi-lo, ou, tendo alguma dúvida quanto aos
elementos do tipo, arrisca-se a concretizá-lo. (Ap. Crim.
n. 2007.033900-5, Des.
Irineu João da Silva, Tubarão, j. em 9-10-2007)
Desse modo, presentes os pressupostos que configuram o crime de
receptação qualificada, mantém-se a condenação de Ivo Alves Pereira por este
delito.
A sentença de conteúdo condenatório exige, para sua prolação, a
certeza de ter sido cometido um crime e de ser o acusado o seu autor. A menor
dúvida a respeito acena para a possibilidade de inocência do réu, de sorte que
a Justiça não faria jus a essa denominação se aceitasse, nessas circunstâncias,
um édito condenatório, operando com uma margem de risco -
mínima que seja - de condenar quem nada deva.
Quando se tem presente, salientou Malatesta,
que a condenação não pode basear-se senão na certeza que culpabilidade, logo se
vê que a credibilidade razoável - também mínima - da inocência sendo destrutiva
da certeza da culpabilidade, deve, necessariamente,
conduzir a absolvição (Prova penal:
doutrina e jurisprudência, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 150).
Neste sentido, discorre Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha:
A sentença condenatória criminal somente pode vir fundada em
provas que conduzam a uma certeza. Até mesmo a alta probabilidade servirá como como fundamento absolutório,
pois teríamos tão-só um juízo de incerteza que nada mais representa que não a
dúvida quanto à realidade.
[...]
Como disse Nelson Hungria, a dúvida é sinônimo
de ausência de prova. E finaliza Pannaim: 'se
há dúvida, é porque a prova não está feita'.
Concluindo: a condenação criminal somente poderá surgir diante
de uma certeza quanto à existência do fato punível, da autoria e da
culpabilidade do acusado. Uma prova deficiente, incompleta ou
contraditória, gera a dúvida e com ela a obrigatoriedade da absolvição,
pois milita em favor do acionado criminalmente uma presunção relativa de
inocência. (Da prova no processo penal,
5. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 82).
Ainda acerca das conseqüências geradas pela incerteza quanto à
autoria do delito de receptação qualificada, colhe-se da jurisprudência deste
Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO. DÚVIDAS A RESPEITO DA AUTORIA E
DA MATERIALIDADE. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA ALICERÇAR O DECRETO
CONDENATÓRIO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.
"No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser
claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão
algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em
dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a
autoria, não bastando a alta probabilidade desta ou daquele. E não pode,
portando, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena
de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio" (RT
619/267). (Ap. Crim. n.
2007.017334-2, de Brusque, Rel. Des. Sérgio Paladino,
j. em 17-7-2007).
No mesmo diapasão:
APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL
IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR - ABSOLVIÇÃO
Em igual sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO DOLOSA. DÚVIDAS
A RESPEITO QUER DA MATERIALIDADE, QUER DA AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE
PROVAS PARA ALICERÇAR O DECRETO CONDENATÓRIO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.
"Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios.
A prova da autoria deve ser concludente e extreme de dúvida, pois só a certeza
autoriza a condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a
absolvição do réu deve prevalecer" (RT 708/339). (Ap. Crim.
n. 2006.046339-6, de Braço do Norte, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 20-3-2007).
Ainda:
ROUBO CIRCUNSTANCIADO - EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES -
ABSOLVIÇÃO LASTREADA NA INEXISTÊNCIA DE PROVAS DE TER O RÉU CONCORRIDO PARA A
INFRAÇÃO PENAL - INCONFORMISMO MINISTERIAL VISANDO A CONDENAÇÃO DO ACUSADO NOS
TERMOS FORMULADOS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA - INVIABILIDADE - ELEMENTOS
PROBATÓRIOS QUE NÃO FORNECEM A CERTEZA MORAL NECESSÁRIA ACERCA DO ENVOLVIMENTO
DO ACOIMADO NA EMPREITADA DELITUOSA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO.
(Ap. Crim. n. 2007.022101-4,
de São José, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. em 24-7-2007)
Deste modo, devido a ausência de
certeza necessária para imputar ao denunciado Osmar Garcete
a prática criminosa, mostra-se imperativa a manutenção da absolvição com relação
ao crime previsto no art. 180, § 1º, do Código Penal, com fulcro no art. 386,
V, do Código de Processo Penal.
2.2.4 Da conduta de Marilene Garcete
Assim como ocorreu com Osmar Garcete, Marilene Garcete restou absolvida de todos os crimes que lhe foram
imputados.
A negativa da denunciada, na fase
processual, restou assim consignada:
Que não tinha conhecimento dos fatos
narrados na denuncia; que antes de vir para Santa Catarina residia no Mato
Grosso do Sul com sua mãe e com Ivo Alves Pereira; que trabalhava como
empregada doméstica; que Ivo trabalhava como pedreiro para uma empresa, cujo o nome não se recorda; que Ivo estava empregado antes
de vir para Santa Catarina; que vieram para Santa Catarina por conta própria
para melhorar de vida; que vieram direto para Tijucas; que não conheciam ninguem em Tijucas; que antes de virem para SC não
receberam proposta de emprego; que é irmã de Osmar; que vieram para SC antes de
Osmar; que Osmar veio para SC porque Ivo conheceu Odair em Tijucas, que propos emprego em uma oficina
Além disso, conforme acima destacado,
também se aproveita a Marilene a declaração de Odair
Gonçalves, de que nenhum dos outros acusados sabiam da
ilicitude do caminhão, aliado ao fato de o policial militar Luiz Carlos
Monteiro ter afirmado que a própria acusada, identicamente à Osmar, demonstrou
confusão e surpresa ao tomar conhecimento do crime de receptação.
Ademais, todos os outros envolvidos,
além dos dois policias, relatam que Marilene tinha
como função tão-somente zelar pela residência do casal e providenciar a limpeza
da oficina, não havendo comprovação alguma de que se envolvera nos negócios do
estabelecimento.
De fato, conforme ressaltado pelo
magistrado sentenciante, a delegada de polícia, à época do inquérito, consignou
que "com relação a pessoa de Marilene
Garcete não lhe foi passada nota de culpa, uma vez
que todas as informações que chegaram dão conta de que trabalhava apenas nos
afazeres domésticos, nada sabendo acerca da oficina." (fl. 67).
Cumpre destacar que a conduta de Marilene
Garcete sequer se subsume aos requisitos exigidos pelo
tipo penal para a forma qualificada de receptação, uma vez que, trabalhando
tão-somente como faxineira do local, não estava no exercício de atividade
comercial ou industrial.
Diante do quadro apresentado, o acervo probatório construído não
se mostra suficiente a demonstrar a participação de Marilene
Garcete no delito, tampouco que de alguma forma para
ele tenha concorrido, razão pela qual a medida que se
impõe é a manutenção da absolvição imposta na origem no que toca ao delito
previsto no art. 180, §1º, do CP.
2.2 Do crime de adulteração de sinal
identificador de veículo automotor (CP, art. 311, 'caput')
O representante do parquet postula a condenação dos quatro denunciados pela prática
do crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, na sua
forma tentada, previsto no art. 311, caput
c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.
Acerca do delito, leciona José Henrique Pierangeli:
O bem jurídico tutelado é a fé pública, especialmente
relacionada ao licenciamento ou registro do veículo automotor, com o que se
demonstram a licitude de sua origem e a legitimidade
de sua propriedade.
[...]
Duas são as ações incriminadas, representadas pelos verbos adulterar e remarcar. Adulterar é falsificar, mudar, modificar, alterar,
contrafazer, enquanto remarcar é marcar de novo, tornar a marcar, fazer nova
marca, substituir total ou parcialmente o número de chassi ou qualquer sinal
identificador de veículo automotor. (Manual
de direito penal brasileiro, 2. ed., São Paulo:
RT, 2007, v. 2, p. 790)
Com efeito, trata-se de crime formal, uma vez que não é necessário a lesão ao Estado nem ao particular ofendido para
que se caracterize o delito, no entanto, é necessária que se proceda à efetiva
adulteração ou remarcação, uma vez que o momento consumativo
ocorre "quando houver a
adulteração ou remarcação, independentemente de resultado naturalístico"
(NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de
direito penal, 3. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 941).
Assim, os laudos pericias realizados
durante a instrução criminal vão de encontro à narrativa da peça acusatória, na
qual o Ministério Público alega que "foi constatado que os acusados já haviam adulterado a plaqueta de
identificação do chassi do caminhão Mercedez Bens,
cor branca, com placas GTK-9218, proveniente de roubo, bem como adulterado outros sinais identificadores do veículo
automotor, consoante informações de fl. 61." (fl. 04)
Referida denúncia relata que, com relação ao caminhão descrito
na exordial, a placa traseira não tem identificação
do fabricante, a placa dianteira tem identificação de fabricante do Estado de
Minas Gerais, porém é do Estado de São Paulo e que a plaqueta de identificação
do chassi apresenta sinais de adulteração.
No entanto, o Laudo Pericial IC/2717/2006
(fls. 154/159) atestou, em avaliação feita sobre o veículo tipo caminhão, marca
Mercedez Benz, modelo L-1620, ano de fabricação 1996,
cor branca, placas GTK 9218 de São Manuel (SP), que: a numeração do chassi, a
numeração o motor, a numeração da caixa de câmbio, a plaqueta de identificação,
o número da carroceria e a numeração de eixo traseiro apresentam
características de originalidade, concluindo os peritos que "não foram encontradas irregularidades nos
itens de identificação do veículo".
Da mesma forma, o laudo pericial complementar ao de n. IC/2717/2006 (fls. 267/273), arrematou que "não foram encontradas irregularidades nos
itens de identificação do veículo examinado", consignando que
"a placa do veículo GTK -9218 é
originária do estado de Minas Gerais que detém as iniciais de placa
compreendidas no intervalo GKJ até HOK, e que o mesmo atualmente está
licenciado no Estado de São Paulo, sendo então considerado normal que a placa
tenha sido produzida no Estado de Minas gerais e que a plaqueta tenha sido
produzida no Estado de São Paulo."
Dessa forma, ante as conclusões nas quais chegaram os peritos
avaliadores, inexiste materialidade do crime de adulteração de sinal
identificador do veículo, não se podendo falar, sequer, em tentativa, uma vez
que os instrumentos encontrados no galpão (Termo de Exibição e Apreensão de
fls. 82/83) são inerentes à atividade comercial de toda e qualquer oficina
mecânica, não possuindo o condão de, tão-somente por eles, denotar que os
denunciados não consumaram o delito por circunstâncias alheias à sua vontade.
De fato, tais ferramentas, caso restasse comprovado sua
aquisição para a prática de crime (o que não ocorreu), não passaria de ato prepatório não punível. Há de se resaltar,
ainda, que pelas provas testemunhais, verifica-se que o caminhão permaneceu
por, no mínimo, seis dias no galpão, tempo suficiente para a adulteração ou
remarcação, caso assim desejassem os denunciados.
Por fim, diferentemente do que restou consignado na sentença, ou
seja, a absolvição dos acusado ante a inexistência de prova da ocorrência do
fato, com fulcro no art. 386, II, do CPP, o entendimento correto é de
absolvição ante a comprovação da inexistência do fato, razão pela qual se mantéma absolvição dos denunciados, no entanto, pelo que
dispõe o art. 386, I, do CPP, notadamente mais benéfico.
2.3 Do crime de formação de quadrilha
O promotor de justiça oficiante na
Comarca de Santo Amaro da Imperatriz, em suas razões recursais, pleiteou a
condenação dos denunciados na prática do crime de formação de quadrilha,
previsto no art. 288, caput, do CP, ao fundamento de que, durante a instrução
criminal, averiguou-se que os quatro acusados uniram-se de forma estável e
permanente para o fim de cometer crimes.
Veja-se o que prescreve o artigo em comento:
Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou
bando, para o fim de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três)
anos
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou
bando é armado. (grifo nosso)
Pela dicção da norma em apreço, nota-se que a figura típica do
crime de quadrilha ou bando pressupõe um elemento subjetivo
especial, consubstanciado na reunião de indivíduos com a finalidade
precípua de cometer crimes. Nota-se que o legislador estabelece a prática de
"crimes" pela quadrilha ou bando, de forma proposital, para fins de
distinção da reunião duradora e estável de
indivíduos, com o concurso de agentes, previsto no art. 29 do CP, aplicável
somente em relação à co-autoria para a prática de delitos específicos.
Nesse sentido, vale transcrever a lição de Cezar Roberto Bittencourt:
Na realidade, queremos demonstrar que é injustificável a confusão que rotineiramente se tem feito entre concurso eventual de pessoas (art.
29) e associação criminosa (art.
288). Com efeito, não se pode confundir aquele - concurso de pessoas - que é associação ocasional,
eventual, temporária, para o cometimento de um ou mais crimes determinados, com esta -
quadrilha ou bando -, que é uma associação
para delinquir, configuradora do crime de quadrilha
ou bando, que deve ser duradoura, permanente e estável, cuja finalidade é o
cometimento indeterminado de crimes. (Tratado
de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, p.
249) (grifo do autor)
Mais adiante, o ilustre jurista arremata:
Quadrilha ou bando, enfim, é crime de perigo comum e abstrato,
de concurso necessário, comissivo e de caráter
permanente, que não se confunde com o simples concurso eventual de pessoas. É
necessário que os componentes do bando estejam previamente concertados para a
específica prática de crimes indeterminados. (p. 250)
Da lição doutrinária acima transcrita, verifica-se que a
caracterização do delito de formação de quadrilha ou bando não depende
exclusivamente da presença de comunhão de vontades voltada para a prática de
crimes, tampouco que haja a contínua e efetiva prática de atividade ilícita,
uma que o tipo incrimina o simples fato de estarem associados
mais de três pessoas, sendo, portanto, crime autônomo.
O preceito legal refere-se à existência de "fim de praticar crimes", o que evidencia
tratar-se de crime formal, que independe de resultado naturalístico.
Da análise dos autos, verifica-se que não restou comprovada a
união estável e permanente dos denunciados Osmar Garcete
e Marilene Garcete com os
demais para a prática de crimes, uma vez que restou demonstrado que não tinham
conhecimento da ilicitude das atividades empreendidas na oficina, razão pela
qual não se pode cogitar que estavam unidos aos outros dois, de modo a se
manter, a rigor, a absolvição de ambos.
A propósito, colhe-se deste Tribunal de Justiça:
RECURSO MINISTERIAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIME NÃO
CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE PROVA SEGURA DA ASSOCIAÇÃO COM CARÁTER DE
ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (Ap. Crim. n. 2007.015506-9, de
Joinville, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko,
j. em 7-3-2008)
E também:
QUADRILHA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO VÍNCULO ASSOCIATIVO
PERMANENTE OU ESTÁVEL ENTRE OS CO-AUTORES. CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO
CONCURSO DE PESSOAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.
Para a configuração do crime de formação de quadrilha ou bando é
preciso, além do número de participantes superior a três, que entre eles exista
vínculo associativo permanente e estável, visando à prática delituosa. (Ap. Crim. n. 2007.056932-3, da
Capital, rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 18-12-2007)
E, em decorrência disso, devem ser absolvidos, igualmente, os
demais acusados, porquanto, a absolvição de dois dos quatro denunciados derrui
a possibilidade de ocorrência do crime de formação de quadrilha ou bando, por
falta de um dos pressupostos exigidos pelo tipo, qual seja, a reunião de, no
mínimo, quatro pessoas, tornando-se atípica a conduta.
Nessa linha, colhe-se da doutrina de Fernando Capez:
A associação criminosa deve ser integrada por mais de três
delinqüentes. [...] E se um dos
agentes foi absolvido por ter sido comprovado que ele não integrou a associação
criminosa? Nessa hipótese, o crime de quadrilha somente subsistirá se
ainda restarem no mínimo quatro integrantes da associação criminosa. Caso isso
não aconteça, o fato será considerado atípico (Curso de direito penal, 4. ed., São
Paulo: Saraiva, 2006, v. 3, p. 254/255)
No mesmo diapasão estão os ensinamentos de Damásio de Jesus, em
sua obra Código
Penal anotado, 11. ed., São Paulo:
Saraiva, 2001, p. 854.
Diante do quadro apresentado, mantém-se a absolvição de todos os
denunciados da prática do crime de formação de quadrilha, com fulcro no art.
386, I, do CPP.
3 Da dosimetria da pena
Por fim, mantidas as condenações de
Odair Gonçalves Oliveira e Ivo Alves Pereira pela prática do crime previsto no
art. 180, §1º, do CP, necessário tecer comentários acerca da dosimetria efetuada na origem, o que se faz, primeiramente,
com relação a Odair.
Na primeira fase da dosimetria o togado a quo, ao analisar as
circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, fixou a pena-base no
mínimo legal, ou seja, em 3 (três) anos de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal,
deixando de considerar o concurso de agente como desfavorável, uma vez que
acentua negativamente as circunstâncias do crime, que, no entanto, não ensejará
mudanças nessa instância, em virtude do princípio da non reformatio in pejus.
Na etapa intermediária, correta a incidência da agravante da
reincidência (CP, art. 61, I), haja vista o réu ter contra si sentença
condenatória transitada em julgado em 9-11-2004, pela prática dos crimes
previstos nos arts. 12, caput e 18, caput,
III, da Lei 6.368/1976, com a consequente majoração
da pena no patamar de 1/6 (um sexto), ou seja, 6
(seis) meses, conforme orientação jurisprudencial dessa corte, totalizando 3
(três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Na derradeira fase, não se vislumbram causas especiais de
aumento e/ou diminuição, motivo pelo qual permaneceu
a pena definitivamente fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em
regime inicial semi-aberto (Súmula 269 do STJ), e pagamento de 10 (dez)
dias-multa, cada qual no valor mínimo legal.
Por fim, negou-se-lhe a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ante a reincidência,
acertadamente.
No que tange ao réu Ivo Alves Pereira, em virtude de serem
favoráveis as circunstâncias judicias do art. 59, da
inexistência de agravantes e/ou atenuantes, e da
ausência de causas de aumento e/ou diminuição,
estabeleceu-se a reprimenda, definitivamente, no mínimo legal cominado pelo
tipo, qual seja, 3 (três) anos de reclusão, em regime
aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo
legal.
Demais disso, escorreitamente, uma vez
cumpridos os requisitos do art. 44 do CP, substituiu-se a pena privativa de
liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de
serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1
(um) salário mínimo.
Dessa forma, verifica-se que as reprimendas irrogadas
mostram-se congruentes com a resposta penal a ser dada pela conduta perpetrada.
Isto posto, o voto é para não
receber o reclamo de Marilene Garcete
e Osmar Garcete, ante a falta de interesse recursal;
conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público, bem como do recurso apresentado
por Odair Gonçalves de Oliveira e Ivo Alves Pereira, e, nesta esteira, negar
provimento a ambos, mantendo-se incólume a sentença que: a) condenou Odair
Gonçalves de Oliveira à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em
regime semi-aberto, negando-lhe quaisquer benefício, além do pagamento de 10
(dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e Ivo Alves Pereira à reprimenda de 3
(três) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas
restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e
prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, além do pagamento de 10
(dez) dias-multa, cada qual no montante mínimo estipulado em lei, pela prática
do crime de receptação qualificada, previsto no art. 180, §1º, do Código Penal;
b) absolveu Marlene Garcete e Osmar Garcete do crime de receptação; c) absolveu Odair Gonçalves
de Oliveira, Ivo Alves Pereira, Marlene Garcete e
Osmar Garcete da prática dos crimes de formação de
quadrilha e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previstos,
respectivamente, nos arts. 288, caput e 311, caput, ambos do digesto repressivo.
DECISÃO
Nos termos do voto da relatora, decida a Câmara, à unanimidade,
não receber o reclamo de Marilene Garcete
e Osmar Garcete, ante a falta de interesse recursal;
conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público, bem como do recurso
apresentado por Odair Gonçalves de Oliveira e Ivo Alves Pereira, e, nesta
esteira, negar provimento a ambos, mantendo-se incólume a
sentença que: a) condenou Odair Gonçalves de Oliveira à pena de 3 (três) anos e
6 (seis) meses de reclusão, em regime semi-aberto, negando-lhe quaisquer
benefício, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e
Ivo Alves Pereira à reprimenda de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto,
substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de
serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo,
além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no montante mínimo
estipulado em lei, pela prática do crime de receptação qualificada, previsto no
art. 180, §1º, do Código Penal; b) absolveu Marlene Garcete
e Osmar Garcete do crime de receptação; c) absolveu
Odair Gonçalves de Oliveira, Ivo Alves Pereira, Marlene Garcete
e Osmar Garcete da prática dos crimes de formação de
quadrilha e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previstos,
respectivamente, nos arts. 288, caput e 311, caput, ambos do digesto repressivo.
Participaram do julgamento, em 16 de dezembro de 2008, os Exmos. Srs. Desembargadores Irineu João da Silva
(Presidente) e Tulio Pinheiro.
Florianópolis, 26 de fevereiro de 2009.
Salete Silva Sommariva