Acórdão na Íntegra

Apelação Cível nº 106.503-2 de Apucarana 2ª Vara Cível
Apelante: Banco Mercantil de São Paulo S/A.
Apelado: Milton Cesar Gouveia
Relator: Des. Sydney Zappa

AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL ALIENAÇÃO DE VEÍCULO APREENSÃO E PERDA DO BEM POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR O ALIENANTE ESTÁ OBRIGADO A RESGUARDAR O ADQUIRENTE DOS RISCOS DA EVICÇÃO (CC, ART. 1.107) BEM QUE ANTERIORMENTE ESTIVERA ALIENADO FIDUCIARIAMENTE AO ADQUIRENTE IRRELEVÂNCIA NEGÓCIO POSTERIOR QUE NÃO GUARDA QUALQUER RELAÇÃO COM O PRIMITIVO VALOR DA CONDENAÇÃO ADEQUAÇÃO AO QUE CONSTA DO PEDIDO E DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 106.503-2 de Apucarana 2ª Vara Cível, em que é apelante Banco Mercantil de São Paulo S/A. e apelado Milton Cesar Gouveia.

Trata-se de ação de rescisão de contrato de compra e venda e venda de veículo cumulada com perdas e danos e lucros cessantes, aduzindo o autor que adquiriu do banco ora apelante um caminhão da marca Scania, ano 1985, o qual foi apreendido em virtude de ação de busca e apreensão oriunda da
Comarca de Poços de Caldas-MG. O MM. Juiz julgou parcialmente procedente o pedido inicial, declarando rescindido o contrato, condenando o réu a devolver o valor recebido, devidamente corrigido, e incidindo juros legais a partir da citação, deixando de acolher a parte do pedido referente aos danos materiais e lucros cessantes, com reconhecimento a sucumbência recíproca.

Apelou o réu, alegando em síntese que nada tem a ver com a ação de busca e apreensão, da qual não participou e não se lhe imputou qualquer conduta ilícita; tinha legitimidade para vender o bem, porque era seu proprietário por força de alienação fiduciária, podendo vender o bem a terceiro e aplicar o preço no pagamento de seu crédito, na forma do art. 2º, do Decreto-lei 911/69. Confirma que vendeu o veículo ao apelado, recebendo o preço correspondente, mas não tinha conhecimento de que Luiz Antonio Pelissari, anterior devedor fiduciante, já havia alienado o bem para terceiro, que depois de sucessivas negociações, foi vendido para Jefferson Henrique Alves, que promoveu a ação de busca e apreensão, diante do que, Pelissari é quem tem o dever de indenizar. Insurge-se, por fim, contra o valor da condenação, fixado em R$ 35.000,00, quando o valor pago pelo apelado foi de R$ 28.000,00.

O recurso adesivo interposto pelo autor restou inadmitido pelo juiz singular por falta de preparo (fls. 364/366).

Recurso do réu preparado e respondido.

É O RELATÓRIO.

Embora tenha o apelante procurado demonstrar sua ilegitimidade ao atribuir a responsabilidade pelos danos a Luiz Antonio Pelissari, não lhe assiste razão, pois que o que se busca na presente ação é a rescisão do contrato firmado entre o banco apelante e o apelado.

Como se observa dos autos, os fatos que originaram a ação decorreram de várias negociações envolvendo o caminhão marca Scania, placas ABB 0476, que originariamente havia sido alienado fiduciariamente pelo apelante ao apelado e seu sócio Claudemir Benedito de Oliveira. Estes, não conseguindo pagar o financiamento, alienaram o bem a Luiz Antonio Pelissari, com a anuência do banco-credor, que efetuou a transferência do financiamento que pesava sobre o veículo. Com isso, o apelado e seu sócio saíram de cena, ou seja, encerrou-se a relação que tinham com o banco.

Ocorre que também Luiz Pelissari não conseguiu pagar o financiamento e o banco promoveu ação de busca e apreensão, retomando a posse direta do bem.

Posteriormente, valendo-se do disposto no art. 2º do Decreto-lei 911/69, em negócio que não guardava qualquer relação com o primitivo, o apelante vendeu o bem para o apelado pelo preço de R$ 28.000,00, mais R$ 3.000,00, correspondentes a custas processuais e honorários, totalizando, pois, R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais), valor este pago integralmente, conforme recibo de fls. 08 e acordo noticiado às fls. 27 e 28.

Tempos depois da efetivação do negócio, o veículo foi apreendido, em decorrência de um mandado de busca e apreensão, oriundo de ação cautelar intentada em Poços de Caldas-MG, tendo como autor Jefferson Henrique Alves, que teve a propriedade do bem reconhecida na ação principal (fls. 89/93).

Isso tudo aconteceu porque durante o tempo em que Luiz Pelissari teve a posse do bem, alienou-o para terceiro, e após sucessivas vendas, o veículo foi parar nas mãos de Jefferson, que tinha o documento de transferência assinado pelo apelado e seu sócio, primitivos adquirentes do bem. Vale lembrar aqui, que o veículo estava em poder do banco por ocasião da venda ao apelado porque o próprio Pelissari o havia trazido de Poços de Caldas sob o pretexto de que iria regularizar a documentação e transferência junto ao banco, como demonstram as provas dos autos, especialmente seu depoimento (fls. 108).

Diante disso, sustenta o apelante que o responsável pelos prejuízos é Luiz Pelissari, cabendo a este o dever de indenizar. Em parte tem razão, visto que tudo indica que efetivamente Luiz Pelissari alienou indevidamente o veículo para terceiro. No entanto, este fato não tem qualquer ligação com a relação envolvendo apelante e apelado.

Com efeito, conforme já se disse, o banco concordou com transferência do veículo para Luiz Antonio Pelissari, tanto é que efetuou a transferência do financiamento, como demonstra o documento de fls. 19. Na verdade, como o bem estava alienado fiduciariamente ao banco apelante, a efetivação do negócio não só dependia dele, como foi feita com sua participação direta. É o que se colhe do depoimento de Valdemir da Silva Salata, gerente de operações do apelante na época dos fatos: Que me recordo que cheguei a colher a assinatura de Milton Gouveia e Claudemir no recibo de transferência do veículo para se efetivar a venda ao seu Luiz Pelissari; que após ter colhido as assinaturas o documento ficou no banco para ser formalizado a transferência e o financiamento ao Luiz Pelissari (fls. 106).

Para melhor demonstrar a falta de fundamentos jurídicos nos argumentos do apelante basta seguir o seguinte raciocínio: supondo-se que o veículo tivesse sido vendido pelo banco não ao apelado, mas a uma terceira pessoa, estranha ao negócio, a quem caberia o dever de indenizar? Esse terceiro deveria acionar o banco que lhe vendeu coisa viciada, perdida por força de decisão judicial, ou o Sr. Pelissari? Evidentemente, o responsável seria o banco, em razão da evicção. Pois a situação em exame não tem qualquer diferença. Não é porque o apelado já havia tido a posse do caminhão anteriormente que não terá direito de reaver do alienante o prejuízo que sofreu. A relação entre o apelante e Luiz Pelissari é totalmente estranha à presente ação.

Conforme bem observou o julgador monocrático, embora não mencionado expressamente na inicial, o caso é de evicção, na forma do disposto no art. 1.107 do Código Civil: Nos contratos onerosos, pelos quais se transfere o domínio, posse ou uso, será obrigado o alienante a resguardar o adquirente dos riscos da evicção, toda vez que se não tenha excluído expressamente esta responsabilidade.

Maria Helena Diniz conceitua evicção como a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato (Código Civil Anotado, Saraiva, 1995, p. 710).

O conceito enquadra-se perfeitamente na situação fática posta nos autos: o apelante alienou ao apelado o veículo em questão, conforme recibo de venda de veículo de fls. 08, recebendo o preço correspondente. Por força de decisão judicial (fls. 89/93), ocorreu a perda do bem em favor de Jefferson Henrique Alves, reconhecido como seu verdadeiro dono. O motivo foi anterior ao contrato de compra e venda, pois é certo que a origem do vício deu-se quando o bem ainda estava em mãos de Luiz Pelissari. A obrigação de indenizar é inafastável, não tendo qualquer relevância o fato de ser desconhecida pelo alienante a existência do vício.

Alternativamente, o apelante demonstra inconformismo em relação ao valor da condenação, sustentando que o valor de venda do caminhão foi de R$ 28.000,00, não havendo qualquer pedido em relação à importância de R$ 3.000,00 e ainda, que tal valor foi impugnado na contestação.

Não é isso, no entanto, que se extrai dos elementos constantes dos autos. Primeiro, porque o pedido inicial é claro ao referir que o valor pago foi de R$ 28.000,00 referente ao preço do caminhão, mais R$ 3.000,00 decorrentes de custas processuais e honorários de advogado. Daí chegou-se à soma de trinta e um mil reais constante do item 14 da inicial. Segundo, porque, ao contrário do que alegou, não houve impugnação específica sobre este valor na contestação. Ademais, o documento de fls. 27/28, que também não foi impugnado, confirma o pagamento dos valores descritos.

Por fim, insurge-se o apelante contra o valor de R$ 35.000,00 fixado na sentença, e aqui lhe assiste razão, tudo levando a crer que ocorreu um erro material na parte dispositiva da sentença ao fixar a importância, uma vez que na fundamentação não há qualquer referência a esse valor, mas sim, ao preço real da venda: vinte e oito mil reais, mais três mil reais, perfazendo a soma de trinta e um mil reais, que deve prevalecer, merecendo correção a sentença apenas neste aspecto, subsistindo, no mais, em todos os seus termos, inclusive em relação à distribuição da sucumbência, já que a diferença não justifica qualquer alteração.

Diante do exposto, acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial à apelação, tão somente para corrigir o valor da condenação, que passa a ser de R$ 31.000,00 (trinta e um mil reais).

Participaram do julgamento os Desembar-gadores Wanderlei Resende e Octávio Valeixo.

Curitiba, 20 de junho de 2001.

Des. Sydney Zappa
Presidente e Relator


Não vale como certidão ou intimação.