ARRENDAMENTO MERCANTIL
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - CONSTITUIÇÃO EM MORA - NOTIFICAÇÃO - ENTREGA NO DOMICÍLIO DO DEVEDOR - RECEBIMENTO POR TERCEIRO - IRRELEVÂNCIA - MORA COMPROVADA - VRG - DEVOLUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO - NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO SALDO DEVEDOR APÓS A VENDA DO VEÍCULO. A doutrina e a jurisprudência têm admitido que, sendo a intimação acerca do protesto entregue no endereço constante do contrato assinado pelo devedor, considera-se suficientemente comprovada a mora, não sendo necessária a comprovação de seu recebimento pelo próprio destinatário. O pagamento antecipado do Valor Residual Garantido não desconfigura o contrato de arrendamento mercantil em compra e venda a prazo. Somente haverá devolução do VRG antecipado se se verificar, após a venda do bem, que o saldo é suficiente para cobrir os débitos ainda existentes junto à instituição financeira, mesmo após o abatimento do valor das prestações efetivamente pagas, bem como da antecipação do valor residual garantido. V.v. Tratando-se o devedor de pessoa física, deve a notificação ser-lhe entregue pessoalmente.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.798960-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): DALVA VIEIRA DE SOUZA - APELADO(A)(S): BANCO ITAUCARD S/A - RELATOR: EXMO. SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO, VENCIDA A REVISORA.
Belo Horizonte, 12 de março de 2009.
DES. ANTÔNIO DE PÁDUA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Dalva Vieira de Souza, nos autos da Ação de Busca e Apreensão proposta pelo Banco Itaucard S/A, perante a 30ª Vara Cível desta Comarca, inconformada com os termos da r. sentença de fls. 77/82, que julgou procedente o pedido inicial.
Em suas razões recursais de fls. 92/98, a apelante alega que, embora tenha deixado de quitar algumas prestações do contrato de arrendamento mercantil celebrado entre as partes, não existe justificativa para a reintegração de posse por falta de requisito legal para procedência da medida.
Afirma que não houve a sua constituição em mora por não ter recebido pessoalmente a notificação extrajudicial.
Alternativamente, a apelante afirma que, ocorrido o pagamento parcial do preço do veículo, possui direito de compra do bem através da liquidação mensal de VRG, o que assegura ao arrendante o recebimento de um resíduo sempre que o arrendatário tiver interesse em adquirir o bem arrendado.
Assim, aduz que, caso a posse plena e a propriedade do bem sejam constituídas ao apelado, deverá ocorrer a devolução do VRG pago nas prestações sob pena de causar enriquecimento sem causa, razão pela qual pleiteia a reforma da sentença.
Preparo às fls. 100.
Contrarrazões às fls. 102/112, pugnando a manutenção da sentença.
Conheço do recurso, presentes sua condições de admissibilidade.
Tratam os autos de ação de reintegração de posse do veículo arrendado à apelante em virtude de um contrato de alienação fiduciária firmado entre as partes, irresignada a apelante com os termos da decisão a quo que entendeu por bem julgar procedente o pedido inicial e condenar a apelante a restituir a posse do bem ao apelado.
Inicialmente a apelante afirma que não foi constituída em mora legalmente por não ter sido notificada pessoalmente acerca da sua mora.
Entendo, data vênia, que não lhe assiste razão.
Nota-se dos autos a existência da notificação extrajudicial em nome da apelante, entregue no endereço em que forneceu como sendo sua residência - fls. 11.
Embora a apelante não tenha sido notificada pessoalmente, restou demonstrado o recebimento por terceiro, no seu endereço, o que por si só não retira a sua constituição em mora.
A doutrina e a jurisprudência têm admitido que, sendo a intimação acerca do protesto entregue no endereço constante do contrato assinado pelo devedor, considera-se suficientemente comprovada a mora.
A comprovação da mora deverá dar-se nos termos do art. 2º, §2º, do Decreto-Lei supra:
Art.2º (...)
§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.
Da leitura do referido dispositivo legal, não há dúvida de que o legislador conferiu ao credor a faculdade de optar por uma das duas modalidades de constituição em mora.
No caso, da análise dos documentos colacionados aos autos, verifica-se que o banco agravante enviou notificação extrajudicial à apelante no endereço constante no contrato, não sendo necessária a comprovação de seu recebimento pelo próprio destinatário.
A finalidade legal da referida notificação é, essencialmente, prevenir que o alienante seja surpreendido pela apreensão do bem dado em garantia, sem ter a oportunidade de saldar o débito, dispensando-se o recebimento da notificação pelo próprio destinatário.
Ora, nos termos do Decreto 911/69, a constituição em mora decorrerá do simples vencimento do prazo para o pagamento, ou seja, a mora opera-se ex re, independentemente de qualquer interpelação judicial ou extrajudicial pelo credor, sendo necessária a carta registrada através do Cartório de Títulos e Documentos tão-somente como elemento probatório permissivo à propositura da ação de busca e apreensão da coisa alienada fiduciariamente.
Quanto à insurreição da apelante referente ao seu alegado direito à restituição do VRG, entendo que também neste aspecto a sentença não está a merecer reforma.
O pagamento antecipado do Valor Residual Garantido não desconfigura o contrato de arrendamento mercantil em compra e venda a prazo. Somente haverá devolução do VRG antecipado se se verificar, após a venda do bem, que o saldo é suficiente para cobrir os débitos ainda existentes junto à instituição financeira, mesmo após o abatimento do valor das prestações efetivamente pagas, bem como da antecipação do valor residual garantido.
No tocante à antecipação do valor residual, o posicionamento atual do STJ é de que tal previsão não desnatura o contrato de arrendamento mercantil.
A esse respeito, havia o STJ editado a Súmula 263 que tinha posicionamento favorável à descaracterização do contrato de arrendamento mercantil em caso de pagamento antecipado do VRG, porém, como já é de notório conhecimento, a Corte Superior daquele egrégio Sodalício, em 07 de maio de 2003, firmou posicionamento no sentido de que a posição preconizada pela referida súmula não é mais consentânea com o entendimento da grande maioria dos membros que a compõem, tendo a Segunda Seção do STJ deliberado em 27 de agosto de 2003 pelo cancelamento da referida súmula. E a Corte Especial, no dia 13 de maio de 2004, deliberou pela edição da nova Súmula n. 293 que estabelece:
"A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil".
Importa trazer à baila os precedentes que deram origem a tal construção pretoriana:
"ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO. DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA CONTRATUAL PARA COMPRA E VENDA À PRESTAÇÃO. LEI 6.099/94, ART. 11, § 1º. NÃO-OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO DA SÚMULA 263/STJ. 1. O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido- VRG não implica necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda à prestação. 2. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento da VRG que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes.
3. Afastamento da aplicação da Súmula 263/STJ. 4. Embargos de Divergência acolhidos". (STJ, CORTE ESPECIAL EREsp. 213828/RS; EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL 2001/0067779-5, Ministro EDSON VIDIGAL, 07/05/2003DJ 29.09.2003 p. 135)".
"CIVIL E PROCESSUAL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ANTECIPAÇÃO DO VRG. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CABIMENTO. 1 - A antecipação do valor residual garantido (VRG) não desnatura o contrato de leasing, consoante entendimento pacificado pela Corte Especial (EREsp. nº 213828/RS, EREsp. nº 286649/RS, EREsp. nº 245704/SP). 2 - Firmada a incolumidade do contrato o seu descumprimento rende ensejo ao manejo da ação de reintegração de posse. 3 - Recurso conhecido e provido apenas para determinar ao Juízo monocrático que julgue a reintegratória conforme entender de direito (STJ, REsp. 280833/RO; RECURSO ESPECIAL 2000/0100321-6, Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, 26/08/2003, DJ 08.09.2003 p. 332)".
Como visto, o pagamento em parcelas mensais do Valor Residual Garantido não tem como desconfigurar a avença, transformando-a em compra e venda financiada, porque, na verdade, o prazo e a forma do pagamento do VRG não se relacionam à essência do contrato, tornando-se apenas imperioso que, ao seu término, seja oferecido ao arrendatário a opção de compra, que será exercida ou não, conforme o seu desejo e necessidade. Ipso facto, ainda que realizado o pagamento antecipado do VRG, o contrato de arrendamento não restou descaracterizado.
Nota-se que somente com a comprovação da venda do bem poderia ser apurado se o saldo seria suficiente para cobrir os débitos ainda existentes junto à instituição financeira, mesmo após o abatimento do valor da prestação efetivamente paga, bem como da antecipação do valor residual garantido, dando azo à pretensão apresentada.
Sendo assim, não é devida a condenação da apelante à devolução do VRG, tendo em vista que o valor será compensado com o débito ainda pendente de pagamento.
Por essas razões, nego provimento ao recurso.
Custas, pela apelante.
A SRª. DESª. HILDA TEIXEIRA DA COSTA:
VOTO
Peço vênia ao eminente Des. Relator para ousar divergir de seu entendimento, pelo que passo a discorrer.
Entendo que a notificação do devedor deve ser direta e pessoal, tratando-se o adquirente fiduciário de pessoa física.
A notificação constitui pressuposto essencial para o desenvolvimento válido e regular do processo, não bastando a simples entrega de carta via Ofício de Registro de Títulos e Documentos endereçada ao destinatário para constituí-lo em mora. Exige-se, para a sua comprovação, que a notificação seja realizada na pessoa do devedor, assegurando-lhe oportunidade de purgar a mora e evitar as demais conseqüências decorrentes da inadimplência, cuja irregularidade acarreta a extinção do processo.
No caso em tela, não restou comprovado que a apelante foi notificada pessoalmente, restando juntado aos autos apenas a notificação extrajudicial (f. 10 TJ) e um aviso de recebimento dos Correios (f. 11 TJ), não constando qualquer assinatura da apelante, comprovando que tenha recebido a notificação.
Dessa forma, não é possível considerar que a apelante esteja em mora, uma vez que não foi notificada pessoalmente da demanda, não lhe sendo oportunizado purgar a mora ou qualquer prazo de defesa.
A respeito, colaciono jurisprudências:
"A notificação para constituição em mora, nos contratos de alienação fiduciária, deve ser pessoal, com a comprovação de seu recebimento pelo devedor" (TAMG, Apelação Cível n. 315.224-9, Relator Juiz Dárcio Lopardi Mendes, j. 21.9.2000).
"Tratando-se de devedor-fiduciante pessoa física, a notificação deve ser-lhe entregue pessoalmente, sob pena de tornar-se ineficaz" (STJ, REsp. 198.184-GO, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 14.6.99; e ainda do TRF, 1ª Região, a AC 1998.01.00.007664-5/DF, Rel. Juiz Ítalo Mendes, DJ 4.08.2000, p. 158).
Diante do exposto, dou provimento ao apelo interposto, considerando inválida e ineficaz a notificação do devedor em mora. Assim, julgo improcedente a ação de reintegração de posse.
Fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor do débito, que devem ser pagos pelo apelado aos ilustres procuradores da apelante.
Custas pelo apelado.
O SR. DES. ROGÉRIO MEDEIROS:
VOTO
De acordo com o relator, coerente com o entendimento que adoto ao julgar casos análogos.
SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDA A REVISORA.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.07.798960-6/001