NULIDADE DE DOAÇÃO

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA - DOAÇÃO - PRELIMINARES REJEITADAS - NULIDADE DO ATO JURÍDICO SIMULADO. O Código de Processo Civil, em seu artigo 3º, exige que seja demonstrada, 'initio litis', a pertinência subjetiva da ação, não se admitindo relação processual litigiosa em face de uma pessoa que não esteja obrigada a suportar os efeitos oriundos de sentença judicial, se eventualmente julgasse procedente o pedido deduzido em juízo, sendo mister reconhecer-se, em tais circunstâncias, a ilegitimidade passiva 'ad causam'. Os negócios jurídicos nulos, segundo a regra do artigo 169, do Novo Código Civil, não são suscetíveis de confirmação, nem se convalescem pelo decurso do tempo. Nos termos do artigo 548, do Novo Código Civil, 'É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador'.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0016.06.063272-2/001 - COMARCA DE ALFENAS - APELANTE(S): JOSÉ CANDIDO DE OLIVEIRA E OUTRO(A)(S) - APELADO(A)(S): SANDRA BORIN E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. OTÁVIO PORTES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR A PRELIMINAR E A PREJUDICIAL DE MÉRITO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 05 de agosto de 2009.

DES. OTÁVIO PORTES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. OTÁVIO PORTES:

VOTO

Conhece-se do recurso, visto que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

Trata-se de 'Ação Declaratória de Nulidade de Escritura Pública' proposta por José Cândido de Oliveira e Elizabeth Cândido Oliveira contra Sandra Borin e Milena Borin Oliveira, alegando que a primeira requerida efetuou doação de imóvel à segunda, através de simulação, tendo em vista procuração que lhe foi outorgada pelo autor sem a exata ciência do que se tratava, por não ser um homem completamente letrado, pugnando, assim, pela declaração de nulidade do ato jurídico.

O MM. Juiz de primeiro grau (fls. 137/151), julgou improcedente o pedido, condenando os autores no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em R$1.000,00, suspensa a sua exigibilidade, na forma do artigo 12, da Lei 1.060/50.

Inconformados, apelam José Cândido de Oliveira e Elizabeth Cândido Oliveira (fls. 154/158) sustentando que a doação foi inoficiosa e não poderia ter ocorrido, por se tratar de seu único bem, nem mesmo em adiantamento de legítima, mormente por ter outra filha e não possuir mais patrimônio, pugnando pela reforma da sentença.

Contra-razões às fls. 161/165, alegando ilegitimidade da segunda apelante e prescrição da pretensão inicial.

PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA

Nesse mister, cumpre registrar que o Código de Processo Civil, em seu artigo 3º, exige que seja demonstrada, initio litis, a pertinência subjetiva da ação, não se admitindo relação processual litigiosa em face de uma pessoa que não esteja obrigada a suportar os efeitos oriundos de sentença judicial, se eventualmente julgasse procedente o pedido deduzido em juízo, sendo mister reconhecer-se, em tais circunstâncias, a ilegitimidade passiva ad causam.

Exsurge claro desses conceitos que o estatuto processual pátrio exige seja demonstrada a pertinência subjetiva da ação, de forma incontroversa e cabal, de modo que a relação processual litigiosa se trave entre o possível titular do direito pretendido (legitimação ativa) e o sujeito que estaria obrigado a suportar os efeitos oriundos de uma sentença que julgue procedente o pedido inicial (legitimação passiva), à míngua do que a relação processual nem se forma.

Entende o douto Arruda Alvim, por sua vez, que 'estará legitimado o autor quando for possível titular do direito pretendido, ao passo que a legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença' (Código de Processo Civil Comentado, I/319).

No caso dos autos, verifica-se que a autora é filha do suplicante e, nessa condição, tem legitimidade para reclamar a nulidade do ato jurídico firmado entre as requeridas, haja vista que, em se tratando de doação feita de forma simulada, não havendo outros bens do doador, seu pai, ficou prejudicada.

Assim, nota-se a pertinência subjetiva para a ação, sendo a parte titular do direito pleiteado, pelo que se rejeita a preliminar.

PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO

Quanto à esta prejudicial, faz-se necessário esclarecer que em se tratando de ato jurídico passível de desconstituição por nulidade, o que ocorre, na forma do prazo previsto no artigo 178, do NCC, é na verdade decadência, o que se aplica também à simulação, consoante antiga regra do artigo 178, § 9º, V, letra 'b', do CC/1916.

Não destoa a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:

'Os prazos mencionados na lei para o exercício de pretensões que se deduzem em juízo mediante ação constitutiva - positiva ou negativa, são de decadência' (Novo Código Civil e legislação extravagante anotados, RT, São Paulo, 2002, p. 88).

Sob qualquer prisma que se avalie a questão, a alegada prescrição, que na verdade trata de prazo decadencial, não há de ser acatada.

Segundo as regras do Novo Código Civil, a nulidade absoluta, de onde se retira a alegação de simulação, não se convalida, não havendo se falar em contagem de prazo decadencial, conforme seu artigo 169.

Lado outro, ainda que se pretendesse aplicar ao caso alguma regra específica de decadência, de acordo com o Novo Código Civil, apenas para os casos de coação, erro, dolo, fraude contra credores e atos de incapazes foi previsto prazo decadencial de 04 (quatro) anos, não havendo previsão específica para os atos nulos, como a simulação.

Portanto, se algum prazo fosse aplicado, tal seria o da regra geral do artigo 205, do mesmo diploma legal, sendo de 10 (dez) anos o prazo decadencial para a declaração de nulidade da escritura pública de registro imobiliário.

Assim, realizado o ato dito na exordial como simulado em 23 de abril de 2003 (fls. 125/125v.), tendo o autor ingressado com a presente ação em Juízo ainda no ano de 2006, não há que se falar em decadência, pelo que rejeito também esta prejudicial e passo à análise do mérito.

MÉRITO

Saliente-se, nesse mister, que trata o feito de uma doação de um imóvel feita pela primeira ré à segunda, lhe sendo reservado o usufruto sobre o bem, que era de propriedade do autor.

O autor, em 07 de outubro de 1997, passou à primeira requerida procuração para venda ou doação do imóvel em referência (fl. 123), e esta ré, pelo que se infere da certidão de fls. 125/1254v., transferiu à segunda suplicada, sob o título de compra e venda, o aludido bem, pelo valor de R$30.000,00 (trinta mil reais), isto em 23 de abril de 2003.

Nota-se, portanto, que a primeira ré simulou operação de compra e venda para a segunda requerida, justamente por ter ciência de que, se procedesse a uma doação, segundo também lhe permitia a procuração passada pelo autor, tal ato seria nulo, por não possuir esta parte outros bens e por também já ser pai de uma outra menina, fatos estes não controvertidos nos autos.

Importante observar que a primeira ré, em todo momento nos autos, se refere ao ato travado com a segunda suplicada, filha que teve juntamente com o autor, como uma doação, inclusive esclarecendo em depoimento que nada sabia o suplicante sobre uma possível transferência do imóvel para a filha.

Dessa forma, tem-se como evidente a simulação levada a efeito para a lavratura da escritura de fls. 125/125v., sendo procedida uma compra e venda para simular doação, sendo de se destacar que não se pode acreditar que a segunda ré iria comprar um imóvel, pelo valor de R$30.000,00 que poderia lhe ser doado, sem qualquer ônus ou condição.

Assim, nos termos do artigo 167, § 1º, II, do NCC, deve ser declarado nulo o ato jurídico firmado através de escritura pública de fl. 17/18, eis que foi realizado mediante declaração não verdadeira feita pela primeira ré, enquanto procuradora do autor.

Importante observar que a alegação das requeridas de que o bem já foi transmitido a terceira pessoa, por escritura lavrada em cartório de notas, não encontra respaldo probatório nos autos, o que poderia atrair a aplicação do § 2º do mesmo artigo, devendo haver ressalva quanto aos direitos da pessoa de boa-fé.

Não há como ignorar que, se tratando de negócios cujas disposições envolvam principalmente transmissão de bens imóveis é de se entender o cuidado da lei colocando em espeque outros requisitos que se mostram tão importantes quanto os já mencionados, tornando sua inobservância passível de anulação.

Considera-se, dessa forma, nos termos do artigo 548 do Código Civil, inoficiosa a doação quando realizada sobre a totalidade dos bens do doador sem que lhe seja reservada parte suficiente à sua subsistência, sendo de se reiterar que a inexistência de outros bens em nome do autor é fato não controvertido nos autos.

Mediante tais considerações, dá-se provimento ao recurso, para, em reforma à douta decisão de primeiro grau, julgar procedente o pedido, declarando-se nula a escritura reproduzida às fls. 17/18, bem como de seus respectivos registros, devendo ser o Cartório competente oficiado para averbação desta decisão à margem do registro imobiliário, retornando o bem à propriedade do autor, invertidos os ônus de sucumbência, suspensa a sua exigibilidade, na forma do artigo 12, da Lei 1.060/50.

Custas recursais, pelas apeladas, ainda suspensa a sua exigibilidade, também na forma do artigo 12, da Lei 1.060/50.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): WAGNER WILSON e BATISTA DE ABREU.

SÚMULA :      REJEITARAM A PRELIMINAR E A PREJUDICIAL DE MÉRITO E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0016.06.063272-2/001