CONSERTO DE AUTOMÓVEL - MECÂNICO NÃO SE TORNA PREPOSTO DO PROPRIETÁRIO - APENAS DEVER DE GUARDAR - SAÍDA EM EXPERIÊNCIA É DE RESPONSABILIDADE DA OFICINA.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N.º 31.676 – PARAÍBA

Ementa: Recurso extraordinário: descabimento.

Acórdão

Vistos etc. Acordam os Juizes da 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal, à unanimidade, não conhecer do recurso, conforme o relatório e notas taquigrafadas.

Custas pelo recorrente.

Rio de Janeiro, 7 de junho de 1956. - Barros Barretto Presidente Afrânio Costa, Relator.

Relatório

O SR. MINISTRO AFRÂNIO ANTÔNIO DA COSTA - Sr. Presidente, o acórdão recorrido está subordinado à seguinte ementa:

"O mecânico, que recebe um automóvel para conserto, não se torna, por isso, preposto do dono do veículo.

"A entrega do automóvel para reparos importa na transferência do dever de guarda ao dono da oficina, pelo que o proprietário do veiculo não responde pelos danos causados a terceiro pelo automóvel quando conduzido, em experiência, pelo mecânico ou seus empregados", tendo a seguinte fundamentação:

"O mecânico que recebe um automóvel para conserto não se torna por isso, preposto do dono do veículo.

"A entrega do automóvel para reparos importa na transferência do dever de guarda ao dono da oficina, pelo que o proprietário do veiculo não responde pelos danos causados a terceiros pelo automóvel quando conduzido, em experiência, pelo mecânico ou seus empregados.

"Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 3.232, da Comarca de João Pessoa, em que é apelante Elírio Guilherme de Azevedo e apelada a Sociedade de Expansão Comercial e Industrial Ltda.:

"Acordam, em Segunda Câmara do Tribunal de Justiça, integrado neste relatório de fls. 96. v. e 97. dos autos, em negar provimento ao recurso confirmar a decisão apelada, por unanimidade de votos.

"1 - A ré, ora apelada, confiou o seu automóvel ao mecânico Antônio Pedro de Araújo para conserto. Sucedeu que o aludido mecânico, quando experimentava o veiculo após os reparos, foi de encontro a um caminhão do autor apelante, produzindo-lhe extensos danos. O motorista Antônio Pedro de Araújo faleceu em conseqüência do desastre. Quer o dono do caminhão que a ré pague os danos oriundos da colisão, sob o fundamento de que o mecânico Antônio Pedro de Araújo é preposto da ré. As provas colhidas demonstram, à saciedade, que o desastre ocorreu por culpa do motorista que conduzia a caminhonete de propriedade da ré apelada. Mas não é menos certo, por outro lado, que a ré não é comitante em relação ao mecânico que recebeu o seu veículo para conserto.

"Como ensinam os autores mais opinados, a existência de um lado de subordinação entre o comitente e o preposto é indispensável para a admissão da responsabilidade baseada no art. 1.521, inciso III, do Código Civil.

"A autoridade ou direito de dar ordens a alguém sobre a maneira de realizar as suas tarefas ou instruí-lo sobre o que deve ou não deve ser feito, é que identifica o patrão em relação ao preposto ou empregado (Planiol et Ripert, Droit Civil Français, 2.ª edição, 1952. tomo VI, n.º 642, pág. 899). Na empreitada ou locação de obra não há subordinação e, como tal, não há lugar para a responsabilidade fundada na preposição ou culpa de terceiro, pois a pessoa Incumbida de realizar uma tarefa ou serviço não é um prolongamento de quem lhe contratou os serviços profissionais. Como conseqüência dessas premissas, o mecânico ou dono de oficina que recebe um automóvel para conserto não se reduz a condição de empregado do dono do veiculo. Enfrentando a questão, ensinam Mazeaud et Mazeaud: "Egalement, le proprietaire d'une voiture automobile, qui charge un garagiste d’effectuer une réparation, ne devient le commettant ni du garagiste, ni des ouvriers de ce dernier que procédent aux essais de la voiture" (Traité Theorique et Pratique de La Responsabilité Civile, 4.ª edição, tomo 1, pág. 824). A questão, assim, não poderá ser resolvida sob esse ângulo, que é, aliás, o Invocado pelo autor. É possível admitir a responsabilidade do dono do veiculo a titulo de guardião? Em outros termos: a entrega do veiculo para consertos desloca do proprietário a responsabilidade por fato da coisa inanimada? Antes de tudo, a indagação da responsabilidade por fato da coisa não constitui exotismo entre nós, pois se é certo que o Código Civil brasileiro não regulou a matéria com a amplitude desejada, o mesmo aconteceu com o Código de Napoleão, o que não obstou que os juizes franceses construíssem toda a teoria da guarda da coisa. Ninguém põe em dúvida que a primeira parte do art. 1.384 do Código Civil francês, não constituí, a rigor, o suporte legal da notável teoria, que erigiu a guarda das coisas em fonte autônoma de responsabilidade.

"Não há dúvida que a entrega da caminhonete para consertos deslocou para o mecânico o dever de guarda. A ré, proprietária do veiculo, deixou, assim, de ser o guardião do veiculo. Nenhuma responsabilidade lhe assiste pelos danos causados pelo automóvel quando conduzido pelo mecânico, que não é seu preposto e assumiu, em razão do contrato de empreitada, o poder de fato sobre a coisa. Mazeaud et Mazeaud elucidam muito bem a questão: "Nombreux sonttênues les accidents causés par les automobiles confiées à les garagistes ou des mecaniciens pour effectué, soit pendant les essais nécessaires à la verification. Le garagiste acquiert un pouvoir de commandement pourt tout ce qui concerne Ia réparation à faire et Ia surveillance générale se Ia voiture durante le temp de la reparation. Par consequent, si un accident est causé à un tiers par l'organe de Ia voiture qulfis slagissait de réparer ou par la conduite de l'automobile au cours des essais effectuer pour vérifier cette reparation, le garagiste, est pardien, même si le proprietaire ainde à Ia réparation" (Obra citada, vol. 2, n.º 1.180-2 - págs. 138-139). A Corte de cassação sanciona o ensinamento da doutrina:

"Il garagiste qui, aprés avoir procédé à Ia reparation d'une voiture, fait effectuer par son préposé un essai sur route qui en était le complément indispensable, est responsable de l’accident provoqué, au course de cet essai, par les fautes de ce dernier et survenu au propritaire de Ia voiture qui y avait pris place aux côtés de ce preposé" (Dalloz Hebsomadaire, 1933, pág. 21)."

Veio o recurso extraordinário pelas letras a e d do art. 101, n.º III, da Constituição, alegando, para fundamento da letra a, violação do art. 159 do Código Civil e, para justificar o conhecimento pela letra d, cita uma sentença do Juiz Décio Conceição, publicada na Revista dos Tribunais, vol. 162, pág. 173.

Admitido o recurso, foi ele arrazoado, decorrendo in albis o prazo para contra-razões.

É o relatório.

Voto Preliminar

Manteria o acórdão recorrido. Evidentemente não se pode atribuir ao proprietário do caminhão a responsabilidade pela reparação civil dos danos causados no acidente, quando ele entregou esse carro ao garagista, que era o responsável pela guarda do veículo.

Não é preciso um estudo muito aprofundado, em matéria de doutrina e jurisprudência, para chegar a essa conclusão.

Não conheço do recurso.

Ementário 268 (Seção Jurisprudência S.T.F.)

Audiência Publ. Acórdão 29-8-56

Relator Min. Afrânio Antônio da Costa

RE 31.676 - Paraíba

( JARDEL NORONHA J. STF I / 258 )