RESTITUIÇÃO DE ARRAS

 

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. NULIDADE DA SENTENÇA - NÃO OCORRÊNCIA - FUNDAMENTAÇÃO CONCISA - MAS NÃO INEXISTENTE. COMPRA E VENDA - BEM IMÓVEL - ADIMPLEMENTO DO PREÇO INTEGRAL - CONDIÇÃO SUSPENSIVA - EVENTO CONDICIONANTE - NÃO VERIFICAÇÃO. RECURSO PROVIDO. Não se confunde fundamentação sucinta com ausência de fundamentação: aquela é admitida, esta não (art. 93, IX, CF/88). Válida, pois, a sentença que de forma concisa expõe as razões de decidir do julgador. Enquanto não verificado o adimplemento integral do preço, necessário à eficácia da cláusula contratual a ele subordinado, não há que se falar em impontualidade com relação àquela parte que estava obrigada somente após a observância do evento condicionante. Preliminar rejeitada. Recurso provido.

 

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0701.06.160497-4/002 - COMARCA DE UBERABA - APELANTE(S): MINERVINA XAVIER DE ALMEIDA ME - APELADO(A)(S): ANA CRISTINA DE ALMEIDA REZENDE - RELATOR: EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA

 

ACÓRDÃO

 

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Belo Horizonte, 08 de julho de 2009.

 

DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA - Relator

 

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

 

O SR. DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA:

 

VOTO

 

Conheço do apelo porque regular e tempestivamente aviado, constatados os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade recursal.

 

O caso é o seguinte: cuida-se de 'ação de rescisão de contrato, cumulada com pedido declaratório de inexigibilidade de título e restituição de arras' assim ajuizada por Ana Cristina de Almeida Rezende em face de Minervina Xavier de Almeida ME, alegando na peça inicial ter celebrado contrato de compra e venda de veículo consistente no Citroen Picasso ali descrito, pelo qual deu, como parte do pagamento outro automóvel (Renault Clio), ficando estabelecido que o saldo devedor de R$ 45.625,00 seria liquidado em 18.03.2006.

 

Como garantia do pagamento, a autora teria repassado à ré nove cheques: oito no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e um último no valor de R$ 8.625,00 (oito mil, seiscentos e vinte e cinco reais), que deveriam ser devolvidos quando da liquidação do débito.

 

Contou que, próximo ao vencimento do prazo, lhe foi concedida a dilação do mesmo, sendo entretanto cobrados juros de R$ 2.996,00 (dois mil, novecentos e noventa e seis reais), em virtude disso tendo sido emitido um décimo cheque.

 

Ocorre, entretanto, que a requerida, na pessoa de sua sócia, teria reunido seus filhos e um amigo e decidiu exigir o débito pendente através de suas próprias razões, agredindo fisicamente a autora. O evento terminou na delegacia, tendo sido o veículo objeto do litígio apreendido pela polícia, só sendo liberado mediante a apresentação do documento, que teria sido preenchido pela ré em favor de terceiro.

 

Pediu, com esteio nesses argumentos, fossem julgados procedentes o pedidos e: declarado rescindido o contrato de compra e venda de veículo automotor, voltando as partes ao status quo ante, com a devolução do sinal pago; declarar nulos os cheques dados em garantia do negócio; condenada a ré nas custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência.

 

Pela r. sentença de ff.55/56, foram julgados procedentes os pedidos iniciais. Tal decisum foi cassado pelo acórdão de ff.89/92, por ausência de fundamentação.

 

Sobreveio nova sentença de ff.95/96, que, após reconhecer a ocorrência da revelia, julgou novamente procedentes os pedidos iniciais, nos termos em que postulados.

 

Amotinada, a requerida apresentou razões recursais nas ff., onde alega em síntese do necessário: que não houve pedido de aplicação dos efeitos da revelia, pelo que impossível a incidência dos mesmos in casu; que a r. sentença permanece nula por falta de requisitos essenciais.

 

Alega mais, que não há prova da emissão dos cheques mencionados na petição inicial; que a proprietária da empresa ré desconhece a assinatura aposta no contrato de compra e venda do veículo.

 

Pediu, com fulcro em tais argumentos o provimento de seu recurso a fim de que seja acolhida a tese da nulidade da sentença, por ausência de requisitos essenciais, sendo oportunizada a produção de provas.

 

Às ff.119/126 foram apresentadas contra-razões ao apelo interposto.

 

Ab initio, consigno que, nada obstante a recorrente tenha formulado apenas pedido de anulação da r. sentença, com a apelação vieram subsídios recursais também atinentes ao mérito da lide, daí porque estou a entender que, tacitamente, há também pedido de reforma. Passo, pois, à análise pontual da questão controvertida e dos aspectos enfocados pelo apelo.

 

I - Preliminar: nulidade da sentença:

 

A apelante alega preliminarmente que a r. sentença não preenche os requisitos do art. 458, CPC, motivo pelo qual evidenciada estaria sua nulidade.

 

Com efeito, mencionado artigo dispõe que, verbis:

 

'Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

 

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

 

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

 

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem.'

 

Analisando a r. sentença de ff.95/96, percebo que ela preenche os pressupostos legais. No primeiro e segundo parágrafos, é relatado o caso vertido à apreciação. Após, o MM. Juiz faz breve incursão no instituto da revelia e, em seguida, explica suas razões de decidir. No parágrafo seguinte, vaza o dispositivo, decretando a resolução do contrato e restituição do valor de R$ 21.549,00 (vinte e um mil, quinhentos e quarenta e nove reais).

 

A fundamentação da respeitável sentença é sucinta, concisa, mas não inexistente. Tais conceitos não se confundem: aquela é admitida, esta não (art. 93, IX, CF/88). No presente caso, a r. sentença amolda-se mais à primeira hipótese do que à segunda, de sorte que válida. Daí porque rejeita-se a preliminar.

 

II - Mérito:

 

Os pedidos iniciais, da forma como postulados, são improcedentes, salvo melhor juízo.

 

De início, destaco que a revelia produz presunção apenas relativa de veracidade dos fatos articulados pelo autor, isto é, não o isenta de comprovar o direito subjetivo do qual se alega titular.

 

Nesse sentido:

 

'AÇÃO DE COBRANÇA - REVELIA - ART. 319, DO CPC - PRESUNÇÃO DE VERACIDADE RELATIVA - NECESSIDADE DE EXAME DAS PROVAS PRESENTES NOS AUTOS - VERDADE REAL - ART. 401, DO CPC - NECESSIDADE DE INÍCIO DE PROVA ESCRITA - AUSÊNCIA - SENTENÇA CONFIRMADA. A presunção de veracidade decorrente da revelia, da qual trata o art. 319, do CPC, é apenas relativa, devendo o Juiz atentar para os elementos probatórios presentes nos autos, formando livremente sua convicção, para, só então, decidir pela procedência ou improcedência da ação. Tal posicionamento é unânime na doutrina e na jurisprudência, e coaduna-se perfeitamente com o da busca da verdade real, que vem se impondo com força cada vez maior, na seara do Processo Civil. Estando o autor a cobrar a quantia de R$32.000,00, supostamente decorrente de um contrato de depósito, não tendo apresentado sequer um início de prova escrita a respeito da existência do negócio, deve ser confirmada a sentença, que julgou improcedente a demanda.' (TJMG - Apelação Cível nº 2.0000.00.469754-5/000, Relator Des. Mariné da Cunha, j.11.03.2005, DJ de 31.03.2005) (g.)

 

No caso revelado nestes autos, a autora alega, basicamente, que houve descumprimento contratual quanto ao contrato de compra e venda de veículo descrito na inicial, motivo pelo qual requer a devolução do valor que pagou a título de sinal de negócio.

 

Sendo esta a pretensão, não acumulada com qualquer pedido indenizatório, conclui-se que os fatos descritos na inicial e corroborados pelo boletim de ocorrência de ff.16/20 constituem elementos marginais ao cerne da questão, que, como visto, paira única e exclusivamente sobre a rescisão ou não do contrato que tinha por objeto o veículo Citroen Picasso já individualizado alhures. Mesmo porque não se pode precisar tenham ou não algum nexo com o caso sub judice.

 

O contrato cuja dissolução ora é pretendida é daqueles chamados comutativos e bilaterais, isto é, que prevêem obrigações, ou sinalagma, certas e determinadas para ambas as partes.

 

Era obrigação da compradora pagar o preço ajustado na sua integralidade.

 

A vendedora, por outro lado, tinha duas obrigações. Uma, transmitir a propriedade do bem móvel objeto do contrato, Citroen Picasso 2004/2005, prata, placa HBN2501 à compradora, ora recorrida. A segunda, que se encontrava sob condição suspensiva, era outorgar o recibo do respectivo veículo, após a quitação integral do preço pela compradora, vejamos:

 

'CLÁUSULA QUINTA: O Recibo de transferência do veículo descrito na cláusula primeira será entregue para transferência após a quitação do mesmo.' (sic) (g.)

 

Feitas tais observações, tem-se que a recorrente não incorreu em inadimplemento contratual algum. Quanto à sua primeira obrigação, é irrefragável ter sido a propriedade sobre o veículo entregue à autora, ora recorrida, pois ela própria narrou que os acontecimentos descritos no boletim de ocorrência jungido à inicial ocorreram dentro do tal carro.

 

É cediço que a propriedade da coisa móvel se transmite e se adquire com a tradição (art. 1.226, CC), de forma que, indiscutível ter sido cumprida a primeira obrigação por parte da recorrente.

 

Já quanto à obrigação de passar o recibo assinado, só nasceria para a apelante quando da quitação integral do preço, estando, como visto, sob condição suspensiva.

 

Ora, é a própria apelada quem admite na peça inicial não ter pago o preço integral do contrato, limitando-se a alegar que deveria a recorrente ter se valido das vias judiciais para exigir o pagamento, e não das próprias razões.

 

Sendo assim, aplicável o art. 476 do Código Civil, por que:

 

'Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.' (g.n.)

 

Ora, enquanto não verificado o adimplemento integral do preço, não estava a recorrente obrigada a lhe assinar recibo algum, nos termos do contrato. O fato de tê-lo passado para terceiro não quer dizer nada porque, reprise-se, só estava compelida a assiná-lo em favor da apelada quando da quitação do contrato, fato admitido como inexistente pela própria autora.

 

Somente a parte lesada pelo inadimplemento contratual pode pleitear sua rescisão judicial, nos termos do art. 475 do Código Civil, vejamos:

 

'Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.' (g.n.)

 

Não tendo a recorrida sido vitimada por qualquer inadimplemento, pelo contrário, impossível o acolhimento da sua pretensão, porque inexistente, ou não demonstrado o fato gerador do direito (causa de pedir remota).

 

III - Dispositivo:

 

Por todo o exposto e com tais argumentos é que rejeito a preliminar e provejo o recurso, para julgar improcedente o pedido inicial, invertida a sucumbência imposta em primeiro grau de jurisdição.

 

Custas recursais, pela recorrida.

 

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): OTÁVIO PORTES e JOSÉ MARCOS VIEIRA.

 

SÚMULA :      REJEITARAM A PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0701.06.160497-4/002