Órgão |
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Quinta Turma Cível |
Classe |
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APC – Apelação Cível |
N. Processo |
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2000 01 1 054153-0 |
Apelante |
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alda maria de oliveira |
Apelada |
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SANTANDER NOROESTE LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A |
Relatora Desa. |
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HAYDEVALDA SAMPAIO |
Revisor |
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DÁCIO VIEIRA |
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ARRENDAMENTO MERCANTIL – PAGAMENTO ANTECIPADO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO – DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO.
De acordo com reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciada na Súmula 263, o pagamento antecipado do Valor Residual Garantido – VRG descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil ou leasing.
Recurso conhecido e provido. Ressalva do entendimento pessoal da Relatora. Unânime.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, HAYDEVALDA SAMPAIO – Relatora, DÁCIO VIEIRA –Revisor e ÂNGELO CANDUCCI PASSARELI – Vogal, sob a presidência da Desembargadora HAYDEVALDA SAMPAIO, em CONHECER E DAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata de julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 10 de junho de 2002.
HAYDEVALDA SAMPAIO
Presidenta e Relatora
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Cuida-se de ação de reintegração de posse proposta por SANTANDER NOROESTE LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A em desfavor de ALDA MARIA DE OLIVEIRA, alegando, em síntese, que deu à Ré, em arrendamento mercantil, o veículo Ford/Pampa L, placa BZM 0581 DF, pelo prazo de trinta e seis meses, mediante pagamento de parcelas mensais e consecutivas no valor de R$ 306,34 (trezentos e seis reais e trinta e quatro centavos), vencendo-se a primeira em 30.10.1999. Ocorre que a Ré tornou-se inadimplente a partir da parcela vencida em 30.03.2000.
Citada a Ré por edital, a Curadoria Especial, exercida pela Defensoria Pública do Distrito Federal, em substituição processual a ALDA MARIA DE OLIVEIRA, apresentou contestação, alegando preliminarmente, nulidade ou ineficácia da citação por edital. Diz que o contrato se encontra descaracterizado em decorrência do pagamento antecipado do Valor Residual Garantido. No mérito, refuta, por negativa geral, os fatos narrados na peça vestibular, valendo-se da prerrogativa que lhe confere o § único, do artigo 302, do Código de Processo Civil. Requer o acolhimento da preliminar, com a extinção do processo sem exame do mérito; caso assim não se entenda, que seja julgado improcedente o pedido.
O MM. Juiz julgou procedente o pedido e deferiu a reintegração de posse em caráter definitivo à Autora. Condenou a Ré a reembolsar as custas adiantadas e a pagar honorários advocatícios, fixados em R$ 200,00 (duzentos reais), consoante o critério do § 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil.
A douta Curadoria Especial apresentou apelação, postulando a reforma da r. sentença hostilizada para o fim de que a Ré seja reembolsada do Valor Residual Garantido e negada a reintegração da posse, devendo a cobrança da dívida ser feita através de ação própria, qual seja, cobrança. Reitera os argumentos constantes da contestação e transcreve jurisprudência.
Contra-razões às fls. 111/122, pleiteando a confirmação da r. sentença monocrática.
É o relatório.
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A Senhora Desembargadora Haydevalda Sampaio – Presidenta e Relatora
Saliente-se, inicialmente, que há, nos presentes autos, dúvidas quanto a citação pessoal ou não da Ré, eis que o Sr. Oficial de Justiça, em 13.08.2000, no Auto de Reintegração de Posse de fl. 31, certificou que citou a Ré. Posteriormente, em 19.08.2000, contraditoriamente, certificou que deixou de citar a Ré porque a mesma não reside no endereço constante dos autos. Contudo, como não houve oposição da Ré e a matéria não se encontra devidamente esclarecida, conheço do recurso.
Cuida-se de Ação de Reintegração de posse proposta por SANTANDER NOROESTE LEASING ARRENDAMENTO MERCANTIL S/A em desfavor de ALDA MARIA DE OLIVEIRA, tendo o MM. Juiz julgado procedente o pedido e deferido a reintegração de posse em caráter definitivo.
Em seu inconformismo, a Apelante, através da Curadoria Especial, requer a reforma da r. sentença para que seja reembolsada do Valor Residual Garantido e negada a reintegração da posse.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que a cobrança antecipada do Valor Residual Garantido – VRG, de forma total ou parcelada, descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil ou leasing, convertendo-o em compra e venda.
Confira-se:
"COMERCIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. A cláusula que antecipa a cobrança do
valor residual garantido transforma o arrendamento mercantil em compra e venda. Ressalva de entendimento pessoal do relator. Agravo regimental não provido" (AGREsp 299123/MS, Terceira Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 25.03.2002, pág. 275).
"COMERCIAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL.
VALOR RESIDUAL DE GARANTIA. CAUÇÃO SUBSTITUTIVA DA OPÇÃO DE COMPRA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356/STF. COBRANÇA ANTECIPADA. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33) E CÓDIGO CIVIL, ART. 1.062. INCIDÊNCIA QUANDO NÃO PACTUADOS.
I. Inadmissível recurso especial na parte que é debatida questão não enfrentada no acórdão a quo, nos termos das Súmulas n. 282 e 356/STF.
II. A cobrança antecipada do
Valor Residual Garantido importa na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil.
III. Aplica-se a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura e no Código Civil aos contratos realizados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional que não estabeleçam percentual para remuneração do mútuo.
IV. Recurso especial conhecido em parte e improvido". (REsp 400019/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 29.04.2002, pág. 253).
O mesmo Egrégio Tribunal editou recentemente a Súmula 263, do seguinte teor: "A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação".
Dessa forma, com ressalva do meu entendimento pessoal, impõe-se a procedência do recurso, por se mostrar descaracterizado o contrato, não ensejando o ajuizamento de ação de reintegração de posse. Despiciendo analisar as demais argüições constantes do recurso de apelação.
Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso, para extinguir o processo, por carência de ação.
É como voto.
O Senhor Desembargador Dácio Vieira – Revisor
Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Cuida-se de apelação interposta em face da r. sentença de fls. 91/100, proferida em sede de ação de reintegração de posse, tendo o i. juiz monocrático julgado procedente o pedido para reintegrar o autor na posse definitiva do veículo, eis que não teria o réu cumprindo o contrato celebrado entre as partes.
Inconformada, pugna a apelante pela reforma da sentença monocrática, sustentando que "seja o valor do VRG reembolsado e negada a reintegração da posse", bem como que a cobrança da dívida seja feita através de ação própria. (fls. 102/107)
Há que se considerar, ab initio, que as condições de admissibilidade da ação, segundo a exegese do artigo 267, § 3º, do Código de Ritos, são passíveis de serem examinadas pelo julgador, de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição enquanto não proferida a sentença de mérito, conforme previsão do inciso VI do mesmo dispositivo legal.
Com este norte o entendimento pretoriano, cumprindo, in casu, o destaque do seguinte aresto proveniente da e. Corte Superior de Justiça, verbis:
"PROCESSO CIVIL. REQUISITOS DA TUTELA JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA DE PRECLUSÃO PARA O MAGISTRADO. CUMULAÇÃO DE AÇÕES. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. RECURSO DESCOLHIDO.
I – Em se tratando de condições da ação e de pressupostos processuais, não há preclusão para o magistrado, mesmo existindo expressa decisão a respeito, por cuidar-se de matéria indisponível, inaplicável o enunciado n. 424 da Súmula/STF a matéria que deve ser apreciada de ofício". (REsp. 43138-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in DJ 29.09.1997)
Superado este aspecto, em face da possibilidade de apreciação de ofício pelo órgão judicante dos pressupostos processuais e condições da ação, cumpre ressaltar que o contrato de leasing, por sua natureza, deverá apresentar características essenciais próprias, que, uma vez não observadas, redundará em sua desconfiguração.
Arnaldo Rizzardo, in "Leasing – Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro", 3ª edição, TR, ao tecer considerações acerca da opção de compra exercida antes do término do prazo contratual, à página 88, assevera:
"O art. 10 da Res. 2.309 prescreve: ‘A operação de arrendamento mercantil será considerada como de compra e venda à prestação se a opção de compra for exercida antes de decorrido o respectivo prazo mínimo estabelecido no art. 8º deste Regulamento’.
Disposição semelhante, embora com alcance amplo, contém a Lei 6.099, art. 11, § 1º: ‘A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta lei, será considerada operação de compra e venda a prestação’.
Percebe-se que nada impede o exercício da opção antes do término do contrato. Mas, uma conseqüência advirá: o contrato não continuará como de arrendamento mercantil. Passará a considerar-se como de compra e venda a prestação". (g.n.)
Com este mesmo posicionamento Maria Helena Diniz, in Tratado Teórico e Prático dos Contratos, Saraiva, 1993, volume 02, às páginas 358/359, admoesta:
"Infere-se daí que no arrendamento mercantil apresentam-se elementos jurídicos, essenciais à sua caracterização:
(...)
5º – O arrendatário, findo o prazo do arrendamento, tem a tríplice opção de: a) adquirir os bens, no todo ou em parte, por preço menor do que o de sua aquisição primitiva convencionado no próprio contrato, levando-se em conta os pagamentos feitos a título de aluguel; b) devolvê-los ao arrendado; ou c) prorrogar o contrato, mediante o pagamento de renda muito menor do que a do primeiro arrendamento (...) É preciso, ainda, não olvidar, que nada impede (Res. nº 980/84), art. 11; e Lei nº 6099, art. 11, §§ 1º a 3º o exercício da opção antes do término contratual, mas o contrato deixará de ser leasing financeiro, e passará a ser considerado compra e venda a prestação".
Por oportuno, vale considerar que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 8 de maio de 2002, aprovou o seguinte verbete de Súmula: "A cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação" (Súmula nº 263).
Com esse mesmo norte, consubstanciou-se o entendimento sufragado por ambas as turmas de direito privado da mesma e. Corte de Justiça, cumprindo, in casu, por de inteira pertinência, o destaque dos seguintes arestos, verbis:
"- Pacificada a tese de que a obrigação contratual de antecipação do VRG - ou o adiantamento "da parcela paga a título de preço de aquisição" - faz infletir sobre o contrato o disposto no § 1° do art. 11, da Lei 6.099/74, operando demudação, ope legis, no contrato de arrendamento mercantil para uma operação de compra e venda a prestação, com financiamento, cabe o indeferimento liminar de embargos de divergência, pela Súmula n. 168/STJ. - Há o desaparecimento da figura da promessa unilateral de venda e da respectiva opção, porque imposta a obrigação de compra desde o início da execução do contrato ao arrendatário". (2ª Seção, AEREsp 230239/RS, in DJ 18.06.2001, Min. Nancy Andrighi) - g.n. -
"Agravo regimental. Embargos de divergência. Recurso especial. Leasing. Valor Residual Garantido (VRG). Descaracterização para compra e venda. Súmula nº 168/STJ. 1. A jurisprudência das Turmas que compõem a 2ª Seção firmou-se no sentido de que a cobrança antecipada do Valor Residual Garantido (VRG) desqualifica o contrato de leasing para compra e venda."(AEResp 255628/SP; RESP (2001/0070006-1), DJU de 04/02/2002, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, segunda seção).
"Processo civil. Ação de reintegração de posse. Arrendamento mercantil. VRG. Pagamento antecipado que descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda a prestações. Precedentes."(AGResp 303122RO; (2001/0014938-3), DJU de 08/10/2001, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, terceira turma).
"COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. VALOR RESIDUAL DE GARANTIA. COBRANÇA ANTECIPADA. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO.
CARÊNCIA DA
AÇÃO. CPC, ART. 267, VI. I. A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido importa na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, de forma a tornar inadmissível o pedido de reintegração de posse.
Carência da
ação". (4ª Turma, REsp 302470/MG, in DJ 04.06.2001, Min. Aldir Passarinho Júnior) – g.n. -
"A cobrança antecipada do Valor Residual Garantido, obrigação prevista em normas regulamentares, que garante ao arrendador o recebimento de quantia final de liquidação do negócio, caso o arrendatário opte por não exercer o direito de compra ou prorrogar o contrato, implica na descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, vez que tal exigência não deixa ao devedor outra opção senão a aquisição do bem, de forma a tornar inadmissível o pedido de reintegração na posse." (4ª Turma, REsp 255628/SP, in DJ 11.09.2000, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira) –g.n.-
"LEASING. VRG. JUROS. CAPITALIZAÇÃO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. A cobrança antecipada do valor residual de garantia desfigura o contrato de leasing, que é tratado como um contrato de compra e venda." (4ª Turma, REsp. nº 234.437-RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 21-02-00, p. 134)
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO COMERCIAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. VALOR RESIDUAL. PAGAMENTO ANTECIPADO. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO (...) - ‘A opção de compra, com pagamento do valor residual ao final do contrato, é uma das características essenciais do leasing. A cobrança antecipada dessa parcela, embutida na prestação mensal, desfigura o contrato, que passa a ser uma compra e venda a prazo (art. 5º, c, combinado com o art. 11, § 1º, da Lei nº 6.099, de 12.09.74, alterada pela Lei nº 7.132, de 26.10.83), com desaparecimento da causa do contrato e prejuízo do arrendatário.’ (REsp. nº 181.095-RS, Relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, in DJ 09.08.99)." (4ª Turma, REsp. nº 180.509-RS, rel. Min. César Asfor Rocha, DJ de 17-04-00, p. 68).
Neste último aresto colacionado o eminente Ministro Relator, César Asfor Rocha, ao proferir o seu voto, havendo unanimidade no julgado, deixou consignado que:
"Prefacialmente, analiso o tema principal do recurso, qual seja, a alegada impossibilidade de descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, pela cobrança antecipada do valor residual, sob a argumentação de que tais valores podem ser adiantados pelo arrendatário, não a título de exercício de opção de compra, mas sim como mera garantia das obrigações assumidas, pois não haveria qualquer obrigatoriedade na compra do bem arrendado.
Sem razão a recorrente, todavia, pois nos termos da jurisprudência assente nas egrégias Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, a exigência do pagamento antecipado do valor residual, juntamente com as prestações mensais, descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, pela perda de uma de suas características básicas, qual seja, o exercício da opção de compra somente ao final do contrato, momento em que poderia ser cobrado o valor residual de garantia." – (g.n.)
Com efeito, esta e. Corte de Justiça, não obstante as incipientes decisões sobre o tema trazido a debate em sede recursal, já tem perfilhado a orientação jurisprudencial emanada do e. Superior Tribunal de Justiça, cumprindo o destaque dos seguintes arestos:
"Direito civil e Processual civil - Apelação cível - Ação de reintegração de posse - Contrato de arrendamento mercantil - Cobrança antecipada de valor residual garantido (VGR) - Descaracterização do acordo, que resta transformado em contrato de compra e venda à prestação, nos moldes do disposto no art. 11, § 1º, da lei 6.099/74 - Impossibilidade de manejo da via possessória eleita - Processo extinto, sem julgamento do mérito, ex vi do art. 267, VI, do CPC - Orientação da jurisprudência pacificada no âmbito do colendo STJ – (...) I - Conforme orientação doutrinária mais coerente e autorizada, alicerçada no art. 5º da lei nº 6.099/74, é característica essencial do contrato de leasing a oferta unilateral da arrendante à arrendatária de três opções ao final do contrato, sendo que uma delas, obrigatoriamente, deverá ser exercida: a) comprar o bem por valor residual adredemente determinado; b) devolver o bem; e c) renovar o contrato. II - "A cobrança antecipada do valor residual garantido, na prática, desnatura o instituto do leasing, porquanto retira a possibilidade de, ao final do contrato, ocorrer a sua renovação ou a devolução do bem, pois o arrendatário já terá pago tudo, inclusive o valor de compra que só deveria ocorrer ao final do contrato" [STJ. 4a turma. RESP nº 255.628-SP. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo. DJ de 11.9.2000, p. 260]. Verificada a hipótese, em face da cobrança mensal implementada de valor residual, o contrato de leasing resta desfigurado, transformado que fica em contrato de compra e venda à prestação, por força da clara previsão do art. 11, § 1º, da lei nº 6.099/74. III - para que seja possível a ação de reintegração de posse prevista pelo ordenamento jurídico, a causa petendi há de guardar pertinência com direitos reais, pois se discute a posse se o direito vindicado incidir diretamente sobre a coisa, não sendo viável se este advier de relação afeta ao direito obrigacional. Precedentes da jurisprudência uniforme emanada do colendo Superior Tribunal de Justiça, enquanto legítimo intérprete da legislação federal." (Apc 20010710068412, ac.150125, 3ª Turma Cível, DJU de 13/03/2002).
"comercial. arrendamento mercantil. preliminares de inépcia da inicial e carência da ação. leasing. direito à purga da mora. valor residual. pagamento antecipado. descaracterização do contrato. improcedência do pedido de reintegração de posse.
As condições da ação se aferem em tese, de acordo com o afirmado e documentado na inicial. Na ótica desta, cuidando-se de leasing, documentada a mora, rescindido antecipadamente o contrato, caracterizado o esbulho com a não devolução do automóvel, possível juridicamente o pedido. E evidente o interesse de agir, diante da resistência do arrendatário em devolver o veículo. Presentes todas as condições da ação, apta a inicial, rejeitam-se as preliminares renovadas no apelo. A opção de compra, com pagamento do valor residual ao fim do contrato, é uma das características essenciais do leasing. Ao fim do prazo do leasing, cabe ao arrendatário optar por uma de três situações: a) compra do bem, pagando o valor residual estipulado; b) renovação do contrato; c) restituição do bem arrendado. Valor residual é o que paga o arrendatário, findo o contrato, quando opta pela aquisição do bem arrendado. Se esse valor residual, todavia, como no caso, é antecipado, sendo pago antes do final do prazo contratual do arrendamento, fica descaracterizado o leasing, desaparecida a causa contratual, passando a haver mera compra e venda com pagamento a prazo, nos termos do art. 5º, "c", combinado com o art. 11, § 1º, da Lei n. 6.099, de 12/09/74, alterada pela Lei n. 7.132, de 26/10/83, sendo inoperante cláusula contratual em sentido contrário. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Inexistindo leasing, mas compra e venda a prazo, não há cogitar de posse da arrendadora, na realidade vendedora, e esbulho do arrendatário, na verdade comprador. Improcede o pedido de reintegração de posse. O bem objeto do contrato é da propriedade do adquirente. Não cometeu este esbulho. O remédio jurídico de que dispõe a vendedora para fazer valer seu direito – creditício e não possessório – é outro que não a ação possessória. Apelo provido, julgado improcedente o pedido de reintegração de posse." (4ª Turma Cível, APC nº 39572-6, reg. ac. nº 125.655, DJ 17.05.00, Rel. Des. Mário Machado) – g.n.
Cumpre, também, por derradeiro, fazer o registro de que a jurisprudência de diversos Tribunais estaduais tem caminhado na mesma direção, tornando oportuno trazer à colação os seguintes arestos:
"arrendamento mercantil – descaracterização para compra e venda a prestação – ausência de contrato de depósito entre as partes – esbulho possessório – impossibilidade – ação reintegratória – descabimento – recurso provido. 1) Configura compra e venda a prestação ou o mútuo e descaracterizado está o arrendamento mercantil se pago o valor residual juntamente com as contra-prestações ao longo do cumprimento do contrato, desaparecendo suas opções finais do contrato, quais sejam compra do bem por valor determinado, devolução do bem e renovação de contrato. 2) Com a desconfiguração do contrato de arrendamento mercantil desaparece o contrato implícito de depósito entre as partes, não podendo, por conseguinte, haver esbulho possessório e, neste seguimento, descabe ação reintegratória." (TJES, APC nº 11930007932, Rel. Des. Antônio José Feu Rosa).
"arrendamento mercantil. descaracterizacao. juros. repeticao do in debito. É descaracterizada como operação de leasing e constitui ajuste de compra e venda a prazo, a opção antecipada de compra, configurada pelo pagamento antecipado do VRG." (TARGS, 4ª Câmara Cível, APC nº 197162076, Rel. Des. Ulderico Ceccato).
"ação de revisão contratual. arrendamento mercantil. Descaracterização do contrato de arrendamento mercantil, ‘leasing’, declarando-se que o contrato efetivamente realizado entre as partes e de compra e venda a prestações. Tudo, porque, desde o início, o arrendatário já vem pagando o valor residual do veiculo arrendado." (TARGS, 3ª Câmara Cível, APC nº 196157937, Rel. Des. Léo Lima).
"arrendamento mercantil. antecipacao do vrg. descaracterizacao. juros. capitalizacao e correcao monetaria. A antecipação do pagamento do valor residual garantido, mesmo em prestações, descaracteriza o contrato de ‘leasing’ que passa a ter natureza de compra e venda a prazo (...). A descaracterização do contrato de arrendamento mercantil e o depósito das prestações, torna inviável a ação reintegratória de posse." (TARGS, 4ª Câmara Cível, APC nº 1970250347, Rel. Des. Ulderico Ceccato). (g.n.)
Assim sendo, não há como caracterizar-se o contrato em tela como sendo genuinamente de arrendamento mercantil, já que desde o seu nascedouro a ré, arrendatária, teria que efetuar o pagamento do valor residual, sendo inócua qualquer previsão contratual quanto ao cometimento das diversas "opções" ao término da avença, porquanto o final do contrato já teria sido direcionado a um único desfecho possível, qual seja: o de aquisição definitiva do veículo, a considerar o pagamento de todo o valor residual ao longo do ajuste, bem ciente desta circunstância peculiar, com a clara transmutação da situação de arrendatária para a de uma efetiva adquirente do bem objeto de "leasing".
De fato, se a ré pagar parcelas para amortizar o valor principal conjuntamente com o valor residual está, na verdade, desde então, pagando o preço de aquisição do questionado bem, a traduzir, como aponta o entendimento pretoriano atual, verdadeira operação mercantil, de compra e venda a prazo.
Desta forma, uma vez descaracterizada a natureza do contrato de arrendamento, passando a ser considerado como compra e venda a prazo, a relação jurídica material havida entre as partes, também sofre alteração, passando, pois, repita-se, o arrendatário a figurar como proprietário do bem (comprador), comparecendo no ajuste não mais o credor como arrendatário mas sim vendedor, não dando ensejo ao uso da ação possessória (pela inocorrência lógica de moléstia a posse) para a satisfação de sua pretensão, já inserida no plano de direito pessoal, obrigacional, traduzida em direito alusivo ao crédito.
Recorrendo o autor ao uso da ação possessória, quando o bem objeto do contrato é na verdade de propriedade do comprador, não há que se falar em hipótese de esbulho, deixando de existir o contrato de leasing (sem a figura do depositário) a tornar inidônea a via eleita, a traduzir na improcedência do pedido de reintegração de posse.
Diante de todo o exposto, demonstrado o caráter abusivo da cláusula em face da desconfiguração do contrato de arrendamento, conseqüentemente, dou provimento ao recurso para reformar a sentença recorrida e julgar improcedente o pedido de reintegração de posse formulado na peça vestibular, invertendo, de conseqüência, os ônus da sucumbência.
É como voto.
O Senhor Desembargador Ângelo Canducci Passareli – Vogal
Com a Turma.
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Conhecido. Deu-se provimento. Unânime.