MERCADORIA IMPRÓPRIA PARA CONSUMO

CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO - ART. 7º, IX, DA LEI N. 8.137/90 - EXPOSIÇÃO À VENDA DE MERCADORIA IMPRÓPRIA AO CONSUMO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - REDUÇÃO DA PENA PECUNIÁRIA - VALOR FIXADO QUE NÃO ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - ADEQUAÇÃO À CAPACIDADE FINANCEIRA DOS RÉUS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2007.061900-6, da comarca de Chapecó (2ª Vara Criminal e Execuções Penais), em que são apelantes Luiz Pescador e outro, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso, tão-somente para adequar a pena pecuniária. Custas legais.

RELATÓRIO

Na comarca de Chapecó, Luiz Pescador e Lourdes Pescador foram denunciados e, ultimada a instrução processual, condenados à pena de 2 (dois) anos de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para cada apenado, por infração ao disposto no art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/90 (fl. 95), pois, segundo consta no caderno processual, expuseram à venda mercadorias em condições impróprias para o consumo.

Irresignada, a defesa interpõe o presente recurso de apelação, sustentando a ausência de dolo na conduta dos agentes. Alegam, ainda, que deveria incidir o princípio da insignificância, ao passo que a conduta produziu ínfima lesividade.

Assim, pugnam pela absolvição ou, subsidiariamente, pela minoração da pena pecuniária imposta, bem como pela redução do tempo de prestação de serviços à comunidade.

Com as contra-razões, os autos ascenderam a esta Corte, perante a qual, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Pedro Sérgio Steil, manifesta-se pelo parcial provimento do reclamo, a fim de se ajustar a pena pecuniária imposta com as condições financeiras dos apenados.

VOTO

1 Não há como ser acolhido o pleito absolutório, porquanto a materialidade delitiva encontra-se consubstanciada no "auto de intimação" (fl. 17) e no "recibo para destinação fiscal de produtos apreendidos" (fl. 18).

A autoria é incontroversa, eis que confessada pelos acusados em seus interrogatórios (fls. 31/32 e 33/34), e reafirmada pelo fiscal da vigilância sanitária, mediante o depoimento de fls. 58/59, verbis:

"que afirma que realizou, na condição de fiscal da vigilância sanitária, inspeção no estabelecimento dos acusados, em data que não recorda, sendo que foram encontrados produtos com data de validade vencida, medicamentos para venda, bem como produtos sem identificação da origem, tais como queijos; que a respeito dos medicamentos, afirmou que os mesmos não estavam expostos à venda, pois as pessoas sabem da proibição de comercialização de remédios em supermercados, sendo que os mesmos ficam escondidos, à espera da solicitação do cliente; que afirma que no estabelecimento dos acusados não foi encontrada grande quantidade de medicamentos, mas o que se encontrava em tal mercado já era o suficiente para se caracterizar o comércio, e não o uso próprio; que não recorda as quantidades individuais dos medicamentos, mas lembra que se tratava de leite de magnésia, remédios para estômago, analgésicos, etc.; que afirma que fez uma única vez a inspeção no estabelecimento dos acusados; que os medicamentos encontrados estavam próximos ao caixa do mercado; que o queijo encontrado estava dentro de um freezer do próprio mercado; que pelo que recorda a residência dos acusados fica na parte superior do mercado ou nos fundos deste; que não sabe dizer se os acusados tinham filhos, ou quantas pessoas moravam com os mesmos; que foi apreendido a quantia de quatro quilos de queijo; [...] que o freezer em que se encontravam os queijos, ficava dentro do mercado, próximo de uma parede lateral; que o queijo era tipo colonial e estava congelado, pois estava dentro do freezer".

Nesse sentido, já pronunciou este egrégio Tribunal de Justiça:

"Crimes contra as relações de consumo. Alimento impróprio ao uso e consumo. Prazo de validade vencido. Tipicidade. Alimento impróprio ao consumo. O simples fato de um produto encontrar-se com o seu prazo de validade vencido, ainda que apresente seus caracteres físico-químicos e organoléptico normais, por si só, já o enquadra como impróprio ao uso e consumo, como está previsto no artigo 18, § 6º, inciso I, da Lei n. 8.078/90. Apelo desprovido (TACRIM-RJ, 4º Câmara, Acrim 51;441,. Rel. Juiz Flávio Nunes Magalhães, j. 10/8/1994)" (Apelação criminal n. 02.003619-6, da Capital, rel. Des. Maurílio Moreira Leite, j. em 9/4/2002).

Assim, os acusados criaram um risco não permitido, sendo que tal comportamento caracteriza fato típico (art. 7º, IX, da Lei n. 8.137/90) e antijurídico, passível de punição.

2 Contrário ao que sustenta a defesa, o princípio da insignificância não pode ser aplicado ao caso sub judice.

Criado por Claus Roxin, o princípio da insignificância veio complementar a idéia de Hans Welzel, denominada princípio da adequação social e utilizada como regra de hermenêutica, segundo a qual uma conduta socialmente aceita e adequada não deveria ser considerada ilícita, ainda que proibida pela lei.

Para Welzel, a função da adequação social "consiste em recortar das palavras formais dos tipos aqueles acontecimentos da vida que materialmente a eles não pertencem e, em que, com isso, se consegue que o tipo seja realmente uma tipificação do injusto penal" (Direito Penal. Tradução de Afonso Celso Rezende, 2ª tiragem, Campinas: Romana, 2004. p. 109).

Recorrendo ao adágio romano minima non curat praetor (intervenção mínima), o princípio elaborado por Roxin afasta a tipicidade material do fato, isto é, apesar de o fato praticado amoldar-se ao tipo penal (tipicidade formal), não chega a provocar uma ofensa relevante ao bem jurídico tutelado pela norma.

Embora próximos, é certo que os princípios da intervenção mínima e o da insignificância atuam de modo diverso. Enquanto o primeiro

"deve orientar qualitativamente a eleição de condutas abstratas merecedoras de pena, entenda-se, penalmente relevantes enquanto idôneas para ofender determinados bens jurídicos, o que deve ser observado quando do processo legislativo de criminalização. Já o princípio da insignificância atua em uma etapa posterior, qual seja, na esfera judicial, quando, partindo de uma valoração quantitativa da conduta em razão da maior necessidade de proteção da sociedade, determinar-se-á o conteúdo material do injusto, como forma de verificação ou não da exclusão da tipicidade" (MOURA, Genney Randro Barros de. Breves Anotações Sobre o Princípio da Insignificância. Disponível em: praetorium.cowww.m.br. Acesso em 2/7/2007).

Faz-se necessário esclarecer, porém, que na aplicação do referido princípio devem ser apreciados, principalmente, a ofensividade da conduta do agente, a possibilidade de a ação causar periculosidade social e a mensuração do grau de reprovabilidade da conduta.

Na hipótese, em se tratando de saúde pública, onde foi posto em risco a saúde dos consumidores, a aplicação da teoria da insignificância da conduta não tem lugar.

Ora, o princípio da insignificância visa à conduta que, embora tipificada em lei, a sanção penal correspondente mostra-se desproporcional à ofensa cometida. Admitir sua incidência em situações que fogem à fórmula proposta seria o mesmo que difundir a idéia de que o Poder Judiciário estaria chancelando a transgressão da norma penal. É a garantia da impunidade, incentivando o criminoso à prática de novos ilícitos penais, motivo pelo qual afasta-se a sua incidência.

3 Aos acusados foi imposta a pena de 2 (dois) anos de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária valorada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) a ser pago por cada apenado.

Considerando a situação econômica dos apelantes - mormente o fato de que a Sra. Lourdes Pescador percebe, mensalmente, R$ 300,00 (trezentos reais) e o Sr. Luiz Pescador R$ 500,00 (quinhentos reais), conforme declarações de fls. 31 e 33 - considera-se que os valores fixados na sentença objurgada, a título de prestação pecuniária, afiguram-se desproporcionais e irrazoáveis, daí porque se justifica a redução do quantum estabelecido na decisão.

Sopesadas as peculiaridades do caso em apreço, o valor fixado a título de prestação pecuniária deve ser minorado para R$ 300,00 (trezentos reais) a ser pago por cada apelante, valor que se mostra suficiente ao cumprimento dos objetivos de condenação do causador do fato delituoso, a fim de que se abstenham de praticar fatos idênticos no futuro.

4 No que toca ao pleito que visa à redução do tempo de prestação de serviços à comunidade, melhor sorte não socorre aos apelantes.

E isso porque, conforme determina expressamente o § 3º do art. 46 do Código Penal, as tarefas relacionadas a essa reprimenda deverão ser executadas à razão de 01 (uma) hora por dia de condenação.

Ademais, o art. 149, § 1°, da Lei n. 7.210/84, estabelece claramente que o trabalho de prestação de serviço à comunidade terá a duração de 8 (oito) horas semanais.

Nesse sentido, Odir Pinto da Silva e José Paganella Boschi, comentando tal dispositivo, asseveram:

"Essa modalidade de pena, pela legislação brasileira, deverá ser cumprida aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, desde que não haja prejuízo à jornada de trabalho do condenado, em horários a serem estabelecidos pelo Juiz, e tudo de acordo com as aptidões do trabalhador. Aos termos da lei, a jornada não poderá, todavia, ser inferior a oito horas semanais (art. 149, par. 1°, da LEP)" (Apelação Criminal n. 32.351, de Criciúma, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. em 29/11/94).

Ante o exposto, dá-se provimento parcial ao recurso para fixar a condenação em prestação pecuniária para o montante de R$ 300,00 (trezentos reais) a ser pago por cada apelante, mantidas as demais cominações da sentença objurgada.

DECISÃO

Ante o exposto, decide a Câmara, por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso.

O julgamento, realizado no dia 23 de abril de 2008, foi presidido pelo Excelentíssimo Sr. Des. Torres Marques, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Sr. Des. Roberto Lucas Pacheco. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Excelentíssimo Dr. Pedro Sérgio Steil.

Florianópolis, 24 de abril de 2008.