Acórdão na Íntegra |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 120.369-2, DE PARANAVAÍ 2ª VARA CÍVEL.
Apelante: CONSÓRCIO NACIONAL FORD LTDA. Apelados: ARNO PANKE e CLÁUDIO BERNARDO TROMBINI. Relator: Des. DOMINGOS RAMINA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS INÉPCIA DA INICIAL, CARÊNCIA DE AÇÃO, FALTA DE INTERESSE DE AGIR E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM PRELIMINARES AFASTADAS EXCLUSÃO DOS CONSORCIADOS INADIMPLENTES - DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS DEVIDOS SENTENÇA ULTRA PETITA EM RELAÇÃO AO PRIMEIRO AUTOR APURAÇÃO DO VALOR EM LIQUIDAÇÃO DO JULGADO - RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Já ficou superada a controvérsia sobre a validade da cláusula contratual impeditiva da atualização monetária na devolução das parcelas pagas pelo consorciado desistente ou excluído do grupo, diante da edição da Súmula nº 35 do Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo a incidência da correção monetária para evitar o enriquecimento sem causa, repudiado pelo ordenamento jurídico, assim como são devidos os juros moratórios de 6% ao ano a partir do 31º dia do encerramento do grupo. 2. Os fatos admitidos como verdadeiros em função da não apresentação do documento requisitado no incidente de exibição devem ter sido alegados na petição inicial, oportunidade em que deve ser exposto o fato e os fundamentos jurídicos do pedido (art. 282, III, CPC). 3. Afirmação aleatória, feita de forma inaugural no incidente de exibição de documentos, não dá suporte à presunção de veracidade, principalmente quando pelo contexto dos autos carece ela de verossimilhança. 4. Caracterizado o julgamento ultra petita, deve a sentença ser reduzida pelo Tribunal ao valor pleiteado na inicial ou, sendo o pedido genérico, determinar que o valor da condenação seja apurado em liquidação do julgado. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 120.369-2, oriundos da 2ª Vara Cível da Comarca de Paranavaí, em que é apelante CONSÓRCIO NACIONAL FORD LTDA; sendo apelados ARNO PANKE e CLÁUDIO BERNARDO TROMBINI. Relatório Trata-se de recurso de apelação cível interposto contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado por ARNO PANKE e CLÁUDIO BERNARDO TROMBINI, nos autos de declaratória de incidência de correção monetária cumulada com restituição de parcelas pagas, declarando o Dr. Juiz a nulidade da cláusula contratual que prevê a devolução não corrigida das importâncias pagas pelo consorciado excluído do plano do consórcio; assim como condenando a ré Consórcio Nacional Ford Ltda. a restituir ao autor Arno Panke a importância de R$55.100,00, atualizada a partir da data da propositura do incidente de exibição de documentos, até a data do efetivo pagamento, acrescida de juros de mora de 6% a.a. desde o 31º dia após o encerramento do grupo, bem como o fundo de reserva, deduzindo-se o percentual de 4% a título de taxa de administração; e a restituir ao autor Cláudio Bernardo Trombini os valores pagos por ele segundo os extratos juntados pela ré, atualizados monetariamente a partir do desembolso, até o efetivo pagamento, acrescidos de juros de mora de 6% a.a., a serem contados a partir do 31º dia do encerramento do grupo, assim como o fundo de reserva, deduzido o percentual de 8% referente à taxa de administração devida ao réu. Em seu apelo, aduz a ré, preliminarmente: 1) inépcia da inicial; 2) carência de ação; 3) falta de interesse de agir; e 4) ilegitimidade passiva ad causam. No mérito, alega a responsabilidade do grupo consorcial e não sua; diz que a sentença negou vigência à Portaria Ministerial nº 190/89; que a restituição dos valores pagos já foi feita em conformidade com o contrato; que a sentença contraria também o art. 920 do Código Civil e art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. Assevera ainda o recorrente que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato que lhe é anterior. Se a condenação à restituição for mantida, pede a devolução dos valores sem juros e sem correção monetária, com as deduções de administração, taxa de adesão, seguro, multas e fundo de reserva, e, no caso de incidência de juros e correção, que sejam aplicados a partir da citação e pelos índices de atualização dos débitos judiciais. Pede, assim, o provimento do recurso para a reforma da sentença, inclusive com a inversão ou rateio da condenação por sucumbência. Os apelados responderam ao recurso, pugnando fosse negado seguimento ao apelo ou desprovido. Voto Ações da mesma natureza e travadas com o ora apelante têm se repetido neste Tribunal, com julgamento dos recursos, inclusive, nos moldes do art. 557 do Código de Processo Civil, por decisão do Relator. O caso, todavia, apresenta peculiaridades não comuns às demais ações, razão pela qual o recurso será analisado pela Câmara. Inicialmente, cabe o exame das preliminares argüidas. No que diz respeito à alegada inépcia pela falta de documentos acostados à inicial e ausência de pedido certo e determinado, deve ser repelida, pois a petição inicial discorreu sobre os fatos e fundamentos de seu pedido, de forma clara e objetiva, requerendo inclusive a exibição dos documentos pela ré. Quanto ao pedido, esse foi formulado genericamente no tocante ao número e valores das parcelas pagas, mas o pedido era determinado referente à devolução de tais valores corrigidos em face da desistência e exclusão dos autores do grupo de consorciados, conforme permite o art. 286, inciso III do CPC. As demais preliminares argüidas pelo recorrente igualmente não procedem. A alegação de carência de ação funda-se no fato de ter sido proposta ação de cunho declaratório que culminou com condenação da ré. Todavia, o pedido era de declaração de nulidade de cláusulas abusivas e condenação à restituição dos valores pagos pelos consorciados, com juros e correção monetária. Houve cumulação de pedidos, nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil, que dispõe: É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. Os pedidos de cunho declaratório e condenatório formulados neste processo satisfazem os requisitos elencados no § 1º do referido artigo, sendo perfeitamente possível sua cumulação. Theotonio Negrão, em seu CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 31ª ed., faz algumas considerações acerca dessa cumulação, dentre elas que: Nada impede a cumulação de pretensão condenatória com declaratória, desde que preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 292 (TFR-5ª Turma, AC 107.184-DF-Edcl, rel. Min. Pedro Acioli, j. 4.6.86, rejeitaram os embs., v.u., DJU 28.8.86, p. 15.076). Quanto à terceira preliminar, de falta de interesse de agir, melhor sorte não a socorre, pois a simples alegação de que os grupos já foram encerrados com a restituição dos valores pagos pelos consorciados desistentes ou excluídos não exclui o interesse dos autores de que o Judiciário declare a necessidade de incidência de correção monetária sobre as parcelas pagas e que o consórcio seja condenado a restituir os valores corrigidos monetariamente. Frisa-se que a ré em nenhum momento alegou que efetuou a restituição dos valores com correção monetária, ao contrário, defende insistentemente que a atualização monetária não é devida, ficando evidente o interesse dos autores em buscar a solução do conflito judicialmente. Ainda, mesmo no tocante à alegação do réu de já ter efetuado a restituição dos valores pagos pelo autor existe controvérsia, uma vez que é por eles refutada. Há, pois, interesse de agir por parte dos autores, consistente no binômio necessidade e utilidade do provimento judicial. No tocante à ilegitimidade passiva alegada pela recorrente, entendo que os grupos de consórcios são autônomos e cada um tem por objetivo a formação de um fundo destinado a propiciar aos seus integrantes a aquisição de um determinado bem móvel. Todavia, verifica-se que os grupos de consórcio não têm personalidade jurídica própria, e nem exige a lei, ou seu regulamento, o registro público de sua constituição. O que deve ser levado a registro é tão somente o regulamento do consórcio de cada Administradora, após sua aprovação pelo poder público, ou seja, pelo Banco Central do Brasil. Outrossim, consoante cláusulas padronizadas do regulamento, verifica-se que a relação contratual é estabelecida entre o consorciado e a Administradora, e não entre o aderente e o grupo, constando ainda que o consórcio é de responsabilidade desta e não do respectivo grupo. De igual modo, as garantias exigidas dos consorciados são dadas em favor da Administradora, que passa a ser a proprietária fiduciária do bem entregue, sendo igualmente conferida à Administradora a legitimidade para ingressar em juízo nas ações de busca e apreensão ou de depósito dos bens alienados fiduciariamente à Administradora. Portanto, se a Administradora tem legitimidade ativa para residir em juízo, em seu próprio nome, contra os consorciados, ainda que seja na condição de substituto processual, defendendo direitos do grupo (art. 6º, do CPC), por que não a teria para figurar no pólo passivo nas ações propostas pelos mesmos consorciados? Por outro lado, a alegação feita na contestação de que a ré seria parte ilegítima para figurar no pólo passivo da demanda, em face da separação na administração dos consórcios, atribuindo a responsabilidade para Serviços Financeiros Volkswagen, além de ser referente ao grupo do primeiro autor apenas, também não foi ratificada a tese em sede de recurso, onde a alegação de ilegitimidade passiva fundou-se na atribuição de legitimidade ao grupo consorcial. Diante do exposto, deve-se reconhecer a legitimidade passiva da apelante para a causa, podendo eventualmente repassar os encargos do contrato ao respectivo grupo, conforme as regras que o disciplinam. A questão da responsabilidade pela restituição das quotas pagas está ligada à argüição de ilegitimidade passiva da Administradora, já repelida anteriormente. Outrossim, afirma a apelante que o valor já foi restituído ao segundo autor, mas a alegação é extemporânea, feita após a contestação, não podendo ser acolhida por este Tribunal. De fato, extrai-se do art. 300 do Código de Processo Civil que compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor, sendo que, depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I relativas a direito superveniente; II competir ao juiz conhecer de ofício; III por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo. (art. 303, CPC). No caso, não se trata de matéria de ordem pública que o tribunal deva conhecer até de ofício, tampouco foi devidamente provada nos autos, sendo certo, igualmente, que não é fato superveniente, sobre o qual, portanto, operou a preclusão neste processo, ressalvado o direito da apelante de buscar eventual ressarcimento em ação própria. Ademais, não foi trazido aos autos nenhum documento que comprovasse a quitação, com todos os requisitos necessários, constantes no artigo 940 do Código Civil, que abaixo transcrevo: Art. 940. A quitação designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com assinatura do credor, ou de seu representante. Por tais razões, não merece atenção a alegação de pagamento. Quanto ao mérito do recurso, igualmente, não merece prosperar. Entendo como abusiva a cláusula contratual que estipula a devolução das parcelas pagas em face do contrato de consórcio sem correção monetária e juros. Nesse sentido é a atual orientação jurisprudencial sobre a matéria em discussão. Afirmava-se que a indigitada cláusula do contrato não era lesiva aos desistentes ou excluídos do grupo, nem traduzia enriquecimento sem causa para a Administradora do consórcio, uma vez que as contribuições pagas e que não se destinassem à imediata aquisição do bem, deveriam integrar o fundo de reserva ou o fundo comum que, ao final, quando do encerramento do grupo, seria rateado entre todos os participantes, inclusive os desistentes, proporcionalmente à participação de cada um. Entretanto, essa corrente de pensamento tornou-se minoritária e vitoriosa a tese oposta, que considera a referida cláusula abusiva e injusta, por quebrar o princípio da comutatividade contratual. Já que o consorciado paga as prestações sempre atualizadas, o mesmo critério deve ser observado em caso de desistência ou exclusão, sob pena de locupletamento de uma parte em prejuízo de outra. O i. Desembargador TELMO CHEREM, quando ainda Juiz de Alçada afirmara: "Numa sociedade em que o fenômeno inflacionário já se incorporou ao cotidiano das famílias, devolução 'simpliciter' das quantias pagas, após o encerramento do plano, equivaleria a não devolver" (ementa publicada no DJ de 01.06.91, pág.54). Neste egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também já se pacificou esse entendimento, podendo ser mencionado o julgado da douta 1ª Câmara Cível, na Ap.Cív. nº 23.130-1, relatado pelo eminente Des. OTO SPONHOLZ, com a seguinte ementa: "CONSÓRCIO. DESISTÊNCIA DO CONSORCIADO. DIREITO À DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS DEVIDAMENTE CORRIGIDAS. APELO IMPROVIDO. SÚMULA Nº 35 DO STJ. 1 . Não representando a correção monetária um acréscimo real ao capital, mas simples reposição do valor da moeda, inadmissível que se pretenda restituir a consorciado desistente, o valor simples das prestações pagas, sem qualquer atualização. 2 . Não podendo o Judiciário tolerar o enriquecimento sem causa, esta Câmara foi pioneira ao negar validade à cláusula impeditiva de tal atualização monetária, o que levou o STJ a editar a Súmula nº 35, que tornou lícito o reclamo dos consorciados desistentes em perceber as parcelas pagas em devolução, devidamente corrigidas, com acréscimos de juros de mora se a restituição não ocorrer até 30 dias após o encerramento do grupo. Apelação improvida." (in DJ de 16.11.92, págs.15/16). De fato, tal orientação tornou-se predominante também no egrégio Superior Tribunal de Justiça, ensejando a edição da Súmula nº 35, do seguinte teor: "Incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio". Outrossim, a cláusula do contrato de adesão que impede a atualização monetária das parcelas a serem restituídas não pode ser tida como penalidade ao consorciado desistente ou excluído. Deve existir uma proporcionalidade entre a cláusula penal e o inadimplemento contratual, bem como sua estipulação no contrato deve ser inequívoca. Ainda, como a correção monetária não representa qualquer acréscimo real e para que a devolução seja completa, a atualização deve incidir efetivamente a partir de cada desembolso, isto é, das datas dos respectivos pagamentos das parcelas, e não a partir do ajuizamento da ação, conforme estabelece a Lei nº 6.899, de 8.4.81. Quanto aos juros moratórios, igualmente a sentença deu correta solução à lide, pois são eles cabíveis a partir do momento em que a Administradora do consórcio incide em mora, isto é, se decorridos trinta dias do encerramento do plano e não devolvidas as prestações pagas pelo participante desistente, devidamente corrigidas. Deve-se, pois, a partir do 31º dia. Havendo no contrato celebrado previsão de termo final para o cumprimento da obrigação, a partir daí considera-se o contratante em mora, de pleno direito, em caso de inadimplemento, independentemente de notificação, interpelação ou protesto, conforme o disposto no artigo 960, do Código Civil Brasileiro. Rebate-se, outrossim, a afirmação de ofensa a dispositivo constitucional, pois as cláusulas abusivas são declaradas nulas de pleno direito, consoante dispõe o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, de modo a não configurar ato jurídico perfeito e não ensejar direito adquirido. Em caso idêntico, argumentando sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente de seu art. 51, o eminente Des. Bonejos Demchuk, em julgamento desta Quinta Câmara Cível, assim afirmou: Cumpre salientar que a possibilidade de aplicação, ao caso em debate, do dispositivo legal acima citado, encontra-se em consonância com o entendimento majoritário tanto da doutrina como da jurisprudência pátria, desmerecendo qualquer reparo a sentença monocrática ao reconhecer a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de consórcio. Sobre o tema, Claudia Lima Marques preleciona: (...) Outra importante questão é se as normas do CDC, por tratarem-se de normas de Ordem Pública, como esclarece o art. 1 da Nova Lei, aplicam-se automaticamente a todos os contratos existentes no mercado, tendo sido eles concluídos antes ou depois da entrada em vigor da Lei. Relembre-se que tradicionalmente as normas de Ordem Pública têm aplicabilidade geral e imediata e que a defesa do Consumidor também recebeu garantia Constitucional (art. 5º, XXXVI). O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 7.904/ES, referente ao plano Bresser de estabilização econômica, parece ter aceito a tese francesa da existência de normas de ordem pública econômica, normas estas, que implicam na derrogação de cláusulas de contrato em curso. Completando no recurso 1850/RS, com afirmação que as normas de ordem pública tem incidência imediata, não prevalecendo sobre elas o direito adquirido e concluindo que os pactos devem ser cumpridos ('pacta sunt servanda'), nas não tem o condão de derrubar leis imperativas, cogentes ... Toda vez que o efeito do cumprimento do contrato já firmado ofender o espírito da Nova Lei, ofender os direitos agora segurados ao consumidor, quebrar o agora obrigatório equilíbrio contratual, este efeito será contrário a esta nova noção basilar do nosso sistema jurídico, as normas de ordem pública e o Juiz poderá aplicar as normas do CDC para afastar este efeito agora proibido (...) (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, RT, 1999, p. 95). (Apelação Cível nº 118.283-6, DJ de 27.5.02). Por isto, não vinga o argumento da apelante de que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao presente caso porque o contrato teria sido firmado anteriormente à edição da lei nº 8.078/90, pois ela tem aplicação imediata e cogente: O Código de Defesa ao Consumidor (Lei 8078/90) incide nos contratos em execução, por força do princípio do efeito imediato (AC 39.796-6, 5ª CC, rel. Des. Carlos Hoffmann, DJ de 8.5.95). Ademais, ainda que não se aplicassem as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados anteriormente a sua vigência, mesmo assim seria inadmissível atribuir eficácia à indigitada cláusula contratual de devolução dos valores pagos, sem juros e correção monetária, por ofensa ao princípio geral de direito que veda o enriquecimento ilícito. Quanto aos índices de correção monetária para a atualização dos valores a serem restituídos aos autores, a sentença já os fixou detalhadamente, e são os usualmente aceitos pela jurisprudência de nossos tribunais. O juiz já consignou a retenção pela ré da taxa de administração e que a taxa de adesão já foi retida pela Administradora. Por outro lado, o prêmio pago pelo seguro não ficou com a Administradora, razão pela qual esta não tem que restituir esse valor. O fundo de reserva, por sua vez, deve ser devolvido em conformidade com o avençado pelas partes. Há, todavia, que se fazer uma ressalva quanto aos valores principais a serem restituídos. Quanto ao autor Cláudio Bernardo Trombini, os valores serão aqueles segundo o extrato apresentado pela ré. Entretanto, o valor reconhecido pela sentença como devido ao autor Arno Panke, de R$55.100,00, não pode ser ratificado por este Tribunal. A condenação da apelante ao pagamento de R$55.100,00, mais atualização, em favor do primeiro autor, se deu em face do incidente de exibição de documentos, considerando o Dr. Juiz como verdadeiro o valor alegado como tendo sido pago à Administradora do consórcio, uma vez que a apelante não apresentara o extrato comprovando o número de parcelas pagas pelo autor. O incidente de exibição de documentos, no caso, visava a obtenção de documento que estava em poder da ré, para a comprovação dos fatos alegados pelo autor. Por óbvio, a presunção de veracidade do incidente de exibição de documentos refere-se aos fatos alegados pelo autor na inicial, oportunidade em que devem ser deduzidos os fatos e fundamentos de seu pedido (art. 282, III, do Código de Processo Civil). Verifica-se, entretanto, que na inicial o autor Arno Panke não aduz quantas parcelas pagou, quais foram, seus valores, sequer diz qual o veículo objeto do consórcio! Mesmo na impugnação à contestação não alega qualquer fato concreto sobre o valor pago, vindo, todavia, em posterior incidente de exibição de documentos, passado mais de um ano da propositura da ação, afirmar categoricamente que o autor Arno Panke pagou aproximadamente 25 parcelas consortis, importando no valor aproximado de R$55.100,00 (Cinqüenta e cinco mil e cem reais) (cfr. fl. 115). Ora, é evidente que não tem qualquer verossimilhança essa alegação, não podendo ser ela acolhida pela presunção de veracidade. Primeiro, porque se o autor houvesse pago aproximadamente 25 parcelas já teria feito essa alegação na inicial, momento oportuno; Segundo, porque, conforme consta do documento de fl. 48, o autor aderiu ao grupo consorcial nº 25021, para aquisição de um veículo Ford modelo Verona LX gasolina, em 50 parcelas, e atribuir presunção de veracidade à essa alegação do autor importaria aceitar que o valor do carro hoje, 0 Km (se estivesse em linha de produção) poderia ser de mais de cem mil reais, o que contraria o bom senso, eis que nenhum automóvel similar, de fabricação nacional, atualmente chega a 50% desse valor. Terceiro, se o valor pretendido na inicial correspondesse realmente ao valor indicado no incidente de exibição de documento, não teriam os autores dado à causa valor de R$3.000,00, que inclusive foi alterado após o mencionado incidente para R$63.000,00 (cfr. decisão de fl. 125), por iniciativa do próprio Juízo. Assim, trata-se de afirmação aleatória, que não dá suporte à presunção de veracidade, diante do próprio contexto dos autos. Tratando da questão da não exibição do documento objeto do incidente, o festejado jurista PONTES DE MIRANDA, em sua obra Comentários ao Código de Processo Civil (Tomo IV, Forense), leciona o seguinte: ... se a alegação ou as alegações, sobre serem verossímeis, estiverem coerentes com as demais provas dos autos, o juiz poderá (cf. art. 131) considerá-las provadas. (p. 324). E, mais adiante, sobre verossimilhança, assevera o ilustre jurista: A verossimilhança é pressuposto necessário a toda prova que se não basta a sim mesma, que se não impõe com a força suficiente para provar mesma, que se não impõe com a força suficiente para provar o verossímil que se tem de aceitar como verdadeiro. Verossímil é o provável, nos dois sentidos da palavra: ter probabilidade de ser verdadeiro; ser suscetível de prova. O que o texto indica é que, na dúvida, criada pela inverossimilhança, não se atribuam efeitos de motivo de prova à abstenção do obrigado a exibir. Mas o pressuposto da verossimilhança não é o único: exige-se coerência com as demais provas, requisito que, na maioria dos casos, já atuou como fator de verossimilhança. O que é coerente com as outras provas ganha em atendibilidade. Outras provas, aí, não são só as que correspondem a obrigações; são também as de fatos ou circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes (art. 131). (p. 325). Alerta ainda: ... o alegante há de se acompanhar de provas o que pretexta e o juiz as apreciará para se persuadir de que fala a verdade, ou para manter a sua ordem de exibir, que foi desrespeitada. São assuntos, esses, em que não é possível negar-se ao juiz quase o mesmo critério livre de pesquisa que tem o cientista e, a certos respeitos, o juiz criminal. (p. 327). Ademais, o incidente só poderia ser usado para comprovar fato afirmado na inicial, por documento do qual só dispunha a parte adversa. O que não se pode é deferir pedido que não corresponde à realidade, com indicação aleatória e aproveitamento da inércia da outra parte em apresentar documentos (extrato da situação do consorciado), pois, se a administradora tem o dever contratual de manter arquivada a documentação dos consórcios para prestação de contas, igualmente o próprio consorciado também deveria ser prudente e guardar os comprovantes de pagamento das parcelas, uma vez que ao desistir só poderia reaver os valores pagos após o encerramento do grupo, conforme pactuação do consórcio. No presente caso, porém, além de o valor alegado pelo autor no incidente de exibição de documento ser excessivo, foi aleatoriamente aduzido, sem que igualmente constasse essa alegação na petição inicial, verifica-se ainda na contestação a alegação de que o grupo de consórcio nº 25021 (ao qual aderiu o autor Arno Panke), após a separação das empresas Volkswagen e Ford, passou a ser administrado por Serviços Financeiros Volkswagen. Certamente, por tal razão não trouxe a ré, a exemplo do que fez em relação ao segundo autor, o extrato com a situação do consorciado excluído (primeiro autor). De qualquer modo, de conformidade com o art. 286 do Código de Processo Civil, Admite-se o pedido genérico, segundo os termos do art. 186, II, do CPC, quando se sabe o 'an debeatur' (o que é devido), mas não o 'quantum debeatur' (o quanto é devido) (Moacyr Amaral Santos). Doutra parte, não se rejeita o requerimento genérico se, mesmo deficientemente formulado, permitir a correta compreensão de seu alcance e a ampla defesa da parte adversa (STJ-Bol. AASP 1.774/495). (nota nº 6 ao art. 286, por Theotonio Negrão, in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e legislação processual em vigor, Saraiva, 31ª ed., p. 362). Mas, somente antes da citação o autor poderá aditar o pedido sem o consentimento do réu, sendo defeso mudar o pedido após o saneamento do processo (arts. 294 c/c 264, do CPC). Portanto, se o autor Arno Panke fez pedido genérico de restituição das quantias pagas dependendo da prova a ser efetivada no curso da lide ou em execução do julgado, não podia modificar validamente esse pedido genérico, sem especificação sequer do número de parcelas e dos valores pagos, em pedido certo (na verdade duvidoso) correspondente a aproximadamente 25 parcelas em valor aproximado de R$55.100,00 no incidente de exibição de documentos. Igualmente, é defeso ao juiz proferir sentença a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantia superior do que lhe foi demandado (art. 460/CPC). No caso, o juiz julgou além do pedido inicial (ultra petita), servindo-se de um incidente de exibição de documento formulado com manifesta alteração daquele pedido inicial. A propósito, Se a inicial postular que a indenização seja fixada na execução, não pode o juiz condenar em quantia fixa, sob pena de julgar além do pedido. (in RTJ, 104/873). A sentença que julga além do pedido, entretanto, não é nula, podendo o Tribunal determinar apenas a sua redução ao valor pleiteado na inicial ou, neste caso dos autos, determinar que esse valor da condenação seja apurado em liquidação do julgado. Por todo o exposto, é de se prover em parte o apelo para afastar a presunção de veracidade quanto ao valor aduzido no incidente de exibição de documentos, de modo que os valores a serem restituídos ao autor Arno sejam apurados em liquidação por artigos; bem como para excluir da condenação da ré o valor correspondente ao prêmio do seguro e consignar que a restituição do fundo de reserva se dará em conformidade com o pactuado entre as partes. Considerando a sucumbência mínima dos autores, apenas no tocante ao prêmio do seguro e forma de devolução do fundo de reserva (haja vista que o valor de R$55.100,00 não integrou o pedido inicial), mantenho a condenação exclusiva da ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. Decisão ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, em dar provimento parcial ao recurso de apelação, de acordo com o voto do Relator. O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador ANTÔNIO GOMES DA SILVA, com voto, e dele participou o Senhor Desembargador LUIZ CEZAR DE OLIVEIRA. Curitiba, 27 de agosto de 2002. Des. DOMINGOS RAMINA Relator. |
Não vale como certidão ou intimação.