APELAÇÃO CRIMINAL

APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (CP, ART. 180, §1º), FORMAÇÃO DE QUADRILHA (CP, ART. 288, CAPUT) E TENTATIVA DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CP, ART. 311, CAPUT C/C ART. 14, II) - CONCURSO MATERIAL (CP, ART. 69, CAPUT) - RECURSO INTERPOSTO POR ACUSADOS ABSOLVIDOS NA ORIGEM - AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL (CPP, ART. 577, PAR. ÚN.) - NÃO CONHECIMENTO.

Conforme leciona o parágrafo único do art. 577 do Código de Processo Penal, não se admitirá recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão singular, devendo-se alçar às instâncias superiores somente insurgências que possam acarretar com o seu provimento, algum benefício ao apelante.

Ademais, "recorrer por recorrer é algo inútil, constitutivo de obstáculo à economia processual, além do que o Judiciário é voltado à solução de conflitos e não simplesmente a proferir consultas ou esclarecer questões puramente acadêmicas" (NUCCI. Guilherme de Souza, Código de processual penal comentado, 6. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 891).

RECEPTAÇÃO QUALIFICADA - MATERIALIDADE DEMONSTRADA - AUTORIA COMPROVADA - DEPOIMENTOS CONVERGENTES DE POLICIAIS - CONDENAÇÃO MANTIDA - FRAGILIDADE DAS PROVAS QUANTO À PARTICIPAÇÃO DE MARILENE E OSMAR - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

I - Opera-se a adequação típica ao disposto no art. 180, §1º, do Código Penal, na hipótese de o agente, declarando exercer atividade comercial ligada à reparação de veículos automotores, é encontrado em posse de caminhão cuja proveniência lícita não é demonstrada, razão pela qual se impõe a inversão do ônus da prova em tais circunstâncias, notadamente quando dotado o réu de plenas condições de conhecer a origem espúria do bem.

Incorre no mesmo delito o agente que, igualmente mecânico de veículos, transporta automóvel até o local no qual foi encontrado após ocorrência de furto, mormente se comprovado que desconfiou da situação que ocorria.

II - Ausente qualquer circunstância a indicar imparcialidade ou má-fé, é inviável desconsiderar a eficácia probatória do depoimento de policiais, que na qualidade de agentes estatais, incumbidos de concretizar a repressão penal (CF, art. 144, §§4º e 5º), ao abordarem agente em atitude suspeita, apenas exercem o munus que lhes é exigível, notadamente quando suas declarações são integralmente ratificadas em juízo, sob a garantia do contraditório.

III - No processo penal, a dúvida não pode militar em desfavor do réu, haja vista que a condenação, como medida rigorosa e privativa de uma liberdade pública constitucionalmente assegurada (CF/88, art. 5º, XV, LIV, LV, LVII e LXI), requer a demonstração cabal da autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da condenação. Na hipótese de constar nos autos elementos de prova que conduzam à incerteza acerca da autoria do delito, a absolvição é medida que se impõe, em observância ao princípio do in dubio pro reo.

TENTATIVA DE ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR - LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO - INEXISTÊNCIA DE ADULTERAÇÃO OU REMARCAÇÃO - MATERIALIDADE NÃO COMPROVADA - ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

Trata-se a adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previsto no art. 311, caput, do Códito Penal, de crime formal, porquanto independe de concreta lesão ao Estado ou, secundariamente, a particular que teve seu patrimônio atingido, no entanto, é necessária a comprovação da ocorrência de efetiva adulteração ou remarcação, ou ao menos, da tentativa.

Dessa forma, em havendo laudo pericial que conclui pela adequação dos sinais identificadores do veículo, não há materialidade delitiva, de sorte a não se vislumbrar, sequer, a hipótese de tentativa.

FORMAÇÃO DE QUADRILHA - INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA UNIÃO ESTÁVEL E PERMANENTE PARA FINS CRIMINOSOS DOS DENUNCIADOS OSMAR E MARILENE - ABSOLVIÇÃO DE AMBOS - NÃO SUBSISTÊNCIA DO CRIME COM RELAÇÃO À ODAIR E IVO - TIPO PENAL QUE EXIGE ASSOCIAÇÃO DE, NO MÍNIMO, QUATRO PESSOAS - ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva prevista no art. 288, caput, do Código Penal (formação de quadrilha), imprescindível a verificação do elemento subjetivo do tipo, qual seja o animus associativo consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em unirem-se de modo estável e permanente com a finalidade específica voltada para a prática de crimes.

Destarte, ausente qualquer elemento de prova apto a demonstrar a intenção de dois dos quatro acusados de unirem-se para a perpetração de condutas antijurídicas, a absolvição de ambos é medida que se impõe, e em decorrência disso, a dos demais, ante a atipicidade do fato, em virtude de que o tipo penal exige o conluio de, no mínimo, quatro pessoas.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2007.050141-7, da comarca de Santo Amaro da Imperatriz (Vara Única), em que é apte/apdo A Justiça, por seu Promotor, e aptes/apdos Odair Gonçalves de Oliveira, Ivo Alves Pereira, Marilene Garcete e Osmar Garcete:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por unanimidade de votos, não receber o reclamo de Marilene Garcete e Osmar Garcete, ante a falta de interesse recursal; conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público, bem como do recurso apresentado por Odair Gonçalves de Oliveira e Ivo Alves Pereira, e, nesta esteira, negar provimento a ambos, mantendo-se incólume a sentença que: a) condenou Odair Gonçalves de Oliveira à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime semi-aberto, negando-lhe quaisquer benefício, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e Ivo Alves Pereira à reprimenda de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no montante mínimo estipulado em lei, pela prática do crime de receptação qualificada, previsto no art. 180, §1º, do Código Penal; b) absolveu Marlene Garcete e Osmar Garcete do crime de receptação; c) absolveu Odair Gonçalves de Oliveira, Ivo Alves Pereira, Marlene Garcete e Osmar Garcete da prática dos crimes de formação de quadrilha e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previstos, respectivamente, nos arts. 288, caput e 311, caput, ambos do digesto repressivo. Custas

 

 

Acerca do interesse recursal, leciona Guilherme de Souza Nucci:

Interesse recursal: trata-se de um dos pressupostos subjetivos para a admissibilidade dos recursos. É natural que a parte somente poderá provocar o reexame da matéria já decidida por determinado órgão, remetendo o feito à instância superior, quando eventual modificação da decisão lhe trouxer algum tipo de benefício. Recorrer por recorrer é algo inútil, constitutivo de obstáculo à economia processual, além do que o Judiciário é voltado à solução de conflitos e não simplesmente a proferir consultas ou esclarecer questões puramente acadêmicas. (Código de processual penal comentado, 6. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 891)

E no mesmo sentido, colhe-se desta corte de justiça:

PENAL E PROCESSUAL - CORRUPÇÃO ATIVA (ARTIGO 333, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL) - ABSOLVIÇÃO - ANÁLISE DO MÉRITO PREJUDICADA - EXTINTA A PUNIBILIDADE - PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO - SUPRESSÃO DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO - AUSÊNCIA DE INTERESSE NA REFORMA DO JULGADO (ARTIGO 577, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL) - RECURSO NÃO CONHECIDO.

Não se admite recurso da parte que não tenha interesse na reforma ou modificação do julgado. (Ap. Crim. n. 2007.021277-8, de Balneário Camboriú, rel. Des. Amaral e Silva, j. em 20-10-2008)

E também:

Absolvido o agente pelo crime de roubo, inexiste interesse recursal na declaração de nulidade do processo por irregularidade do exame de corpo de delito a que foi submetida a vítima, uma vez que não houve sucumbência. (Ap. Crim. n. 2007.053269-4, de Pinhalzinho, rel. Des. Victor Ferreira, j. em 22-7-2008)

2.1 Do crime de receptação qualificada (CP, art. 180, §1º)

No pertinente ao crime em destaque, vislumbra-se da decisão objurgada que, dos quatro denunciados, restaram condenados Ivo Alves Pereira e Odair Gonçalves de Oliveira. Dos recursos conhecidos, ambos tratam do tema, ao passo que o Ministério Público requer a condenação dos dois acusados absolvidos e os dois condenados pugnam pela sua absolvição.

Dessa forma, analisar-se-á concomitantemente os reclamos.

1.1 Da materialidade

A norma penal relativa à receptação, em todas suas formas, prescreve variadas condutas, das quais a prática de apenas uma, em conjunto com a consciência da ilicitude do objeto derivada do crime anterior, faz configurar o crime.

A propósito, extrai-se da lição de Paulo José da Costa Jr.:

Trata-se de crime autônomo, que tem como pressuposto um crime anterior. A receptação tem caráter sucessivo, conexo materialmente com outro crime precedente, chamado de delito-base, delito de fundo, delito originário, delito antecedente, delito produtor, ou fator principal. (Direito penal objetivo, 4. Ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 357/358)

E com relação a forma qualificada, prossegue o jurista:

Nos §§ 1º e 2º do art. 180, com redação dada pela Lei nº 9.426, de 24.12.1996, previu-se uma modalidade de receptação qualificada, que poderia ser denominada receptação profissional. Na referida modalidade, o agente não se contenta em praticar atos isolados tipificadores da receptação, mas os exerce de forma habitual, em atividade comercial ou industrial, mesmo que se cuide de comércio irregular ou clandestino. Com a nova previsão normativa, p desmanche sempre crescente de jóias, veículos e computadores será mais eficazmente combatido. (idem)

ssim, imperioso destacar a ausência de qualquer circunstância a mitigar a eficácia probatória do depoimento dos policiais, que na qualidade de agentes estatais, incumbidos de concretizar a repressão penal (CF, art. 144, §§4º e 5º), apenas exerceram o munus que lhes era exigível face situação posta diante de si, notadamente em se considerando que suas declarações foram integralmente ratificadas em juízo, sob a garantia do contraditório.

Nesse norte está o escólio de Julio Fabbrini Mirabete:

Já se tem argumentado, principalmente nos crimes referentes à tráfico de entorpecentes, que a condenação não se pode basear apenas no depoimento de policiais, que têm interesse em dizer legítimas e legais as providências tomadas por eles na fase do inquérito. Mas não se pode contesta, em princípio, a validade dos depoimentos dos policiais, pois o exercício da função não desmerece, nem trona suspeito seu titular, presumindo-se em princípio que digam a verdade, como qualquer testemunha. Realmente, o depoimento de policial só não tem valor quando se demonstra ter interesse na investigação e não encontra sustentação alguma em outros elementos probatórios (Processo penal, 4. ed., São Paulo, Atlas, p. 303)

Extrai-se da lição de Fernando Capez:

Os policiais não estão impedidos de depor, pois não podem ser considerados testemunha inidôneas ou suspeitas, pela mera condição funcional. [...] Necessário, portanto, que seus depoimentos sejam corroborados por testemunhas estranhas aos quadros policiais. Assim, em regra, trata-se de uma prova a ser recebida com reservas, ressalvando-se sempre a liberdade de o juiz, dependendo do caso concreto, conferir-lhe valor de acordo com a sua liberdade de convicção. (Curso de processo penal. 9. ed. Saraiva: São Paulo, 2003, p. 296).

Guilherme de Souza Nucci corrobora, lecionando que "no tocante ao depoimento de policiais, é necessário destacar que é viável, inclusive sob o compromisso de dizer a verdade, devendo o magistrado avaliá-lo com a cautela merecida" (Manual de processo penal. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 426)

Diante disso, por se encontrarem convergentes com o acervo probatório construído nos autos, podem-se presumir verdadeiros os testemunhos dos policiais que atenderam a ocorrência, assim como se procede com o de qualquer outra testemunha, não sendo diferente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

VALIDADE DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTES POLICIAIS. - O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. - O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor, quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. (HC n. 73.518/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. em 26-3-1996)

No mesmo sentido é o entendimento deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO - ART. 14 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI N. 10.826/03) - PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, EM ESPECIAL POR ESTAR A CONDENAÇÃO EMBASADA NAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELOS POLICIAIS QUE PROMOVERAM A PRISÃO EM FLAGRANTE - IMPOSSIBILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS - DEPOIMENTO DOS MILICIANOS COLHIDOS SEM QUE HOUVESSE QUALQUER CONTRADITA - PROVA VÁLIDA, MÁXIME PORQUE COERENTE COM OS DEMAIS ELEMENTOS CONSTANTES DOS AUTOS - DECISÃO - RECURSO DESPROVIDO.

O testemunho de agente policial isento de má-fé - que não foi contraditado, nem tampouco invocado suspeição - é tido como suficiente para embasar um decreto condenatório, principalmente quando encontra guarida nos demais elementos de prova produzidos no transcurso da demanda. Assim, não há falar em dúvida ou insuficiência probatória a justificar a absolvição, quando os elementos contidos nos autos (materialidade inequívoca e depoimentos colhidos) permitem a formação de seguro juízo de convicção. (Ap. Crim. n. 2002.011289-0, Rel: Des. Solon d'Eça Neves). (Ap. Crim. n. 2006.002395-8, de Campos Novos, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em 21-3-2006)

E ainda:

DEPOIMENTOS DE POLICIAIS COERENTES E EM HARMONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE FORMAM O CONJUNTO PROBATÓRIO. VALOR INQUESTIONÁVEL. ALICERCE SEGURO PARA A CONDENAÇÃO.

O status funcional da testemunha por si só não suprime o valor probatório de seu depoimento, que goza de presunção juris tantum de veracidade, especialmente quando prestado em juízo, ao abrigo da garantia do contraditório. Por isso, as declarações de policial só não terão valor se não se coadunarem com os demais elementos de persuasão que formam o caderno processual, nem com eles se harmonizarem. (Ap. Crim. 2006.041388-9, de Joinville, rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 14-8-2007)

Assim, o depoimento testemunhal desses servidores estatais somente perde credibilidade quando manifestamente revelado nos autos que sua atuação pautou-se em interesse pessoal, diverso daquele atrelado ao seu dever de ofício, cujo mister é assegurar a ordem pública e garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

De fato, nesta espécie de delito, mostra-se difícil a demonstração direta da consciência com a qual age o acusado, no entanto, da junção das provas carreadas, verifica-se que Odair não se conduziu com o mínimo de cautela exigido para o caso, mormente em sendo pessoa afeta ao reparo de veículos, atuando, senão com dolo direto, ao menos com dolo eventual, haja vista que deveria saber ser o caminhão produto de crime.

Necessário sopesar que, em tais circunstâncias, o fato de o bem estar em posse do réu à época, conforme salientado, autoriza a inversão do ônus da prova (CPP, art. 156), incumbindo, ao acusado, justificar, de modo razoável, a origem lícita dos referidos bens:

Receptação qualificada (art. 180, §§ 1º e 2º, CP). Autoria e materialidade comprovadas. Apreensão de automóvel furtado, adquirido pelo acusado que, ante as circunstâncias, deveria saber ser de origem ilícita. Inversão do ônus da prova. Versão apresentada pelo réu totalmente divorciada do conjunto probatório. Dolo demonstrado pela prova dos autos, bem como pela conduta do réu, comerciante do ramo, que compra veículo bastante danificado, sem exigir a entrega dos respectivos documentos. Condenação mantida. (Ap. Crim. n. 2005.017175-1, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j. em 12.07.2005). (grifou-se)

Com o mesmo direcionamento, confira-se: Ap. Crim. n. 2006.005257-1, de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Torres Marques, j. em 21-3-2006; Ap. Crim. n. 2004.006503-5, de Biguaçu, rel. Des. Irineu João da Silva, j. em 25-5-2004 e Ap. Crim. n. 2006.020590-7, de Chapecó, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 8-8-2006.

Nessa linha de princípio, é relevante anotar que a forma como os fatos se sucederam permite vislumbrar, estreme de dúvidas, a caracterização de receptação qualificada (CP, art. 180, §1º), uma vez que o réu, dotado de plenas condições para tal, visto atuar no ramo de comércio de automóveis, guardava em depósito produto que deveria saber ser fruto de ilícito penal.

A esse respeito, pertinente a lição doutrinária de Julio Frabbrini Mirabete:

Nas hipóteses previstas no vigente § 1º do art. 180, há crime próprio, pois o sujeito ativo deve ser comerciante ou industrial. Entretanto, não se exige um ato de comércio legal, regular, pois a própria lei prevê, no § 2º do mesmo artigo, que está equiparada qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência. Não se dispensa, porém, a exigência de que, para a caracterização do crime qualificado, haja continuidade ou habitualidade na atividade comercial por parte do sujeito ativo, não bastando ato único, isolado. (Código Penal Interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1678).

Esta corte de justiça, a propósito, vem decidindo:

Pratica o crime de receptação dolosa qualificada de que trata o art. 180, § 1º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 9.426/96, o agente que, no exercício de atividade comercial ou industrial, ainda que irregular ou clandestina, adquire, recebe, transporta, conduz, oculta, tem em depósito, desmonta, monta, remonta, vende, expõe à venda ou, de qualquer forma utiliza, em proveito próprio ou alheio, coisa que deve saber ser produto de crime (Ap. Crim. n. 2002.018665-7, de Içara, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 29.10.2002) (Ap. Crim. n. 2007.033900-5, de Tubarão, rel. Des. Irineu João da Silva, j. em 9-10-2007)

Ainda:

Para a receptação qualificada basta a prova de que o agente, no exercício de atividade comercial, tenha adquirido, transportado ou mantido em depósito coisa que devia saber ser produto de crime (Ap. Crim. n. 2007.034434-3, de Videira, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 18-10-2007)

Com efeito, "o fato de se tratar de crime próprio não afasta a possibilidade de concurso de pessoas, que dele podem participar na qualidade de co-autores ou de partícipes, isto é, atuar como cúmplices" (PIERANGELI, José Henrique).

A propósito, colhe-se deste Tribunal de Justiça:

O tipo penal descrito no art. 180, § 1º, do Estatuto Repressivo, compreende, entre outras, as condutas de adquirir, ocultar, ter em depósito, desmontar, ou, de qualquer forma, utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime, não se podendo olvidar que a expressão 'deve saber' traduz o elemento subjetivo do delito de receptação qualificada, que consiste no dolo eventual e não no dolo direto, configurando-se quando o agente não deseja o resultado, mas assume o risco de produzi-lo, ou, tendo alguma dúvida quanto aos elementos do tipo, arrisca-se a concretizá-lo. (Ap. Crim. n. 2007.033900-5, Des. Irineu João da Silva, Tubarão, j. em 9-10-2007)

Desse modo, presentes os pressupostos que configuram o crime de receptação qualificada, mantém-se a condenação de Ivo Alves Pereira por este delito.

A sentença de conteúdo condenatório exige, para sua prolação, a certeza de ter sido cometido um crime e de ser o acusado o seu autor. A menor dúvida a respeito acena para a possibilidade de inocência do réu, de sorte que a Justiça não faria jus a essa denominação se aceitasse, nessas circunstâncias, um édito condenatório, operando com uma margem de risco - mínima que seja - de condenar quem nada deva.

Quando se tem presente, salientou Malatesta, que a condenação não pode basear-se senão na certeza que culpabilidade, logo se vê que a credibilidade razoável - também mínima - da inocência sendo destrutiva da certeza da culpabilidade, deve, necessariamente, conduzir a absolvição (Prova penal: doutrina e jurisprudência, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 150).

Neste sentido, discorre Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha:

A sentença condenatória criminal somente pode vir fundada em provas que conduzam a uma certeza. Até mesmo a alta probabilidade servirá como como fundamento absolutório, pois teríamos tão-só um juízo de incerteza que nada mais representa que não a dúvida quanto à realidade.

[...]

Como disse Nelson Hungria, a dúvida é sinônimo de ausência de prova. E finaliza Pannaim: 'se há dúvida, é porque a prova não está feita'.

Concluindo: a condenação criminal somente poderá surgir diante de uma certeza quanto à existência do fato punível, da autoria e da culpabilidade do acusado. Uma prova deficiente, incompleta ou contraditória, gera a dúvida e com ela a obrigatoriedade da absolvição, pois milita em favor do acionado criminalmente uma presunção relativa de inocência. (Da prova no processo penal, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 82).

Ainda acerca das conseqüências geradas pela incerteza quanto à autoria do delito de receptação qualificada, colhe-se da jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO. DÚVIDAS A RESPEITO DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA ALICERÇAR O DECRETO CONDENATÓRIO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO.

"No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica. Condenação exige certeza absoluta, fundada em dados objetivos indiscutíveis, de caráter geral, que evidenciem o delito e a autoria, não bastando a alta probabilidade desta ou daquele. E não pode, portando, ser a certeza subjetiva, formada na consciência do julgador, sob pena de se transformar o princípio do livre convencimento em arbítrio" (RT 619/267). (Ap. Crim. n. 2007.017334-2, de Brusque, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 17-7-2007).

No mesmo diapasão:

APELAÇÃO CRIMINAL - RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR - ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA - RECURSO DO DOMINUS LITIS INTERPOSTO SOB O ARGUMENTO DE QUE HÁ PROVAS SUFICIENTES PARA SUSTENTAR UMA CONDENAÇÃO - AUTORIA CONTROVERSA - APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO REO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. (Ap. Crim. n. 2006.042616-1, de Itajaí, Rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 27-3-2007).

Em igual sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO DOLOSA. DÚVIDAS A RESPEITO QUER DA MATERIALIDADE, QUER DA AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA ALICERÇAR O DECRETO CONDENATÓRIO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

"Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da autoria deve ser concludente e extreme de dúvida, pois só a certeza autoriza a condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição do réu deve prevalecer" (RT 708/339). (Ap. Crim. n. 2006.046339-6, de Braço do Norte, Rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 20-3-2007).

Ainda:

ROUBO CIRCUNSTANCIADO - EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES - ABSOLVIÇÃO LASTREADA NA INEXISTÊNCIA DE PROVAS DE TER O RÉU CONCORRIDO PARA A INFRAÇÃO PENAL - INCONFORMISMO MINISTERIAL VISANDO A CONDENAÇÃO DO ACUSADO NOS TERMOS FORMULADOS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA - INVIABILIDADE - ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE NÃO FORNECEM A CERTEZA MORAL NECESSÁRIA ACERCA DO ENVOLVIMENTO DO ACOIMADO NA EMPREITADA DELITUOSA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. (Ap. Crim. n. 2007.022101-4, de São José, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. em 24-7-2007)

Deste modo, devido a ausência de certeza necessária para imputar ao denunciado Osmar Garcete a prática criminosa, mostra-se imperativa a manutenção da absolvição com relação ao crime previsto no art. 180, § 1º, do Código Penal, com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal.

2.2.4 Da conduta de Marilene Garcete

Assim como ocorreu com Osmar Garcete, Marilene Garcete restou absolvida de todos os crimes que lhe foram imputados.

A negativa da denunciada, na fase processual, restou assim consignada:

Que não tinha conhecimento dos fatos narrados na denuncia; que antes de vir para Santa Catarina residia no Mato Grosso do Sul com sua mãe e com Ivo Alves Pereira; que trabalhava como empregada doméstica; que Ivo trabalhava como pedreiro para uma empresa, cujo o nome não se recorda; que Ivo estava empregado antes de vir para Santa Catarina; que vieram para Santa Catarina por conta própria para melhorar de vida; que vieram direto para Tijucas; que não conheciam ninguem em Tijucas; que antes de virem para SC não receberam proposta de emprego; que é irmã de Osmar; que vieram para SC antes de Osmar; que Osmar veio para SC porque Ivo conheceu Odair em Tijucas, que propos emprego em uma oficina em Santo Amaro da Imperatriz/SC; que Odair iria pagar a casa e luz e Ivo iria lhe ajudar na oficina; que não sabe o que Ivo iria fazer na oficina; que não sabe o que Osmar iria fazer na Oficina; que Osmar estava desempregado; que Osmar já trabalhou como servente de pedreiro; que Ivo e Osmar nunca trabalharam antes em oficina mecânica; que não sabe quanto Ivo e Osmar iriam receber para trabalhar na oficina, pois não faz esse tipo de pergunta ao seu companheiro; que Osmar também estava morando na casa localizada na rua São Sebastião, nesta Comarca e cidade; que não viu o caminhão descrito na denúncia chegar no galpão; que não sabe quando seria aberto a oficina; que o galpão foi locado por Odair. (fl. 180)

Além disso, conforme acima destacado, também se aproveita a Marilene a declaração de Odair Gonçalves, de que nenhum dos outros acusados sabiam da ilicitude do caminhão, aliado ao fato de o policial militar Luiz Carlos Monteiro ter afirmado que a própria acusada, identicamente à Osmar, demonstrou confusão e surpresa ao tomar conhecimento do crime de receptação.

Ademais, todos os outros envolvidos, além dos dois policias, relatam que Marilene tinha como função tão-somente zelar pela residência do casal e providenciar a limpeza da oficina, não havendo comprovação alguma de que se envolvera nos negócios do estabelecimento.

De fato, conforme ressaltado pelo magistrado sentenciante, a delegada de polícia, à época do inquérito, consignou que "com relação a pessoa de Marilene Garcete não lhe foi passada nota de culpa, uma vez que todas as informações que chegaram dão conta de que trabalhava apenas nos afazeres domésticos, nada sabendo acerca da oficina." (fl. 67).

Cumpre destacar que a conduta de Marilene Garcete sequer se subsume aos requisitos exigidos pelo tipo penal para a forma qualificada de receptação, uma vez que, trabalhando tão-somente como faxineira do local, não estava no exercício de atividade comercial ou industrial.

Diante do quadro apresentado, o acervo probatório construído não se mostra suficiente a demonstrar a participação de Marilene Garcete no delito, tampouco que de alguma forma para ele tenha concorrido, razão pela qual a medida que se impõe é a manutenção da absolvição imposta na origem no que toca ao delito previsto no art. 180, §1º, do CP.

2.2 Do crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (CP, art. 311, 'caput')

O representante do parquet postula a condenação dos quatro denunciados pela prática do crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor, na sua forma tentada, previsto no art. 311, caput c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

Acerca do delito, leciona José Henrique Pierangeli:

O bem jurídico tutelado é a fé pública, especialmente relacionada ao licenciamento ou registro do veículo automotor, com o que se demonstram a licitude de sua origem e a legitimidade de sua propriedade.

[...]

Duas são as ações incriminadas, representadas pelos verbos adulterar e remarcar. Adulterar é falsificar, mudar, modificar, alterar, contrafazer, enquanto remarcar é marcar de novo, tornar a marcar, fazer nova marca, substituir total ou parcialmente o número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor. (Manual de direito penal brasileiro, 2. ed., São Paulo: RT, 2007, v. 2, p. 790)

Com efeito, trata-se de crime formal, uma vez que não é necessário a lesão ao Estado nem ao particular ofendido para que se caracterize o delito, no entanto, é necessária que se proceda à efetiva adulteração ou remarcação, uma vez que o momento consumativo ocorre "quando houver a adulteração ou remarcação, independentemente de resultado naturalístico" (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, 3. ed., São Paulo: RT, 2007, p. 941).

Assim, os laudos pericias realizados durante a instrução criminal vão de encontro à narrativa da peça acusatória, na qual o Ministério Público alega que "foi constatado que os acusados já haviam adulterado a plaqueta de identificação do chassi do caminhão Mercedez Bens, cor branca, com placas GTK-9218, proveniente de roubo, bem como adulterado outros sinais identificadores do veículo automotor, consoante informações de fl. 61." (fl. 04)

Referida denúncia relata que, com relação ao caminhão descrito na exordial, a placa traseira não tem identificação do fabricante, a placa dianteira tem identificação de fabricante do Estado de Minas Gerais, porém é do Estado de São Paulo e que a plaqueta de identificação do chassi apresenta sinais de adulteração.

No entanto, o Laudo Pericial IC/2717/2006 (fls. 154/159) atestou, em avaliação feita sobre o veículo tipo caminhão, marca Mercedez Benz, modelo L-1620, ano de fabricação 1996, cor branca, placas GTK 9218 de São Manuel (SP), que: a numeração do chassi, a numeração o motor, a numeração da caixa de câmbio, a plaqueta de identificação, o número da carroceria e a numeração de eixo traseiro apresentam características de originalidade, concluindo os peritos que "não foram encontradas irregularidades nos itens de identificação do veículo".

Da mesma forma, o laudo pericial complementar ao de n. IC/2717/2006 (fls. 267/273), arrematou que "não foram encontradas irregularidades nos itens de identificação do veículo examinado", consignando que "a placa do veículo GTK -9218 é originária do estado de Minas Gerais que detém as iniciais de placa compreendidas no intervalo GKJ até HOK, e que o mesmo atualmente está licenciado no Estado de São Paulo, sendo então considerado normal que a placa tenha sido produzida no Estado de Minas gerais e que a plaqueta tenha sido produzida no Estado de São Paulo."

Dessa forma, ante as conclusões nas quais chegaram os peritos avaliadores, inexiste materialidade do crime de adulteração de sinal identificador do veículo, não se podendo falar, sequer, em tentativa, uma vez que os instrumentos encontrados no galpão (Termo de Exibição e Apreensão de fls. 82/83) são inerentes à atividade comercial de toda e qualquer oficina mecânica, não possuindo o condão de, tão-somente por eles, denotar que os denunciados não consumaram o delito por circunstâncias alheias à sua vontade.

De fato, tais ferramentas, caso restasse comprovado sua aquisição para a prática de crime (o que não ocorreu), não passaria de ato prepatório não punível. Há de se resaltar, ainda, que pelas provas testemunhais, verifica-se que o caminhão permaneceu por, no mínimo, seis dias no galpão, tempo suficiente para a adulteração ou remarcação, caso assim desejassem os denunciados.

Por fim, diferentemente do que restou consignado na sentença, ou seja, a absolvição dos acusado ante a inexistência de prova da ocorrência do fato, com fulcro no art. 386, II, do CPP, o entendimento correto é de absolvição ante a comprovação da inexistência do fato, razão pela qual se mantéma absolvição dos denunciados, no entanto, pelo que dispõe o art. 386, I, do CPP, notadamente mais benéfico.

2.3 Do crime de formação de quadrilha

O promotor de justiça oficiante na Comarca de Santo Amaro da Imperatriz, em suas razões recursais, pleiteou a condenação dos denunciados na prática do crime de formação de quadrilha, previsto no art. 288, caput, do CP, ao fundamento de que, durante a instrução criminal, averiguou-se que os quatro acusados uniram-se de forma estável e permanente para o fim de cometer crimes.

Veja-se o que prescreve o artigo em comento:

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos

Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. (grifo nosso)

Pela dicção da norma em apreço, nota-se que a figura típica do crime de quadrilha ou bando pressupõe um elemento subjetivo especial, consubstanciado na reunião de indivíduos com a finalidade precípua de cometer crimes. Nota-se que o legislador estabelece a prática de "crimes" pela quadrilha ou bando, de forma proposital, para fins de distinção da reunião duradora e estável de indivíduos, com o concurso de agentes, previsto no art. 29 do CP, aplicável somente em relação à co-autoria para a prática de delitos específicos.

Nesse sentido, vale transcrever a lição de Cezar Roberto Bittencourt:

Na realidade, queremos demonstrar que é injustificável a confusão que rotineiramente se tem feito entre concurso eventual de pessoas (art. 29) e associação criminosa (art. 288). Com efeito, não se pode confundir aquele - concurso de pessoas - que é associação ocasional, eventual, temporária, para o cometimento de um ou mais crimes determinados, com esta - quadrilha ou bando -, que é uma associação para delinquir, configuradora do crime de quadrilha ou bando, que deve ser duradoura, permanente e estável, cuja finalidade é o cometimento indeterminado de crimes. (Tratado de Direito Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, p. 249) (grifo do autor)

Mais adiante, o ilustre jurista arremata:

Quadrilha ou bando, enfim, é crime de perigo comum e abstrato, de concurso necessário, comissivo e de caráter permanente, que não se confunde com o simples concurso eventual de pessoas. É necessário que os componentes do bando estejam previamente concertados para a específica prática de crimes indeterminados. (p. 250)

Da lição doutrinária acima transcrita, verifica-se que a caracterização do delito de formação de quadrilha ou bando não depende exclusivamente da presença de comunhão de vontades voltada para a prática de crimes, tampouco que haja a contínua e efetiva prática de atividade ilícita, uma que o tipo incrimina o simples fato de estarem associados mais de três pessoas, sendo, portanto, crime autônomo.

O preceito legal refere-se à existência de "fim de praticar crimes", o que evidencia tratar-se de crime formal, que independe de resultado naturalístico.

Da análise dos autos, verifica-se que não restou comprovada a união estável e permanente dos denunciados Osmar Garcete e Marilene Garcete com os demais para a prática de crimes, uma vez que restou demonstrado que não tinham conhecimento da ilicitude das atividades empreendidas na oficina, razão pela qual não se pode cogitar que estavam unidos aos outros dois, de modo a se manter, a rigor, a absolvição de ambos.

A propósito, colhe-se deste Tribunal de Justiça:

RECURSO MINISTERIAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. CRIME NÃO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE PROVA SEGURA DA ASSOCIAÇÃO COM CARÁTER DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (Ap. Crim. n. 2007.015506-9, de Joinville, rel. Des. Alexandre d'Ivanenko, j. em 7-3-2008)

E também:

QUADRILHA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO VÍNCULO ASSOCIATIVO PERMANENTE OU ESTÁVEL ENTRE OS CO-AUTORES. CARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DO CONCURSO DE PESSOAS. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

Para a configuração do crime de formação de quadrilha ou bando é preciso, além do número de participantes superior a três, que entre eles exista vínculo associativo permanente e estável, visando à prática delituosa. (Ap. Crim. n. 2007.056932-3, da Capital, rel. Des. Sérgio Paladino, j. em 18-12-2007)

E, em decorrência disso, devem ser absolvidos, igualmente, os demais acusados, porquanto, a absolvição de dois dos quatro denunciados derrui a possibilidade de ocorrência do crime de formação de quadrilha ou bando, por falta de um dos pressupostos exigidos pelo tipo, qual seja, a reunião de, no mínimo, quatro pessoas, tornando-se atípica a conduta.

Nessa linha, colhe-se da doutrina de Fernando Capez:

A associação criminosa deve ser integrada por mais de três delinqüentes. [...] E se um dos agentes foi absolvido por ter sido comprovado que ele não integrou a associação criminosa? Nessa hipótese, o crime de quadrilha somente subsistirá se ainda restarem no mínimo quatro integrantes da associação criminosa. Caso isso não aconteça, o fato será considerado atípico (Curso de direito penal, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, v. 3, p. 254/255)

No mesmo diapasão estão os ensinamentos de Damásio de Jesus, em sua obra Código Penal anotado, 11. ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p. 854.

Diante do quadro apresentado, mantém-se a absolvição de todos os denunciados da prática do crime de formação de quadrilha, com fulcro no art. 386, I, do CPP.

3 Da dosimetria da pena

Por fim, mantidas as condenações de Odair Gonçalves Oliveira e Ivo Alves Pereira pela prática do crime previsto no art. 180, §1º, do CP, necessário tecer comentários acerca da dosimetria efetuada na origem, o que se faz, primeiramente, com relação a Odair.

Na primeira fase da dosimetria o togado a quo, ao analisar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 3 (três) anos de reclusão, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, deixando de considerar o concurso de agente como desfavorável, uma vez que acentua negativamente as circunstâncias do crime, que, no entanto, não ensejará mudanças nessa instância, em virtude do princípio da non reformatio in pejus.

Na etapa intermediária, correta a incidência da agravante da reincidência (CP, art. 61, I), haja vista o réu ter contra si sentença condenatória transitada em julgado em 9-11-2004, pela prática dos crimes previstos nos arts. 12, caput e 18, caput, III, da Lei 6.368/1976, com a consequente majoração da pena no patamar de 1/6 (um sexto), ou seja, 6 (seis) meses, conforme orientação jurisprudencial dessa corte, totalizando 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Na derradeira fase, não se vislumbram causas especiais de aumento e/ou diminuição, motivo pelo qual permaneceu a pena definitivamente fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial semi-aberto (Súmula 269 do STJ), e pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal.

Por fim, negou-se-lhe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ante a reincidência, acertadamente.

No que tange ao réu Ivo Alves Pereira, em virtude de serem favoráveis as circunstâncias judicias do art. 59, da inexistência de agravantes e/ou atenuantes, e da ausência de causas de aumento e/ou diminuição, estabeleceu-se a reprimenda, definitivamente, no mínimo legal cominado pelo tipo, qual seja, 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal.

Demais disso, escorreitamente, uma vez cumpridos os requisitos do art. 44 do CP, substituiu-se a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo.

Dessa forma, verifica-se que as reprimendas irrogadas mostram-se congruentes com a resposta penal a ser dada pela conduta perpetrada.

Isto posto, o voto é para não receber o reclamo de Marilene Garcete e Osmar Garcete, ante a falta de interesse recursal; conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público, bem como do recurso apresentado por Odair Gonçalves de Oliveira e Ivo Alves Pereira, e, nesta esteira, negar provimento a ambos, mantendo-se incólume a sentença que: a) condenou Odair Gonçalves de Oliveira à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime semi-aberto, negando-lhe quaisquer benefício, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e Ivo Alves Pereira à reprimenda de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no montante mínimo estipulado em lei, pela prática do crime de receptação qualificada, previsto no art. 180, §1º, do Código Penal; b) absolveu Marlene Garcete e Osmar Garcete do crime de receptação; c) absolveu Odair Gonçalves de Oliveira, Ivo Alves Pereira, Marlene Garcete e Osmar Garcete da prática dos crimes de formação de quadrilha e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previstos, respectivamente, nos arts. 288, caput e 311, caput, ambos do digesto repressivo.

DECISÃO

Nos termos do voto da relatora, decida a Câmara, à unanimidade, não receber o reclamo de Marilene Garcete e Osmar Garcete, ante a falta de interesse recursal; conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público, bem como do recurso apresentado por Odair Gonçalves de Oliveira e Ivo Alves Pereira, e, nesta esteira, negar provimento a ambos, mantendo-se incólume a sentença que: a) condenou Odair Gonçalves de Oliveira à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime semi-aberto, negando-lhe quaisquer benefício, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e Ivo Alves Pereira à reprimenda de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no montante mínimo estipulado em lei, pela prática do crime de receptação qualificada, previsto no art. 180, §1º, do Código Penal; b) absolveu Marlene Garcete e Osmar Garcete do crime de receptação; c) absolveu Odair Gonçalves de Oliveira, Ivo Alves Pereira, Marlene Garcete e Osmar Garcete da prática dos crimes de formação de quadrilha e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, previstos, respectivamente, nos arts. 288, caput e 311, caput, ambos do digesto repressivo.

Participaram do julgamento, em 16 de dezembro de 2008, os Exmos. Srs. Desembargadores Irineu João da Silva (Presidente) e Tulio Pinheiro.

Florianópolis, 26 de fevereiro de 2009.

Salete Silva Sommariva