CONTRATO
DE LOCAÇÃO
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 586.221-7, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA - 8ª VARA CÍVEL.
APELANTES: MYONG JAE HAN E OUTRO.
APELADO: MARLI SANTOS GUBERT.
REL. SUBST.: JUIZ CONV. LUIZ ANTÔNIO BARRY.
APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRATO DE LOCAÇÃO -
FIANÇA - PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO
INDETERMINADO - RESPONSABILIDADE DOS FIADORES ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES -
ENTENDIMENTO MAIS RECENTE DO STJ E DESTA CÂMARA CÍVEL - CLÁUSULA CONTRATUAL
EXPRESSA DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE ORDEM - VALIDADE - RECURSO DE
APELAÇÃO DESPROVIDO.
- Prorrogado o contrato locatício por prazo indeterminado, a fiança
também se prorroga por prazo indeterminado.
- Tratando-se de contrato de fiança onde o fiador
renunciou ao benefício de ordem previsto no artigo 827 do novo Código
Civil, com declaração expressa de principal obrigado, a execução pode
ser dirigida exclusivamente contra ele sem a necessidade de se chamar o
devedor principal. Assim, havendo obrigação solidária, a possibilidade de
ajuizamento da execução diretamente contra os fiadores constitui-se em um
direito do credor, não se podendo, igualmente, falar em abusividade
ou nulidade da cláusula de renúncia ao benefício de ordem, visto
que se trata de uma disponibilidade prevista em lei, sendo, portanto,
perfeitamente válida.
Trata-se de Recurso de Apelação (fls. 79/87) interposto por MYONG
JAE HAN e MOON OK KIM HAN contra a sentença de fls. 72/77 que rejeitou
os Embargos à Execução opostos em face de MARLI SANTOS GUBERT,
condenando os embargantes ao pagamento das custas processuais e honorários
advocatícios no importe de 15% do valor total e atualizado da dívida
Em
Alegam a invalidade da cláusula de renúncia do benefício de
ordem.
Pleiteiam o provimento do recurso a fim de que sejam exonerados da
dívida exeqüenda, com a inversão dos ônus da sucumbência.
Após o devido preparo (fls. 88) e juntada das contra-razões (fls. 94/136), os
autos vieram-me conclusos para decisão.
É o relatório.
A sentença não está a merecer reforma.
O entendimento manifestado pelos Apelantes, anteriormente seguido pelo colendo
Superior Tribunal de Justiça e também nesta Décima Primeira
Câmara Cível sofreu mudanças, razão porquê, na hipótese de existir expressa
disposição contratual - como é o caso presente - prevendo que a
responsabilidade do fiador se estende em caso de prorrogação do contrato
por tempo indeterminado, até a efetiva devolução das chaves, não é admissível a
exoneração do fiador que, nesse caso, permanece responsável solidário com o
locatário, até a efetiva entrega do imóvel ao proprietário.
Para melhor sintetizar a alteração no entendimento a respeito da
responsabilidade do fiador, no contrato de locação, até a
entrega das chaves, sirvo-me, por oportuno, do
judicioso entendimento de lavra do eminente Desembargador FERNANDO WOLFF
BODZIAK, integrante desta Corte e desta Câmara Cível, que, para servir de
subsídio, quanto ao posicionamento deste colegiado, elaborou a monografia
denominada de A responsabilidade do fiador nos contratos de locação
prorrogados por prazo indeterminado, publicada in NOVOS RUMOS - revista mensal
da AMAPAR e JUDICEMED, out/nov/2007, pp. 22 e 23, da
qual retiro os seguintes enxertos:
"A responsabilidade do fiador nos contratos de locação tem
sido alvo de muitos questionamentos e controvérsias, com passos e
contrapassos da doutrina e da jurisprudência. Sobre o tema, vinha prevalecendo
o entendimento, tanto em sede doutrinária quanto em sede jurisprudencial, de
que na hipótese de o contrato de locação haver sido
firmado por tempo determinado e sendo garantido por contrato de
fiança, acabava a responsabilidade do fiador quando do término do prazo de
vigência da avença.
Em caso de prorrogação tácita do contrato de locação,
que passava a viger por tempo indeterminado (artigos 46, § 1º, e 47 da Lei do
Inquilinato), entendia-se não existir responsabilidade do fiador por obrigações
resultantes de aditamento que não contou com sua anuência, em virtude de
interpretação restritiva e benéfica conferida à garantia fidejussória da
fiança, de acordo com o enunciado da Súmula 214 do STJ, não assumindo
relevância cláusula estendendo a obrigação fidejussória até a entrega das
chaves do imóvel objeto da locação. Vale dizer, por força do entendimento
até então prevalecente, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça, respondia o fiador somente pelos encargos decorrentes do contrato
de locação, pelo prazo originariamente pactuado, a despeito da
existência de cláusula em sentido contrário e independentemente de
manifestação de vontade das partes (locador,
locatário e fiador). Desconsiderando os termos do contrato, diversas
decisões proferidas com apoio na Súmula 214 do STJ culminavam por extinguir a
garantia e exonerar da responsabilidade o fiador, de maneira indistinta,
isto é, tivesse sido o contrato prorrogado ou aditado, sem diferenciar
as expressões "prorrogação" e "aditamento", em flagrante
equívoco de interpretação. Diante das inúmeras incertezas e dificuldades
vivenciadas pelos contratantes e pelo setor imobiliário, decorrentes dessa
orientação, em boa hora a matéria está a merecer outro tratamento, em sentido
diametralmente oposto, na medida em que, revendo posicionamento anterior, a
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do
julgamento do EREsp
566.633/CE, firmou entendimento de que continuam os fiadores
responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do
contrato, se anuíram expressamente a essa possibilidade e não se
exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou
835 do CC/02, a depender da época que firmaram a
avença.
Sem dúvida alguma, a mudança de entendimento revela evolução da
jurisprudência e procura recolocar as coisas no seu devido prumo, porque a
Súmula 214 do STJ, na realidade, não tem incidência em muitas situações, uma
vez que cuida apenas de aditamento sem anuência do fiador, isto é,
quando há alguma alteração no ajuste, mas não aborda a prorrogação tácita do contrato,
hipótese em que não há qualquer mudança no pacto original, e por isso, não pega
desprevenido o fiador, se este manifestou vontade expressa de garantir o
contrato de locação até a efetiva entrega do imóvel pelo
locatário. Aliás, é esse o sentido da regra inserta no art. 39, da Lei nº
8.245/91, norma especial que continua a ter inteira aplicabilidade aos casos de
locação de imóveis urbanos, por força do disposto no art. 2.036
do CC/02, e deve se compatibilizar com o intuito da
fiança."
E, finaliza, o judicioso trabalho de lavra do erudito membro desta
Corte, com a devida correção e oportunidade:
"Prorrogado o contrato locatício por prazo indeterminado, a fiança
também se prorroga por prazo indeterminado. Durante essa nova etapa da
garantia, surgirá para o fiador, no entanto, a faculdade de denunciar, com efeito ex nunc, o contrato
de fiança, da mesma maneira que qualquer das partes do contrato de
locação de prazo indeterminado para rompê-lo."
Tal posicionamento, agora dominante no âmbito do colendo STJ, como o eminente
Desembargador FERNANDO WOLFF BODZIAK deixa devidamente assentado, em seu trabalho:
"A propósito do novo posicionamento que está sendo adotado no STJ sobre a
matéria em análise, vale conferir os recentes precedentes: EREsp
568.968-SC; REsp nº 762.503-PR; REsp 900.007/RS; REsp 590.956-RS; AgRg no Ag 796.567-RJ; AgRg no REsp 876.795-SP; REsp 827.047-SP; AgRg no REsp 923.347-RS e AgRg no
REsp 792.195-SP, dentre outros."
Neste sentido já tive oportunidade de decidir:
"APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO - - AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE
PAGAMENTO C/C COBRANÇA - CONTRATO DE LOCAÇÃO
- SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, DECRETANDO O DEPEJO E A COBRANÇA
UNICAMENTE CONTRA OS LOCATÁRIOS. EXTINÇÃO DO FEITO
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 448.103-8, DA 14ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA
REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - RELATOR: JUIZ CONV. LUIZ ANTONIO
BARRY).
Portanto, no presente caso, por ter sido prorrogado o contrato de
locação e não ter sofrido nenhum aditamento, não é o caso de
exonerar os fiadores, razão para se negar provimento ao apelo neste tópico.
Melhor sorte não socorre aos Apelantes ao sustentarem que a cláusula de
renúncia ao benefício de ordem deve ser declarada nula para que o
devedor principal sofra os ônus primeiramente em seus bens e só em caso de
inexistência comprovada volte-se a pretensão da
embargada contra os embargantes.
Não há qualquer ilegalidade na conduta da embargada em ajuizar a execução
diretamente contra os fiadores. Isso porque, extrai-se do contrato
locatício, consoante a sua cláusula vigésima quinta (fl. 20 dos autos em
apenso), que os fiadores obrigaram-se solidariamente por todas as obrigações
contratuais como principais pagadores, renunciando expressamente ao benefício de
ordem.
Assim, a embargada tinha o direito de escolher contra quem demandar e
sua opção pelos embargantes caracterizou-se apenas como o exercício regular de
um direito.
Embora o art. 827, do novo Código Civil, preconize que o fiador demandado pelo
pagamento da dívida pode exigir que primeiro sejam executados os bens do
devedor, o art. 828 deste mesmo diploma legal dispõe em seus incisos I e II:
Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:
I - se ele o renunciou expressamente;
II - se obrigou como principal pagador, ou devedor solidário.
A respeito da aplicabilidade da cláusula contratual, por meio da qual, os
fiadores obrigam-se solidariamente ao locatário, ao renunciar ao benefício de
ordem, é remansosa a jurisprudência:
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CITAÇÃO.
NULIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE ORDEM. RENÚNCIA PELO FIADOR.
POSSIBILIDADE. FIANÇA. AUSÊNCIA DA OUTORGA UXÓRIA. RECURSO QUE NÃO ATACA OS
FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. NULIDADE DA FIANÇA. ARGÜIÇÃO
PELO CÔNJUGE QUE PRESTOU A FIANÇA. ILEGITIMIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
IMPROVIDO.
(...)
2. É válida a cláusula contratual em que o fiador
renuncia ao benefício de origem. Inteligência do art. 1.492, I, do
Código Civil de 1916.
(...)
6. Recurso especial conhecido e improvido.
(STJ - REsp 851507/RS. Relator Min. Arnaldo Esteves
Lima - Quinta Turma. DJ: 07.02.2008).
RESP - CIVIL - LOCAÇÃO - FIANÇA - BENEFÍCIO DE ORDEM.
O fiador não pode invocar o benefício de ordem quando, literalmente,
além de obrigar-se solidariamente com o inquilino para efetuar o
pagamento do aluguel, renuncia ao benefício de ordem. (STJ, REsp n. 108.127/DF, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro -
Sexta Turma. DJ: 8.6.98).
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE LOCAÇÃO.
BONIFICAÇÃO E MULTA POR INADIMPLENTO. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DA MULTA PELA VIA EXECUTIVA.
POSSIBILIDADE. FIADOR. BENEFÍCIO DE ORDEM. RENÚNCIA. CLÁUSULA VÁLIDA.
Apelação parcialmente provida.
(...)
IV. É válida a cláusula que prevê a renúncia ao benefício de ordem pelo
fiador, conforme previsão legal do artigo 1492, I, do Código Civil (art. 1492,
I do CC/16).
(TJPR - Acórdão nº 6827 - 12ª CC. Relator Des. Rafael
Augusto Cassetari. DJ: 21/09/07).
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. RECURSO 01) ALUGUERES. ABATIMENTO PARA PAGAMENTO ANTECIPADO.
DESCONTO DEVIDO A QUALQUER TEMPO. INCIDÊNCIA APENAS DE MULTA POR
INADIMPLEMENTO. RECURSO 02) OFERTA DE FIANÇA. CONTRATO
DE ADESÃO. CERCEAMENTO DE PODER NEGOCIAL NÃO DEMONSTRADO. LIVRE
ARBÍTRIO. RENÚNCIA AO DIREITO DE ORDEM NA COBRANÇA DA OBRIGAÇÃO
LOCATÍCIA. LEGALIDADE. PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA. SITUAÇÃO
EXCEPCIONAL. OFERTA DE FIANÇA
(...)
3. O benefício de ordem na cobrança de
alugueres atrasados pode ser renunciado mediante declaração expressa, nos
termos do artigo 1.492, inciso I, do Código Civil de 1916 (art. 828,
inciso I do CC/2002).
(...) Recursos conhecidos e não-providos.
(TJPR - Acórdão nº 6859 - 11ª CC. Relator Des.
Fernando Wolff Bodziak. DJ:
27/07/07).
(...) APELAÇÃO CÍVEL - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - CONTRATO
DE LOCAÇÃO - FIADORES - LEGITIMIDADE PASSIVA MANIFESTA - FIANÇA -
RENÚNCIA AO BENEFÍCIO DE ORDEM - GARANTIDOR SOLIDÁRIO - PENHORA
EFETIVADA
(...)
- É perfeitamente válida a renúncia ao benefício de ordem realizada de
forma expressa pelo fiador, podendo, portanto, ser ele executado
individualmente.
(...)
- Se os fiadores assumiram, expressamente, a obrigação do pagamento de
todas as obrigações decorrentes do contrato de locação por
eles afiançado, não há como se possam desonerar desse
compromisso.
(...).
(TJPR - Acórdão nº 6559 - 11ª CC. Relator Des. Cunha
Ribas. DJ: 29/06/07).
Com isso, inexistindo demonstração de vício de vontade, não há
que se falar em nulidade da renúncia ao benefício de ordem, devendo a interpretação
ficar adstrita à cláusula contratual.
Assim, os fiadores, ora Apelantes, garantidores e devedores solidários do contrato
pactuado devem responder pelos débitos derivados do ajuste por eles
garantido, devendo ser desprovido seu apelo também nesse tocante.
Do exposto, nego provimento ao recurso de apelação, mantendo-se
inalterada a sentença monocrática pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de
votos, negar provimento ao apelo.
Participaram do julgamento os excelentíssimos Desembargadores ANTONIO DOMINGOS
RAMINA JUNIOR e FERNANDO WOLFF BODZIAK.
Curitiba, 12 DE AGOSTO DE 2.009.
Relator Convocado