ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO II

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 283.638-4
VARA CÍVEL DA COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO
APELANTE: LOURDES GORBOLIN DE ALMEIDA
APELADO: MUNICÍPIO DE FRANCISCO
RELATOR: MACEDO PACHECO


APELAÇÃO CÍVEL. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO PARA REINTEGRAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA O JULGAMENTO DA LIDE. AFASTAMENTO. PROFESSORA MUNICIPAL. SEGUNDO TURNO DE AULAS. ESTABILIDADE EXTRAORDINÁRIA. EXEGESE DO ART. 19 DO ADCT. RECURSO PROVIDO.
1. A competência para processar e julgar a causa é da Justiça Comum Estadual, pois a apelante não está pleiteando verbas inerentes à relação de trabalho, em vista de sujeição às regras da Consolidação das Leis do Trabalho. Postula apenas o reconhecimento da estabilidade pertinente ao cargo público, nos moldes do art. 19, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, situação que fixa a competência da Justiça Comum Estadual. (Súmula 137, do STJ)
2. Comprovado o exercício ininterrupto em cargo público municipal, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, sem prévia aprovação em certame específico, faz jus a servidora ao reconhecimento do benefício da estabilidade extraordinária, com fundamento no art. 19, do ADCT, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado, através do devido processo legal, atendendo-se aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº. 283.638-4, da Vara Cível da Comarca de Francisco Beltrão, em que é apelante Lourdes Gorbolin de Almeida e apelado Município de Francisco Beltrão.


Lourdes Gorbolin de Almeida Prolo ajuizou, perante a Justiça Especializada, reclamatória trabalhista com pedido de tutela antecipada em face do Município de Francisco Beltrão, objetivando a reintegração no cargo de professora do "segundo turno", por estar alcançada pela estabilidade prevista no art. 19 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Relatou na inicial que presta serviços à Municipalidade desde o ano de 1982, como professora do "segundo turno", lecionando aulas complementares e, no entanto, após aproximadamente 25 anos de serviço, foi editada a Portaria nº. 320/2001 (em 18 de dezembro de 2001), a qual revogou as Portarias de nºs. 092 e 198/98, que designavam os professores para ministrar aulas em segundo turno, sendo que a partir do dia 31 de janeiro de 2002, não só a reclamante, como as demais colegas que se encontravam na mesma situação, deixaram de ter o direito de lecionar neste cargo. Pugnou, pois, pela declaração de nulidade da Portaria nº. 320/2001, com a consequente reintegração ao cargo relativo ao segundo turno, sem prejuízo de seus vencimentos, para que possa completar o tempo necessário para sua aposentadoria.
O pedido referente a tutela antecipada foi indeferido.
Em sua contestação argüiu o réu, em preliminar, a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito, destacando, quanto ao mérito, não estar configurada a estabilidade no cargo. Aduziu que a reclamante foi inicialmente contratada sob o regime celetista, passando posteriormente a integrar o quadro de servidores públicos do Município de Francisco Beltrão, porque à época da promulgação da Constituição Federal, contava com mais de 05 (cinco) anos de serviços contínuos, enquadrando-se, portanto, nos moldes definidos pelo art. 19 do ADCT. Ponderou que devido ao aumento da demanda de alunos e à deficiência de pessoal, a autora passou a exercer suas funções também no denominado "segundo turno", onde as aulas eram facultativas e dependiam do contingente de interessados e da disponibilidade da mão-de-obra, diferentemente das aulas ministradas no "primeiro turno", que eram permanentes e faziam parte da grade (básica) curricular das escolas. Esclareceu que na verdade, a autora é funcionária do "primeiro turno", ocupante de cargo público e, quanto ao "segundo turno" é uma mera servidora temporária, contratada por tempo determinado, conforme autoriza o Estatuto do Magistério Municipal de Francisco Beltrão, sem estar vinculada, portanto, a cargo ou emprego público, motivo pelo qual poderia ser demitida ad nutum quando considerado desnecessário o serviço excepcional prestado pelos professores. Requereu, pois, a improcedência do pedido.
Houve réplica.
A Vara do Trabalho de Francisco Beltrão julgou improcedente o pedido, tendo, entretanto, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, pela decisão de fls. 330/339, reconhecido a incompetência da Justiça Especializada, encaminhando os autos à Vara Cível daquela comarca.
Após a manifestação da autora e do Ministério Público, o MM. Juiz a quo, julgou improcedente o pedido inicial, condenando a vencida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa (art. 20, § 4º, CPC).
Irresignada, recorre Lourdes Gorbolin de Almeida Prolo, onde suscita a existência de conflito de competência entre a Justiça Estadual e a Trabalhista para o processamento e julgamento do feito, aduzindo, no mérito, que possui vínculo empregatício com Município apelado, em relação as aulas do segundo turno de trabalho e, por isso, adquiriu a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT, não podendo ser privada de exercer o magistério neste cargo, motivo pelo qual, pleiteia a reforma integral da sentença, com a conseqüente inversão dos ônus sucumbenciais.
Com a resposta e a manifestação do Ministério Público de primeiro grau, os autos foram remetidos a este Egrégio Tribunal.
Parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça pela manutenção do decisum.
O recurso de apelação não foi conhecido por este Egrégio Tribunal, em virtude da deserção, tendo a autora se insurgido contra a decisão por meio de Recurso Especial, o qual foi acolhido, entendendo o Tribunal ad quem pela concessão da justiça gratuita à parte e consequente apreciação do objeto recursal.
É o relatório.
Registre-se, inicialmente, que a competência para processar e julgar a causa é, de fato, da Justiça Comum Estadual, conforme decidiu o E.Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Ademais disso, a apelante não está pleiteando verbas inerentes à relação de trabalho, em vista de sujeição às regras da Consolidação das Leis do Trabalho. Postula, como pedido principal, o reconhecimento da estabilidade pertinente ao cargo público, nos moldes do art. 19, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, situação que fixa a competência da Justiça Comum Estadual.
É o caso de aplicar-se o enunciado na súmula 137, do STJ:
"Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar ação de servidor público municipal, pleiteando direitos relativos ao vínculo estatutário".
Portanto, rejeita-se a preliminar de incompetência argüida.
Quanto ao mérito, a ação proposta pela apelante tem por objetivo declarar a nulidade da Portaria nº. 320, de 18 de dezembro de 2001, baixada pelo Prefeito Municipal de Francisco Beltrão, para ser reintegrada no ensino municipal em segundo turno, com o reconhecimento de todos os direitos inerentes ao cargo, inclusive para fins de aposentadoria, invocando as disposições do art. 19, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Razão lhe assiste.
Restou incontroverso nos autos que a apelante, em data de 30/10/1981, foi nomeada pelo Decreto nº. 251/81 para exercer o cargo efetivo de professora com habilitação específica de 2º grau, nível 2, em decorrência de aprovação em concurso público realizado em 16/08/1981. (fls. 77).
De igual modo, suficientemente demonstrado que, desde 08.03.1982 (fls. 78), foi designada para ministrar aulas complementares em segundo turno em escolas municipais e que exerceu a referida função até a data de 18/12/2001, quando então teve a sua designação revogada pelo aludida Portaria nº. 320/2001.
Portanto, comprovado que a apelante, no momento em que foi promulgada a atual Constituição Federal, já vinha exercendo o cargo de professor - sem qualquer concurso - em segundo turno junto as escolas do Município de Francisco Beltrão há mais de cinco anos, fazendo jus, em conseqüência, ao benefício estabelecido no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconheceu como estáveis todos os funcionários da administração pública em geral que se encontrassem naquela situação, ao preceituar:
"Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público."
Assim, pelo fato de já estar há mais de cinco anos exercendo ininterruptamente cargo público municipal, sem prévia aprovação em concurso público específico, deve ter reconhecida sua estabilidade extraordinária, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado, através do devido processo legal, atendendo-se aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
E, nem se diga que esta prerrogativa gera um conflito ilícito de cumulação de cargos públicos, seja porque tal situação encontra-se excepcionada na aliena 'a' do inc. XVI do art. 37 da Constituição Federal, seja porque na conjugação deles não há qualquer fator de incompatibilidade, nem mesmo de horário, pois cada um dos cargos é exercido em períodos diferentes. Ademais, a própria sucessão de leis municipais referentes ao Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Francisco Beltrão (Leis nºs. 662/78, anexo III, fls. 98; 1.202/85, art. 260, II, fls. 148; 1.277/86, art. 21, fls. 173; 1.618/90, art. 5º, fls. 54; 1.683/90, art. 7º, fls. 64; e 2.833/97, art. 31, fls. 234) reconhece a estabilidade dos funcionários que se encontravam na condição específica do disposto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Em caso análogo, já que vários outros professores se encontram na mesma situação da autora, este Egrégio Tribunal teve a oportunidade de decidir:
"AÇÃO ORDINÁRIA OBJETIVANDO O RECONHECIMENTO DE NULIDADE DE ATO MUNICIPAL PARA A REINTEGRAÇÃO DE PROFESSORA NO CARGO DE SEGUNDO TURNO QUE VINHA EXERCENDO HÁ MAIS DE 5 ANOS ANTES DO ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, COM FUNDAMENTO NO DISPOSTO NO ART. 19 DO ADCT - SENTENÇA QUE A JULGA IMPROCEDENTE - APELAÇÃO - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL - NO MÉRITO, ARGÜIÇÃO DE SUA PROCEDÊNCIA,
EM RAZÃO DE SER A REFERIDA PROFESSORA TITULAR ESTÁVEL DO CARGO REFERENTE AO SEGUNDO TURNO EM QUE TRABALHAVA, PELAS CONDIÇÕES PECULIARES EM QUE PRESTOU OS RESPECTIVOS SERVIÇOS, NOS PRECISOS TERMOS DO CITADO ARTIGO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS - INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO NA SÚMULA 137 DO STJ - INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL AFASTADA - PROFESSORA MUNICIPAL QUE, POR MAIS DE 19 ANOS, EM SEGUNDO TURNO, POR DESIGNAÇÃO SUPERIOR, MINISTROU AULAS COMPLEMENTARES, SENDO QUE OS SEIS PRIMEIROS ANOS SE DERAM ANTES DA PROMULGAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL DE 1988 - ESTABILIDADE NO CARGO ASSEGURADA PELO ART. 19 DO ADCT - NULIDADE DO ATO MUNICIPAL QUE AFASTOU-A DO CITADO CARGO - AÇÃO PROCEDENTE - RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1) Súmula 137 do STJ: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar ação de servidor público municipal, pleiteando direitos relativos ao vínculo estatutário." 2. Não é vedada a acumulação remunerada de dois cargos de professor (art. 37, VI, "a", CF). 3. Assim, a professora estatutária que, ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988 estivesse, cumulativmante com o cargo efetivo, lecionando, num segundo turno, há mais de cinco anos (5) continuados, é estável, também nesse segundo turno, por força do disposto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988. 4.Não poderia, nessas condições, o Senhor Prefeito Municipal, demitir, sumariamente, a Professora mediante simples Portaria, no ano de 2001, quando já contava com mais de dezenove (19) anos de serviços." (TJPR - 15ª C.Cível - AC 0266534-7 - Francisco Beltrão - Rel.: Des. Carvilio da Silveira Filho - Unanime - J. 28.11.2007).
Sob este prisma, conclui-se que a Portaria nº. 320/2001, revogadora das designações da apelante para ministrar - há mais de 20 (vinte) anos - aulas suplementares em segundo turno, não pode prevalecer perante o disposto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, na medida em que fere o direito à estabilidade no respectivo cargo ocupado pela professora/apelante.
Registre-se, porém, que embora estável a servidora não é efetiva e por isso não se equipara ao servidor público efetivo no que concerne aos efeitos legais que dependam da efetividade.
A efetividade é atributo do cargo, designando o funcionário desde o instante da nomeação; a estabilidade é aderência, é integração no serviço público depois de preenchidas determinadas condições fixadas em lei, que se adquire pelo decurso de tempo, sendo tratada nos arts. 41 da CF/88 e 19 do ADCT da CF/88.
Por tais fundamentos, julgo procedente a pretensão inicial para: a) declarar a estabilidade da autora no cargo de Professor Municipal em relação ao segundo turno que vinha exercendo, nos termos do art. 19, do ADCT, da Constituição Federal de 1988; b) reintegrá-la no aludido cargo, a partir de 20 de dezembro de 2001 - data da publicação do édito municipal (fls. 30) - com remuneração correspondente, acrescida dos juros moratórios e correção monetária, contados desde as épocas em que deveria ter sido paga, como também com consignação em seus registros do respectivo tempo de serviço.
Pela sucumbência, condeno o apelado ao pagamento das custas processuais e do valor de R$-2.000,00 (dois mil reais), a título de honorários advocatícios, sopesando-se os parâmetros do art. 20, § 4º, do CPC.

Ante o exposto, ACORDAM os Desembargadores integrantes da CIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, por unanimidade de votos em rejeitar a preliminar de incompetência e dar provimento ao recurso.

Participaram do Julgamento os Desembargadores Vicente Del Prete Misurelli e Stewalt Camargo Filho.
Curitiba, 22 de abril de 2009.


Macedo Pacheco
Relator