AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO.
INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA COM GARANTIA DE FIANÇA.
IMPOSSIBILIDADE DE ATACAR CONTRATOS EXTINTOS.
Extintas as operações de crédito por novação (art. 999,I, CCB) e, uma vez não comprovado erro no pagamento (art. 965 do CCB), não é mais possível examiná-las, pois se trata de atos jurídicos perfeitos e acabados (art. 5º, inc. XXXVI, da CF).
TAXA DE JUROS. EXAME DA CLÁUSULA CONTRATUAL. ABUSIVIDADE.
Limitação com base em fundamentos de natureza constitucional e infraconstitucionais, especialmente porque, quanto a estes, o exame da cláusula contratual que dispõe sobre juros, considerando o percentual fixado, também leva ao entendimento de que ela é abusiva.
CAPITALIZAÇÃO.
Capitalização anual dos juros (Súmula 121 do STF, art. 4º do Decreto nº 22.626/33 e precedentes do STF).
Apelação provida em parte.
Apelação Cível
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Décima Primeira Câmara Cível
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N° 70003668241
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Passo Fundo
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Cezar Romero |
apelante |
Banrisul |
apelado(a) |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, em dar parcial provimento à apelação, vencida a Desa. Naele Ochoa Piazzeta, que inadmitia a compensação da verba honorária.
Custas, na forma da lei.
Participou do julgamento, além dos signatários, o eminente Senhor Desembargador Manoel Velocino Pereira Dutra, presidente.
Porto Alegre, 29 de maio de 2002.
Des. Voltaire de Lima Moraes,
Relator.
DESª. NAELE OCHOA PIAZZETA,
Revisora.
RELATÓRIO
Des. Voltaire de Lima Moraes (Relator) – Trata-se de recurso de apelação interposto por CEZAR ROMERO, na ação revisional de contrato que move contra o BANRISUL S/A, inconformado com a sentença que julgou improcedente a demanda.
Em razões recursais, sustenta o apelante a inexistência de novação dos contratos, a limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano e a capitalização anual do juros, requerendo, ao final, o provimento do recurso.
Acosta prova do respectivo preparo.
Em contra-razões, o apelado pede a confirmação da sentença, subindo os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Des. Voltaire de Lima Moraes (Relator) – Estou em dar parcial provimento à apelação.
Registro, inicialmente, que a inconformidade recursal deve restringir-se unicamente ao instrumento particular de confissão de dívida com garantia de fiança, constante de fls. 16/17 dos autos.
Se o referido ajuste representa a repactuação de contratos anteriores, tal circunstância não autoriza o autor a atacar relações negociais pretéritas, pois não é mais passível de discussão obrigações cujas dívidas já foram cumpridas e quitadas em decorrência da renegociação do débito.
O instrumento particular de confissão de dívida com garantia de fiança firmado consubstancia o novo valor do débito e nele se encontra caracterizada a maneira pela qual o devedor manifestou a sua vontade de compor os débitos anteriores, inclusive avençou nova forma de pagamento e novos encargos financeiros sobre o montante devido.
Portanto, as operações de crédito anteriores, tendo sido extintas por novação (art. 999, inc. I, do CCB) e, uma vez não demonstrado erro no pagamento (art. 965 do CCB), não é mais possível examiná-las, pois se trata de atos jurídicos perfeitos e acabados, que se tornaram inatingíveis (art. 5º, inc. XXXVI, da CF).
Nesse sentido é a jurisprudência do extinto Tribunal de Alçada do Estado:
"EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. CDC. (...) REVISÃO DE CONTRATOS CUMPRIDOS. Impossibilidade de se estender a revisão a contratos já cumpridos e quitados. (...)" (APC nº 197276280, 8ª CC, Relator o em. Dr. Jorge Luis Dall'Agnol, j. 25.03.98).
"AÇÃO REVISIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BUSCA E APREENSÃO. (...) OBJETO DA REVISÃO. Não se admite a revisão de contratos cuja dívida tenha sido objeto de repactuação posterior. (...)" (APC nº 197257504, 9ª CC, Relatora a em. Drª. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 17.03.98).
Com relação aos juros remuneratórios, comungo do entendimento, salvo melhor reflexão a respeito, que a disposição referente ao § 3º do art. 192 da CF é norma auto-aplicável.
E isso porque o legislador constituinte, ao assim dispor, não submeteu tal tema a regramento infraconstitucional. Submeteu, isto sim, o disciplinamento penal da cobrança acima desse limite: "nos termos que a lei determinar". Não os juros, pois logo após fixar nesse parágrafo o percentual de doze por cento, foi colocado um ponto e vírgula, encerrando o enunciado normativo sem se referir a qualquer complementação. Logo, esse dispositivo contempla norma constitucional de eficácia plena, imediata, auto-aplicável.
Dentro dessa linha de pensamento, cabe registrar o entendimento a respeito esposado por JOSÉ AFONSO DA SILVA (Curso de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 14ª edição, p.758), in verbis:
"Está previsto no § 3º do art.192 que as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão do crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punindo, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
Esse dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade.
Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor da sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado(e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, por exemplo, o § 1º do mesmo art.192. Ele disciplina assunto que consta dos incs.I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.
Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. O dispositivo, aliás, tem autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas e muitas vezes revelada ao longo da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiado número de artigos, levou a Relatoria do texto a reduzir artigos a parágrafos e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto.
‘Juros reais’ os economistas e financistas sabem que são aqueles que constituem valores efetivos, e se constituem sobre toda desvalorização da moeda. Revelam ganho efetivo e não simples modo de corrigir desvalorização monetária.
As cláusulas contratuais que estipulem juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será conceituada como crime de usura, punindo, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser. Neste particular, parece-nos que a velha lei de usura(Dec. 22.626/33) ainda está em vigor."
Afora isso, cabe ainda salientar que os juros remuneratórios também ficam limitados em 12% ao ano, diante da legislação infraconstitucional, que estabelece igual patamar, como a Lei da Usura, que não foi revogada pela Lei nº 4.595/64, e o Código Civil – artigos 1.062 e 1.063.
Nesse sentido vem se manifestando a jurisprudência desta Corte:
"AÇÃO REVISIONAL. BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO QUE A ANTECEDE. CONTRATO DE FINANCIAMENTO AO CONSUMIDOR FINAL GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. (...)
Os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano ante o disciplinar do art. 192, § 3º, Constituição Federal, que, como lei maior, não pode ser afrontada por qualquer outra norma jurídica. Além disso, há a legislação infraconstitucional sobre o assunto, estabelecendo igual patamar, como o Decreto 22.626/33, não derrogado pela Lei 4.595/64..." (AC nº 599126208, 13ª Câmara Cível, relatora a em. Desª. Laís Rogéria Alves Barbosa).
"EMBARGOS INFRINGENTES. LIMITAÇÃO. (...) Os juros remuneratórios encontram-se limitados a 12% ao ano, tanto pelo entendimento da auto-aplicabilidade da norma constitucional, quanto pela incidência da legislação infraconstitucional. Embargos rejeitados." (EI nº 599008539, 7º Grupo de Câmaras Cíveis, relator o em. Des. Marco Aurélio de Oliveira Canosa)
Em razão disso, a cláusula contratual que impõe juros na ordem de 1,5% ao mês (cláusula 5a do contrato de fls. 16/17), mostra-se excessivamente onerosa para o consumidor-financiado (art. 51, § 1º, III, do CDC), devendo, em conseqüência, ser considerada nula, pois incompatível com a boa-fé e a eqüidade, que devem nortear as relações de consumo (art. 51, IV, do CDC), considerando que a atividade bancária está submetida às normas do CDC (art. 3º, § 2º).
Por conseguinte, a taxa dos juros remuneratórios fica estabelecida em 12% ao ano.
No que se refere à capitalização, é de ser admitida somente a anual, incabível a mensal, em face do que dispõe o art. 4º do Decreto n.º 22.626/33 e Súmula n.º 121 do STF, a não ser que se queira aceitar o anatocismo. A exceção é feita somente aos casos regulados por leis especiais, relativamente às cédulas e nota de crédito rural, comercial e industrial que admitem a capitalização semestral(Decreto-Lei 167/67, Decreto-Lei 413/69, Lei n.º 6.313/75 e Lei n.º 6.840/80).
A propósito de capitalização, o STF, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 90.341 – PA, Primeira Turma, de que foi relator o eminente Ministro Xavier de Albuquerque(R.T.J 92/1341), assim decidiu:
"É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada (Súmula 121). Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras, dado que a Súmula 596 não guarda relação com o anatocismo. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é permitida nas operações regidas por leis especiais que nela expressamente consentem. Recurso extraordinário conhecido e provido."
Em outra decisão, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 96.875 – RJ, Segunda Turma, de que foi relator o eminente Ministro Djaci Falcão(R.T.J. 108/277), o STF proclamou:
"Execução por título judicial. Mútuo hipotecário pelo sistema BNH. A decisão recorrida contrapõe-se à Súmula 21, segundo a qual ‘é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada’. Proibição que alcança também as instituições financeiras. No caso, não há incidência de lei especial. Limites do recurso extraordinário. Provimento do recurso para excluir-se da condenação os juros capitalizados mês a mês."
Por tais razões, dou parcial provimento à apelação para restringir o objeto da demanda ao contrato de fls. 16/17, limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano e admitir a capitalização anual dos juros.
Em face da sucumbência recíproca, caberá às partes o pagamento das custas processuais, 50% a cargo do autor e 50% a cargo do réu. Em decorrência, o demandado pagará honorários advocatícios em favor do advogado do autor no valor de R$700,00 e o demandante pagará verba honorária ao procurador da parte adversa em igual valor, admitida a compensação (art. 21, caput, c/c art. 20, §4º, ambos do CPC), devendo referida verba ser corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir desta decisão colegiada.
É o voto.
DESª. NAELE OCHOA PIAZZETA - Eminentes Colegas.
O instituto da compensação, regrado no Código Civil pátrio, nos artigos 1.009 e 1.024, tem requisitos próprios para sua implementação. Um deles, que adiante vai examinado, é o da reciprocidade das dívidas.
Consoante Washington de Barros Monteiro, ao pronunciar-se sobre referido requisito, in Curso de Direito Civil -Direito das Obrigações, 1ª parte, Saraiva, 18ª edição, p. 301:
"(...) O primeiro requisito diz respeito, por conseguinte, à reciprocidade das dívidas. Urge que a um débito do devedor corresponda crédito deste contra o credor. Se o credor nada deve ao seu devedor, não há que se cogitar de compensação."
De igual forma prelecionam Paulo Luiz Netto Lobo (Direito das Obrigações, Brasília Jurídica, 1999, p. 71), Álvaro Villaça de Azevedo (Teoria Geral das Obrigações, RT, 8ª edição, p. 182), Arnaldo Rizzardo (Direito das Obrigações, Forense, 1999, p. 419), Silvio de Salvo Venosa (Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, editora Atlas, 2001, p. 271) e Miguel Maria de Serpa Lopes (Curso de Direito Civil, vol. II, 6ª edição, p. 251).
Cumpre, por oportuno, analisar a existência de relação de reciprocidade no caso concreto, a viabilizar ou fulminar a compensação.
Impera, a partir daí, a apreciação de quem é o titular do crédito (honorários advocatícios) e de quem é o devedor. No concernente ao segundo aspecto, resta evidente que o devedor é a parte no processo e não o advogado. Já a titularidade do crédito é do advogado e não da parte.
Dispõe expressamente o artigo 23 da Lei 8.906, de 04/07/94:
"Os honorários incluídos na condenação por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor."
Os parágrafos do mesmo dispositivo legal deixam clara esta titularidade. A jurisprudência também vem respaldando este posicionamento, ao determinar que o advogado proceda a execução dos honorários advocatícios sucumbenciais em nome próprio.
Assim:
"NEGÓCIO JURÍDICO BANCÁRIO. ACÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. (...) COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS. A VERBA HONORÁRIA, POR PERTENCER AO ADVOGADO E NÃO À PARTE, NÃO SE COMPENSA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA." (AC Nº 70 001 284 959, SEGUNDA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TJRS, RELATOR: DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL, JULGADA EM 31/08/2000).
"AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CONTRATOS BANCÁRIOS. CONFISSÃO DE DÍVIDA. (...) HONORARIOS ADVOCATÍCIOS. A VERBA HONORÁRIA, POR PERTENCER AO ADVOGADO E NÃO À PARTE, NÃO PODE SER COMPENSADA. RECURSO NÃO PROVIDO." (AC Nº 70 000 948 679, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CIVEL, TJRS, RELATORA: DESA. HELENA CUNHA VIEIRA, JULGADA EM 28/06/2000).
"EXECUÇÃO. EMBARGOS. NOTAS PROMISSÓRIAS. (...) OS HONORÁRIOS SÃO DOS ADVOGADOS DAS PARTES. ASSIM SENDO, NÃO COMPENSÁVEIS. EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS PROCEDENTES EM PARTE. PROVIMENTO PARCIAL DE AMBOS OS APELOS." (AC Nº 70 000 092 932, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TJRS, RELATOR: DES. OSVALDO STEFANELLO, JULGADA EM 15/03/2000).
Uma vez presente que os honorários (crédito) são do advogado e o débito é da parte e não do advogado, evidente que o pressuposto da reciprocidade para a existência de compensação desaparece. Desta feita, não cabe à espécie a compensação entre as verbas atinentes a honorários advocatícios. Inaplicável, portanto, o artigo 21 do CPC.
Ainda que assim não fosse, a compensação também não prosperaria, data venia, a teor dos artigos 1.015, incisos II e III, do Código Civil Brasileiro, e 1º da Constituição Federal de 1988.
O Direito Civil, consoante a boa doutrina e o reconhecimento de nossos tribunais, notadamente assumiu uma nova postura ao recepcionar a normatividade constitucional, valores e princípios fundamentais do Estado Social Democrático de Direito vigente, expressão de Ingo Wolfgang Sarlet, na obra A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, p. 63, que garantem a unidade do sistema jurídico como totalidade axiológica.
Esse fenômeno, que é melhor concebido a partir da hermenêutica adequada – Interpretação Sistemática do Direito (Conforme Juarez Freitas, a Interpretação Sistemática do Direito, 2ª edição, Malheiros, p. 50 e 63) - é denominado de Constitucionalização do Direito Civil. Para Paulo Luiz Netto Lobo (Racionalidade e Sistema no Direito Civil Brasileiro, separata da revista "O Direito", nº 126, 1994, p. 76), explicando a referida da civilística:
"Essa constitucionalização significa que os princípios básicos do direito privado emigram do Direito Civil para a Constituição, que passa a ocupar uma disposição central no ordenamento jurídico, assumindo o lugar até então privilegiadamente ocupado pelo Código Civil, transformando-se este num satélite do sistema constitucional. Os valores fundamentais do direito em geral do civil em particular, como a justiça, a segurança, a liberdade, a igualdade, o direito à vida (...) saem de seu habitat natural, que era o Código Civil, e passam ao domínio do texto constitucional, que, além de reunir os princípios básicos da ordem jurídica, também estabelece os direitos e deveres do cidadão e organiza a estrutura político-administrativa do Estado."
A partir da constitucionalização do Direito Civil e a fim da realização material dos princípios fundamentais do sistema jurídico pátrio, todos os seus institutos sofrem uma releitura tópica com o intuito de garantir a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. É a posição de Ingo W. Sarlet:
"Neste contexto, não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-se-lhes um dever de respeito e proteção (...). Em outras palavras – aqui considerando a dignidade como tarefa – o princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de promover condições que viabilizem e removam toda sorte de obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade."
Resta evidente que todos os dispositivos legais atinentes à compensação devem obrigatoriamente sofrer uma releitura, a partir de cada caso concreto, a fim de manter coerência material com o princípio da dignidade da pessoa humana.
No particular, em se tratando de compensação de honorários advocatícios, s.m.j., resta nítida a afronta a esse princípio fundamental de nosso sistema jurídico. Os honorários advocatícios tem caráter alimentar e, a partir dessa concepção, a compensação dos mesmos teria a mesma conseqüência prática que a compensação de verba atinente à pensão alimentícia.
Como se tais argumentos por si só não bastassem, examinado-se o artigo 1.015, inciso II, do Código Civil Brasileiro, vê-se a vedação expressa à compensação de verba alimentar. Não estivesse expresso, ainda assim não seria compensável a verba alimentar de honorários advocatícios, pois à evidência afronta a normatividade constitucional.
Não se pode esquecer que os advogados, até mesmo em face da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, têm papel social relevante ao garantir, para indivíduos menos favorecidos financeiramente, o acesso à justiça, principalmente quando não fazem jus ao benefício da Defensoria Pública. A solução, nesses casos, são os denominados "contratos de risco", em que os profissionais da advocacia atrelam a remuneração por seus serviços ao ganho da causa e, principalmente, aos honorários advocatícios sucumbenciais.
Por todos estes fundamentos é que peço vênia para divergir dos Colegas e vedar a compensação dos honorários advocatícios.
É o voto.
DES. MANOEL VELOCINO PEREIRA DUTRA (PRESIDENTE) – De acordo com o Relator.
Decisor(a) de 1º Grau: Luis Christiano Enger Aires.