RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA

EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO- NULIDADE PROCESSUAL- NÃO VERIFICAÇÃO- COISA JULGADA- INOCORRÊNCIA- PROPRIEDADE, POSSE INJUSTA E INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL- PRESENÇA- PEDIDO DE REIVINDICAÇÃO PROCEDENTE- MANUTENÇÃO DA SENTENÇA- RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.-Se ao tempo da formação da relação processual a sociedade conjugal existente entre os componentes do pólo passivo da lide já havia se dissolvido pela morte do réu, desnecessária afigura-se, diante da ausência de sua citação, a suspensão do processo para que dele venham participar os herdeiros do de cujus.-A decisão prolatada em embargos de terceiro opostos contra ação de rescisão de contrato de compra e venda, que manteve os embargantes na posse do imóvel porque de boa-fé, não faz coisa julgada capaz de impedir a reivindicação do imóvel pela proprietária.-Para o ajuizamento do pedido de reivindicação hão de restarem configuradas a prova do domínio da coisa, a prova de que o réu a possua ou a detenha injustamente e a identificação individualizada da coisa pretendida. Presentes todos os requisitos, deve ser deferida a reivindicação.-Recurso conhecido e não provido.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0518.07.112004-3/001 (EM CONEXÃO COM O PROCESSO NÚMERO: 1.0518.07.115170-9/001) - COMARCA DE POÇOS DE CALDAS - APELANTE(S): MÁRCIA CAMARGO DOS SANTOS - APELADO(A)(S): ARACY DOS SANTOS - LITISCONSORTE: ROBSON FERREIRA DOS SANTOS - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR AS PRELIMINARES E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

Belo Horizonte, 09 de julho de 2009.

DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. MÁRCIA DE PAOLI BALBINO:

VOTO

Aracy dos Santos ajuizou ação de reivindicação de imóvel contra Márcia Camargo dos Santos e seu marido, Robson Ferreira dos Santos, alegando o seguinte: que é proprietária do imóvel localizado no nº 16 da quadra 'P' do loteamento Estância São José, na cidade de Poços de Caldas, conforme registro cartorário; que em 14.03.2002, através de instrumento particular, prometeu a venda do imóvel para Luiz Fernando Firmino, pelo preço de R$43.250,00; que o comprador não pagou o preço, motivando o ajuizamento por ela de ação de rescisão de contrato, que foi julgada procedente; que ao tentar reintegrar-se na posse do imóvel os réus embargaram como terceiros, em razão de compromisso de compra e venda celebrado entre eles e Luiz Fernando Firmino, em 03.05.2002; que os embargos de terceiro foram julgados improcedentes no 1º grau, mas em 2º grau foi dado provimento ao recurso dos embargantes, mantendo-os na posse do imóvel; que no acórdão constou que não houve o reconhecimento de direito real e que permanecia aberta a via petitória; que a venda a non domino não concretiza o negócio nem transfere a propriedade; que já ajuizou ação semelhante, mas dela desistiu. Requereu a concessão da gratuidade judiciária e a procedência do pedido reivindicatório. Juntou documentos e pediu prova testemunhal, documental e depoimento pessoal dos réus.

O MM. Juiz concedeu a gratuidade judiciária em favor da autora (f. 27).

A ré Márcia Camargo contestou (f. 33/45), informando o falecimento de seu marido, o segundo réu. Argüiu preliminar de coisa julgada, ao argumento de que a pretensão da autora já foi solucionada em julgamento de embargos de terceiro, no qual restou reconhecido que os ora requeridos são adquirentes de boa-fé do imóvel, o que legitima a posse, e que a propriedade da autora não pode ser oposta contra os ora requeridos. No mérito, pugnou pela improcedência do pedido inicial, sob os seguintes argumentos: que em 14.03.2002 a autora celebrou compromisso de compra e venda do imóvel objeto da lide com Luiz Fernando Firmino, no valor de R$43.250,00, dos quais recebeu R$19.250,00 (R$13.250,00 à vista e 4 de 20 parcelas de R$1.500,00); que na ação de rescisão de contrato movida pela autora, na qual os ora réus não foram parte, foi determinada a retenção pela vendedora, a título de perdas e danos, de R$7.700,00 e naqueles autos foi promovida a execução da ordem de reintegração de posse sem o devido depósito da quantia remanescente recebida pela vendedora, conforme determinado na sentença; que a autora pretende, por meio da presente ação, burlar a decisão dos embargos de terceiro e da ação de rescisão contratual, para se apoderar do imóvel sem devolver o valor recebido de Luiz Fernando; que em 03.05.2002 adquiriu, juntamente com seu marido, o imóvel de Luiz Fernando pela quantia de R$56.400,00, pagando R$50.000,00 na entrega do imóvel; que o vendedor estava em dia com as parcelas devidas à ora autora naquela oportunidade, inexistindo óbice à referida negociação; que pelas regras civilistas cabe a autora apenas ação de perdas e danos contra Luiz Fernando; que não se trata de venda a non domino porque o vendedor estava resguardado pelo compromisso de compra e venda celebrado com a autora; que sua posse é justa. Requereu a condenação da autora por litigância de má-fé e a concessão da gratuidade judiciária. Juntou documentos e pediu prova testemunhal, documental e depoimento pessoal da autora.

A autora apresentou réplica à contestação às f. 77/82.

Intimadas as partes para especificação de provas (f. 88), ambas as partes pediram prova documental (f. 90 e 91/92), mas também foi produzida prova testemunhal (f. 103).

Na sentença (f. 107/114), o MM. Juiz deferiu a gratuidade judiciária em favor dos réus, rejeitou a preliminar de coisa julgada argüida pela ré e, após concluir pela presença dos requisitos do art.1.228 do NCC, julgou procedente o pedido inicial.

Constou do dispositivo (f. 114):

"Isto posto, julgo procedente o pedido inicial, para condenar os requeridos a entregar à autora o imóvel descrito na inicial, no prazo de 30 dias, sob pena de execução forçada.

Condeno os requeridos no pagamento das custas e despesas processuais devidamente atualizadas, além de honorários de advogado que arbitro em 20% sobre o valor da causa."

A ré Márcia Camargo apelou (f. 118/142), arguindo preliminar de nulidade do processo por falta de citação dos sucessores do réu Robson, já falecido, os quais atuarão na presente lide como litisconsórcio necessário, alegando que eles sucederam o réu no direito de posse conferido pela decisão prolatada nos autos dos embargos de terceiro. No mérito, ratificou as teses de coisa julgada, de posse justa, de aquisição de boa-fé e de inoponibilidade da propriedade da autora perante os réus. Pediu a reforma da sentença e a condenação da autora por litigância de má-fé.

A autora contrarrazoou (f. 156/161), pugnando pelo não provimento do recurso da ré.

É o relatório.

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE:

Conheço do recurso da ré porque tempestivo e próprio, ressaltando que ela está isenta do preparo por ser beneficiária da gratuidade judiciária, conforme decisão de f. 109.

Anoto que também a autora está sob o pálio da gratuidade judiciária, conforme decisão de f. 27.

PRELIMINARES:

a) NULIDADE DO PROCESSO:

A ré argüiu preliminar de nulidade do processo ao argumento de que os sucessores do réu Robson deveriam ter sido citados para comporem o pólo passivo da lide como litisconsortes necessários.

Tenho que não assiste razão à apelante.

Ao ser citada, a ré/apelante informou ao Oficial de Justiça que seu marido, o réu Robson, tinha falecido em 23.10.2006, apresentando naquele ato a respectiva certidão de óbito para conferência (f. 30).

A certidão de óbito do réu Robson não veio aos autos, mesmo diante do requerimento da autora (f. 91). Contudo, deve-se ter o réu como morto porque o Oficial de Justiça tem fé pública e certificou tal condição na certidão de citação de f. 30.

Pois bem. O CPC determina que só haverá citação do litisconsórcio necessário quando o mesmo sofrer os reflexos da sentença.

'Art. 47: Há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.'

Quanto à citação do litisconsorte, leciona Humberto Theodoro Júnior, in 'Curso de Direito Processual Civil', 41ª ed., Rio de Janeiro:Forense, vol. I, p. 101 e 104:

"Normalmente, os sujeitos da relação processual são singulares: um autor e um réu. Há, porém, casos em que ocorre a figura chamada litisconsórcio, que vem a ser a hipótese em que uma das partes do processo se compõe de várias pessoas. Os diversos litigantes, que se colocam do mesmo lado da relação processual, chamam-se litisconsortes.(...)

Dispõe o art. 47 do CPC que nos casos de litisconsórcio necessário 'a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.'

Se o autor não requereu a citação dos litisconsortes necessários e o processo tiver curso até a sentença final, esta não produzirá efeito nem 'em relação aos que não participam do processo nem em relação aos que dele participam.' Ocorrerá nulidade total do processo.

Ao juiz, todavia, cabe evitar que o processo se desenvolva inutilmente. Por isso, deparando-se com caso da espécie, 'o juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo' (art. 47, parágrafo único). (...)

O juiz não ordena de plano a expedição do mandado citatório dos réus omitidos pelo autor. Só a este incumbe a escolha do sujeito passivo da causa. O juiz apenas assina prazo ao autor para promover a citação daqueles que considera como litisconsortes necessários à validade da relação processual. Se o demandante não se dispuser a chamar os novos sujeitos passivos, não caberá ao juiz outra solução que a de anular o processo, nos termos do art. 47.

É por isso que a lei prevê que o juiz, quando for o caso, apenas determinará ao autor que 'promova a citação de todos os litisconsortes necessários'. À parte é que caberá a diligência de requerer a citação e fornecer ao juízo os dados reclamados para sua efetivação. Nisto consiste a promoção da citação, de que trata a lei processual. Se o autor entender que não deva promovê-la, o juiz decretará a extinção do processo, nos termos da parte final do parágrafo único do art. 47.

Não terá, contudo, poder de inserir, de ofício, no pólo passivo da relação processual, réu não nomeado pelo autor. A decisão que ordena a promoção da citação de litisconsorte é de natureza interlocutória, desafiando, por isso, recurso de agravo. A que extingue o processo por falta de citação de litisconsorte necessário é sentença terminativa. Pode ser impugnada por apelação."

Em se tratando de ação reivindicatória, ação real, regra geral é a exigência da citação de ambos os cônjuges, em litisconsórcio ativo ou passivo, em atenção à disposição processual prevista no art. 10 do CPC.

"Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários.

§ 1o Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações:

I - que versem sobre direitos reais imobiliários;

II - resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles;

III - fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados;

IV - que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.

§ 2o Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados."

O art. 10 do CPC prevê o litisconsórcio passivo necessário e legal, entre os cônjuges, em caso de ação reivindicatória.

No caso dos autos, a autora ajuizou a ação contra a apelante e seu marido, em razão de ambos estarem na posse do imóvel objeto da lide.

Contudo, o réu Robson não foi citado por ter falecido antes da propositura da ação, como informado na certidão de f. 30, impedindo a formação da relação processual entre autora e o réu Robson. A esposa do réu Robson, a ré Márcia, foi devida e regularmente citada.

A imposição legal de citação para este tipo de ação restringe-se "aos cônjuges" e se há que falar em litisconsórcio, este, igualmente, tão só aos mesmos se restringiria, em decorrência da lei.

O art. 10, § 1º, do CPC exige a citação de ambos os cônjuges para as ações que versem sobre direitos reais imobiliários.

Trata-se de direito personalíssimo que pode ser argüido somente pelo cônjuge preterido.

"Compete ao marido, e não a outrem, a argüição de falta de consentimento marital" (RTJ 82/419); e à mulher, a de falta de outorga uxória (RT 599/200)"

"A alegação de nulidade do processo por ausência de citação de um dos cônjuges, quando obrigatória a participação de ambos, como nas causas que envolvam direito real, somente pelo preterido poderá ser feita" (RJTAMG 40/237) (apud Theotonio Negrão, "Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, Saraiva, 31ª ed., pág. 104).

Logo, se já não havia sociedade conjugal pela morte do cônjuge varão, quando do início da relação processual, não há falar em citação de herdeiros, pois titular do direito de receber citação é exclusivamente o cônjuge virago, sobrevivo, no caso a apelante.

Os cônjuges devem figurar como autores ou como réus nas ações que versem sobre direitos reais imobiliários simplesmente porque a capacidade ativa ou passiva de o cônjuge ser sujeito de relação processual está condicionada ao consentimento do outro (art. 10 caput e § 1º, I do CPC).

Tanto que apenas o cônjuge preterido tem legitimidade para argüir a nulidade.

Se ao tempo de formação da relação processual com a citação do cônjuge virago já se havia dissolvido a sociedade conjugal pela morte do cônjuge varão, a providência pretendida pela apelante se mostra desnecessária, posto que somente a viúva tem legitimidade ad causam, sendo que o direito de sucessores não se confunde com o de cônjuge.

Como não foi estabelecida a relação processual com o cônjuge da apelante, o réu Robson, através do ato citatório, não há que se falar em sua necessária substituição processual no feito pelos sucessores, no qual nunca foi estabelecido como parte.

Por conseqüência, não há como também se invocar o disposto nos arts. 43 e 265, I, do CPC, com a alegação de que os sucessores do réu Robson deveriam ter sido chamados para integrar a lide em lugar daquele, pena de ineficácia da relação jurídica.

Também a habilitação dos sucessores prevista no art. 1.055 do CPC não se mostra necessária. A uma, porque o cônjuge varão, por ocasião da formação da relação processual com a citação, já havia falecido, deixando de existir o litisconsórcio; a duas, porque não se cuida de sucessão de interessados no processo.

Ademais, a discussão e objeto da lide, por sua natureza, com relação à parte passiva, envolveu apenas o exercício da posse do imóvel em litígio, se justa ou injusta, e se já falecido o marido da apelante, antes mesmo da citação, ele não mais exercia a posse, não se justificando a ação contra si e contra tal ato já inexistente, antes do início da ação e do processo. Apenas contra quem praticava o ato possessório, ou seja, a apelante, se estabeleceu a lide, no intuito de possibilitar o contraditório sob a tese de posse injusta argüida pela autora, detentora do domínio do imóvel.

Também, e pelos mesmos motivos, não há como se invocar o disposto no art. 1.784 do NCC, ainda que não seja parte o Espólio e sequer se tenha notícia de ter sido aberto inventário e constituído Espólio.

A proteção a que se destina a ação reivindicatória dirige-se, exclusivamente, àqueles que estejam supostamente apossados do bem de forma injusta e apenas a apelante se encontrava nessa situação, até porque não se herda o suposto ilícito. Com efeito, o apontado art. 1.784 do NCC trata da aquisição, pelos herdeiros, de direitos dominiais e possessórios puros, legais, e, jamais os alegados como injustos.

Além disso, não se observa nenhum prejuízo processual com a citação única da cônjuge supérstite, ora apelante, a qual foi dada oportunidade ampla de defesa, cabendo a ela, em se tratando de ação reivindicatória, apenas a comprovação de posse justa.

Portanto, inexistindo nulidade no processo, rejeito a preliminar argüida pela apelante.

b) COISA JULGADA:

A apelante argüiu preliminar de coisa julgada, ao argumento de que restou definida como justa sua posse no imóvel, no julgamento dos embargos de terceiros opostos por ela incidentalmente à ação de rescisão de contrato de compra e venda movida pela autora contra Luiz Firmino.

Tenho que também neste ponto não assiste razão à apelante.

Há coisa julgada material quando a sentença, que julgou total ou parcialmente a lide, torna-se imutável e indiscutível, e não mais está sujeita a recurso ordinário ou extraordinário, conforme art. 467 do CPC.

"Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário."

É o que ensina a doutrina:

1)"O Código, no art. 467, limitou-se a definir a coisa julgada material, afirmando que: 'denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.' (...)

Imutável a decisão, dentro do processo esgota-se a função jurisdicional. O Estado, pelo seu órgão judiciário, faz a entrega da prestação jurisdicional a que estava obrigado.

Mas a imutabilidade, que impede o juiz de proferir novo julgamento no processo, para as partes tem reflexos, também, fora do processo, impedindo-as de virem a renovar a discussão da lide em outros processos. Para os litigantes sujeitos às res iudicatta, o comando emergente da sentença se reflete, também, fora do processo em que foi proferida, pela imutabilidade dos seus efeitos.

A partir do trânsito em julgado material, a sentença que julgar total ou parcialmente a lide tem força de lei nos limites da lei e das questões decididas. (...)

No sistema do Código, a coisa julgada material só diz respeito ao julgamento da lide, de maneira que não ocorre quando a sentença é apenas terminativa (não incide sobre o mérito da causa). Assim, não transitam em julgado, materialmente, as sentenças que anulam o processo e as que decretam sua extinção, sem cogitar da procedência ou improcedência da ação. Tais decisórios geram apenas coisa julgada formal. Seu efeito se faz sentir apenas nos limites do processo. Não solucionam o conflito de interesses estabelecidos entre as partes, e, por isso, não impedem que a lide volte a se posta em juízo em nova relação processual. (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 41ª ed.,Rio de Janeiro:Forense, v.I, 2004, p.482/483).

2)"Embora exclusivamente o preceito contido na sentença de mérito fique imunizado pela autoridade do julgado, sendo ele uma resposta do juiz ao petitum contido na demanda, vale-se a lei dos demais elementos constitutivos desta com o objetivo de determinar o alcance dessa imunidade. Proclama o art. 468 do CPC, valendo-se de formosa definição proposta por Carnelutti: a sentença que julgar total ou imparcialmente a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. A locução força de lei significa precisamente coisa julgada, sendo esse o modo como o instituto é designado em língua alemã. A lide, na linguagem do Código, é a pretensão trazida a julgamento, ou mérito. Questões são pontos duvidosos de fato ou de direito. Além disso, os §§ 1º e 2º do art. 301concorrem para dar os contornos subjetivos e objetivos da coisa julgada material, ao dizerem que uma demanda se considera reedição de outra quando tiver os mesmos elementos constitutivos, a saber, mesmas partes, mesmo pedido, mesma causa de pedir." (Cândido Rangel Dinamarco, in 'Instituições de Direito Processual Civil', vol. III, 4ª ed. Malheiros:São Paulo, 2004, p. 315).

3)"A coisa julgada consiste no fenômeno de natureza processual pelo qual se torna firme e imutável a parte decisória da sentença, que deve guardar relação de simetria com o pedido que se tenha formulado na petição inicial. Decorre do princípio da segurança jurídica, em razão de que, num determinado momento (pelo decurso de um prazo ou pelo exaurimento dos meios de impugnação das decisões judiciais), o comando existente na sentença adquire solidez (...) Trata-se de pressuposto processual negativo que, pois, também impede a repropositura de nova ação a respeito da mesma causa de pedir, com o mesmo pedido, entre as mesmas partes. Presentes os pressupostos processuais negativos, existe impedimento para a repropositura da ação, apesar de seu acolhimento gerar uma sentença meramemte processual ou terminativa, conforme determina o art. 268 do CPC combinado com o art. 267, inciso V" (Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, Curso Avançado de Processo Civil, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, vol. 1, 3ª ed., revista e atualizada, Ed. Revista dos Tribunais, p. 213).

4)"Coisa julgada material ('auctoritas judicatae') é a qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. A lei não pode modificar a coisa julgada material. Somente a lide (pedido) é acobertada pela coisa julgada material, que a torna imutável e indiscutível, tanto no processo em que foi proferida a sentença, quanto em processo futuro. Somente as sentenças de mérito, proferidas com fundamento no CPC 269, são acobertadas pela autoridade da coisa julgada; as de extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC 267) são atingidas apenas pela preclusão (coisa julgada formal)" (Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, RT., 3ª ed., p. 676).

Pela simples leitura da doutrina supratranscrita, verifica-se que há coisa julgada apenas nos casos em que há reedição do pedido já julgado.

Nesse sentido:

1)"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA INDIVIDUAL E ANTERIOR MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE ENTRE OS PEDIDOS. COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERESSE DE AGIR CONFIGURADO.

I-Uma ação é idêntica à outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (art. 301, § 2º, do CPC). Distinto, na segunda demanda, o pedido, não há falar em coisa julgada (precedente: AgRg no Ag 905.141/SE, 5ª Turma, Rel Min.

Arnaldo Esteves Lima, DJU de 07/02/2008).

II-(...)" (AgRg no REsp 1072844/SE, 5ª Turma/STJ, rel. Min. Felix Fischer, j. 17.03.2009, DJ. 13.04.2009).

2)"PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. EFICÁCIA DA COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. AÇÃO DECLARATÓRIA. EXECUÇÃO FISCAL. EFICÁCIA PROSPECTIVA DA COISA JULGADA EM VIRTUDE DA INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA SUPERVENIENTE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.

1. (...)

2. A eficácia preclusiva da coisa julgada material alcança o dispositivo da sentença quanto ao pedido e a causa de pedir, como expressos na petição inicial e adotados na fundamentação do decisum.

3. Deveras, integram a res judicata, uma vez que atuam como delimitadores do conteúdo e da extensão da parte dispositiva da sentença. Dessa forma, enquanto perdurar a situação fático-jurídica descrita na causa de pedir, aquele comando normativo emanado na sentença, desde que esta transite em julgado, continuará sendo aplicado, protraindo-se no tempo, salvo a superveniência de outra norma em sentido diverso.

4. A doutrina do tema é cediça no sentido de que (escólio de Rubens Gomes de Souza, Coisa Julgada, In Repertório enciclopédico do direito brasileiro, RJ, Ed. Borsoi, p. 298 ):

"(...) a solução exata estaria em distinguir, em cada caso julgado, entre as decisões que tenham pronunciado sobre os elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica, como a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo, a sua incidência ou não-incidência na hipótese materialmente considerada, a existência ou inexistência de isenção legal ou contratual e o seu alcance, a vigência da lei tributária substantiva ou a sua revogação, etc. - e as que se tenham pronunciado sobre elementos temporários ou mutáveis da relação jurídica, como a avaliação de bens, as condições personalíssimas do contribuinte em seus reflexos tributários, e outras da mesma natureza; à coisa julgada das decisões do primeiro tipo há que se atribuir uma eficácia permanente; e às segundas, uma eficácia circunscrita ao caso específico em que foram proferidas."

5. Os limites da coisa julgada, sob esse enfoque, devem ser compreendidos sempre em relação ao objeto do processo - causa de pedir e pedido - que, fundando-se em elementos permanentes e imutáveis da relação jurídica de direito tributário material, faz com que a autoridade dos efeitos da coisa julgada seja estendida aos eventos vindouros, perdurando no tempo enquanto se mantiverem inalterados o direito e o suporte fático sobre os quais foi estabelecido o juízo de certeza.

6. (...)" (REsp 875.635/MG, 1ª Turma/STJ, rel. Min. Luiz Fux, j. 16.10.2008, DJ. 03.11.2008). (grifei)

3)"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EXISTÊNCIA DE ABSOLVIÇÃO PELA JUSTIÇA ELEITORAL - ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA - FALTA DE IDENTIDADE DE PEDIDO E DE CAUSA DE PEDIR - NÃO-OCORRÊNCIA - PRECEDENTES.

1. Para ocorrência da coisa julgada, é necessária a conjugação de três elementos: partes idênticas, mesma causa de pedir e mesmo pedido.

(...)

4. Não há entre as ações identidade de pedido nem causa de pedir; inexistindo, por conseguinte, violação da coisa julgada.

(...)" (AgRg no Ag 495.344/SP, 2ª Turma/STJ, rel. Min. Humberto Martins, j. 23.09.2008, DJ. 06.11.2008).

No sistema processual brasileiro, como regra geral, somente se admite a existência de coisa julgada quando todos os elementos (partes, causa de pedir e pedido) das demandas coincidem. Contudo, existem casos nos quais a chamada 'teoria das três identidades' mostra-se insatisfatória para se averiguar a existência de coisa julgada como impedimento para apreciação do mérito de certa demanda. Em tais situações, deve-se aplicar a 'teoria da identidade da relação jurídica', segundo a qual o novo processo deve ser extinto quando a relação de direito material for idêntica à que se deduziu no processo anterior, mesmo que se verifique diferença em relação a alguns dos elementos identificadores da demanda.

No caso em questão, não há se falar em coisa julgada.

Constou do julgamento dos embargos de terceiro opostos pela ora apelante em face da ação de rescisão de contrato ajuizada pela ora autora/apelada contra Luiz Fernando Firmino, datado de 02.09.2005 (f. 46/49):

"Cuida-se de apelação interposta contra a r. sentença de f. 62-68, que, nos autos dos embargos de terceiro ajuizados por Márcia Camargo dos Santos e outro em desfavor de Aracy dos Santos, rejeitou os embargos e revogou a liminar, ao argumento de que "a posse do imóvel decorrente de um direito obrigacional, e não de direito real, não prevalece em relação ao direito de quem possui o domínio da coisa, facultado ao interessado buscar as medidas judiciais cabíveis em relação a quem descumpriu com a obrigação contratual".

(...)

Irresignados, apelaram os embargantes (...)

Revelam os autos a existência de um "Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda" (f. 6, verso), firmado em 3/5/02, onde consta como vendedor Luiz Fernando Firmino, e como adquirentes Márcia Camargo dos Santos e Robson Ferreira dos Santos, de um imóvel descrito (...)

Foi deferido o pedido liminar de manutenção de posse dos ora embargantes, conforme decisão de f. 24-25, entendendo o Magistrado de plantão forense, na oportunidade que (f. 24):

"Considerando a comprovação documental do que se alegou, o que leva à certeza de estarem os embargantes de boa-fé na posse do imóvel, deveria a embargada, quando ajuizou a ação rescisória (sic!) do contrato de compra e venda do imóvel, ter tido o cuidado de apurar a verdadeira situação em que ele se encontrava, no que tange à sua ocupação, para, assim, incluir na lide os atuais detentores da posse, ou seja, os requerentes".

De fato, a posse dos embargantes encontra-se comprovada nos autos, sobretudo ao se analisar os documentos de f. 16-17, pelo "auto de manutenção de posse" de f. 39, e ainda, pelos depoimentos de f. 60-61.

Não há que se confundir a questão possessória, que ora se analisa, com a propriedade do imóvel em referência, haja vista que o art. 1.046 do Código de Processo Civil trata da proteção da posse, determinando:

"Quem, não sendo parte do processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer-lhe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos".

Segundo dicção expressa no artigo 1.046 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro constituem ação que dispõe aquele que não é parte no processo, para defender bens dos quais seja proprietário e possuidor ou apenas possuidor, apreendidos por ato judicial, elucidando Humberto Theodoro Júnior, ao comentar esse preceito legal, que:

(...)

In hipothesi, não sendo os recorrentes parte na ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos e imissão de posse que a embargada moveu contra Luiz Fernando Firmino (autos em apenso), ajuizaram os presentes embargos de terceiro, alegando ser os legítimos possuidores do imóvel naquela ação discutido, sendo certo que tal bem foi objeto do mencionado "contrato particular de compromisso de compra e venda" firmado pelos embargantes com Luiz Fernando Firmino, às f. 6.

Subtrai-se desse contexto que restou demonstrada a qualidade de terceiro por parte dos embargantes e de serem os legítimos adquirentes e possuidores do imóvel em comento.

Anota-se que há permissibilidade jurídica em se mover embargos de terceiros com base em contrato particular de promessa de compra e venda não registrado na circunscrição imobiliária, conforme tem manifestado, reiteradamente, o Superior Tribunal de Justiça, encontrando, inclusive, a matéria sumulada por esse Sodalício, sob o verbete nº 84, exigindo-se, no entanto, a presença de alguns requisitos para a idoneidade da incidental, como a prova da posse e a quitação do preço estipulado no pacto, exigências estas que se encontram consubstanciadas na presente hipótese, sendo relevante transcrever decisão da referida Corte, verbis:

(...)

Na hipótese, consoante explicitado, os apelantes são detentores de contrato de promessa de compra e venda do imóvel mencionado à f. 6, havendo prova do pagamento do preço ajustado, com a transferência do bem de fls. 10/11, bem como do exercício da posse pelos mesmos, do que se conclui que a situação de direito dos embargantes merece ser resguardada pelo Judiciário.

Nesse sentido fluem as decisões pretorianas:

(...)

A compra e venda de imóvel, como cediço, é contrato que não transfere ao promissário comprador o domínio da coisa, que se aperfeiçoa com a transcrição no registro imobiliário competente. Trata-se de contrato donde defluem obrigações recíprocas para cada uma das partes, para o vendedor a obrigação de transferir o domínio da coisa; para o comprador a de entregar o preço.

Note-se, pois, que os efeitos do contrato são meramente obrigacionais, e não reais, porquanto, de acordo com o sistema adotado pelo direito pátrio, a compra e venda não transfere, por si só, o domínio da coisa vendida, mas gera apenas, para o vendedor, a obrigação de transferi-lo.

Dentre os elementos do contrato de compra e venda tem-se o consentimento. De fato, o consentimento deve recair sobre o objeto e sobre o preço, com a deliberação de alcançar o resultado que o contrato oferece, ou seja; a aquisição da coisa e a transferência do preço.

A coisa é outro elemento básico do negócio. Em princípio, podem ser objeto de compra e venda todas as coisas que não estejam fora do comércio, sendo que, em tese, a venda de coisa alheia é nula, pois ninguém pode alienar o que não é seu.

Tratando da espécie, ou seja, da venda de coisa alheia, preleciona Orlando Gomes, verbis:

"Parece absurda a venda de coisa alheia, pois, intuitivamente, a coisa vendida deve pertencer ao vendedor. Uma vez, porém, que pelo contrato, o vendedor se obriga, tão-só, a transferir a propriedade da coisa, nada obsta que efetue a venda de bem que ainda não lhe pertence; consegue adquiri-lo para fazer a entrega prometida, cumprirá especificamente a obrigação; caso contrário a venda resolve-se em perdas e danos. A venda de coisa alheia não é nula, nem anulável, mas simplesmente ineficaz" (Contratos, 17. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 228) (grifo nosso).

A par da controvérsia acerca da nulidade ou ineficácia, é possível, no entanto, que a venda de coisa alheia se efetue e o vendedor venha, depois e antes que o comprador sofra a evicção, a se tornar proprietário da mesma. Não há razão para que a venda primitiva não adquira o ônus de validade.

Dessa forma, o que se discute nos presentes embargos de terceiro não é o direito de propriedade, mas a perda da posse do imóvel em razão de decisão em processo do qual os embargantes não fizeram parte, razão pela qual, não se pode manter a decisão monocrática que às fls. 67 determinou que:

"a posse de um imóvel decorrente de um direito obrigacional, não de direito real, não prevalece ao direito de quem possui o domínio da coisa, facultado ao interessado de buscar as medidas judiciais cabíveis com a relação a quem descumpriu com a obrigação contratual" (grifos).

Ora, não há dúvidas de que os adquirentes firmaram o contrato de compra e venda na certeza de que estariam pagando determinado valor pela aquisição do imóvel residencial ali descrito, sendo que a posse é mera situação de fato, e ela é que está sendo defendida nessa demanda de embargos de terceiro, não se confundindo com o domínio, além do que a má-fé no direito brasileiro tem que ser cabalmente comprovada, o que não ocorreu na espécie.

Em excelente doutrina acerca do tema, Sílvio de Salvo Venosa leciona:

"As constantes referências à posse na lei processual não deixam dúvidas de que a medida pode ter cunho exclusivamente possessório" (Direito Civil - Direitos Reais, 4. ed., Atlas, 04ª edição, 2004, p.161) - grifos

E prossegue o tratadista:

"Decidindo a lide em esfera de posse, a sentença dos embargos não reconhece direito real. Destarte, nessa hipótese, permanece aberta a via petitória. Miguel Maria de Serpa Lopes (1964, v. 6:212) comenta:

'Os embargos de terceiro senhor ou possuidor apresentam aspecto bizarro: pode pertencer à categoria dos remédios petitórios, se cogita exclusivamente de domínio; misto, se do domínio e da posse conjuntamente; ou puramente possessório, se nele apenas se cuidou da posse que se acusa turbada pela medida judicial'. " (ob. Cit., p. 163)

Novamente, a posição do Colendo STJ:

(...)

Razões pelas quais, dou provimento ao recurso, reformando a decisão de primeiro grau, para acolher os embargos de terceiro, mantendo a liminar inicialmente deferida. Condeno a embargada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 15% do valor atribuído à causa, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 12º da Lei n. 1.060/50.

Custas recursais, pela recorrida." (grifei)

Naquela lide o que se discutia era a propriedade do imóvel em razão de descumprimento de contrato de promessa de compra e venda celebrado entre Aracy e Luiz Fernando, e o pedido feito pela autora era o de devolução do domínio. A embargante, ora apelante, foi mantida na posse do imóvel porque de boa-fé, posto que adquiriu imóvel de Luiz Fernando acreditando que o bem a ele pertencia.

Já na presente reivindicatória Aracy, ora autora/apelada, pretende a devolução da posse do imóvel, cuja propriedade não está mais em discussão.

Logo, mesmo se observada a 'teoria da identidade da relação jurídica' não há se falar em coisa julgada em relação à posse da apelante, conquanto a posse tenha sido reconhecida como de boa-fé no julgamento dos embargos de terceiro, porque tal conclusão somente vincula o objeto daquela.

Rejeito, pois, a preliminar.

MÉRITO:

A ré apelou da sentença pela qual foi julgado procedente o pedido da autora, de reivindicação do imóvel, ao argumento de que sua posse é justa e de boa-fé e de que a propriedade da autora não lhe é oponível em razão da decisão dos embargos de terceiro. Pediu a reforma da sentença e a condenação da autora por litigância de má-fé.

Examinando tudo o que dos autos consta, tenho que não assiste razão à apelante. Vejamos.

A ação reivindicatória é a ação do proprietário não possuidor, contra o possuidor não proprietário. Ela está prevista no caput do art. 1.228 do NCC, que dispõe:

"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

(...)"

A ação reivindicatória é tratada da seguinte maneira pela doutrina:

1)'Trata-se de uma ação de reivindicação, ação tutelar do domínio (Sá Pereira, Da Propriedade, p. 23). Lafayette define a reivindicação: a ação real que compete ao senhor da coisa para retomá-la do poder de terceiro que injustamente a detém (Direito das Coisas, § 82). Fraga define-a como sendo a ação real que compete ao proprietário pleno ou semipleno de uma coisa contra o possuidor da mesma coisa para que lha restitua, com seus frutos, acessões e indenização dos danos sofridos (Instituições do processo civil do Brasil, v. 1, § 22). E o clássico Corrêa Telles, no famoso livro Doutrina das Ações, ensina que vindicar é tirar o que é nosso da mão de quem injustamente o possui.' (Francisco Raitani, Prática de Processo Civil, 17ª ed., São Paulo:Saraiva, v. I, 1990, p. 647).

2)"A faculdade de reivindicar é a prerrogativa do proprietário de excluir a ingerência alheia injusta sobre coisa sua. É o poder do proprietário de buscar a coisa em mãos alheias, para que possa usar, fruir e dispor, desde que o possuidor ou detentor a conserve sem causa jurídica. É o efeito dos princípios do absolutismo e da seqüela, que marcam os direitos reais. A ação reivindicatória, espécie de ação petitória, com fundamento no jus possidendi, é ajuizada pelo proprietário sem posse, contra o possuidor sem propriedade. Irrelevante a posse anterior do proprietário, pois a ação se funda no ius possidendi e não no ius possessionis; ou, em termos diversos, não no direito de posse, mas no direito à posse, como efeito relação jurídica preexistente.

(...)

Vale destacar que a expressão 'injustamente a possua' para efeito reivindicatório, tem sentido mais abrangente do que para simples efeito possessório. Nos termos do art. 1.200 do NCC, posse injusta, para efeito possessório, é a marcada pelos vícios de origem da violência, clandestinidade e precariedade. Já para efeito reivindicatório, posse injusta é aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita o possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer de vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse. É por isso que não cabe a ação reivindicatória, entre outros, contra o locatário, o comodatário, o credor pignoratício, o devedor-fiduciante, o usufrutuário, pois na vigência dos aludidos negócios ou direitos reais as posses diretas têm causas jurídicas que as justificam, ou seja, não são injustas nem para efeito possessório, nem para efeito petitório." (Francisco Eduardo Loureiro, Código Civil Comentado - Coordenação Ministro Cezar Peluso, Barueri/SP:Manole, 2007, p. 1.044)

Nesse compasso, ensina Aluísio Santiago Júnior que:

"O jus reivindicandi tem explicação lógica no direito de ação que a todo titular de direito material se concede (artigo 75 do Código Civil). Se a lei assegura ao proprietário os direitos de usar e de fruir e havendo lesões a estes direitos, há violação do direito de propriedade. Daí, nascer a reivindicatória. Em outros termos, o direito de pedir judicialmente que a coisa sob sua dominação jurídica que esteja com terceiros, imotivadamente, sob a dominação fática deste, lhe seja entregue. Costuma-se dizer que é a ação do proprietário não-possuidor contra o possuidor não-proprietário, desde que este último tenha a posse sem causa jurídica eficiente". (Direito de Propriedade - Aspectos Didáticos - Doutrina e Jurisprudência, p. 26-27).

Segundo a célebre definição de Lafayette, a reivindicatória "é a ação real que compete ao senhor da coisa para retomá-la do poder de terceiro que injustamente a detém". (Direito das Coisas, Edição Histórica, Editora Rio, 1977, p. 190).

Dessa definição resultam as seguintes características que lhe são próprias: a) é uma ação de natureza real, porque fundada no domínio; b) objetiva a retomada da coisa que se acha em poder de terceiro, a qualquer título.

Para a propositura da ação reivindicatória, há de restar configurada a prova dos requisitos específicos, quais sejam, prova do domínio da coisa, perfeita identificação individualizada da coisa pretendida e a prova de que o réu a possua ou a detenha injustamente.

A autora comprovou ser proprietária do imóvel localizado no lote 16, quadra 'P' do loteamento conhecido como Estância São José, na cidade de Poços de Caldas (f. 07/09).

O imóvel foi objeto de compromisso de compra e venda celebrado entre a autora e terceiro estranho à lide, Luiz Fernando Firmino em 14.03.2002, cujo contrato foi rescindido em razão do inadimplemento do comprador, por decisão judicial de 11.03.2003, transitada em julgado (f. 18/21).

Como a apelada nada contratou com a apelante, a questão da devolução de prestações pagas por Luiz Fernando deve ser resolvida entre autora/apelada e o promissário comprador.

Já a restituição a que a autora foi condenada em ação anterior de rescisão de contrato de promessa de compra e venda, a execução se faz naqueles próprios autos, pelo credor interessado, não tendo a apelante direito de discutir tais questões na presente lide, diante da vedação imposta pelo art. 6º do CPC.

"Art. 6o Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei."

O fato de a autora ter devolução a fazer ao promissário comprador não retira dela o título de proprietária do imóvel objeto da lide.

Os dois primeiros requisitos - prova do domínio da coisa e perfeita identificação individualizada da coisa pretendida -, portanto, restaram comprovados nos autos.

Quanto ao último requisito, posse injusta da apelante sobre o imóvel de propriedade da apelada, tenho que também restou demonstrado no presente caso.

Pelo que consta dos autos, enquanto tramitava o compromisso de compra e venda celebrado entre a autora e Luiz Fernando, e antes de o comprador adimplir totalmente o negócio, a apelante adquiriu de Luiz Fernando, por compromisso de compra e venda do imóvel, em 03.05.2002, conforme documento de f. 10.

Ora, a venda a non domino é aquela realizada por quem não tem poder de disposição sobre a coisa. Com efeito, o que emerge como vício na venda a non domino é a completa falta de legitimação do alienante, que consiste na inaptidão específica para o negócio jurídico. Tal venda feita por aquele que não era dono do imóvel é inexistente.

Nesse sentido:

1)"Esta Corte tem deixado claro que a venda a non domino é ato inexistente, por faltar-lhe o próprio objeto, e, também, que não é aplicável, no caso, a teoria da aparência, que significaria subtrair o direito do verdadeiro proprietário, que obrou de boa-fé." (Ap. 389102-5/Montes Claros, 5ª CCível/TAMG, Rel. Juiz Marine da Cunha, 27/05/2003).

2)"CIVIL. VENDA A NON DOMINO.

Irrelevância da boa-fé dos adquirentes, posto que a venda foi feita em detrimento dos proprietários do imóvel, vítimas de sórdida fraude. Recurso especial não conhecido." (RESP 122.853/SP, 3ª Turma/STJ, Rel. Ministro Ari Pargendler, d.j. 07/08/2000).

A venda feita por Luiz Fernando à apelante não tem qualquer validade porque antes de ter a coisa como sua, na forma da lei, o transmitente não transfere direitos que não possui, como prevê o art. 1.268 do NCC:

"Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1o Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

§ 2o Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo."

É o que ensina Caio Mário da Silva Pereira:

"Tradição é um ato de entrega da coisa ao adquirente, transformando a declaração translatícia de vontade em direito real.

Na integração jurídica da tradição, há que partir de um primeiro pressuposto: uma vez que opera a transferência de domínio da coisa, necessita da capacidade do tradens e a sua titularidade em relação a ela. (...) Se o tradens não for o proprietário da coisa, a tradição não produz a conseqüência jurídica da transferência do domínio. (...) Em segundo lugar, a tradição, como modo de aquisição de domínio, exige um acordo de vontades neste sentido: não basta que o tradens entregue a coisa ao accipiens, mas é mister que o faça a título de transferência, pois que não a transmite a tradição a título de locação, de depósito, de penhor, etc." (in "Instituições de Direito Civil - Direitos Reais", vol IV, 18ª ed., Forense:Rio de Janeiro, 2003, p. 170).

Assim, a apelante não pode ser considerada como proprietária do imóvel, embora seja possuidora.

Luiz Fernando estava na posse do imóvel objeto da lide e a transferiu à apelante. Contudo a posse não é justa, embora tenha sido considerada de boa-fé, tal como reconhecido no julgamento dos embargos de terceiro.

Sobre o tema leciona Tito Fulgêncio:

"O ponto de vista do legislador, na caracterização da boa ou má-fé do possuidor, é a intenção, a consciência, a convicção deste: o critério é a subjetividade, ao revés do que se dá com a delineação da justiça ou injustiça da posse, em que se tem em consideração o elemento objetividade" (Da posse e das ações possessórias, 4ª ed., Rio de Janeiro:Forense, v. I, p. 40).

Esse é o ponto relevante. Alguém pode não ter posse justa, sendo, em conseqüência, vencido na reivindicatória e, não obstante, encontrar-se de boa-fé, como é o caso da apelante. Os conceitos são distintos.

Logo, se a aquisição da apelante contém o vício da nulidade a non domino, e como a apelada tem melhor direito e o registro, inegável que o julgamento deve prestigiar o direito do dono.

Nesse sentido:

1)"CIVIL E PROCESSUAL - DISTINÇÃO ENTRE POSSE INJUSTA E POSSE DE MA-FE - REIVINDICATORIA - MATERIA DE FATO.

I - SE DEMONSTRADA QUE A POSSE NÃO E DE MA-FE, EVENTUAL IMPROCEDENCIA DE REIVINDICATORIA, NÃO AFASTA A INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS OU CONSTRUÇÕES. DISTINTOS SÃO OS CONCEITOS ENTRE POSSE INJUSTA E POSSE DE BOA-FE. UM, DE CUNHO OBJETIVO. OUTRO, DE NATUREZA SUBJETIVA, AMBOS NÃO SERVEM AO ESCOPO DAR AO ART. 524 CONSEQUENCIA QUE ESTE NÃO TEM.

II - RECURSO NÃO CONHECIDO." (REsp 47622/MG, 3ª Turma/STJ, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 28.11.1994, DJ. 20.02.1995).

2)"POSSE - INJUSTA E DE MA-FE - DISTINÇÕES.

A JUSTIÇA OU INJUSTIÇA DA POSSE DETERMINA-SE COM BASE EM CRITERIOS OBJETIVOS. DIVERSAMENTE DO QUE OCORRE COM A POSSE DE BOA OU DE MA-FE QUE TEM EM VISTA ELEMENTOS SUBJETIVOS, POIS DECORRE DA CONVICÇÃO DO POSSUIDOR. O RECONHECIMENTO DA INJUSTIÇA DA POSSE, LEVANDO A PROCEDENCIA DA REIVINDICATORIA, NÃO OBSTA, POR SI, TENHA-SE COMO PRESENTE A BOA-FE." (REsp 9095/SP, 3ª Turma/STJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 07.04.19992, DJ. 25.05.1992).

É que o conceito de posse injusta, na ação reivindicatória, de natureza dominial por excelência, não é o mesmo prevalente nos interditos possessórios (artigo 1.200 do NCC). Se entendido de modo diverso, dificilmente as ações reivindicatórias seriam julgadas procedentes, assim como trabalhoso seria o reconhecimento do direito a indenização por eventuais construções feitas pelo possuidor.

Como se sabe, a posse injusta, para os fins previstos na parte final do art. 1.228 do Código Civil/2002, é aquela exercida por quem não seja dono, independentemente de boa ou má-fé, diversamente daquela posse exigida nas ações possessórias, configurada pela aquisição por vício de violência, clandestinidade e precariedade.

É a lição do Professor Humberto Theodoro Júnior:

"...o conceito de posse injusta, para efeito de ação reivindicatória, não é o mesmo que prevalece para os interditos possessórios. No campo da tutela interdital qualquer posse merece proteção, desde que não violenta, clandestina nem precária. No âmbito, porém, da ação dominial por excelência, que é a reivindicatória, fundada no art. 524 do Código Civil, injusta é qualquer posse que contrarie o domínio do autor..." (Propriedade e Direitos Reais Limitados - Direitos Reais, v. II, Aide, p. 91).

Em outra obra sua, Humberto Theodoro Júnior leciona:

"Se o réu não tem título de domínio, nem qualquer outro que justifique juridicamente sua detenção, sua posse é injusta e autoriza a procedência da reivindicatória intentada por quem se apresenta como dono, amparado pelo Registro Imobiliário.

(...)

A significação de posse injusta, na reivindicatória, é tomada em sentido amplo, não tendo, necessariamente, que ser viciosa, bastando que seja sem direito de possuir.

Mesmo de boa-fé a posse cede ao domínio. Injusto pois, é qualquer detenção sem título de propriedade, ou sem o caráter de posse direta através das vias adequadas.

(...)

Do confronto dos títulos do autor e do réu, na reivindicatória, é que se poderá dizer qual o melhor, qual o válido, qual o eficaz. Com maior razão há de caber ação reivindicatória contra quem dispõe de título anulado pela justiça.

Vale enfatizar que quem tem título de domínio válido e eficaz tem direito à posse (art. 524 do CC). Quem, a outro turno, está na posse de um bem, sem título de domínio, tem posse injusta, pelo menos em face do titular do domínio.

Com efeito, essa é a doutrina de pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, ed. 1971, t. 14 § 1.572, nº 1), com respaldo da jurisprudência.

"A significação de posse injusta, na reivindicatória, é tomada em sentido amplo, não tendo, necessariamente, que ser viciosa, bastando que seja sem direito de possuir." (TJPR, in RT 522/235).

(...) que para os efeitos da reivindicatória, o conceito de posse injusta não se decalca, exatamente, no art. 489 do Código Civil, isto é, não se infere apenas da violência, precariedade ou clandestinidade. O sentido de posse injusta se torna aqui mais amplo, o que é facilmente perceptível considerando-se que a posse de boa-fé pudesse excluir a reivindicatória, o domínio estaria praticamente extinto diante do fato da posse. Mesmo de boa-fé a posse cede ao domínio nessa ação específica de defesa dele. A detenção injusta se há de entender, então, como detenção sem título de propriedade, ou sem o caráter de posse direta através das vias adequadas." (Posse e Propriedade, São Paulo:LEUD, 1985, p. 50 e 73/74)

Tal entendimento já está consolidado na jurisprudência deste Tribunal:

1)"O importante na reivindicatória é a prova do domínio indiscutível do reivindicante sobre o imóvel objeto da reivindicação. Entre o confronto do domínio com a posse, vence aquele, desaparece esta, independentemente de se cogitar da qualificação dela, se de boa ou de má-fé, se justa ou injusta, em sentido estrito" (TJMG, Apelação Cível nº 81.187-2, Jurisprudência Mineira, vol.108/265).

2)"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - REQUISITOS- DOMÍNIO COMPROVADO - ACESSÕES - NATUREZA DA POSSE- INDENIZAÇÃO INDEVIDA.

A ação reivindicatória é de cunho petitório, assim deve o autor provar a sua propriedade e a posse injusta do réu, uma vez que a demanda tem como objetivo assegurar ao titular do domínio, o uso e gozo da coisa, nos termos do art. 1228 do Código Civil. Tratando-se de ação reivindicatória, considera-se injusta qualquer posse que contrarie o domínio do autor, posto que o conceito de posse injusta, para efeito de ação reivindicatória, não é o mesmo que prevalece para os interditos possessórios". (Apelação Cível n. 1.0433.03.093246-4/001, Rel. Des. Hilda Teixeira da Costa, j. 23.11.06).

3)"DIREITO CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE - NECESSIDADE DE TRANSCRIÇÃO DA ESCRITURA PÚBLICA NO REGISTRO DE IMÓVEIS - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL FEITA POR INSTRUMENTO PARTICULAR - EFEITOS MERAMENTE OBRIGACIONAIS - POSSE INJUSTA - CONCEITO DO ART. 489 DO CC/1916 - CONEXÃO COM O CONCEITO DO ART. 524 DO MESMO DIPLOMA - INEXISTÊNCIA - VENDA A NON DOMINO - NEGÓCIO INEXISTENTE EM RELAÇÃO AO VERDADEIRO PROPRIETÁRIO - DEFESA DO RÉU NA AÇÃO REVOCATÓRIA.

I - O sistema jurídico brasileiro adota a transcrição do instrumento público no Registro como o modo válido para a aquisição da propriedade imóvel.

II - A compra e venda de imóvel, feita por instrumento particular, não gera efeitos, senão, obrigacionais.

III - O conceito de posse injusta, disposto no art. 489 do CC/1916 não guarda relação com advérbio "injustamente", contido no caput do art. 524 do mesmo Código.

IV - Com exceção da posse ad usucapionem, somente aquela que se exerce em razão de título apto a transferir a propriedade pode obstar a reivindicação.

V - Aqueles que têm a posse de bem imóvel em razão de promessa de compra e venda realizada por meio de instrumento particular na qual figura como promitente quem não era dono, não podem opô-la ao verus domino, posto que, em relação a este, o referido negócio é inexistente.

VI - A defesa do réu na ação reivindicatória há de consistir na comprovação de que o bem reivindicado lhe pertence, demonstrando, assim, que a pretensão do reivindicante é infundada." (Apelação Cível n.º 2.0000.00.466096-6/000, Rel. Juiz Walter Pinto da Rocha, j. 25.02.05).

Também nesse sentido é a jurisprudência do STJ:

1)"CIVIL. REIVINDICATÓRIA. ANTERIOR CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESOLUÇÃO POR DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. CONDENAÇÃO DOS PROMITENTES-VENDEDORES AO PAGAMENTO DO SINAL OFERECIDO, EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE DE TAL FATO OBSTAR AO MANEJO DA REIVINDICATÓRIA. EFEITOS DO DIREITO REAL. RECURSO PROVIDO.

I - O proprietário tem o direito de usar, gozar e fruir a coisa e ainda reavê-la de quem injustamente a possua, sendo que o conceito de "posse justa" não guarda conexão com o definido no art. 489 do Código Civil. Assim, afora a posse "ad usucapionem", em princípio, somente aquele que exerce a posse por força de um título apto a transferir a propriedade, como um contrato de promessa de compra e venda, é que poderia obstar o reconhecimento do direito do

proprietário.

II - O direito real de reivindicação, advindo da propriedade, não pode sofrer abalos por descumprimento de obrigação, tendo em vista que tratam eles de campos distintos, os quais não sofrem interferência na maioria das vezes. Negar-se a utilização da reivindicatória seria jogar por terra todos os efeitos decorrentes do direito real de propriedade" (REsp 115091/RS; 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 28.09.1998).

2)"A reivindicatória é ação real, que compete ao senhor da coisa para havê-la do poder de terceiro que injustamente a detenha. Tem por causa o domínio e se dirige ao possuidor atual, de boa ou má-fé, bastando à legitimidade ativa que o autor se diga proprietário do bem." (RO 10/DF, 3ª Turma/STJ, rel. Min. Castro Filho, j. 03.06.2003, DJ. 25.08.2003).

No caso, embora de boa-fé, a posse da apelante em relação à autora é injusta porque a recorrente não é dona do imóvel objeto da lide, bastando tal condição para a procedência do pedido inicial da presente ação, de natureza petitória.

Assim sendo, presentes todos os requisitos exigidos pelo art. 1.228 do NCC, era mesmo o caso de se julgar procedente o pedido inicial, não assistindo razão à ré em seu inconformismo.

Por fim, também não merece acatamento o pedido da apelante, de condenação da apelada por litigância de má-fé, porque não configurada nenhuma das hipóteses do art. 17 do CPC.

DISPOSITIVO:

Isso posto, rejeito as preliminares de nulidade do processo e de coisa julgada e nego provimento à apelação.

Custas recursais, pela apelante, observada a Lei 1060/50.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): LUCAS PEREIRA e IRMAR FERREIRA CAMPOS.

SÚMULA :      REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0518.07.112004-3/001