Órgão : Primeira Turma Cível
Classe : APC - Apelação Cível
Num. Processo : 2001 01 1 055846-0
Apelante : CIA ITAULEASING DE ARRENDAMENTO MERCANTIL – GRUPO
ITAÚ
Apelado : ALESSANDRO MIGUEL
Relator : Des. VALTER XAVIER
EMENTA
CIVIL. LEASING. RESCISÃO DO CONTRATO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VALOR RESIDUAL GARANTIDO. DEVOLUÇÃO.
1. Rescindido o contrato de leasing, o arrendatário faz jus à devolução do valor residual, que traduz a garantia para a aquisição futura do bem, não contraprestação ou abatimento do preço a ser retido pelo arrendador.
2. O valor residual garantido e a opção de compra do veículo, no fim do pacto, não desfiguram o contrato de arrendamento mercantil.
Apelo provido. Unânime.
A CÓ R D Ã O
Acordam os Desembargadores da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, VALTER XAVIER - Relator, e MÁRIO-ZAM BELMIRO e HERMENEGILDO GONÇALVES - Vogais, sob a presidência do Desembargador HERMENEGILDO GONÇALVES, em PROVER, UNÂNIME. Tudo de acordo com a ata de julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 18 de março de 2002.
Des. HERMENEGILDO GONÇALVES
Presidente
Des. VALTER XAVIER
Relator
R E L A T Ó R I O
CIA ITAÚ LEASING DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ajuizou ação de reintegração de posse de veículo, objeto de contrato de leasing , em desfavor de ALESSANDRO MIGUEL, sustentando inadimplência das prestações avençadas.
A r. sentença, publicada em 12.09.2001 (fls. 39), indeferiu a inicial, julgando extinto o processo (fls. 33/37).
Irresignada, apelou a Autora em 27.09.2001 (fls. 41), com o preparo (fls. 62), alegando, em síntese, que o valor residual garantido não desfigura o contrato de arrendamento mercantil (fls. 42/61).
É o relatório.
V O T O S
O Senhor Desembargador VALTER XAVIER - Relator
Senhor Presidente,
Conheço do apelo, eis que satisfeitos os pressupostos de sua admissibilidade.
Palavras da Apelante:
"A apelante (...) não vislumbra em que consiste a ilegalidade das cláusulas contidas no contrato de leasing avençado, visto que não existe dispositivo legal expresso que proíba a prática de depósito antecipado do valor residual garantido. Equivocada (...) a conclusão do MM. Juiz a quo de que a antecipação do valor residual garantido seja equivalente ao preço de compra, o que desvirtuaria o contrato de leasing para o de compra e venda e que as contraprestações seriam juros remuneratórios. Ora, inexiste a figura dos juros remuneratórios, pois não são inerentes a operações de leasing e a antecipação do valor residual garantido não equivale à aquisição do bem. (...) Nos termos da Portaria 140/84, inciso II, a antecipação do VRG é tratada como passivo do arrendador e ativo do arrendatário, (...) pois não implica nem em quitação do VRG e nem em pagamento pelo exercício da opção de compra. É mero valor dado por conta ou em garantia de obrigação contratual assumida; ou seja, é simples caução em dinheiro. Continuam em vigor, quer a possibilidade contratual de optar pela compra, quer a possibilidade de devolver o bem, quer ainda a possibilidade de prorrogar o contrato, possibilidades deferidas por lei e pelo contrato ao arrendatário." (fls. 44/46).
Assim deslindou o tema o ilustre julgador singular:
"No caso presente, não se verifica satisfeita uma das condições da ação, notadamente, o interesse de agir. É que o contrato de fls. 06 estabelece a obrigação do requerido de pagar antecipadamente o valor residual garantido. Em tais situações, o contrato se desnatura, tornando-se compra e venda. (...) Todavia, devo objetar: como pode tal contrato ser tratado como autêntico leasing, fica cerceada? Não se podendo tratar o contrato como um leasing autêntico, há que se observar que, de fato, desnaturou-se para uma compra e venda. Em sendo assim, não pode a autora lançar mão da via possessória em razão da própria natureza da compra e venda. A via é, obviamente, inadequada. A autora deve lançar mão das vias adequadas para obter seu crédito." (fls.34 e 37).
Cinge-se o cerne da lide na ausência ou não do interesse de agir da Autora, tendo em vista a antecipação do valor residual garantido no contrato de leasing firmado entre as partes.
Importante ressaltar que se analisam as condições da ação pelos fatos narrados, não nos provados. Por isso, entendo anteceder ao debate sobre o Valor Residual Garantido o exame do interesse de agir. Sobre este, leciona o mestre Humberto Theodoro Júnior:
"Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade (...). O interesse processual, a um só tempo, haverá de traduzir-se numa relação de necessidade e também numa relação de adequação do provimento postulado, diante do conflito de direito material trazido à solução judicial."
Na esteira desse raciocínio, havendo a necessidade de amparo ao direito postulado e este não afrontando o ordenamento jurídico, existente, destarte, o interesse de agir.
No caso vertente, observo que Autora e Réu celebraram contrato de leasing, restando inadimplente o Requerido (fls. 07). Justificável que a Autora, diante do débito, ingressasse com a presente reintegração de posse, a fim de perseguir o direito a que diz fazer jus, exteriorizando, dessa forma, seu interesse de agir. Resta, pois, perquirir, se presente tal interesse diante do pacto de leasing celebrado entre as partes.
Primeiramente, cumpre enfatizar a complexidade do contrato de leasing, ou arrendamento mercantil, que reúne diversos outros pactos em si. Lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery que
"O contrato reúne as características de três outros negócios jurídicos bilaterais: a) a empresa de leasing se compromete a comprar o equipamento segundo o descreveu o futuro arrendatário (promessa de compra); b) há a locação da coisa; c) há a compra da coisa ou sua devolução."
Comecemos pelo contrato de locação do bem, que figura, sobretudo, como norteador da avença. Como bem adverte Arnaldo Rizzardo:
"Não se trata de uma locação pura, posto que o valor dos aluguéis não expressa unicamente o custo do empréstimo da coisa, mas compreenderá o preço de aquisição do material, com acréscimo de impostos, despesas gerais da entidade financeira e o lucro que esta deverá ter pelo investimento do capital. Ou, usando das palavras de Luiz Mélega: ‘O aluguel não se pode dizer equivalente ao uso da coisa, mas o ultrapassa para compensar o seu custo e o lucro auferido pelo arrendador’. Procura a firma arrendante recuperar o valor do bem e conseguir um lucro financeiro pelo menos satisfatório ou razoável. Daí não ser possível caracterizar o leasing como somente um contrato de locação."
Desse contexto, exsurge o caráter financeiro do arrendamento mercantil, pois
"Mesmo as prestações que vão sendo pagas apresentam a finalidade de recuperar o dinheiro investido com a aquisição do equipamento e de custear os gastos demandados pela administração. Daí que, levando-se em conta vários fatores na fixação do valor do arrendamento, como o uso, a depreciação e a administração, o montante das contraprestações é sempre mais elevado que os pagamentos por uma simples locação. No final do prazo, o valor residual é calculado sobre a depreciação que sofre o equipamento pela ação do uso e do tempo."
Nesse passo, um dos contratantes, ao firmar contrato de leasing, encontra-se na condição de locatário, arcando com o valor residual da avença, a fim de exercer a sua opção de compra, ao término do negócio jurídico. Por isso, se não mais lhe interessar adquirir o bem, mister devolver-lhe a importância residual.
Como promessa de compra e venda, encerra o arrendamento mercantil relação jurídica, em que a arrendante compromete-se na venda do bem, conforme descrito no contrato.
E, finalmente, como pacto de compra e venda do bem, evidencia-se, mormente, o aspecto bilateral do arrendamento mercantil. Como esclarece Arnaldo Rizzardo
"A obrigação do contrato impõe obrigações mútuas de parte a parte, que devem ser cumpridas para manter-se até o final a relação jurídica sacramentada. Daí advir a bilateralidade, ou o concurso de vontades em sentido oposto, de molde a virem encontrar-se, pois são criadas obrigações para a arrendadora e a arrendatária."
Infere-se do contrato de leasing em tela, que este estabelece a antecipação do valor residual garantido. Confira-se:
"7. Valor residual garantido (...).
7.1 O Arrendatário pagará prestações do valor residual garantido, a primeira vista e as demais juntamente com as contraprestações do arrendamento (...)" (fls. 06).
Consiste o valor residual garantido na diferença entre o quantum dos aluguéis a serem cobrados no leasing e o preço total do bem. Isto é: pode o arrendatário pagar o resíduo, que completa o total da coisa arrendada, e, se exercida a opção de compra, abater tal importância paga do montante integral.
Na linha desse raciocínio, entendimento jurisprudencial desta egrégia Corte:
"EMENTA: "LEASING". (...) 3. Serve o Valor Residual Garantido - VGR - tão-somente como um fundo de reserva formado pelo próprio arrendatário, que tem por finalidade amenizar-lhe quanto àquilo que deva complementar caso, ao final do contrato, venha a se interessar pela aquisição do bem arrendado. Assim não ocorrendo, tal reserva há de ser restituída ao arrendatário por ocasião do término ou rescisão da avença."
De tal sorte, mesmo antecipando esse valor residual, mister que subsista a opção de compra a ser exercida no fim da avença, de modo que não seja descaracterizado o pacto de leasing, tendo lugar uma compra e venda. Eis o que disciplina o artigo 5º, "c", combinado com o artigo 11, § 1º, da Lei nº 6.099, de 12/09/74, alterada pela lei n. 7.132, de 26/10/83. Confira-se:
"Art 5º Os contratos de arrendamento mercantil conterão as seguintes disposições:
(...)
c) opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário;
(...)
Art 11. (...)
§ 1º A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e venda a prestação."
No caso vertente, constata-se incólume a opção de compra. Confira-se:
"24. Opções contratuais – Cumpridas as obrigações contratuais, caberá ao Arrendatário, mediante solicitação à Arrendadora, até 90 (noventa) dias antes do vencimento do prazo de arrendamento, exercer uma das seguintes opções:
a) adquirir o veículo;" (fls. 6v).
Observa-se que, no fim do contrato, viável ao arrendatário o exercício da opção de compra do veículo, não restando, destarte, descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil em comento. Eis porque presente o interesse de agir da Apelante.
Logo, tendo em vista não descaracterizado tal contrato, adequada a via eleita pela Recorrente, qual seja, ação reintegratória de posse, para perseguir o direito a que diz fazer jus.
Essas as razões porque DOU PROVIMENTO ao apelo, a fim de que os autos retornem ao juízo a quo, para o seu regular prosseguimento.
É o meu voto.
O Senhor Desembargador MÁRIO-ZAM BELMIRO – Vogal
De acordo.
O Senhor Desembargador HERMENEGILDO GONÇALVES - Vogal
De acordo.
D E C I S Ã O
Provida. Unânime.