ARRENDAMENTO MERCANTIL II
EMENTA: COBRANÇA - ARRENDAMENTO MERCANTIL - PAGAMENTO ANTECIPADO DO VRG - RESCISÃO DO CONTRATO SEM OPÇÃO DE
COMPRA - DEVOLUÇÃO- IMPOSSIBILIDADE - NÃO
DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO - NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO SALDO DEVEDOR APÓS A
VENDA DO VEÍCULO. O pagamento antecipado do Valor Residual Garantido não desconfigura o contrato de arrendamento
mercantil em compra e venda a prazo. Somente
haverá devolução do VRG antecipado se se verificar,
após a venda do bem, que o saldo é suficiente para cobrir os débitos ainda
existentes junto à instituição financeira, mesmo após o abatimento do valor das
prestações efetivamente pagas, bem como da antecipação do valor residual
garantido.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.06.199432-3/001 - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - APELANTE(S): SAFRA LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL - APELADO(A)(S): LUIZ CARLOS DANIEL MARTINS - RELATOR: EXMO. SR.
DES. ANTÔNIO DE PÁDUA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de
votos,
Belo Horizonte, 21 de fevereiro de 2008.
DES. ANTÔNIO DE PÁDUA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Safra Leasing S/A Arrendamento
Mercantil, nos autos da ação de cobrança movida
por Luiz Carlos Daniel Martins, perante o juízo da 19ª Vara Cível de Belo
Horizonte, inconformada com os termos da sentença de primeiro grau que julgou
procedente o pedido inicial e condenou-a à restituição dos valores pagos a
título de VRG, acrescido de correção monetária a partir do ajuizamento da ação;
juros de mora desde a citação e ao pagamento das custas e honorários arbitrados
em R$500,00.
Em suas razões recursais, fls. 64/82, a apelante pleiteia a
reforma da sentença recorrida.
Sustenta que o pagamento antecipado do VRG não descaracteriza o
contrato de arrendamento, conforme prevê a súmula n. 293 do STJ.
Tece considerações a respeito da natureza jurídica do VRG,
afirmando que ele não se confunde com a opção de compra.
Afirma que se o arrendador devolver o bem ao final do contrato e
não exercer a opção de compra, ele será vendido. "Se o valor obtido na
venda for inferior ao quantum mínimo contratado, por força do VRG, o
arrendatário pagará a diferença, se o preço da venda for superior, a garantia
terá sido desnecessária".
Alega que o VRG tem por escopo "garantir ao arrendador a
obtenção, se não houver opção de compra".
Sustenta que a devolução do VRG só poderá ser cogitada após a
apuração do crédito/débito relativo à liquidação do
contrato, e desde que se apure saldo a favor do arrendatário, tendo em vista
que sem essa compensação não há que se falar em devolução.
Afirma que se for determinada a devolução
do VRG haverá enriquecimento sem causa do apelado, tendo em vista que a
apelante emprestou ao apelado a quantia de R$33.900,00
e ele só pagou R$6.189,56, restando um débito
superior, portanto, a R$27.000,00, enquanto o veículo
valeria no máximo R$25.000,00, sem considerar
eventuais multas e impostos.
Alega que, "levando-se em conta o valor disponibilizado
corrigido (R$34.960,00) se deduzindo o valor do
veículo no atual momento e os valores pagos pelo autor (R$25.000,00
+ R$6.935,54) resta um débito do autor no importe de R$3.025,18".
Sustenta que se se levar em conta também
os valores devidos a título de contraprestação (aluguel), e condenação de
honorários da ação de reintegração, o débito aumentaria para R$10.327,08.
Colaciona julgados a respeito do tema.
Encerra suas razões, requerendo a reforma da sentença recorrida
"determinando-se, por conseguinte, a compensação dos valores pagos a
título de VRG com aqueles devidos à ora arrendante recorrente, valores estes a serem apurados em
liquidação de sentença".
Intimado a apresentar contra-razões, o apelado se limitou a
informar que não iria fazê-lo (fls. 93).
Preparo às fls. 83.
Conheço do recurso, presentes suas condições de admissibilidade.
Revelam os autos que o apelado firmou em 17/11/2005, um contrato de arrendamento mercantil com a apelante,
oportunidade em que esta desembolsou a importância de R$33.900,00
para a aquisição de um Ford Focus Sedan GLX 1.8,
2001/2002. Em julho de 2006, em virtude da inadimplência do apelado, a apelante
ingressou com ação de reintegração de posse, a que foi julgada procedente
deferindo a reintegração definitiva da posse à arrendadora.
Em 30/08/2006, o apelado ingressou com a presente ação para que a
apelante fosse condenada a lhe restituir os valores pagos a título de VRG.
Processado o feito, o pleito inicial foi julgado procedente.
Inconformada a ré interpôs a presente apelação.
O contrato de arrendamento
mercantil se apresenta como uma simbiose da
locação, da venda e do financiamento, sendo, portanto, um contrato especial,
consoante entendimento de Arnaldo Rizzardo:
"Não se trata de uma simples locação com promessa de venda
como à primeira vista pode parecer. Mas cuida-se de uma locação com uma
consignação de promessa de compra, trazendo, porém, um elemento novo que é o
financiamento numa operação específica que consiste na simbiose da locação, do
financiamento e da venda" (Leasing, Arrendamento
Mercantil no Direito Brasileiro, 2ª ed., São
Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1996, p. 16).
Releva salientar que, no Direito Brasileiro, o leasing, denominado
de arrendamento mercantil, é regido pela Lei 6.099/74, alterada pela Lei 7.132/85, que
define o leasing financeiro, no parágrafo único, do artigo 1º:
"Considera-se arrendamento
mercantil, para efeitos desta lei, o negócio
jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora e pessoa
física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e
que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária
e para uso desta."
Assim, o Contrato de Arrendamento
Mercantil guarda característica que lhe é
essencial, no que pertine a ser dado
ao arrendatário, ao final da avença, uma tríplice opção: comprar o bem,
renovar o prazo do contrato com valor inferior ao inicialmente emprestado, ou a
devolução da coisa locada. Resta evidenciado que, estando presente no contrato
essa tríplice opção, não há como desfigurá-lo, transformando-o em simples
compra e venda a prazo.
Embora no Contrato de Leasing esteja presente uma opção de compra
e venda do bem, o arrendatário não se acha obrigado a cumpri-la, podendo optar
pela sua devolução ou ainda pela renovação da avença.
O Valor Residual Garantido, VRG, representa uma garantia dada pelo
arrendatário, a fim de possibilitar o exercício da opção de compra, ou, para
que seja utilizada como complementação do quantum referente ao valor mínimo
pactuado entre as partes, no caso de restrição do bem, quando alcançar, na
venda a terceiros, valor inferior. Vê-se que o Contrato de leasing gera para o
arrendatário, também, a obrigação de assegurar ao arrendador um valor mínimo
que deverá receber na venda do bem a terceiros. Destina-se, outrossim, a
proporcionar ao arrendador, que se apresenta como dono do bem e que fez o
investimento inicial, uma reparação pelo desgaste ocasionado pelo uso da coisa
que lhe será restituída, conforme anota Silvia Vanti:
"...o valor residual antecipado está vinculado diretamente com a opção
de compra que deve ser compatível com o valor do bem depreciado" (Leasing,
Antecipação do Valor Residual, Ajuris 73/119; julho 1998).
Nesse prisma específico, há de ser colacionado o posicionamento do
Juiz Ari Darci Wachhalz, do Rio Grande do Sul:
"Conforme estabelece a Portaria n.º 564/78 do Ministério da
Fazenda, o valor residual garantido (VRG) é o preço contratualmente estipulado
para o exercício de opção de compra ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora
na venda a terceiros, do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção
de compra e venda..."
"No caso de a arrendatária optar
pela aquisição do bem o crédito da referida conta será utilizado para o
pagamento do valor residual. Na hipótese de o locatário devolver o objeto do arrendamento
ou ser levado a fazê-lo, como no caso em exame, através da concessão de liminar
de reintegração de posse deferida à arrendadora, cumpre a esta última a venda
do bem no mercado. Se a venda alcançar preço inferior ao residual, obriga-se a
locatária a pagar a diferença a menos. Se superior, receberá
a diferença a mais".
Assim, como à empresa de leasing assiste o direito de receber o
reembolso total de seus custos e despesas operacionais, além do natural lucro,
o VRG funciona como um mecanismo contratual de
garantia à empresa: se o arrendatário exercer a opção de compra, ele se tornará
proprietário do bem e pagará o 'valor residual' em dinheiro, de uma só vez ou
conforme contratualmente avençado; se, todavia, o arrendatário não desejar
executar a opção de compra, opera-se a devolução do bem arrendador e o VRG
serve como parâmetro: assim, se o bem, ao ser vendido pela arrendadora,
alcançar um preço igual ao valor residual, as partes estarão quites; se
alcançar um preço maior, a arrendadora restituíra ao arrendatário a 'mais
valia'; se o preço de venda for inferior ao valor residual, ao arrendatário
cumprirá pagar à arrendadora a diferença a menor.
No tocante à antecipação do valor residual, o posicionamento atual
do STJ é de que tal previsão não desnatura o contrato de arrendamento mercantil.
A esse respeito, havia o STJ editado a Súmula 263 que tinha
posicionamento favorável à descaracterização do contrato de arrendamento mercantil em caso de
pagamento antecipado do VRG, porém, como já é de notório conhecimento, a Corte
Superior daquele egrégio Sodalício, em 07 de maio de 2003, firmou
posicionamento no sentido de que a posição preconizada pela referida súmula não
é mais consentânea com o entendimento da grande maioria dos membros que a
compõem, tendo a Segunda Seção do STJ deliberado em 27 de agosto de 2003 pelo
cancelamento da referida súmula. E a Corte Especial, no dia 13 de maio de 2004,
deliberou pela edição da nova Súmula n. 293 que estabelece: "A cobrança
antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil".
Importa trazer à baila os precedentes que deram origem a tal
construção pretoriana:
"ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO.
DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA CONTRATUAL PARA COMPRA E VENDA À PRESTAÇÃO. LEI
6.099/94, ART. 11, § 1º. NÃO-OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO DA SÚMULA 263/STJ.
1. O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido-
VRG não implica necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem
as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não
descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda à prestação.
2. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do
pagamento da VRG que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário,
deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes.
3. Afastamento da aplicação da Súmula 263/STJ.
4. Embargos de Divergência acolhidos".
(STJ, CORTE ESPECIAL EREsp. 213828/RS; EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL 2001/0067779-5, Ministro EDSON VIDIGAL,
07/05/2003DJ 29.09.2003 p. 135)".
"CIVIL E PROCESSUAL. ARRENDAMENTO
MERCANTIL. ANTECIPAÇÃO DO VRG. NÃO
DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE
POSSE. CABIMENTO.
1 - A antecipação do valor residual garantido (VRG) não desnatura
o contrato de leasing, consoante entendimento pacificado pela Corte Especial (EREsp. nº 213828/RS, EREsp. nº 286649/RS, EREsp. nº
245704/SP).
2 - Firmada a incolumidade do contrato o seu descumprimento rende
ensejo ao manejo da ação de reintegração de posse.
3 - Recurso conhecido e provido apenas para determinar ao Juízo
monocrático que julgue a reintegratória conforme
entender de direito (STJ, REsp. 280833/RO; RECURSO
ESPECIAL 2000/0100321-6, Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, 26/08/2003,
DJ 08.09.2003 p. 332)".
Como visto, o pagamento em parcelas mensais do Valor Residual
Garantido não tem como desconfigurar a avença,
transformando-a em compra e venda financiada, porque, na verdade, o prazo e a
forma do pagamento do VRG não se relacionam à essência do contrato, tornando-se
apenas imperioso que, ao seu término seja oferecido ao arrendatário a opção de compra, que será exercida ou não, conforme o seu
desejo e necessidade.
Ipso facto, ainda que realizado o pagamento
antecipado do VRG, o contrato de arrendamento não restou descaracterizado.
Subtrai-se dos autos, que o Valor Residual Garantido foi
antecipado pelo arrendatário, no momento da pactuação,
correspondente ao importe total de R$5.128,40, sendo
de R$4.000,00 (quatro mil reais) de entrada, além da
diluição em antecipação mensal no importe de R$564,20
(quinhentos e sessenta e quatro reais e vinte centavos), sendo pagas duas
parcelas, sendo certo que somente após a venda do bem pela arrendadora, e,
somente nesse momento, poderia verificar-se, por simples conta aritmética, a
existência ou não de algum crédito a favor do autor, o que impossibilita a
pretensão deduzida em Juízo.
Nota-se que somente com a comprovação da venda do bem poderia ser
apurado se o saldo seria suficiente para cobrir os débitos ainda existentes
junto à instituição financeira, mesmo após o abatimento do valor da prestação
efetivamente paga, bem como da antecipação do valor residual garantido, dando
azo à pretensão apresentada.
No caso dos autos, como se infere da análise dos documentos
colacionados, o apelado pegou empréstimo de R$33.900,00,
mas pagou apenas R$6.055,90, sendo R$4.000,00 a título de parcelas do VRG antecipado, duas
parcelas de R$564,20, de VRG diluído e duas parcelas de R$463,75
cada uma, referentes à contraprestação.
Assim, como in casu, ainda não se deu a apuração do saldo devedor, obriga-se o locatário a pagar a
diferença a menor, já que o apelado assumiu uma dívida de R$33.900,00
e apenas pagou R$6.055,90.
Sendo assim, não é devida a condenação da apelante à devolução do
VRG, tendo em vista que o valor será compensado com o débito ainda pendente de
pagamento.
À vista do exposto, dou provimento à apelação para julgar
improcedente o pedido inicial, invertendo-se os ônus da sucumbência, mas
suspensa a respectiva exigibilidade, em virtude do
autor estar litigando sob os auspícios da justiça gratuita (fls. 17).
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os
Desembargador(es): HILDA TEIXEIRA DA COSTA e ROGÉRIO MEDEIROS.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO.
??
??
??
??
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.06.199432-3/001