REPARAÇÃO DE DANOS CONTRA SERVIÇO DE TELEFONIA

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TELEFONIA EM NOME DO AUTOR POR TERCEIRO - NEGATIVAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO - DANO MORAL CONFIGURADO - DEVER DE INDENIZAR INARREDÁVEL. PROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

"'É dever da empresa prestadora de serviços telefônicos indenizar aquele que teve sua esfera jurídica afetada pela falha na prestação do serviço, porquanto permitiu que terceiro de má-fé efetuasse um contrato visando à aquisição de linha telefônica com o simples fornecimento dos dados pessoais da recorrida, a qual teve seu nome inscrito indevidamente nos órgãos de proteção ao crédito' (Ap. Cív. n. 2005.022375-1, Sérgio Izidoro Heil)" (Ap. Cív. n. 2007.061987-9, de Blumenau, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, data da decisão: 19-2-2008).

Empresa de telefonia que, a despeito de alegações genéricas, não se desincumbiu da prova que lhe competia, a saber, a comprovação de que houve a regular contratação dos seus serviços. Ao contrário, há elementos nos autos que revelam a falta de cuidado da apelante ao permitir que terceiro agisse em nome do apelado

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2007.022588-5, da comarca de Jaraguá do Sul (Vara da Fazenda), em que é apelante Telecomunicações de São Paulo S.A. - Telesp, e apelada Mazzi Comércio de Móveis de Vimes e Artesanatos Ltda ME:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, desprover o recurso. Custas legais.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por Mazzi Comércio de Móveis de Vimes e Artesanatos Ltda. - ME contra a Telefônica S.A.

Disse a autora que o seu nome encontra-se inscrito na Serasa, a pedido da ré, com a qual, todavia, jamais manteve nenhuma relação comercial. Daí afirmou a ilegalidade da inscrição, tisnada, ainda, pelo fato de não ter sido previamente notificada do ato, circunstância que, conforme o artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, dá azo ao dano moral indenizável.

A pretensão está fundamentada na legislação em tela.

Em contestação, a Telecomunicações de São Paulo S.A. - Telesp principiou por afirmar que a contratação do serviço telefônico que disponibiliza reclama o fornecimento dos dados pessoaisdo solicitante, de modo que, ou a aquisição da linha telefônica partiu do próprio autor ou de alguém de sua extrema confiança. Aventou, ainda, terceira hipótese, consistente na solicitação por terceiro de má-fé que teria se apossado dos seus documentos. Assegurou que, em nenhuma dessas hipóteses, pode ser responsabilizada pelos prejuízos alegados.

Doutra parte, asseverou que a inserção em órgãos de proteção ao crédito é medida regular e previstano Regulamento do STFC e que não há como declarar indevidosos débitos, uma vez que o serviço foi devidametne prestado. Ao arremate, negou que a postulante tenha sofrido o alegado abalo moral.

Teceu outras considerações que, por brevidade, integram esta suma e, ao final, requereu a rejeição da actio.

Houve réplica.

A pretensão foi julgada procedente, com a condenação da operadora a pagar ao autor o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

Apelou a vencida.

Reeditou os argumentos lançados na peça defensiva e prequestionou o artigo 333, inciso I, do CPC. Na hipótese, todavia, de ser mantida a procedência do pleito, propugnou pela redução do quantum indenizatório, ao argumento de que excessivo e desproporcional ao gravame.

Com as contrarrazões, alçaram os autos.

O recurso foi inicialmente distribuído à Primeira Câmara de Direito Civil, que dele não conheceu e, ato contínuo, determinou a sua remessa para uma das Câmaras de Direito Público.

VOTO

Pretende a Telespa desconstituição da sentença que a condenou ao pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) à autora, a título de danos morais. Refere-se, ainda, à impossibilidade de os débitos que deram azo à inscrição da requerente no órgão de proteção ao crédito serem declarados inexigíveis. Ocorre que não houve pedido nesse sentido, muito menos determinação a respeito no decisum combatido. Inócua, pois, a discussão a respeito.

No que efetivamente interessa, ou seja, quanto à indenização vindicada,assinalou que houve, na hipótese, a prestação do serviço de telefonia contratado pela suplicante e que, uma vez que esta inadimpliu com a sua obrigação, não lhe restou alternativa senão lançar o seu nome no cadastro de inadimplentes.

De início,esclareço que a presente controvérsia deve ser analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor, pois, a despeito da inexistência de relação contratual entre as partes, comose verá oportunamente, aplica-se in casu o art. 17 da Lei n. 8.078/1990, segundo o qual se equiparam aos consumidores todas as vítimas do evento.

Nesse passo, sendo a autora consumidora por equiparação, aresponsabilidade da ré é objetiva, conforme estabelecido no art. 14 do CDC. Não fosse o dispositivo retroaplicável, impunha-se observar a teoria do risco administrativo, porquanto ela estáao alcance do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, em razão da sua condição de concessionária de serviço público.

Feito esse esclarecimento inicial, passa-se à análise do recurso.

Na petição inicial,Mazzi Comércio de Móveis de Vimes e Artesanatos Ltda. - ME,comprovadamente domiciliada no município de Jaraguá do Sul (fls. 14-15),relata que jamais contratou os serviços que deram azo à malfadada inscrição, levada a efeito pela apelante e oriunda do não pagamento dos serviços referentes a uma linha telefônica.

A empresa de telefonia, como é de praxe, infirma tal versão. Sustenta que a ora apelada realmente solicitou o serviço e que se exige, no momento da contratação, o fornecimento de todos os dados do solicitante.

Todavia, não se deu ao trabalho detrazer aos autos oscontratos ou outros elementos que permitissem vincular a demandante às obrigações que lhe foram imputadas, elementos indispensáveisà demonstração da relação de direito material que deu azo à negativação.

Relembre-se que sobre ela recaía a obrigação de comprovar o alegado, comodetermina o art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil. Até porque, in casu, houve inversão do ônus da prova, com lastro no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor.

Em tal contexto,é forçoso concluir que um terceiro utilizou-se dos dados pessoais da empresa autora para solicitar a linha telefônica em seu nome, situação que, lamentavelmente, é uma constante atualmente, vide a quantidade expressiva de processos que versam sobre casos absolutamente idênticos. Do mesmo modo, é nítida a negligência da recorrente, pois certamente não identificou eficazmente a pessoa com quem contratou. Descuidou-se, por corolário, do seu dever de cautela, traduzido na rigorosa conferência dos dados antes da efetivação do serviço. Deve, por conseguinte, responder por sua incúria, jamaisatribuir a culpa pelo ocorrido ao autor.

Tampouco a circunstância de ter havido uma fraude a isenta de sua responsabilidade. É o que reiteradamente vem decidindo a jurisprudência. Dentre os vários precedentes existentes sobre a matéria, destaco e transcrevo julgado do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:

"A apelante sustenta primeiramente que a inclusão do nome da apelada nos órgãos de proteção ao crédito se deu por culpa exclusiva de terceira pessoa que solicitou, de forma fraudulenta, a instalação da linha telefônica em nome da apelada, e que não poderia prever tal ato criminoso, inviabilizando, segundo a mesma, a pretensão indenizatória. Além disso, alega que não praticou qualquer ato ilícito, tendo, ao contrário, agido no exercício regular de seu direito, ao incluir o nome da apelada no SERASA, ante o inadimplemento do titular da conta telefônica. Ocorre que tais alegações não são capazes de retirar a responsabilidade da apelante pelos danos causados à apelada. Isso porque, apesar de ser incontroverso o fato de terceiro ter solicitado a instalação da linha telefônica, com os documentos da apelada, entendo que a apelante, como fornecedora de serviços, deveria ter conferido o endereço da falsa cliente. Vejo que a apelante poderia ter agido com maior cautela e zelo ao firmar o contrato de telefonia com a referida solicitante, exigindo-lhe comprovante de residência, ou, em caso de aluguel, o respectivo contrato, por exemplo. Alega a apelante que foi realizada a devida conferência no momento da consecução dos serviços prestados pela mesma. Ora, se assim o fosse, a apelante teria constatado que a pessoa que requereu a prestação do serviço não residia no local indicado, ou que a mesma utilizou-se dos dados de uma terceira pessoa. Vislumbro, dessa forma, que, a partir do momento que a apelante levou ao conhecimento público a equivocada premissa de que a apelada era a sua devedora, sem tomar as devidas precauções para verificar a veracidade das informações prestadas pela solicitante dos seus serviços, praticou ato ilícito, assumindo a responsabilidade pelos danos que sua negligência pudesse causar" (fls. 228/229).

Em hipóteses semelhantes, esta Corte já decidiu pela existênciade culpa de instituição que, além de não tomar as providências cabíveis no sentido de averiguar as informações prestadas pelo contratante dos serviços, ainda inscreve indevidamente o nome do autor em órgão de proteção ao crédito. Confira-se: "RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. ABERTURA DE CONTA CORRENTE E FORNECIMENTO DE CHEQUES MEDIANTE FRAUDE. FALHA ADMINISTRATIVA DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. RISCO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. ILÍCITO PRATICADO POR TERCEIRO. CASO FORTUITO INTERNO. REVISÃO DO VALOR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Inescondível a responsabilidade da instituição bancária, atrelada ao risco da própria atividade econômica que exerce, pela entrega de talão de cheques a terceiro, que mediante fraude, abriu conta bancária em nome do recorrido, dando causa, com isso e com a devolução do cheque emitido, por falta de fundos, à indevida inclusão do nome do autor em órgão de restrição ao crédito. 2. Irrelevante, na espécie, para configuração do dano, que os fatos tenham se desenrolado a partir de conduta ilícita praticada por terceiro, circunstância que não elide, por si só, a responsabilidade da instituição recorrente, tendo em vista que o panorama fático descrito no acórdão objurgado revela a ocorrência do chamado caso fortuito interno. (...) 5. Recurso conhecido em parte e, no ponto, provido, para reduzir a indenização a R$ 12.000,00 (doze mil reais), no limite da pretensão recursal" (REsp 774.640/SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, DJ de 12/12/2006). Na mesma linha: REsp 556.214/AM, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 17.12.2004; REsp 47.335/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 6-2-1995 (REsp n. 990665, rel. Min. Massami Yueda).

A título de complementação, traz-se, ainda:

[...] a exclusão do nexo de causalidade e, por via de conseqüência, da responsabilidade civil, mediante fato de terceiro, só ocorre quando o fato se revestir das características de imprevisibilidade e inevitabilidade, equiparando-se ao caso fortuito. A propósito, vem o escólio de Wilson de Melo da Silva, segundo o qual: "Se o fato de terceiro, referentemente ao que ocasiona um dano, envolve uma clara imprevisibilidade, necessidade e, sobretudo, marcada inevitabilidade sem que, para tanto, intervenha a menor parcela de culpa por parte de quem sofre o impacto consubstanciado pelo fato de terceiro, óbvio é que nenhum motivo haveria para que não se equipara ele ao fortuito. Fora daí, não. Só pela circunstância de se tratar de um fato de terceiro, não se tornaria eqüipolente ao casus ou à vis major" (TJRS, Ap. Cív. n. 70021799184, rel. Des. Odoné Sanguiné).

Resta saber se é cabível a condenação da operadora de telefonia a reparar pecuniariamente os alegados danos morais, decorrentes da prefalada inscrição.

Ninguém ignora que, no caso de inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral é in re ipsa, ou seja, dispensa-se a sua comprovação. O que seria passível de indagação seria a aplicabilidade desse entendimento também à pessoa jurídica, como aqui ocorre.

Não há, porém, celeuma.

É que o Superior Tribunal de Justiça, iterativamente, declara que "A inscrição indevida do nome da pessoa jurídica em cadastros de inadimplentes gera o direito à indenização por danos morais, sendo desnecessária a comprovação dos prejuízos suportados, pois são óbvios os efeitos nocivos da negativação perante o meio social e financeiro" (AgRg no Ag 777.185/DF, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 29-10-2007).

O tema mereceu aprofundada abordagem no Recurso Especial 1059663/MS, relatora a preclara Ministra Nancy Andrighi, mudando o que deve ser mudado:

Alega a recorrente que, por ser a recorrida pessoa jurídica, o dano moral não decorreria da própria inscrição no cartório de protestos e nos órgãos de restrição ao crédito, mas, ao contrário, a parte teria obrigação de provar o dano para fazer jus à indenização, uma vez que somente a honra objetiva da microempresa poderia ser moralmente atingida.

Embora não se desconheça a regra geral de que as pessoas jurídicas necessitam demonstrar a existência de ofensa à sua honra objetiva para configuração do dano moral, é certo que existe entendimento específico para os casos de inscrição indevida em cadastros de inadimplentes ou de protesto de título já quitado. Em tais circunstâncias, os danos caracterizam-se in re ipsa, isto é, são presumidos, prescindem de prova.

Neste sentido:

"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO INDEVIDA. CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS PREJUÍZOS. VALOR. RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO.

1 - A indevida inscrição do nome de pessoa jurídica em cadastros de inadimplentes gera o direito à indenização por danos morais, sendo desnecessária a comprovação dos prejuízos suportados, pois são óbvios os efeitos nocivos da negativação.

2 - A indenização por danos morais, fixada em R$ 6.000,00 (seis mil reais), não se revela exagerada, ao contrário, apresenta-se de acordo com os padrões da razoabilidade e da proporcionalidade.

3 - Agravo regimental desprovido." (AgRg no Ag 951.736Quarta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 18.02.08 - grifei)

"INDENIZAÇÃO. PROTESTO INDEVIDO. DUPLICATA PAGA. INSCRIÇÃO SERASA. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXAGERADO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. INTERVENÇÃO DO STJ. REDUÇÃO PARA PATAMAR RAZOÁVEL.

- Pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227).

- Protesto indevido com inscrição em cadastro negativo, justifica a condenação por dano moral.

(...)"

(REsp 295.130Terceira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 04.04.05 - grifei)

Destaco, do voto condutor do mencionado AgRg no Ag 951.736da lavra do Min. Fernando Gonçalves, o seguinte excerto:

"Ademais, conforme entendimento assente neste Superior Tribunal de Justiça, em casos de inscrição indevida nos cadastros de restrição de crédito, a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) satisfaz-se com a demonstração da existência da conduta irregular, independentemente da prova objetiva do abalo à honra ou à reputação sofrido pela recorrida."

Deste modo, no que diz respeito à indevida negativação, resta clara a inexistência de motivos para uma diferenciação entre os critérios de apuração do dano moral entre pessoas físicas e jurídicas.

Em tais situações, o efeito nocivo da inscrição nos cadastros restritivos e do protesto indevido são indiscutíveis e a demonstração do dano decorre da própria conduta ilegal, restando afastada a necessidade de comprovação do dano moral.

Nesse mesmo norte: Ag 1085200, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 22-4-2009; Ag 1076368, rel. Min. Aldir Passarinho, DJU 17-4-2009; REsp 759126, rel. Min. Sidnei Benetti, DJU 15-4-2008.

Por fim, não assiste melhor sorte à recorrente ao propugnar pela redução do quantum indenizatório, que não se mostra, de nenhum modo, exagerado. Ao contrário, está até mesmo aquém do montante usualmente arbitrado pela Corte em casos que tais, e atende, vale dizer, o caráter pedagógico-repressivo dessa espécie de indenização.

Pelo exposto, nega-se provimento.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decidiu, por votação unânime, desprover o recurso.

O julgamento, realizado no dia 18 de agosto de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva.

Florianópolis, 20 de agosto de 2009.